quarta-feira, maio 11, 2011

Serviço Social e uma echarpe eterna

Esta conversa toda que nos aconteceu aqui no EPA em torno da minha escrita verídica, porém desnecessária - ou não - fizeram vir a tona algumas histórias que me fizeram feliz e fazem parte de minhas memórias.




Uma delas é um caso que me ocorreu em meus primeiros meses no CIC - centro de Integração da Comunidade - Departamento da Associação de Bairro, que me avaliou.

O fato se dá antes da era Poupatempo aqui de São Paulo, o CIC era um departamento de feitura de documentos, atendíamos a diversas pessoas por dia no escritório e ainda íamos á campo fazer Certidão de Nascimento, RG, CPF, feitura de Declaração de Concubinato, preencher LOAS para as famílias darem entrada em Benefícios do INSS entre outros.

Um dia, na verdade uma tarde, quando o posto de atendimento estava instalado na Sub- Prefeitura de Guaianases - nesta época chamava-se Administração Regional de Guaianases - uma senhora pequenina, de olhos espertos e apertadinhos, entrou em minha sala. Seu olhar triste e perdido de quem já tinha batido em todas as portas, acompanhou o movimento da sala, que estava lotada, para variar.

Três funcionários conversando de um lado, uma senhora a choramingar sua situação desesperada e ela sentou-se perto de minha mesa. Seu semblante misturava crédito e descrédito em tudo, um semblante muito conhecido meu, por isto mesmo totalmente fácil de detectar.

Uma hora depois sentou-se à minha frente. Meus colegas continuavam conversando, a sede me matando, o banheiro me esperando e até mesmo o café esfriando na xícara.

Sua história era como a de muitos outros. Desempregada,
Com 65 anos, netos para criar, casa pegou fogo, marido doente, aposentadoria só dava para os remédios dele, ela catava papelão e latinha para comprar os cadernos dos meninos e um arrozinho para eles comer acompanhado de água, que os vizinhos pagaram com sacrifício para que não fosse cortada.
A Esperança estava embotada, mas sabe Deus como ainda existia. Estava ali, esperando ser limpa com a flanela da Solidariedade.
Conversamos bastante, mesmo com o tal LOAS preenchido, afinal, ela precisava ser ouvida. E ela se foi.

Banheiro, água e café e mais alguns atendimentos.

Cinquenta dias depois estava eu sentada na mesma sala quando entrou uma senhora cheia de energia, ainda pequena, mas os olhos agora felizes a me procurar na mesa onde antes me virá, me encontrou em outra, escondida entre uma Azaleia Rosa e uma Margarida do Campo.
Sentou-se esperou. Pelo seu olhar eu percebia uma certa ansiedade, mas percebi de pronto que seu problema inicial fora resolvido. Não entendia sua presença ali.
Seria uma outra necessidade?
Quase duas horas depois ela sentou-se em minha mesa e tirou de dentro de sua bolsinha de couro surrada pelo tempo, R$ 145,00 - Cento e Quarenta e Cinco Reais - que representavam seu primeiro salariozinho. Era meu presente.
Em lágrimas ela me agradeceu, me abraçou e queria a todo custo que eu aceitasse o seu pobre dinheirinho.

Obviamente, com jeito e atenção, entreguei seu dinheirinho, que era uma fortuna para ela e depois de mais um milhão de "Deus te abençoe", ela saiu de minha sala.

Fiquei olhando a porta por onde minutos atrás ela passara e revia sua primeira visita, seu desespero.
Aquilo valia todo o sacrifício que eu fazia para estar ali. nesta época eu tinha 2 empregos e ainda dava aula a noite, aquelas horas que doava ao CIC eram um sacrifício inumano, mas que eu não   abria mão.

Dias se passaram e ela voltou de novo, trazia em suas mãos marcadas pelo tempo, um bichinho de Pelúcia feito com um pote de lencinhos umedecidos, aqueles médios, azuis, e dentro dele uma echarpe linda, que trago comigo, como uma lembrança doce. Aquele presentinho singelo aceitei e mesmo que uma criança já tenha levado o bichinho, ele ainda existe aqui em minha memória.

E na minha memória ele ressoa como um Deus te abençoe eterno.
E Deus tem me abençoado.

Elisabeth

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