quarta-feira, outubro 01, 2008

Sobre a morte dos bebês no pará...Antes tarde que nunca.

Antes tarde do que nunca.

Resolvi copiar na íntegra o relato revoltante sobre o descaso na saúde pública. Estou revoltada e sei que não sou a única. Graças a Deus. As pessoas estão sempre chateadas com alguma coisa, mas a vida de crianças estão a merce de idiotas que se dizem representante do povo.É incrível como eles dispõe da vida de indefesos. Crianças que seriam o futuro,mas tornam-se símbolo do pior dos seres humanos.
Eis o texto:

11/07/2008

A morte nossa de todos os dias

A morte de 262 bebês somente este ano na Santa Casa de Misericórdia do Pará é um dos reflexos mais cruéis da falência do Estado. Entre os muitos textos escritos sobre o caso, publico aqui o que mais me tocou. É o relato da premiada fotógrafa Paula Sampaio, escrito após uma manhã de cobertura do enterro dos bebês em Belém.
...
Naquela terça-feira, 24 de junho, no cemitério do Tapanã, periferia de Belém, algumas famílias esperavam desde cedo por seus mortos. Recém-nascidos, que haviam falecido na Santa Casa de Misericórdia do Estado, no final de semana. Nove, treze? Afinal, quantos foram ao todo? A notícia "vazou" para a imprensa na noite da segunda-feira. O Jornal da Globo deu manchete... Aí, pronto, estava feito o escândalo. Indagada sobre aquele alto índice de mortalidade na única UTI neonatal pública do Estado, a Secretária de Saúde, Laura Rosseti, disse em entrevista à TV: "Essa taxa de mortalidade é normal, está dentro das estatísticas aceitáveis."
Enquanto isso, no cemitério, naquela manhã, o movimento era intenso: cinco enterros em menos de uma hora. Cerimônias rápidas e com pouco choro. Aos poucos a imprensa foi chegando, curiosos vinham perguntar o que estava acontecendo. Todos esperavam pela chegada dos corpos dos bebês. Mas o carro com as crianças não chegava. Quase 11 horas da manhã, e as famílias começavam a se impacientar. Um dos porteiros do cemitério comentou ser costume a Santa Casa oferecer o transporte, a cova no "cemitério dos pobres", como é conhecido o do Tapanã, além da "embalagem" para os mortos das famílias carentes.
Num dos bancos de cimento do lugar, um jovem chorava copiosamente e enxugava as lágrimas numa fralda, cercado pela família. Perdeu seu primeiro filho. Sua companheira deu à luz na Santa Casa: o parto foi feito por uma tia que a acompanhava, porque nenhum médico apareceu para prestar-lhe o socorro na hora. A criança não resistiu. O pequeno Nicolau, ia ser esse o nome dele, morreu.
Do outro lado do grande salão aberto onde os caixões são recepcionados, mais uma família. O pai de outro dos bebês mortos pergunta para a repórter: "Será que ainda vai demorar? Sabe, eu tô aqui desde cedo. Tenho plantão no serviço, preciso trabalhar, não posso ficar aqui o dia todo."
Sabe-se, pouco depois, que o carro disponibilizado pela instituição para levar os corpos havia quebrado no caminho. Mais espera, mais dor, desrespeito, exaustão. Quase ao meio-dia, sol escaldante, chega a Kombi branca e enferrujada, com os bebês amontoados em caixas de madeira. Silêncio. O carro estaciona na entrada do salão dos mortos. Dois funcionários descem e abrem as portas. As pequenas caixas e três "caixõezinhos de anjo" são retirados rapidamente e dispostos, lado a lado, em um canto do salão. Na tampa de cada um deles a identificação: um número e o nome da mãe. E as crianças não têm nome? Não, só Nicolau, o filho daquele jovem que chorava muito, desde o início.
As famílias se aproximam lentamente. Um funcionário grita: "Essa caixa, não! Tira isso daí, é só uma perna!" Perna? Sim, um pedaço de perna encaixotado para descarte. Na tampa da caixa está escrito: "PERNA", assim, em letras graúdas. Será que o hospital aproveita a ida ao cemitério para se livrar de pedaços humanos que não podem ser levados para o lixo hospitalar?
Um dos parentes dos bebês retira da sacola um martelo e começa a abrir uma das caixas, com a perícia de quem já fez isso muitas vezes. Surge um embrulho. Sim, um pacote branco, que vai sendo aberto lentamente pelo homem do martelo. Um rostinho aparece, como uma flor, emoldurado pelo papel branco com o qual fora embalado. O homem olha, respira fundo... Logo outras pessoas lhe pedem o martelo emprestado e, aos poucos, as caixinhas começam a ser abertas, uma a uma. Um jardim de pequeninos rostos inertes povoa o grande salão dos mortos. Todos, como em uma orquestra, começam a enfeitar seus filhos com flores azuis, algumas brancas, tudo igual.
Um burburinho toma conta do lugar. Outro pai abre uma caixa maior e deixa à mostra dois bebês siameses nus. Curiosos se aproximam. Um dos funcionários do cemitério tenta afastar as pessoas, mas o pai das crianças esbraveja: "Nada disso! Deixa eles verem, são meus filhos, meus! Eu faço o que quiser com eles. Pode olhar, gente, pode olhar. Vocês, da imprensa, podem gravar, podem gravar". Enquanto isso, ele mesmo toma uma certa distância dos corpos e fotografa os filhos com seu celular.
Em seguida, todas as caixas são reunidas em um carro de mão. Um funcionário grita: "Vamos, gente, vamos. Todo mundo já achou o seu? Então, vamos logo, temos que enterrar". E toma a frente, empurrando o carro com as caixas de bebês empilhadas.
O cortejo segue pela alameda principal do cemitério. Depois de uns 15 minutos andando sob o sol escaldante, chega-se ao local onde as covas rasas já estão abertas. Uma grande fileira de buracos. Apressados, os coveiros vão retirando as caixas do carro de mão e colocando-as nos buracos, em seqüência: número 1, 2, 3... Epa! Alguém alerta: "Calma, calma, esse não é o 4, é o 5, é o meu filho!"
O pai de Nicolau, meio afastado de tudo, olha perdido para a fileira de covas, não pode esquecer o rosto do filho morto, a quem viu, pela primeira vez, minutos atrás. O homem do martelo se aproxima devagar, coloca-se ao lado dele, num gesto mudo de solidariedade. Ficam em silêncio. Uma nuvem imensa faz sombra no Tapanã, alívio para o calor infernal. Um cidadão sai falando alto: "Aquela Santa Casa? Aquilo, sim, é um cemitério, um inferno, um cemitério, gente!". E vai embora. As famílias começam a se dispersar lentamente.
No descampado do "cemitério dos pobres" ficam as novas cruzes, algumas flores de plástico e um sentimento estranho, fruto dessa precária condição humana. No dia 28, sábado, a Santa Casa de Misericórdia do Pará admite a morte de mais oito bebês. Foram 20 em sete dias? É isso mesmo? Reconhece também as péssimas condições de atendimento e o déficit de quase 70 médicos.
A clientela do hospital é formada pelos "excluídos socialmente". Gente pobre, meninas que engravidam e não têm nenhum acompanhamento médico, mulheres com saúde frágil em função das limitadas condições de vida: miséria gerando mais miséria e morte.
No jornal O Liberal de 29 de junho, domingo, há um histórico da Santa Casa, criada em 1650, onde glória e decadência se alternam. Lá nasceram personalidades da história do Pará: Almir Gabriel, ex-governador do Estado, a cantora Fafá de Belém... Parece que a própria Laura Rossetti, atual Secretária de Saúde do Estado, também nasceu lá. Eles sobreviveram. Nicolau, não. Ele e mais 19 pequenos seres, pobres, parecem não ter nascido para fazer história, são apenas "estatística", números cravados em caixas de madeira e nas planilhas da burocracia.
Segunda-feira, 30 de junho, uma semana depois das primeiras mortes anunciadas, os jornais estampam a notícia da morte de mais dois bebês gêmeos e uma foto grotesca de uma câmara frigorífica com 14 pequenos corpos. Na mesma matéria, o Governo do Estado informa que já foi nomeada uma comissão de intervenção na Santa Casa, o diretor foi afastado e o Governo Federal já mandou auditores. Pronto! Foi instalada uma CPI. E agora? O certo é que por enquanto, o movimento deve continuar a ser grande no cemitério do Tapanã, para onde vai todo mundo que não tem chance de construir sua própria história, o cemitério dos pobres, como dizem. E esta vai continuar sendo a morte nossa de todos os dias. Um jardim de perdas, cultivado em covas rasas. Nada mais.

http://www.maeducacao.blogspot.com/2008/07/morte-nossa-de-todos-os-dias.html

Paula Sampaio
Fotógrafa
Junho de 2008

4 comentários:

  1. Anônimo5:22 PM

    É gente!
    Nunca pensei que pesoas morressem tanto assim e ninguém fizesse nada. Infelizmente, como diz minha tia Elis, acabei conhecendo as maldades deste mundo muito cedo.Lembro-me ainda quando minha maior preocupação era fazer com que ela gostasse mais de mim do que meu primo Braiann, de São Paulo.Hoje acabo acompanhando as reportagens e vendo que as coisas são muito diferentes do que imaginava e olha que só tenho 10 anos.
    Gustavo Nunes

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  2. Anônimo9:23 AM

    Cada uma que acontece neste mundo!
    Fico pensando aonde isto vai parar.As vezes as pessoas estão tão despercebidas, que não notam as agressões vivenciadas pela humanidade e que partem de outros seres humanos.
    Esta na hora de erguermos a voz e gritarmos contra todos os opressores deste século.
    Chega desta tolerância absoluta na qual estamos meregulhados.
    Realmente nada esta sendo feito.

    Barbara Crisley Savana R Alcantara
    Queimados, Rio

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  3. Anônimo9:28 AM

    Aonde isto vai parar?
    Seremos obrigados a chorar apenas ou esta na hora de gritarmos contra todoas as instiuições que ferem os direitos humanos.
    Engraçado que quando algum bandido é preso, todos os pretensos defensores dos direitos humanos aparecem na porta da cadeia e em frente as camera de TV para exigir que sacanas sejam respeitados.Enquanto isto,crianças morrem em Hospitais e pouco se faz.
    A questão não é falar, é agir.
    Valeu Elisabeth e o pessoal do outros Blog ( maeducaçaõ) por manter vivo este grito!
    Naila Arquimedes
    Iguaba

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  4. Anônimo2:43 PM

    Nossa Elis,
    voc~e realmente encontrou um texto revoltante.
    Só podia esperar isto de você.

    Marcos Calino
    Toscana

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