quinta-feira, junho 28, 2012

Crime Yoki - Aprende a pensar Brasil

Sobre o crime Yoki...

O advogado Luciano de Freitas Santoro alega que estão manipulando a opinião pública, mas esquece que sabemos pensar e que pelo menos um cházinho da Yoki a gente tem na dispensa de casa.
Aprende pensar Brasil! 
Atirar em um ser humano sentado, a 20 centimetros, esquertejar este ser por horas a fio, ensacar e desovar pela estrada. Pense!
Como assim não foi um crime premeditado?
Como assim agiu sem pensar?
Sem pensar agente dá um tapa na cara de uma pessoa. Sair e ir até um armário ou gaveta e pegar um arma, dá sim um tempo de pensar. E pensar em não fazer uma loucura desta!
Agora, pegar a arma, esperar a pessoa se concentrar em algo e atirar, sem deixar espaço para a defesa, é uma atitude absurda, hedionda mesmo.
Passou the hora de pessoas que executam crimes como este ficar presa para sempre.
Chega de impunidade!
As pessoas brincam com a vida humana, como se fossem de fato responsáveis por elas.
Uma vez que ela atirou, sem pensar, chamasse a polícia, o SAMU ou a Defesa Civil. Agora, esquartejar?
E saber como fazer? Isto sim é algo muito bem planejado.
E o advogado dizer que não foi por dinheiro?
E vamos combinar, se não era por dinheiro, como assim que ela contrata um dos maiores advogados de São Paulo?
Este é nada mais nada menos que um dos mais respeitados e bem preparados advogados. Com um curriculo invejável. Escritor conceituado, autor do polémico Morte Digna, que trata de ortotanásia.
Vai dizer que um profissional deste esta por ai a fazer caridade!
Casais brigam todos os dias e dizem que vão à Justiça pela guarda de seus filhos. O homem abandonou a primeira família, deixando com a ex-esposa, a criança. É fácil imaginar a facilidade de resolver isto.
Hoje existe a Delegacia da Mulher, vai lá dá queixa do marido, faz exame de corpo de delito - porque um tapa de um homem marca o corpo da mulher! O tal exame vai servir como prova contra ele nos tribunais.
Se ele era tão pobre assim como diz o Dr Luciano Santoro, como assim ameçou ela com o poder do dinheiro?
Tem coisas que a gente escuta por ter ouvido e ler por ter olhos e, claro, agradece a Deus por não ter nenhuma deficiência, mas entender como verdade ai vai longe. Só um ignorante, só um ser não pensante acredita nesta barbaridade!
Matou sim e ainda forjou provas para dar a entender que ele tinha saído de casa numa boa. Criando mensagens e enviando para a família.
Esta mulher é um monstro, um ser sem nenhum caráter, sem princípios e sem nada que a iguale as pessoas de bem.
Vergonha na cara Brasil.
Aprende a pensar!
Leia mais sobre o crime Aqui.
Site do Livro Morte Digna, de Luciano Freitas Santoro - advogado de Elize Yoki
Currículo do Jovem Advogado:
  • Graduado e mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 
  • pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra, 
  • especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, 
  • professor universitário e,
  •  membro da World Association for Medical Law
  • Sócio do Escritório Campos Lilla & Ficatti Santoro
     

Contos Femininos - Sogra Madrasta

Sogra Madrasta
Hetebasile Sevla - 2008


            Sou a única irmã,de cinco irmãos,mais velhos que eu.Todos casados,com mulheres maravilhosas, porém sofredoras, pois,embora todos sejam excelente esposos e pois.No entanto, o sofrimento delas, não vem ao caso agora.

             Escrevo pensando em mim.

             Casei-me também.Isto depois de muitas dificuldades. Desde o princípio minha sogra fora contra nossa união.E demonstrou isto de várias formas.

            A primeira que me aprontou, foi dizer que ele era pai solteiro, displicente claro. Não acreditei, mas ela mostrou-me fotos e até cartas de amor antigas. Ri-me muito da situação. Logo depois contou-me que ele era soropositivo, mostrou-me até exames específicos, mas já tínhamos feito os exames pré – núpciais e tínhamos os resultados em mão. Me diverti muito de novo.Afinal, ela era enfermeira aposentada...

           De outra feita a Beth Davis resolveu forjar um encontro entre um ex-namorado e eu. Outra catástrofe em seus planos maquiavélicos, já que o rapaz informara antes meu noiva dos desígnios da megera.

          Nova diversão.

          Isto para mim, claro. De nenhumas destas ‘brincadeiras’ Bruno sorriu. Ficava indignado com as artimanhas de sua mãe.

         O que revoltou de fato nossas famílias foi o que a Lucrecia Borges aprontou em nossa lua de mel.

        Viajamos uma semana depois de casados, atrasados por um infarto sofrido pela Senhora do Destino na recepção, durante o brinde. Um espetáculo à parte. Digno de um Oscar.Internação, recomendação de repouso e tudo o mais que a velha tinha direito.

        Voamos para Gramado, deixando a Sucuri aos cuidados das filhas.

        Hotel lotado, embora houvéssemos reservado  apartamento antes, teve alguma confusão, que não entendemos direito ao chegar, fomos dormir exaustos.

        De manhã, logo cedo somos despertados pela jararaca, que sorrindo adentra a suíte, vinda do quarto ao lado, que julgávamos ocupado   por outro hóspede. Um absurdo. Abrindo as cortinas  do quarto a tagarelar,m indiferente às nossas poucas roupas e cansaço.

        Desta vez não sorri. Entrei em depressão! Procurei em minha memória um pecado gravíssimo que justificasse tamanho sofrimento. Pulei da cama revoltada, joguei  minhas roupas na mala e determinei:”Bruno, vamos embora”

        Ela abriu a boca a chorar, uma chantagem absurda, segurando-o.Nem ao menos olhei para trás, saí do quarto, entrei no elevador e chorando sai pensando em anular o casamento ou envenenar a sogra.

       Lá embaixo um Bruno cansado esperava-me, praticamente morto  por ter decido uma porção de andares, correndo escada abaixo.

       Nem conversamos. Entramos  no táxi fomos para o aeroporto.

       Lá, determinado a continuar nossa Lua de Mel, Bruno conseguiu trocar nossas passagens com outro casal e fomos para Florianópolis, onde passamos 15 dias maravilhosos, com os celulares desligados e sem ligar para ninguém.

      De início cogitávamos em sumir do planeta, mas temos nossas profissões carreiras em São Paulo e minha família vale a pena.

      Se esta história fosse um filme, poderia ser dividida por frases como esta:”Enquanto isto...”Pois é, como sumimos sem deixar rastro, a megera foi a casa de meus pais atrás do filho.

      Como nossos vestígios terminavam no aeroporto de São Paulo, já que o casal que nos ajudara não trocara substituirão os dados da passagem, a digníssima senhora acreditou que meus familiares escondiam o paradeiro do filho dela.

      Foi assim que as madrastas se encontraram. Minha mãe é quase satânica  como sogra.Sempre intrometeu-se nos relacionamentos de meus irmãos. Chega sem avisar.Liga a toda hora. Implica com o jeito das noras administrar suas casa. E defende os filhos, intrometendo-se em quaisquer que sejam as rusgas por eles enfrentadas em seus relacionamentos matrimoniais, transformando-as em brigas homéricas.

     Quando minha sogra contou a última na sala da casa de minha família, minhas cunhadas acercaram-se de minha mãe, beijando-a e agradecidas.

      Imagine a cena!

     Aquelas noras que constantemente sofriam em suas mãos, agora agradeciam por sua bondade até.

     Minha mãe ficou tocada. E a atitudes de minhas maravilhosas  cunhadas acabou por mostrar à minha mãe a extensão de meu desespero.

      Minha mãe soltou –se das noras e literalmente passou para o ataque. Passou das palavras para a atitude e sob os olhares de minhas família estupefata, pulou no pescoço de minha ‘dolce’  sogrinha, estapeando-a e ameaçando das Chamas do Inferno em vida se ao menos ela se aproximasse de mim outra vez.

     Quinze dias depois chegamos a São Paulo. Celulares ligados, descobri que nos últimos 13 dias a preocupada senhora não deixara nenhum recado na Caixa Posta de  nenhum de nossos aparelhos e nem da secretaria eletrônica.

     Liguei para minha mãe avisando que estava de volta. E da sogra nada. Um dia inteiro sem sinal dela.Eu não estava nem aí, lembrando-me ainda do espetáculo patrocinado por ela no início de nossa Lua de Mel. E Bruno muito menos.

     Na noite segfuinte, fomos a casa de meus pais jantar.

     Quando chegamos encontrei minhas cunhadas entretidas na cozinha com minha mãe, todas sorrindo e felizes, meus irmãos jogando cartas  na sala com meu pai. Quase sai de cena, pensando ter entrado na casa errada.

     Afinal meus irmãos viviam protegendo suas esposas do contato com mamãe. Meus sobrinhos corriam pela casa, como se não existisse ali uma avó para brigar com eles pela bagunça na sala. Ruan, meu irmão mais velho, levantou –se para me abraçar. Mas o que quase mata   Bruno e eu de susto foi ouvir minha mãe dizer, ainda da cozinha, às noras:”Filhas, sua irmã chegou”.E saírem todas felizes para nos ver, matar a saudade.      Transformadas.

    Horas depois, descansando todos na  varanda, Julia, esposa de Donato, meu irmão mais novo, contou – nos o motivo da transformação da minha mãe, que de sogra malvada, passara a amiga delas e que com isto conseguira a leveza que podíamos sentir palpável no ar. Bruno foi quem mais se divertiu imaginando o susto que a mãe passara com a ira de minha mãe e todo o restante da família atentar retirar minha mãe de cima dela.

     Ao final da noite, quando chegamos em casa, felizes ainda, nossa paz se mostrava ameaçada pela luz vermelha da secretaria eletrônica, que piscava absoluta na sala. Estávamos certo que era a mãe dele. Bruno pediu que eu só pegasse o recado pela manha, mas não achei justo,afinal passara a tarde com minha família e era justo ao menos ouvir seu recado.

      Murmurando que me arrependeria, beijou-me e jogou-se no sofá, deixando para mim a decisão de ouvir o recado ou não.

      Apertei o botão.Qual não foi minha surpresa, quando, com uma voz excitante, porém facilmente reconhecível, ouvi a sanguessuga dizer ”Carmem, minha querida, me perdoe de verdade. Sua mãe ligou avisando que  você chegaram ontem. Quando consegui, me ligue, para que possamos começar de nov. Caso não queira, entenderei. Sei que fará meu filho feliz.Boa sorte” E o estalido do telefone sendo posto de forma delicada no gancho.

      Seria o fim da sogra madrasta?

      Foi sim. Dona Maria hoje praticamente marca  hora para ver os dois netos que a adoram e que já quebraram metade das porcelanas de  sua cristaleira, com boladas e mais boladas em seus jogos intermináveis , que acontecem até dentro de casa com sua fiel supervisão.

      Isto por que ela e minha mãe dividem a tarefa de cuidar deles, quando estamos trabalhando, é uma verdadeira Marin Poppins.

     Ficaram para trás os dias de Beth Davis, na verdade reina a paz na casa de Poliana. 


Hetebasile Sevla
Postado Originalmente em Recanto Das Letras

terça-feira, junho 26, 2012

Urgente! Políticos com febre aftosa!

Pedro Arruda - Fragmentos

Pedro Arruda - Fragmentos

Início do Livro 3 – Leonel Arruda.
Pedro Arruda

Era uma manhã fria e chuvosa. Sentada à beira do caminho, uma mulher chorava, tendo no colo um meninozinho magro que dormia. O chão de terra batida, denunciava o passeio diário de carroças e cavalos. Era a passagem central da pequena vila. As árvores outonais perdiam suas vestes diminuindo as copas e eliminando as chances de qualquer ser se esconder sobre seus ramos.
A mulher sentada sobre as pedras tinha os olhos cálidos e mesmo as lágrimas e tristeza não conseguiam apagar o brilho natural de uma beleza impar. A seu lado jazia esquecidos uma mala mal fechada, um véu e um cachorro que conhecera dias melhores que gania triste.
Pedro Arruda andava entretido em sua bela charrete, tocando sua harpa, indiferente as tristezas do dia que nascia sem sol e quase sem vida. Não notava as folhas que caiam pelo chão, a água da chuva fina e o frio. Dentro de sua charrete seguia feliz a meditar no futuro que se descortinava a sua frente. Casando-se com uma Lopes deixaria para trás seus dias de andarilho e artista mal remunerado.
Tudo bem que até a presente data vinha se arranjando com sua arte, mas sabia que havia músicos melhores no país e seu talento não fora devidamente reconhecido. O mundo era sempre injusto com ele. Agora seguia para a casa simples onde morava com sua doce Julia e seu filhinho. Pena Julia ser uma pobre órfã, se fosse uma herdeira como Sara Lopes, já teriam se casado, mas agora, com o casamento com a rica jovem paulista, ele poderia dar apoio a Julia. Dar conforto a mulher que amava.
Quando a charrete passou pela curva da estrada, o condutor parou-a de repente. Pedro irou-se pois tinha presa de chegar ao vilarejo onde estava sua Julia, quando gritou sua indignação ao condutor, ele avisou-lhe que a dama estava na estrada.
A dama? – pensou Pedro confuso. No entanto o choro delicado de Julia entrou em seus ouvidos. Ele ergue-se rápido e a viu ainda sentada na estrada indiferente ao cocheiro que se aproximava dela dizendo que o amo a esperava no carro. Pedro a colocou na charrete aflito e ela começou sua choradeira incrível. Nada do que dizia podia ser compreendido. Era um amontoado de miados forte e nada mais. A única coisa que entendeu fora que a Polícia invadira o casebre deles e exigiram que o deixasse.
Clóvis, o condutor da charrete tomou outro caminho, sem nada perguntar a Pedro e os levou a Estalagem. Ali Pedro hospedou-se com sua pequena família.
Ao ver aquela que amava tão doente, Pedro prometera a Deus em suas orações desesperada que se ela e o filho sobrevivessem aquela enfermidade, ele mudaria e se casaria com ela. Disse-lhe entre um delírio e outro que deveria ser forte pois eles iriam se casar e viver em algum lugar bem bonito, onde criaria Germano.
Seu sonho de se aças a com a rica herdeira sendo esquecido ao ver a doce Julia sofrer dia a dia, sem esperança.
No quinto dia Julia acordou mais corada e o médico, que veio vê-la pela manhã, disse que se ela continuasse a melhorar assim, no final da semana seguinte poderiam seguir viagem.
Na manhã seguinte veio a surpresa que mudaria a vida do esnobe e intratável Pedro, Julia e o pequeno Germano amanheceram mortos. A chuva fina e o frio acabaram por destruir as poucas forças da bela mulher e nem mesmo o tratamento indicado pelo médico da vila pudera restaurar-lhe as forças, nem o menino escapara.
Pedro enterrou a mulher e o filho na mesma cova, no cemitério da pequena vila. Um médico, Clóvis e ele foram as únicas pessoas que prestigiaram o enterro daquela que fora a razão de sua vida e que ele deixara só.para correr atrás da rica herdeira dos Lopes..
Clovis, seu fiel escudeiro e cúmplice em suas atividades ardilosas, viu um vulto no cemitério e o seguiu, mas não conseguiu encontrar a pessoa que observava o enterro de forma tão interessada, escondido entre as árvores.
No momento da dor, Pedro não deu atenção ao fato e assim deixou para trás a oportunidade de criar uma situação favorável para seu intento. A dor de perder seus queridos o impedia de perceber que alguém realmente o seguia e que para livrar-se das especulações futuras deveria criar uma desculpa favorável a seus planos.
Ao voltar a São Paulo encontrou toda a família de Sara revoltada contra ele. Sabiam que ele tinha uma mulher e filho na cidade do Rio e que esta morrera. A cisma de Clóvis era verdadeira. Alguém realmente o seguira e descobrira seu segredo.
Pedro não conseguiu enganar os Lopes, mas ele conhecia as fraquezas da noiva, conseguiu convence-la de que seus familiares não gostavam dele e eram capazes de inventar qualquer desculpa para impedir o casamento.
Não houve nada que a família Lopes dissesse ou fizesse que mudasse o coração de Sara. Assim, numa manhã de inverno, alguns meses depois da morte de Julia, Pedro levou Sara embora da casa de seus pais. Casaram-se escondidos, alegando um amor incondicional, o padre, que conhecia a doce menina, não conseguia ver em Pedro o monstro desalmado que os Lopes viam. Era um dos que torciam pelo amor do jovem e belo casal.
Maria Lopes morreu de desgosto,meses depois, o que veio a ferir o doce coração de Sara. Que não se perdoava pela decisão precipitada.
Meses depois nasceu Jair. Sara o teve sozinha no mesmo casebre que Julia vivera com Germano. Nem um vizinho ou amigo por perto, só a floresta e o lago a cantar pela janela, um canto de morte. Três dias depois Pedro os encontrou, a princípio prensou que ambos estavam mortos, mas logo ouviu o choro fraquinho do menino.
Sara não teve nem mesmo uma cova, seu corpo ficou esquecido na velha casa e Pedro seguiu com a mala e o filho, que pretendia deixar no primeiro orfanato que encontrasse. Na mala que fora de Sara havia apenas algumas roupas de bebe que ela fizera com os forros de seus vestidos de festa e suas anáguas de algodão, uma foto com moldura dourada estava esquecida no fundo falso da mala, junto com uma carta de amor, que não chegara às mãos de Pedro.
Dois anos depois, durante uma apresentação musical, onde ela fazia uma participação tocando ao piano, conheceu Flora Correia. Flora se apaixonou de pronto pelo belo menino e seu pai. Para desespero de sua família, que vinham em Pedro um aproveitador e não um sofrido viúvo, que era como ele se apresentava.
Este era Pedro Arruda, um homem que sabia sempre adequar sua situação de modo a conseguir alcançar seus objetivos. Conseguia transformar qualquer fato contrário a seu favor, como fizera com o nascimento do pobre Jair, que desistira de encaminhar a um orfanato, para utiliza-lo em uma nova conquista

segunda-feira, junho 25, 2012

Vem ai, Blogagem Coletiva - Pureza do Evangelho

Em Comemoração do Dia do Amigo, que tal inovar  e combinarmos uma Blogagem Coletiva?
Afinal, dizem que os Blogueiros Evangélicos são dispersos e que não se unem por causa de um propósito.
Se você não concorda, prove que é uma mentira e entre nesta:

Blogagem Coletiva - Pela Pureza do Evangelho


Para participar, escreva um texto mostrando que o Evangelho é simples, puro, sem remendos e sem sacrifícios e, que a única coisa que devemos tomar sobre nós é a cruz e seguir ao Senhor.
Com presença confirmada de Tiago Santos do Cristo Hoje.
Elisabeth Lorena Alves 
Sergio Carlos da Silveira do Ser Cristão.

Marcio Mendes do Vozes da Reforma
Walter FIlho do Blog do Waltim
Confirme sua participação!

Assuntos a serem abordados dentro do tema:
- Modismo das canções e seus males.
- Evangelho Simples e Pureza do Evangelho
- Diferença entre Gospel e Evangélico
- Mercantilismo da Fé
- O que é viver a Verdade

Primeira Postagem 
(A Blogagem Coletiva de fato)
No dia 20 de Julho, com o texto original no próprio Blog ou site do participante.

* Opcional

De 21 a 29 de Julho, todos postaremos o texto dos amigos participantes.

Segunda Blogagem
No dia 30 - todos os interessados Postarão em seu site ou blog, uma entrevista (que pode ser por vlog, audio ou escrita) do blogueiro participante  que a pessoa escolher.
Detalhe: Se tiver interesse, poderá ser adquirido através do e-mail de cadastro ou através de pedido pelo comentário deste post em qualquer blog em que ele estiver inserido, um formulário de ENTREVISTA padronizado.
Os que desejam participar, podem adicionar seus links  ao comentário desta Postagem ouescrever para eliselorena@yahoo.com.br



Data da Blogagem:
Dia 20 de Julho de 2012 -
(Dia do Amigo)
Ultima Postagem 
Dia 30 de Julho
(Dia Internacional da Amizade)



Realização:
Apoio: IPCO-Brasil
(Cuidamos para que sua Festa seja um Sonho)

Divulgação:
Marcia do site e Igreja Monte Sinai
Marcio Mendes do Vozes da Reforma

domingo, junho 24, 2012

Vuver a Verdade - Por Tiago Santos


Viver a Verdade
Por Tiago Santos


Viver na verdade É + que uma escolha, É uma necessidade!

Estar e permanecer na verdade é + que uma necessidade...

É uma obrigação.

Entender a obrigação e cumpri-la da forma correta é pra poucos!

Os poucos serão cada vez mais poucos.

Muitos através da cultura errônea querem, só querer não dará o direito a ser...

 A Graça nos da o direito, mais também nós obriga a praticar.

Não é pela pratica, mais sim pela Graça, mas pela Graça temos o dever de ser participantes e praticantes.

Por vivemos o Evangelho/Cristianismo, sim por viver nele desta forma errada, afinal nos mesmo estamos o destruindo, isso é Bíblico.

Jamais teremos a tal restauração na Igreja que muitos estão a sonhar e pregar, a coisa a cada dia ficará mais preta, esta tudo na beira do ralo. Simplesmente já era, já foi e não voltará. Por mais que estamos a lutar contra o joio, acho que poucos resultados obteremos,
Mais temos o dever de fazer nossa parte em lutar contra.

Pelo que vejo, em cada minuto nasce uma nova heresia. Em cada segundo se aproxima o fim, para entrarmos no começo. Não há mais tempo pra brincarmos de ser Cristão, em breve vira o Arrebatamento.
É claro que a Igreja de Cristo não será destruída

Quem é injusto, faça injustiça ainda; e quem está sujo, suje-se ainda; e quem é justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja santificado ainda. (Apocalipse 22:11).

Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos. (Mateus 22:14).

Mostrem as palavras, quem é a Palavra!

Se estou errado me provem, caso contrario me apoiem.
 
 
 

Uma Carta a Silas Malafaia - enviada ao site Vitória em Cristo


Olá Senhor Silas Malafaia

São cães devoradores, insaciáveis. São pastores sem entendimento; todos seguem seu próprio caminho, cada um procura vantagem própria. (Isaías 56:11)

Meu nome é Elisabeth Alves, sou brasileira, uma paulista vivendo para o Senhor na cidade de Manaus. Em minhas horas vagas, utilizo a Internet para estudar, ministrar sobre vidas, orar e escrever mensagens como blogueira. Sim, faço parte do Universo que o senhor abomina.
Quando o senhor fala contra meu direito de participar de um blog ou site, esta ferindo um princípio Constitucional que diz: IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (Artigo Quinto da Constituição Federal).
Ao longo dos anos os líderes religiosos passaram para a população cristã em geral o receio do Inferno quanto ao levar outro irmão à Justiça Humana, usando para isto um versículo Bíblico, mas sabe porque isto? Não era zelo pela Obra e nem pelo bom nome do Evangelho! Era preparando o caminho para as muitas Teorias religiosas de manipulação, pois não queria eles serem incluídos na Justiça, por exemplo, enquadrados no Código Penal (Lei 2848/40), no artigo 171:- Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. E manipular as pessoas para ofertarem até o que não tem é exatamente isto: usar de meio fraudulento para adquirir vantagem ilícita para si.
Para um tolo, uma verdade diriam os mais velhos. Para o astuto eis a Lei senhor Silas Malafaia.
Não vou tecer minha revolta com a Bíblia, embora saiba que o que escreverei a seguir tenha embasamento bíblico e tenha até algo a ver com a Palavra, pois vivo a Palavra, luto para que exista em nossos dias a chamada Pureza do Evangelho.
Como todo brasileiro que possui um serviço de Internet ou meio para usá-lo, tive acesso a tua carta aos blogueiros e tenho que dizer, me decepcionei demais. Mas os homens sempre nos decepcionam, Jesus não.
Foste em tempos áureos e quando o Marketing não fazia parte de tua vida, uma grande pregador, lembro de tu pregando sobre os males do mercantilismo na Igreja, contra Políticos nos altares, contra o G12 e muitas outros dogmas que tu classificava como prejudiciais a Igreja enquanto noiva do Senhor. A propósito, o vi pregar ao vivo, quando estive no Rio de Janeiro no início dos anos 2000 e já estavas a mudar tua temática, diga-se de passagem.
Quanto a tua carta...
Dizes que és a voz apologética, mas não és mais! Há muito deixou de pregar o Evangelho que salva e liberta e passou a priorizar as coisas daqui. Há muito passastes do lado dos que defendem os mais fracos para o lado do que os oprime.
Dizes que não tem nada a explicar e nem a responder, mas com isto estás sendo o ditador de altar que sempre criticou.
Diferente da maioria dos brasileiros, os verdadeiros cristãos tem boa memória e nos lembramos sim de quando era apenas um grande pregador de bigode horroroso, mas um cristão transparente.
Jesus não veio ao mundo para enriquecer ninguém,e, muito menos os pastores, como é crível nos dias atuais. Até porque há muitos anos os pastores tem enriquecido, comendo do lombo das ovelhas e martirizando os missionários, mas ninguém nunca faz nada a favor.
Dizes que a internet é Terra de ninguém e está se igualando com outra pessoa que abominas, que para evitar que os fiéis de sua denominação acompanhe notícias sobre sua pessoa, incentiva pelo menos 2 jejuns de TV, Jornal e agora de Internet, para que possa assim manobrar a mente de todos conforme seus próprios interesses. A Internet, como a TV, os Jornais e as Revistas servem sim para que possamos conhecer quem de fato são aqueles que se dizem nossos líderes. É através destes meios que podemos conhecer as falcatruas, as ideologias e as baixarias que alguns ditos líderes cristãos andam aprontando.
Até o ano de 2007 assistia teu programa com carinho e muitas vezes me entristeci de não poder ajudá-lo, mas hoje, agradeço a Deus por não me sentir responsável por isto que o senhor se tornou.
Diferente do que acredita, não oro para que cai no pecado, oro para que saia dele e volte ao lugar de onde caíste. Sei que o antigo Silas Malafaia, teria a hombridade de chegar-se ao público e redimir-se de seu desvio. Eu sei que buscar o seu próprio bem deve sim ser agradável e principalmente quando parece que grandes pregadores, que admiramos, aderiram a esta forma de Evangelho, pode parecer certo, mas o senhor sabe que este negócio de PARECER é satânico e que devemos fugir de tudo o que tem aparência de ser certo, mas que quando confrontado com as Palavras de Cristo, torna-se como palha.
Viver em novidade de vida não é viver de rasgar a verdadeira fé e transformá-la ou adequá-la as Ideologias da Sociedade contemporânea, que vive esta sanha capitalista que arruína sim as pessoas que jamais poderão alcançar este patamar exigido por alguns.
Infelizmente o senhor e outros pregadores deixaram de ser pastores e tornaram-se astros, transformando as demais pessoas em reféns de um pensamento insano de enriquecimento sem trabalho. Transformaram a Igreja do Senhor Jesus em comércio, em covil de salteadores, deixaram de pregar a Verdade, doesse ela a quem doesse, desfizeram o Ministério de Jesus, condicionando as bençãos advindas pela Graça ao que se pode ofertar.
Já vi pregadores, que o senhor abominava antes, afirmar que as pessoas que são pobres, que não tem condições de ofertar com ofertas gigantescas – por não possuir fundos para isto – não são de fato servas do Altíssimo e, pelo que tenho visto com esta transformação em teu ministério pessoal, também acreditas nisto.
Assim como alegas que não podemos julgá-lo – apodemos sim analisar tua vida pois a Bíblia afirma que pelos frutos conhecemos a árvore, então estamos apena solhando que tipo de frutos tu tem dado – tu e teus companheiros – e eu poderia usar outro adjetivo aqui – não podes afirmar que temos inveja de ti, porque não temos. O que temos é uma grande preocupação motivada pelo amor que gerastes em nossos corações, mas que agora desprezas, tentando plantar em todos nós o ódio a ti, para justificar tua revolta. Sim, tu revolta-se contra nós, pois crias que estávamos manipulados de fato por tua 'carinha agradável' mas agora descobres o quanto estavas enganado. Não somos raça de manobra, somos filhos do Altíssimo, povo santo, escolhido para viver em novidade de vida e esta nada tem a ver com dinheiro, com 'chuvas de bençãos' e com terremoto de poder. Esta novidade de vida tem a ver com viver livres das amarras do pecado, mas também com viver livres das amarras dos falsos religiosos, pessoas que se dizem cristãos, mas não são, pois lançaram Cristo de volta a condição de Verbo e ainda manipularam toda a Verdade santa a ponto de nos apresentar um Evangelho capenga, sem substância.
As pessoas que entram nesta de vender até o almoço para “abençoar” teu ministério acabam descobrindo que estão endividando-se e ficam a beira do caminho perdida, sem nada para contar e nem mesmo a amizade de Deus, pois o anularam quando desistiram de acreditar que servir a Deus nada tem a ver com riquezas e sim com fidelidade. Muitas destas acabam se tornando duras, e algumas até tornaram-se agnósticos e ateus.
Me pergunto como eu viveria ao me sentir responsável por vidas que abdicaram do direito de crer em Deus por minha exclusiva culpa, por eu ter agido de forma que os tornassem duros? Eu me puniria, pode crer, pois apesar de saber que é lícito que venha o escândalo, eu jamais aceitari ser um dos que escandalizam os pequeninos do Senhor.
Por culpa de senhores líderes ditos cristãos como o senhor, vivemos uma época de crentes sem tutano, aptos para viver eternamente na idade do leite e, esta mensagem que vocês pregam é mesmo isto, um leite vagabundo acrescidos de sabor artificial, porém viciante, que esta neutralizando o organismo destes novos cristãos que não tem a capacidade de ler a Bíblia sozinho, sem ajuda de métodos direcionais, como estas Bíblias malucas que editoras, como a tua manipula. Bíblias da Mulher – então ela não precisa de ler as partes para o homem, Bíblia das promessas, então eu não preciso conhecer o que me acontecerá se Cristo voltar hoje e eu estiver preocupada com o meu futuro a longo prazo. E por ai vai.
Não vou perder meu tempo digitando aqui todas as referências que o classificam como mercenário, pois o senhor sempre teve orgulho de dizer que conhecia a Bíblia, sendo assim, deve conhecer cada um dos versículos e passagem que anulam tua atitude como homem de Deus, assim como entende que as passagens que usa como base para tua atual pregação, é usada de forma isolada, manipulada por enxertos em outras passagens também fora de contexto. Só que existe um versículo que quero usar para fechar esta carta: Recomendo-lhes, irmãos, que tomem cuidado com aqueles que causam divisões e colocam obstáculos ao ensino que vocês têm recebido. Afastem-se deles. Pois essas pessoas não estão servindo a Cristo, nosso Senhor, mas a seus próprios apetites. Mediante palavras suaves e bajulação, enganam os corações dos ingênuos. Romanos 16:17-18. E porque o uso? Para dizer-te que estou observando esta recomendação e que como os crentes da Igreja de Beréia (Atos 17-10 a 15), utilizo a Bíblia para refazer o caminho até Cristo, através de pesquisas fundamentadas única e exclusivamente na Bíblia, que é um livro Metalinguístico e como tal, não precisa de outros para se explicar.
Usando de meu direito de livre expressão e deixando clara minha identidade, que é algo garantido pela Constituição Brasileira, em seu artigo 5 que diz: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, é que usei o direito de escrever esta.

Elisabeth Alves, uma serva de Jesus

Parada - Não pegue o carro com sono

Campanha Nacional pela vida.



Aproximadamente 1,3 milhão de pessoas morrem no mundo em consequência de acidentes no trânsito.
Só no Brasil, todos os anos, são cerca de 430 mil acidentes, 619 mil vítimas não fatais e 38 mil mortos. Frente a isso, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou 2011 como o início da “Década de Ação para a Segurança no Trânsito”. Nesse período, os países terão como meta a estabilização e redução dos acidentes. O dia 11 de maio marca o início dessa campanha mundial, com a maioria dos países divulgando seus planos para essa década. O Brasil participa com o movimento PARADA - Pacto Nacional pela Redução de Acidentes, uma grande mobilização dos agentes públicos e da sociedade civil pela redução da violência no trânsito. Esse é, sem dúvida, o momento de parar e valorizar a vida.
  • VÍDEO - 15"

  • VÍDEO - 30"







sexta-feira, junho 22, 2012

O Evangelho é Simples

O Evangelho é Simples

Se o Evangelho é para todos, sua compreensão deve ser a da simplicidade.
Observe que Jesus além de ser um homem simples, era simples no agir e no falar. Procurava viver entre os simples e oferecia aos seus seguidores sua mensagem como Parábolas e que tinha em si conteúdo simples para ensinar de forma a todos de fato entenderem. Mesmo Ele sendo
Jesus lutava contra as variações da Palavra de Deus feita pelos  escribas e fariseus, que tão apegados em suas grandes interpretações, desconheciam a Simplicidade oferecida pelo modo que o Mestre ensinava a todos, na verdade nem ao menos entendia a maioria das Palvras e Ensinamentos embutidos nas Parábolas do Senhor.
Jesus não foi o único a lutar contra os costumes e ideias de pessoas que viveram em sua época. Antes dele veio Noé, Gideão, João Batista, Elias,Jeremias e outros mais até Jesus, depois vieram os apóstolos e hoje deveriamos ser nós, ou estar entre nós os que pregam o verdadeiro Evangelho.
O nosso culto de adoração deve ser puro e agradável ao Senhor, sem novidades, embora vivamos em novidade de vida. Mas viver em novidade de vida nada mais é que abandonar as práticas do que agrada a sua carne.
O apóstolo Paulo nos adverte que devemos agir com decência e ordem (I Coríntios 14-40). Jesus em Mateus 7-15 nos adverte sobre falsos profetas e podemos ver que existem hoje diversos evangehos, é um sirva-se como quiser, que muda o foco do verdadeiro Evangelho. Hoje muitos fogem da Verdade, abraçando diversas Teoria que lhes agrada:  Conjuro-te, pois, diante de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino,
Que pregues a palavra, instes a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina.
Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências;
E desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas.
Mas tu, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu ministério
(2 Timóteo 4:1-5).
Fujamos de sermos manipulados por Palavras errôneas e vivamos da Palavra e pela Palavra.
Sempre.
(De Elisabeth Lorena Alves)

quarta-feira, junho 20, 2012

Um conto moderno e minha reflexão

Um conto e minha reflexão



O menino olhava a avó escrevendo uma carta.
A certa altura, perguntou:
- Você está escrevendo uma história que aconteceu conosco? E por acaso, é uma história sobre mim?
A avó parou a carta, sorriu, e comentou com o neto:
- Estou escrevendo sobre você, é verdade. Entretanto, mais importante do que as palavras é o lápis que estou usando. Gostaria que você fosse como ele, quando crescesse.
O menino olhou para o lápis, intrigado, e não viu nada de especial.
- Mas ele é igual a todos os lápis que vi em minha vida!!
- Tudo depende do modo como você olha as coisas. Há cinco qualidades nele que, se você conseguir mantê-las, será sempre uma pessoa em paz com o mundo.
Primeira: você pode fazer grandes coisas, mas não deve esquecer nunca que existe uma Mão que guia seus passos. Esta Mão nós chamamos de DEUS, e Ele deve sempre conduzi-lo em direção a Sua vontade.
Segunda: de vez em quando eu preciso parar o que estou escrevendo, e usar o apontador. Isso faz com que o lápis sofra um pouco, mas no final, ele está mais afiado. Portanto, saiba suportar algumas dores, porque elas o farão ser uma pessoa melhor.
Terceira: o lápis sempre permite que usemos uma borracha para apagar aquilo que estava errado. Entenda que corrigir uma coisa que fizemos não é necessariamente algo mau, mas algo importante para nos manter no caminho da justiça.
Quarta: o que realmente importa no lápis não é a madeira ou sua forma exterior, mas o grafite que está dentro. Portanto, sempre cuide daquilo que acontece dentro de você.
Finalmente, a quinta qualidade do lápis: ele sempre deixa uma marca. Da mesma maneira, saiba que tudo que você fizer na vida, irá deixar traços, e procure ser consciente de cada ação.
(Autor  Desconhecido)

Reflita:

Que tal falarmos sobre nós mesmos?
Muitas vezes nos achamos tão importantes que deixamos de analisar o que de fato importa. Esquecemos que a vida é feita de um conjunto de atitudes, mas infelizmente nos prendemos ao nosso orgulho e deixamos de agir da forma correta, assim acabamos desrespeitando a Deus, ao próximo e as pessoas que amamos.
É importante que reconheçamos a nossa importância no contexto geral da vida e sejamos o mais leal possível para com Deus e os outros.
Existem algumas coisas que podemos fazer pata sermos melhores como pessoas e como cristãos e muitas vezes não as priorizamos por considerá-las óbvias e superficiais.
Não devemos esquecer que Deus nos guia e que sem Ele nada somos ou nada faremos. Não devemos nos acovardar quando as lutas aparecem em nossa vida, pois são elas que nos fortalecem e que nos desafia a sermos cada dia melhores: Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. João 15:5 .
Não devemos jamais nos acharmos tão perfeitos, como se nunca errássemos, pois somos humanos e cometemos erros e, quando assim agirmos, o melhor é voltar atrás e refazer o caminho. Consertar nossos erros é uma atitude de sabedoria. E consertar nossos erros nada mais é que produzir frutos que mostre nosso arrependimento (Mateus 3-8).
Também devemos entender que as embalagens são passageiras. Para se conhecer o presente, a gente vai ter que desfazer o pacote, por mais belo que ele seja. E a Bíblia nos adverte a Não julgarmos pela aparência, mas julgarmos segundo o que é reto (João 7-24).
Também devemos entender que devemos deixar marca na vida das pessoas e justamente por isto, devemos fazer de tudo para que elas sejam as melhores possíveis. No livro de Salmos (1-3) esta registrado algo maravilhoso de se meditar sobre aquele que não anda segundo os conselhos dos ímpios: Ele é como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem sucedido. E o fruto do homem sábio é a memória que ele deixa nas pessoas que o cercam.
Pensem nisto!


segunda-feira, junho 18, 2012

you gotta love someone - Você tem que amar alguém!




Você Tem Que Amar Alguém

(You gotta love someone)
É triste imaginar que lutei tanto e não consegui pegar se quer um pedacinho do céu!
É triste pensar que quebrei regras, mas nem antes e nem depois, amei ou fui amada por alguém.
É triste imaginar que nunca senti para o mundo parar, nem mesmo tive intenção de roubar a face da lua, afinal não tinha para quem oferecer.
É pasmoso reconhecer que apesar de tentar vencer o relógio e algumas vezes, mesmo sem ser meio dia ter acreditado que rompera as barreiras do tempo, mas sem amar alguém.
É lúgubre imaginar que tive uma vida sem propósito, pois nunca pude conhecer a sensação de dois corações batendo lado a lado.
É assustador lembrar que quando fico sozinha, não existe ninguém para compartilhar o que sinto.
Não há ninguém para sorrir quando acredito que venci meus medos e que poderia cortar um pedaço do sol.
Nunca brinquei com fogo ou pude partilhar com alguém seu calor ou o medo de queimar. Não há ninguém que arrefece o fogo escondido em minha alma.
Não há nunca ninguém a cobrar: Você amar alguém!
É difícil imaginar seu momento final e pensar que nada construiu na vida, que não deixou marcas nas pessoas que o cercam. Que tudo o que viveu será esquecido quando sei corpo baixar a campa fria.
Toda a riqueza construída em anos de labuta, deixando de amar as pessoas que o rodeavam, investindo em um sonho material, sem raízes profundas se apresentarão no momento final.
E isto não é uma constatação imaginária de uma poeta sonhadora, é a verdade nua e crua vivenciada de forma real em um momento em que perdi minhas esperanças, em que meus pés se afastaram de mim, mas continuaram presos a mim, de forma alucinante, como a dor que se agarrou a minha alma.
É horrível imaginar que todas as vezes em que 'queimei rodovia' saia sem deixar laços, sem ter construído lembranças eternas. Cansei de procurar pedaços de lua e sóis, mas de encontrar ao final de minha 'Odisseia' apenas o vazio de não ter amado ninguém e de não ser amada.
Construí estradas e pontes por onde outros amores passaram, mas não o meu amor. Usei a poesia como engenharia, mas os caminhos que construí não leva o meu coração a ninguém.
Quando eu morrer, não haverá filhos para levarem minha urna ao cemitério ou crematório e não será meu amor eterno quem vai encontrar na lembrança a minha vontade de doar meus órgãos a quem pudesse estar interessado.
Passo pela vida e nada deixo, a não ser projetos.
Projeto de um amor eterno.
Projeto de uma família feliz.
Projeto de um casamento exemplar.
Projeto de servir como exemplo de esposa sábia.
Projeto de ter meu livro publicado.
Projeto de um ministério abençoado.
Projeto de mãe maravilhosa.
Projetos de ser feliz.
Projeto apenas.
Projeto e nada mais.
É terrível ter passado pela vida e olhar para trás e não ter servido ao meu país.
É triste passar pela vida e não ter servido a minha fé.
É apavorante a ideia de ter passado pela vida e não ter conhecido o amor.
É deprimente imaginar que minha resposta sempre será: Nunca consegui amar alguém.
É destrutivo acreditar que o fim emfim chegou e que eu nunca fui amada.


Um absurdo! - Congresso apoia ficha suja - Assine petição aqui


Absurdo esta situação com as fichas sujas.

Vivemos em um país que não se leva a sério. A senhora presidente Dilma defendeu em maio pp os prefeitos que não conseguiram cumprir a Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF). Aproxiamava-se o dia de os prefeitos 'candidatos' renunciarem e a dama vermelha  considerava o  descumprimento 'inevitável'.O descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) atormentava então cerca de quatro mil prefeitos que em sua maioria desejava continuar mamando nas tetas do Poder. 

A presidente temia pois, se eles fossem  processados por improbidade administrativa, eles poderiam cair em outra lei, a da Ficha Limpa, que os deixariam inelegíveis por oito anos. A presidenta Dilma Rousseff prometeu ajudá-los, o que não ficou bem para ela. recebeu  vaia na XV Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios ao se manifestar sobre a divisão dos royalties do petróleo...
A gente escuta porque tem ouvidos! Mas de meu lado aderi a camapnah de meu amigo Rinaldo: 

A arte dos Fichas Sujas

Em contra partida a um Projeto de Iniciativa Popular, deputados entraram e aprovaram um Projeto de Lei em que fichas sujas poderão disputar eleições, agora vem à pergunta, será que elegemos esses nossos representantes para eles fazerem esse papel ridículo? Não, elegemos para que se façam projetos em beneficio do povo e não em beneficio próprio.
com esse projeto, mesmo os políticos condenado por improbidade administrativa, e ainda que tenham suas contas rejeitadas poderão disputar tranquilamente cargos públicos. Peço aqui em público, que os senadores arquivem esse projeto ridículo, que se não arquivarem, como a Ficha Limpa impede os ficha sujas de disputar qualquer eleição, eles sempre dão um jeito de mudar as coisas, mas se o projeto fosse aprovado agora, não valeria para essas eleições então acredito na decência do Congresso Nacional, ABAIXO A FICHA SUJA, DIGA SIM A FICHA LIMPA.
Vamos lá gente vamos entrar nessa campanha acabou de entrar no ar a pagina diga não ao projeto ficha suja no Facebook vá lá e curta, deixem suas opiniões, o link é este:Campanha contra os ficha suja
Visitem também o abaixo assinado e assinem, isso e muito importante, pois o mesmo ser´´a encaminhado para o Senado Federal http://peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2012N25083

Floreira diferente e linda

Amei esta ideia!
Uma floreira de MDF e tecido, com flores de tecido e recicláveis.Para colocar dentro de casa.Amei!

sábado, junho 16, 2012

Aconteceu comigo




Aconteceu algo chato comigo hoje.
Ao abrir meu e-mail no Yahoo, encontrei a resposta a uma pergunta minha, que fizera em um site de Origem Etimológica. Me senti meio burra com a resposta enviada, pois se quisesse que desconhecidos pouco conhecedores da Língua Portuguesa me desse uma resposta, teria consultado algum destes sites que qualquer Zé Mané que saiba digitar A e B, pode acessar e manipular, editar e fazer o que quiser quanto a uma informação. Procurei o tal site, pois até então confiava no trabalho deles.
Vou dizer a vocês amigo, me senti péssima com a resposta, e claro que mandei outro comentário, mesmo tendo que me submeter aquele identificador de ser humano que possui.
A Palavra que gostaria de conhecer, é adjutora, que apesar de eu conhecer o significado corrente, desconfio dele. Sabe, as pessoas que se usam da palavra, geralmente moldam o significado delas as suas próprias verdades e por isto ao escrever um texto, procuro observar bem se por acaso realmente a conheço ou se a uso por ter ouvido antes.
Acredito que todos nós deveríamos de ter este cuidado ao escrever ou preparar um discurso. Já vi absurdos imensos em discursos e sermões pois a pessoa usou o significado que conheceu de forma oral e a oralidade nem sempre está certa. Veja o caso de Muçarela, todas as empresas que empacotam ou produzem este alimento, grafam em suas embalagem a palavra com ss, mas quem conhece a origem da mesma (italiana) lembra da regra de que toda a palavra deste idioma, composta por dois “zz” quando são 'aportuguesadas' passam a ser grafadas com “ç”, assim como Praça (piazza) e raça (razza).
Para evitar estas ''mancadas'' acabo por fazer perguntas e como no meu Facebook não tenho por amigos os Professores Pasquale Cipro Netto e Fábio Alves, corro atrás, pesquisando em sites etimológicos, mas deste vez não encontrei e acabei por perguntar.
Agora, abaixo vai meu novo comentário lá: 

Deixe-me refazer a pergunta. Embora ache desnecessário. Quero saber a origem desta Palavra. E quando conhecemos a Origem, conhecemos o real significado dela. por isto ao fazer a primeira vez a pergunta, questionei como significado. Só que significado tem mesmo no dicionário, mas infelizmente estes não são como os publicados antes de eu nascer, que eram verdadeiros compêndios etimológicos e continham todas as informações cabíveis.
Por Exemplo, o Dicionário Brasileiro se ocupava de 4 páginas para explicar a origem da palavra diabo e mostrava toda sinonímia possível.
Infelizmente senti-me um pouco ofendida com a resposta encontrada aqui para a minha questão, pois até hoje acreditava que este era um site sério, voltado ao esclarecimento de questões pertinentes e não a casa da mãe Joana, onde todo mundo publica o que quer, que é o caso da maioria dos sites voltados a nossa amada Língua Portuguesa.
Mesmo assim, agradeço terem me reservado um espaço para a resposta óbvia.
Significados realmente se encontram no Dicionário, e encontrei aqui em casa, no Houaiss, Aurélio e Luft.
Passar bem.
Elisabeth Lorena Alves

terça-feira, junho 12, 2012

Um recado ao amor e a paixão

Um cartão para você que namora a Glicose ou o Oxigênio:
Lindas Frases de Amor Imagens Românticas Frases Românticas Frases de Carinho Frases de Amor Fotos com Frases de Amor Eu amo Você Dia dos Namorados Declaração de Amor Carinho Amor  frases de amor

Já pensou que tem gente que parece que namora o Oxigênio?
Sim, vira e diz: Sem você eu morro.
O outro parece que namora a Glicose: Sem você não sei viver!
Rio com estas frases estranhas.
Apenas!

Mesmo sendo romântica e, como a maioria de meus leitores sabem, gostar de poesias, de escrever e e de lê-las, ainda não entendo este sentimento desvarado que as pessoas vivem. Muitos dizem amar, mas é na verdade um sentimento obsessivo!
Entram em paranoia se imaginam o ser "amado" apenas conversando com outra pessoa. Acho que por isto amo meus livros, minhas poesias e meus amigos.
Não conseguiria viver em função de um sentimento aprisionante como este amor que as pessoas dizem sentir!
Acredito em amor livre, onde há respeito, amizade, companheirismo, diálogo e interesses mais firmes que apenas uma atração sexual.
Sei que quando amamos, queremos ter o carinho da pessoa amada, queremos mais que uma rosa diária - eles não costumam dar tantas flores assim, dirão alguns! - queremos ter mais que as outras pessoas recebem daquele a quem devotamos nossos sentimentos, MAS amor não é atrito de pele, é mais que isto.
É o que espero da pessoa que esta comigo, dividir os sonhos, dividir a missão, somar experiências, viver algo mais que momentos de prazer que como o fogo das velas se apagam logo.
O que faz valer a pena uma relação verdadeira é de fato a confiança, o companheirismo, o diálogo, pois quando todo o mais acabar, é isto que vai segurar a manutenção dos nossos projetos. Isto é amor!
Amor é o que você constrói com alguém, a parceria, o olhar dentro dos olhos e saber o que o outro pensa ou quer, é reconhecer o sentimento pelo toque no rosto, o baixar dos olhos, uma sombra passageira atrás do sorriso, o vincar da testa, o apertar dos lábios, o jogar os ombros de uma forma específica que te faz reconhecer o peso do dia ou da vida.
Isto é amor e não nasce no primeiro olhar, ele é um investimento diário, algo especial que faz com que você queira mostrar ao mundo sua felicidade.
O amor não é egoísta, a paixão é.
O amor é suave como uma tarde de primavera ou uma manhã de outono, já a paixão é quente, transbordante como o mais quente dos dias de verão e, gelado como a pior noite de inverno.
O amor te alimenta, a paixão te suga, te cansa.
O amor te aconchega, a paixão te isola, te consome em sensação de dependência.
O amor te deixa livre, a paixão te aprisiona.
O amor te trás paz e sossego, a paixão desassossega.
O amor cria raízes, a paixão te tira o chão.
O amor trás a vida, mesmo na dor do desapego.
A paixão, em extremo, mata!
A Paixão é falha, afinal, comsome-se em si mesmo.

Bem, e como é que a paixão falha?
Veja por exemplo, quando alguns jovens, no calor da paixão, tornam fato o desejo que os consome. Quantos não acabam na fila do aborto, terminam como filhos de pais separados, filhos sem pais, crianças para adoção, abandono de incapaz, e, outros problemas tais, que acabam envolvendo a família.
Quantos casamentos que jamais aconteceria em situação normal, acabam acontecendo por causa da pressa em satisfazer os desejos comuns da paixão e, mais uma vez, a maioria acaba em relacionamentos conflituosos e em separação difíceis e divórcios mais difíceis ainda – muitos tendo os filhos como vítima.
Já o amor faz planos, imagina onde viverão, como serão os filhos, o que vestirão, onde estudarão. Mesmo entre as pessoas mais simples.

O Amor

Lembra do Livro de Coríntios, capítulo ? A Poesia do amor?
Vamos relembrá-la?

O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca falha (1 Coríntios 13:3-8)

A Paixão
Agora, peço licença aos irmãos e amigos – e ao apóstolo Paulo – e refaço a poesia, colocando no lugar do amor, a Paixão. Vejamos como ficaria?

A paixão faz sofrer – e não aceita o sofrimento.
A paixão é maldosa, a paixão é invejosa – dá-se que se a pessoa por quem há este sentimento estar com outra pessoa, o ser “apaixonado” vai fazer de tudo para ter para si.
A paixão é leviana, por sua própria natureza – ela busca a realiza,ão de si mesma, mas uma vez conseguida a satisfação deixa de ter importância.
A paixão se ensoberbece – quantas vezes você não ouviu uma pessoa dizer: “Viu que ele deixou ela para ficar comigo?”
A paixão é indecente – todo apaixonado acredita que os fins justificam o meio – e muitas vezes para conseguir o que quer a pessoa apaixonada faz coisas que não faria em circunstâncias normais! - Isto porque a Paixão busca sempre os seus interesses. A paixão é irritadiça – afinal em sua maioria, os apaixonados são ciumentos – e muitas vezes o são sem nenhum motivo especial e isto em si mostra algo mais sobre a paixão – ela suspeita o mal, afinal sua natureza é astuta.
A paixão compactua com a injustiça, pois para realizar-se, ela usa todos os meios que acredita ser seu direito para satisfazer-se.
A paixão, repito, não aceita o sofrimento – principalmente quando esta sujeito a deixar a pessoa amada seguir seu caminho e ser feliz com alguém que não com ela.
A paixão não compactua com a confiança, pois só crê em si mesma e em seus métodos.
A paixão nada espera, a não ser a realização de seus próprios instintos.
A paixão nada suporta.
A paixão falha.


PS - Leia o texto de Jane Uchoa no Facebook sobre Oxigênio e Glicose, Doce Vida. Um grande alerta  para sua Saúde!

segunda-feira, junho 11, 2012

O Visconde que amo -Livro II - Julia Quinn - com nota sobre a morte

O Visconde que Amo
Familia Bridgerton 02

Sinopse
A temporada começou este ano de 1814 sem que existam razões para confiar em que vamos ver alguma mudança destacável como a de 1813. Como sempre, os atos de sociedade continuam cheios de mamães ambiciosas cujo único objetivo é ver suas preciosas filhas casadas com solteiros convenientes. As deliberações entre as mamães indicam o visconde do Bridgerton como seu partido mais cotizado para este ano e, de fato, se o pobre homem parece despenteado e seu cabelo alvoroçado pelo vento se deve a que não pode ir a nenhum lugar sem que alguma jovem senhorita sacuda suas pestanas com tal vigor e celeridade que provoca uma brisa de força impetuosa. Talvez a única jovem dama que não mostrou interesse pelo Bridgerton seja a senhorita Katharine Sheffield; sua atitude para com o visconde às vezes roça a hostilidade.
E este é o motivo, querido leitor de que esta autora ache que um emparelhamento entre o Bridgerton e a senhorita Sheffield seria precisamente o que animaria uma temporada de outro modo vulgar.


Nota da Revisora Edith:
Esta escritora tem um jeito muito bem humorado de escrever os livros. Há trechos que, realmente, me fizeram rir. O mocinho cismou que vai morrer cedo e por conta disso não quer se apaixonar e também que ninguém se apaixone por ele. Claro, as coisas ocorrem de outra forma.
Apaixonar-se não é uma questão de decisão e ele descobre isso, o que lhe causa confusão a princípio e depois libertação. Por conta disso também, quer se casar com a irmã da mocinha, pois não sente nada por ela. Um acidente corriqueiro muda as coisas. Gostei do livro.

Nota da Revisora Ilana:
Mocinho turrão... Mocinha teimosa... Ótima combinação...


Para Little Goose Twist
Que me fez companhia
Durante a criação deste livro
Morro de vontades de verte!
E também para o Paul,
apesar de não suportar os musicais.


REVISTA DA SOCIEDADE LADY WHISTLEDOWN,
13 de abril de 1814

Estava decidida a impedir que o conhecido visconde seduzisse a sua irmã. Mas, e se seduzisse a ela em seu lugar?



ARGUMENTO 2: (disponibilizado pela Laura)
Cuidem dos pés, chega a Revanche Pall Mall!
Quinze anos passaram, mas os Bridgerton são tão matreiros e diabólicos como sempre quando retomam a vida o campo de jogo de criquet. Unam-se a Anthony, Kate, Simon, Daphne, Colin, Edwina e, é claro, o bastão da morte, quando Julia Quinn lhes demonstra que os finais felizes ainda podem ser um pouco peraltas... e cheios de diversão.




Prólogo

Anthony Bridgerton sempre soube que morreria jovem.
OH, mas não de menino. O pequeno Anthony nunca tinha tido motivos para pensar em sua própria mortalidade. Seus primeiros anos tinham sido a inveja de qualquer moço de sua idade, uma existência perfeita desde o dia de seu nascimento.
Certo que Anthony era o herdeiro de um antigo e rico viscondado, mas lorde e lady Bridgerton, a diferença da maioria de casais aristocráticos, estavam muito apaixonados, e o nascimento de seu filho não foi recebido como a chegada de um herdeiro mas sim como a de um filho. Portanto não houve mais festas nem eventos sociais, não houve mais celebrações que a de uma mãe e um pai contemplando maravilhados a seu filho.
Os Bridgerton eram pais jovens mas sensatos - Edmund mal tinha vinte anos e Violet só dezoito - e também eram pais fortes que queriam a seu filho com um ardor e intensidade pouco comum em seu círculo social. Para grande horror da mãe de Violet, esta insistiu em cuidar ela mesma do moço. Edmund por sua parte nunca tinha aceito a atitude imperante entre a aristocracia segundo a qual os pais não deviam ver nem ouvir seus filhos. Levava o menino em suas longas caminhadas pelos campos do Kent, falava-lhe de filosofia e de poesia inclusive antes que o pequeno entendesse suas palavras, e cada noite lhe contava um conto antes de dormir.
Com um casal tão jovem e tão apaixonado, para ninguém foi uma surpresa que justo dois anos depois do nascimento do Anthony se somasse a este um irmão menor, a quem chamaram Benedict. Edmund fez os ajustes necessários em sua rotina diária para poder levar a seus dois filhos com ele em suas excursões; passou uma semana metido nos estábulos trabalhando com seu curtidor para inventar uma mochila especial que sustentasse Anthony a suas costas e que ao mesmo tempo lhe permitisse levar nos braços a seu pequeno Benedict.
Caminhavam através de campos e riachos e ele lhes falava de coisas maravilhosas, de flores perfeitas e de céus azuis e claros, de cavalheiros com reluzentes armaduras e raparigas aflitas. Violet se punha-se a rir quando os três retornavam com o cabelo despenteado pelo vento, banhados pelo sol, e Edmund dizia:
- Viram? Aqui está nossa rapariga aflita. Está claro que temos que salvá-la.
E Anthony se jogava nos braços de sua mãe e lhe dizia entre risadas que a protegeria do dragão que tinha visto jogando fogo pela boca "justo a duas milhas daqui", no caminho do vilarejo.
- A duas milhas daqui, no caminho do vilarejo? - perguntava Violet baixando a voz, esforçando-se para que suas palavras soassem carregadas de horror-. Deus bendito, o que faria eu sem três homens fortes para me proteger?
- Benedict é um bebê - contestava Anthony.
- Mas crescerá - esclarecia sempre enquanto lhe alvoroçava o cabelo- assim como tem feito você. E assim como continuará fazendo.
Embora Edmund sempre tratasse aos meninos com idêntico afeto e devoção, quando dava a última hora da noite, Anthony segurava contra seu peito o relógio de bolso dos Bridgerton (que lhe tinha presenteado seu pai pelo oitavo aniversário, e que por sua vez o tinha recebido de seu pai, também por seu oitavo aniversário), o moço gostava de pensar que sua relação era um pouco especial. Não porque Edmund quisesse mais a ele.
A aquelas alturas os meninos Bridgerton já eram quatro (Colin e Daphne tinham chegado
muito seguidos), e Anthony sabia bem que todos eram muito queridos.
Não, Anthony gostava de pensar que sua relação com seu pai era especial porque o conhecia há mais tempo. Assim simples. Ao fim e ao cabo, não importava quanto fizesse Benedict para conhecer seu pai, Anthony sempre lhe levaria dois anos de vantagem. E seis ao Colin. E quanto a Daphne, bem, além do fato de que era uma menina (que horror!), conhecia seu pai desde há oito anos menos que ele e sempre seria assim, gostava de recordar-se a si mesmo.
Edmund Bridgerton, em poucas palavras, ocupava o centro do mundo de Anthony. Era alto, de ombros largos e cavalgava o cavalo como se tivesse nascido sobre a sela. Sempre sabia as respostas às perguntas de aritmética (inclusive as que seu tutor desconhecia), não punha obstáculos a que seus filhos tivessem uma cabana nas árvores (por isso foi ele mesmo quem a construiu), e tinha essa aula de risada que esquenta um corpo de dentro para fora.
Edmund ensinou Anthony a montar. Ensinou Anthony a disparar. Ensinou-lhe a nadar. Levou- o, ele mesmo ao Eton, em vez de enviá-lo em uma carruagem com criados, que foi como chegaram a maioria dos futuros amigos do Anthony. E quando pilhou de Anthony observando com olhar nervoso o colégio que ia converter se em seu novo lar, manteve um bate-papo íntimo com seu filho mais velho para lhe assegurar que tudo sairia bem.
E assim foi. Anthony sabia que não podia ser de outra maneira. Ao fim e ao cabo, seu pai nuncamentia. Anthony adorava a sua mãe. Diabos, sem dúvida seria capaz de arrancar o braço a dentadas se aquilo servisse para vê-la a salvo. Mas tudo o que o moço fazia enquanto crescia, todos seus lucros, cada sonho, cada uma de suas metas e esperanças... tudo era por seu pai.
E logo, de repente, um dia, tudo mudou. Que curioso, refletiu a posteriori, como a vida podia alterar-se em um instante, como em tal minuto as coisas eram de certo modo e ao seguinte simplesmente... não.
Aconteceu quando Anthony tinha dezoito anos, tinha voltado para casa para passar o verão e preparar-se para seu primeiro ano em Oxford. Ia entrar no All Souls College, igual a seu pai antes dele, e sua existência era toda prometedora e resplandecente que um jovem de dezoito anos tem direito a desejar.
Tinha descoberto às mulheres e, algo talvez mais maravilhoso, as mulheres tinham descoberto a ele. Seus pais continuavam reproduzindo-se felizmente e tinham acrescentado à família Eloise, Francesca e Gregory.
Anthony fazia todo o possível para não entreabrir os olhos cada vez que se cruzava com sua mãe pelo corredor, grávida de seu oitavo filho! Na opinião do Anthony, tudo aquilo era bastante impróprio - ter filhos na idade de seus pais - mas guardava suas opiniões para si.
Quem era ele para pôr em dúvida a prudência do Edmund? Talvez ele mesmo quereria também ter mais filhos na amadurecida idade de trinta e oito.
Quando Anthony soube já era a última hora da tarde. Retornava de uma longa e dura cavalgada com Benedict e acabava de entrar pela porta principal do Aubrey Hall, o lar ancestral dos Bridgerton, quando viu sua irmã de dez anos sentada no chão. Benedict estava ainda nos estábulos pois tinha perdido uma tola aposta com o Anthony que lhe exigia escovar ambos os cavalos de cima abaixo.
Anthony parou em seco ao ver Daphne. Era sem dúvida incomum que sua irmã estivesse sentada no meio do chão no vestíbulo principal. Era inclusive mais incomum que estivesse chorando. Daphne nunca chorava.
-Daff, disse-lhe com vacilação, era muito jovem para saber o que fazer com uma mulher chorosa e se perguntava se alguma vez aprendería-, o que...?
Mas antes de que pudesse acabar a pergunta, Daphne levantou a cabeça e o tremendo sofrimento naqueles grandes olhos castanhos atravessou Anthony como uma faca. Deu um passo cambaleante para trás pois sabia que algo tinha acontecido, algo terrível.
- Morreu - susurrou Daphne-. Papai morreu.
Durante um momento, Anthony convenceu-se de que tinha ouvido mau. Seu pai não podia ter morrido. Outras pessoas morriam jovens como o tio Hugo, mas o tio Hugo era pequeno e débil. Bom, ao menos menor e mais fraco que Edmund.
- Engana-se - disse à Daphne -. Tem que estar enganada.
A menina sacudiu a cabeça.
-Me disse Eloise. Há-lhe... foi uma...
Anthony sabia que não devia agarrar e sacudir sua irmã soluçante, mas não pôde conter-se.
- Que foi o que, Daphne?
-Uma abelha - susurrou. - Picou-o uma abelha.
Por um instante, a única coisa que Anthony pôde fazer foi olhá-la com fixidez. Finalmente com voz áspera e apenas reconhecível disse:
-Um homem não morre pela picada de uma abelha, Daphne.
A menina não disse nada, continuou ali, sentada no chão. Sua garganta se agitava tremente enquanto tentava conter as lágrimas.
- Já o picaram antes - acrescentou Anthony elevando o volume de voz-. Eu estava com ele uma vez.
Picaram aos dois. Encontramos uma colméia. Me picou no ombro. - De forma instintiva, subiu a mão para tocar o ponto em que a abelha lhe tinha picado tantos anos atrás. E acrescentou em um susurro : - picou-o no braço.
Daphne lhe olhava com fixidez e com uma inquietante expressão de perplexidade.
- Não lhe aconteceu nada - insistiu Anthony. Podia ouvir o pânico em sua voz e sabia que estava assustando a sua irmã, mas era incapaz de controlar-se. Um homem não pode morrer por uma picada de abelha!
Daphne sacudiu a cabeça, de repente seus olhos escuros pareciam os de alguém cem anos mais velho.
- Foi uma abelha - disse com voz oca. - Eloise o viu. Em um momento estava ali de pé e ao seguinte estava... estava...
Anthony sentiu que algo muito estranho crescia dentro dele, como se seus músculos estivessem a ponto de saltar de sua pele.
-Em seguida estava o que, Daphne?
- Morto. -Parecía desconcertada por aquela palavra, tão desconcertada como se sentia ele.
Anthony deixou Daphne sentada no vestíbulo e subiu os degraus da escada de três em três para ir ao dormitório de seus pais. Com certeza seu pai não estava morto. Um homem não podia morrer de uma picada de abelha. Era impossível. Uma completa loucura. Edmund Bridgerton era jovem, era forte. Era alto e de ombros largos, tinha uma musculatura poderosa e, Por Deus, nenhuma abelha insignificante podia lhe ter derrubado.
Mas quando Anthony chegou ao corredor do piso superior, pôde detectar pelo silêncio da
dúzia mais ou menos de criados imóveis que a situação era nefasta.
E seus rostos de consternação... aquela consternação em seus rostos lhe obcecaria o resto de sua vida.
Pensou que teria que empurrá-los para lhe permitirem entrar na nos aposentos de seus pais, mas os criados se afastaram como se fossem águas do Mar Vermelho, e quando Anthony abriu a porta de par em par, soube a verdade.
Sua mãe estava sentada sobre a borda da cama, sem chorar, sem sequer emitir um som, somente segurava a mão de seu pai enquanto se balançava para frente e para trás.
Seu pai estava imóvel. Imóvel como...
Anthony nem sequer queria pensar naquela palavra.
- Mamãe? -chamou com voz entrecortada. Não a chamava assim há anos; tinha sido "mãe" desde que partiu para Eton.
Ela se voltou, devagar, como se ouvisse sua voz através de um longo, longo túnel.
- O que aconteceu? -perguntou Anthony em um sussurro.
Ela sacudiu a cabeça, com o olhar completamente distante.
-Não sei - contestou. Seus lábios ficaram separados uns dois centímetros, como se quisesse dizer algo mais e logo tivesse esquecido de fazê-lo.
Anthony se adiantou um passo com movimento torpe e irregular.
- Morreu - susurrou finalmente Violet-. morreu e eu... OH, Deus, eu... -
Levou uma mão ao ventre, inchado e redondo pela gravidez. - Já o disse, OH, Anthony, já o disse...
Parecia que iria se fazer em pedacinhos de dentro para fora. Anthony se engoliu as lágrimas que lhe queimavam os olhos e lhe ardiam na garganta e foi para o lado de sua mãe.
- Calma, mamãe - disse.
Mas sabia que não era assim simples.
-Disse-lhe que tinha que ser o último - soltou entre arquejos, soluçando contra o ombro de seu filho-.
Disse-lhe que não podia ficar outra vez grávida e que deveríamos ter cuidado.. OH, Deus, Anthony, o que daria para tê-lo outra vez aqui e lhe dar outro filho. Não entendo. Não entendo...
Anthony a abraçou enquanto ela chorava. Sem dizer nada. Parecia inútil tentar encontrar alguma palavra que se correspondesse com a devastação naquele coração.
Ele tampouco entendia.
Mais tarde naquela mesma noite chegaram os médicos, que manifestaram sua perplexidade. Tinham ouvido falar de coisas deste tipo, mas em alguém tão jovem e forte... Ele era tão saudável, de uma natureza tão poderosa; ninguém podia ter imaginado. Era verdade que o irmão mais novo do visconde, Hugo, tinha morrido de forma bastante repentina no ano anterior, mas estas coisas não vinham necessariamente de família e, à parte, embora Hugo também tivesse morrido ao ar livre, ninguém tinha percebido que lhe picasse uma abelha.
Mas, claro, também era certo que ninguém estava olhando. Ninguém podia ter sabido, repetiam os médicos uma e outra vez, até que Anthony sentiu vontade de estrangulá-los a todos. Depois de um bom tempo, conseguiu que se fossem da casa e conseguiu deitar sua mãe. Tiveram que levá-la a um quarto desocupado. Violet se perturbava com a idéia de dormir na cama que tinha compartilhado durante tantos anos com Edmund. Anthony também conseguiu mandar para
cama seus seis irmãos, lhes dizendo que pela manhã teriam que falar todos eles, que tudo ia bem e que se ocuparia deles, como gostaria seu pai.
Depois entrou no quarto em que ainda jazia o corpo de seu pai e ficou olhando-o. Olhou-o e olhou-o, com fixidez, durante horas, sem mal piscar.
E quando saiu do quarto, fez isso com uma visão nova de sua própria vida, uma nova noção de sua própria mortalidade.
Edmund Bridgerton tinha morrido aos trinta e oito anos de idade. E Anthony simplesmente não podia imaginar-se superando a seu pai em nada, nem sequer em anos.


Capítulo 1

O assunto dos mulherengos se tratou com antecedência nesta coluna, e Esta Autora chegou à conclusão de que há mulherengos e Mulherengos.
Anthony Bridgerton é um Mulherengo.
Um mulherengo (com m minúsculo) é jovem e imaturo. Faz alarde de suas façanhas, comporta-se com suma imbecilidade e se acha perigoso para as mulheres.
Um Mulherengo (com M maiúsculo) sabe que é perigoso para as mulheres.
Não faz alarde de suas façanhas porque não sente nenhuma necessidade. Sabe que tanto homens como mulheres murmurarão sobre ele. Sabe quem é e o que tem feito; outros contos são supérfluos.
Não se comporta como um idiota pela simples razão de que não o é (não mais do que deve esperar-se de todos os membros do gênero masculino). Tem pouca paciência com as debilidades da sociedade, e com toda franqueza, a maioria das vezes Esta Autora não pode dizer que o culpe.
E se isso não descreve à perfeição ao visconde do Bridgerton - sem dúvida o solteiro mais cobiçado desta temporada-, Esta Autora deixará Sua pena imediatamente. A única pergunta é: será 1814 a temporada em que por fim sucumba à deliciosa sorte do matrimônio?
Esta Autora pensa... que não.
REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
20 de abril de 1814

- Por favor, me deixe adivinhar - disse Kate Sheffield a toda a sala - outra vez escreveu sobre o visconde Bridgerton. Sua meio-irmã Edwina, a quem era mais velha quase quatro anos, ergueu a vista detrás do jornal de uma só folha.
- Como sabe?
- Porque lhe escapa a risada como a uma louca.
Edwina soltou um risinho que sacudiu o sofá de damasco azul no qual as duas estavam sentadas.
- Viu? - continuou Kate lhe dando uma cotovelada no braço -. Sempre ri quando escreve de algum libertino reprovável. - Mas Kate esboçou um sorriso. Poucas coisas gostava mais que zombar de sua irmã. Numa boa, é claro.
Mary Sheffield, a mãe da Edwina e madrasta de Kate desde há quase dezoito anos ergueu a vista um instante de seu bordado e subiu os óculos um pouco mais pelo cavalete do nariz.
- Do que se riem vocês duas?
- Kate riu logo porque lady Confidência está escrevendo outra vez sobre esse visconde estouvado - explicou Edwina.
-Não ria - disse Kate, embora ninguém fizesse conta.
- Bridgerton? -perguntou Mary com ar distraído.
Edwina assentiu.
- Sim.
- Sempre escreve sobre ele.
- Acho que na verdade gosta de escrever sobre mulherengos - comentou Edwina.
- Claro que gosta - replicou Kate-. Se escrevesse sobre gente aborrecida, ninguém compraria seu periódico.
- Isso não é certo - contestou Edwina-. A semana passada sem ir mais longe escreveu sobre nós, e Deus sabe que não somos as pessoas mais interessantes de Londres.
Kate sorriu ante a ingenuidade de sua irmã. Kate e Mary talvez não fossem as pessoas mais interessantes de Londres, mas Edwina, com seu cabelo cor manteiga e seus olhos daquele azul surpreendentemente claro, já tinha sido nomeada a Incomparável de 1814. Por outro lado, Kate, com seu vulgar cabelo castanho e olhos da mesma cor, era referida em geral como "a irmã mais velha da Incomparável".
Supunha que havia piores apelativos. Ao menos, ainda ninguém tinha começado a chamá-la de a irmã solteirona da Incomparável", algo que se aproximava da verdade muitíssimo mais do que qualquer umas das Sheffield queria admitir. Com vinte anos (quase vinte e um, para ser escrupulosamente sinceros a respeito), Kate já estava um pouco entradinha em anos para desfrutar de sua primeira temporada em Londres.
Mas, na realidade, não tinha havido outra opção. A família Sheffield não era rica nem sequer na vida do pai do Kate, e desde sua morte cinco anos atrás se viram obrigadas a economizar até mais. Embora fosse certo que sua situação não era para ingressar na casa de caridade, tinham que olhar cada penny e cada libra.
Com tais apuros econômicos, as Sheffield só poderiam juntar os recursos para pagar uma única viagem a Londres. Alugar uma casa - e uma carruagem - e contratar o mínimo necessário de criados para passar a temporada custava dinheiro. Mais do que podiam permitir-se gastar duas vezes. Por conseguinte, tiveram que economizar durante cinco anos inteiros para poder permitir-se esta viajem a Londres. E se as garotas não tivessem êxito no Mercado Matrimonial... bem, ninguém ia encerrá-las na prisão de vagabundos, mas teriam que contentar-se com uma vida discreta de digna escassez em alguma pequena e encantadora casinha em Somerset. Portanto as duas moças se viram obrigadas a fazer sua estréia no mesmo ano. Tinham decidido que o momento mais lógico seria quando Edwina completasse os dezessete e Kate quase tivesse vinte e um. Mary teria gostado de esperar até que Edwina tivesse dezoito e fosse um pouco mais amadurecida, mas então Kate teria quase vinte e dois, e céus, quem quereria casar-se então com ela?
Kate sorriu com gesto irônico. Nem sequer tinha querido uma temporada em Londres. Desde o começo sabia que não era o tipo de garota que atraía a atenção da aristocracia mais elitista. Não era suficientemente bonita para compensar a falta de dote, e nunca tinha aprendido a sorrir, a mover-se com afetação, caminhar com delicadeza e todas essas coisas que outras garotas
pareciam saber desde o berço. A própria Edwina sabia de algum modo como estar de pé, caminhar e suspirar para que os homens a disputassem a golpes, a honra de ajudá-la a cruzar a rua, apesar de não ser nenhuma inválida.
Kate, por outra parte, sempre sobressaía por sua altura e ombros erguidos; era incapaz de permanecer sentada quieta embora sua vida dependesse disso e caminhava sempre como se participasse de uma corrida.
E por que não?, perguntava-se. Se alguém ia a algum lugar, que sentido tinha não tentar chegar a aquele ponto o mais rápido possível?
Quanto a atual temporada em Londres, nem sequer gostava muito da cidade. OH, estava passando bastante bem e tinha conhecido algumas quantas pessoas agradáveis, mas tudo aquilo parecia uma horrível perda de dinheiro para uma jovem que teria ficado tão contente permanecendo no campo e encontrando ali a algum homem formal que quisesse casar-se com ela.
Mas Mary não queria saber nada disso.
- Quando me casei com seu pai - dizia - jurei querê-la e criá-la com todo o carinho e atenção que daria a minha própria filha.
Kate tinha conseguido introduzir somente um único "Mas..." antes que Mary seguisse adiante:
- Tenho uma responsabilidade também com sua pobre mãe, Deus a guarde em paz. Parte dessa responsabilidade é vê-la felizmente casada e com o futuro assegurado.
- No campo também poderia ver-me felizmente casada e com o futuro assegurado - havia replicado Kate.
Mary rebateu:
- Em Londres há mais homens entre os quais escolher.
Depois que Edwina se somou à conversa e tinha insistido em que se sentiria de todo desventurada sem ela, e como Kate nunca podia suportar ver sua irmã infeliz, seu destino ficou escrito.
De modo que aqui estava ela, sentada em um salão um pouco estragado em uma casa alugada de um setor de Londres quase elegante e...
Olhou a seu redor com ar peralta.
...porque estava a ponto de arrebatar a sua irmã o jornal que segurava nas mãos.
- Kate! - gritou Edwina. Os olhos lhe saíam das órbitas enquanto olhava o pequeno triângulo de papel que lhe tinha ficado entre o polegar e o indicador da mão direita. - Ainda não tinha acabado!
- Leva uma eternidade lendo-o - disse Kate com uma careta travessa. - À parte, quero ver o que tem de dizer hoje do visconde do Bridgerton.
Os olhos da Edwina, que muitas vezes eram comparados com os plácidos lagos escoceses, acenderam- se com malícia.
- Interessa-lhe muitíssimo o visconde, Kate. Há alguma coisa que não nos conta?
-Não seja tola. Nem sequer o conheço. E se o conhecesse, é provável que saísse correndo em direção contrária. É justo o tipo de homem que nós duas deveríamos evitar a todo custo. Com certeza é capaz de seduzir a um iceberg.
Kate! -exclamou Mary.
Kate fez uma careta. Tinha esquecido que sua madrasta estava escutando.
Pois é verdade - disse. - ouvi dizer que teve mais amantes que eu de aniversários.
Mary a olhou durante uns poucos segundos como se tentasse decidir se queria responder ou não. Depois disse por fim:
-Não é que este seja um assunto apropriado para seus ouvidos, mas muitos homens as têm.
-Oh. - Kate se ruborizou. Poucas coisas lhe faziam menos graça que o fato de que a contradissessem quando tentava fazer uma observação importante-. Bem, então, ele tem o dobro. Seja o que for, é muito mais promíscuo que a maioria de senhores, e não é precisamente o tipo de homem que Edwina deveria permitir que a cortejasse.
-Você também está desfrutando da temporada - lhe recordou Mary.
Kate lançou a Mary o mais sarcástico dos olhares. Todas elas sabiam que se o visconde decidisse cortejar a uma Sheffield, não seria à Kate.
- Não acredito que esse jornal diga algo que vá alterar sua opinião - comentou Edwina encolhendo os ombros enquanto se inclinava para o Kate para poder ver melhor o periódico-. Não diz grande coisa sobre ele, para falar a verdade. É bem mais um tratado sobre o assunto dos libertinos.
Os olhos de Kate percorreram as palavras impressas.
-Mmf - disse com sua expressão favorita de desdém-. Pode ser que tenha razão. É provável que não se retire este ano.
- Sempre acho que lady Confidência tem razão -murmurou Mary com um sorriso.
-Em geral é assim - contestou Kate-. Tenho que admitir que para ser uma colunista de fofoca, dá amostras de uma sensatez remarcada. Sem dúvida, até agora acertou em sua valorização de todas as pessoas que conheci em Londres.
-Deveria formar suas próprias opiniões, Kate - disse Mary em tom alegre-. Não é próprio de você apoiar suas opiniões em uma coluna de fofoca.
Kate sabia que sua madrasta tinha razão, mas não queria admiti-lo, e portanto soltou outro "mmf" e voltou a atenção ao jornal que tinha nas mãos.
Confidência era sem dúvida a leitura mais interessante de toda Londres. Kate não estava de todo certa quando tinha começado a coluna de fofoca, em algum momento do ano anterior conforme tinha ouvido. De qualquer modo, havia algo certo: fosse quem fosse lady Confidência (e ninguém sabia em realidade) era um membro da aristocracia mais seleta e estava muito bem relacionada. Tinha que ser assim.
Nenhum simples intruso poderia desentupir todas as fofocas que imprimia em sua coluna cada segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira.
Lady Confidência sempre tinha os últimos on-dits e, a diferença de outros colunistas, não vacilava em utilizar os nomes completos das pessoas. A semana passada, por exemplo, depois de decidir que à Kate não ficava bem o amarelo, escreveu com a clareza da luz do dia: "A cor amarela faz com que a morena senhorita Katharine Sheffield pareça um narciso chamuscado".
Kate não deu importância ao insulto. Tinha ouvido dizer em mais de uma ocasião que alguém não podia considerar-se "alguém" da sociedade até que lady Confidência lhe dedicasse um insulto. Inclusive Edwina, quem tinha um grande êxito social em opinião de todo o mundo, havia-se sentido ciumenta de que Kate tivesse sido objeto da honra do insulto.
E em que pese a Kate continuava sem querer passar em Londres a temporada, imaginou
que, já que tinha que participar do torvelinho social, melhor tentar não ser um total fracasso. Se receber um insulto em uma coluna de fofoca ia ser seu único sintoma de êxito, pois então bem-vindo fosse. Kate conhecia suas limitações.
Agora, cada vez que Penelope Featherington se gabasse de que lady Confidência a tinha comparado com um cítrico muito amadurecido com seu vestido de cetim laranja, Kate podia sacudir o braço e suspirar com grande dramatismo: "Sim, bom, eu sou um narciso chamuscado".
- Algum dia - anunciou Mary de súbito enquanto empurrava os óculos uma vez mais com o dedo indicador - alguém vai descobrir a verdadeira identidade dessa mulher, e então terá um problema sério.
Edwina olhou a sua mãe com interesse.
- De verdade acha que alguém vai descobri-la? Foi capaz de manter o segredo durante um ano.
- Algo assim não pode permanecer em segredo eternamente - respondeu Mary. Cravou o bordado com sua agulha e puxou um longo fio de linho amarelo através do tecido-. Tomem nota de minhas palavras.
Tudo se desvelará mais tarde ou mais cedo, e quando acontecer será um escândalo de tais dimensões que jamais antes terão conhecido algo parecido.
- Bem, se eu soubesse quem é - anunciou Kate ao mesmo tempo que passava à página dois do jornal de uma só olhada - é provável que a convertesse em minha melhor amiga. É endiabradamente divertida. E digam o que disserem, quase sempre está certa.
Justo nesse momento, Newton, o cão de Kate, um pouco passado de peso, entrou trotando na habitação.
- Não se supunha que esse cão deveria ficar de fora? - perguntou Mary -. Kate! - chiou a seguir quando o cão foi direto a seus pés e começou a ofegar como se esperasse um beijo.
-Newton, venha aqui agora mesmo - ordenou sua ama.
O cão olhou com desejo a Mary, depois foi caminhando até Kate, subiu ao sofá e lhe pôs as patas dianteiras sobre o regaço.
- Está enchendo você de pêlo- disse Edwina.
Kate encolheu os ombros enquanto acariciava a espessa pelagem caramelo.
-Não me importa.
Edwina suspirou, mas estendeu a mão e deu também um rápido tapinha ao Newton.
- E que mais conta? -perguntou, inclinando-se para diante com interesse.
- Não pude chegar nem à página dois.
Kate sorriu a sua irmã com sarcasmo.
-Não grande coisa. Algo sobre o duque e a duquesa do Hastings, que pelo visto chegaram à cidade a princípios da semana; uma lista das comidas no baile de lady Danbury, que qualificou de "surpreendentemente deliciosas"; e uma descrição bastante desgraçada do vestido da senhora Featherington na segunda-feira passada.
Edwina franziu o cenho.
- Parece tomar-se bastante com os Featherington.
-E não é de estranhar - disse Mary, que deixou seu bordado para levantar-se-. Essa mulher não saberia escolher a cor do vestido de suas filhas embora tivesse todo um arco íris a seu redor.
Mãe! -exclamou Edwina.
Kate se tampou a boca com a palma para tentar não rir. Era estranho que Mary se pronunciasse de uma maneira tão dogmática, mas quando o fazia sempre saía com afirmações maravilhosas.
-Bem, é a verdade. empenha-se em vestir sua filha mais nova de laranja. Qualquer um pode dar-se conta de que essa pobre moça necessita de um azul ou um verde hortelã.
-Você me vestiu de amarelo - recordou Kate.
-E sinto tê-lo feito. Isso ensinará a não fazer caso das criadas. Nunca devia ter duvidado de meu próprio critério. O que faremos será arrumar esse vestido para a Edwina.
Como Edwina chegava à altura do ombro de sua irmã e sua cor de cabelo era vários tons mais delicados que os de Kate, isto não seria problema.
- Quando o fizer - disse Kate voltando-se para sua irmã - assegure-se de eliminar o babado da manga. É uma distração horrorosa. E pica. Estive a ponto de arrancá-lo ali mesmo no baile dos Ashbourne.
Mary entreabriu os olhos.
- Estou surpreendida e ao mesmo tempo agradecida de que se dignasse a comedir-se.
-Eu estou surpreendida mas não agradecida -disse Edwina com um sorriso malicioso-. Pensem só no suco que teria tirado isso lady Confidência.
-Ah, sim - disse Kate lhe devolvendo o trejeito. - Imagino, "O narciso chamuscado se arranca as pétalas".
- Vou para cima - anunciou Mary sacudindo a cabeça ao ouvir os agradecimentos de suas filhas. - Tentem não esquecer que temos de ir a uma festa esta noite. Talvez queiram, garotas, descansar um pouco antes de sair. Estou certa de que, uma noite mais, retornaremos bastante tarde a casa.
Kate e Edwina assentiram e murmuraram suas promessas de levar aquilo em conta enquanto Mary recolhia o bordado e saía da sala. Assim que partiu, Edwina se voltou para Kate e lhe perguntou:
- Decidiu o que vai vestir hoje?
- A gaze verde, acho. Deveria ir de branco, sei, mas temo que não fique bem.
-Se não vais de branco - disse Edwina por lealdade-, então eu tampouco o farei. Vestirei a musselina azul.
Kate assentiu com aprovação enquanto voltava a folhear o jornal que tinha na mão, ao mesmo tempo que tentava sustentar Newton, que se tinha posto de patas para cima, para que lhe esfregassem a barriga.
- Justo a semana passada, o senhor Berbrooke disse que era um anjo vestido de azul, pelo bem que vai esta cor a seus olhos.
Edwina pestanejou cheia de surpresa.
- O senhor Berbrooke disse isso? Disse-lhe isso a você?
Kate voltou a erguer a vista.
-Claro. Todos seus pretendentes tentam transmitir seus elogios através de mim.
- Ah, sim? E por que o fazem?
Kate sorriu lentamente, com ar de indulgência.
-Bem, para seu conhecimento, Edwina, poderia ter algo que ver com certa ocasião em que anunciou a todo o público presente no serão musical dos Smythe-Smith que nunca se casaria sem
a aprovação de sua irmã.
As faces de Edwina coraram um pouco.
-Não foi a todo o público - balbuciou.
-Pois quase. A notícia se propagou mais rápido que o fogo pelos telhados. Eu nem sequer estava na sala nesse momento e demorei só dois minutos em me inteirar.
Edwina cruzou os braços e soltou um "mmf" que fez com que parecesse sua irmã mais velha.
- Bem, é a verdade, saber que não me importa quem saiba. Sei que todo mundo espera de mim que faça um casamento grandioso e esplendoroso, mas não tenho que me casar com alguém que não se comporte bem comigo. Alguém com condições para impressionar a você sem dúvida seria satisfatório.
- Assim sou tão difícil de impressionar?
As duas irmãs se olharam a uma à outra e responderam ao uníssono.
- Sim.
Mas enquanto Kate ria junto com Edwina, cresceu em seu interior uma preocupação, uma sensação de culpa. As três Sheffield sabiam que ia ser Edwina quem conseguiria pegar um nobre ou quem conseguiria casar-se com uma fortuna. Seria Edwina quem garantiria o futuro a sua família, e lhes permitiria sair de sua digna escassez. Edwina era uma beleza, enquanto Kate era...
Kate era Kate.
Kate não se importava. A beleza da Edwina era um fato da vida. Fazia tempo que Kate tinha acabado por aceitar certas verdades. Kate nunca aprenderia a dançar a valsa sem ser ela quem tentasse guiar o seu par; sempre teria medo das tormentas elétricas, por muito que se repetisse que estava sendo tola; e vestisse o que vestisse, não importava como se penteasse ou se beliscasse as faces, nunca estaria tão bonita como Edwina.
Por outro lado, Kate não estava certa se gostaria de receber toda a atenção da qual Edwina era objeto. E estava acabando por compreender que tampouco lhe deleitaria a responsabilidade de ter que fazer um bom casamento para manter a sua mãe e a sua irmã.
- Edwina - disse Kate com voz suave e uns olhos que de repente se tornaram sérios-, não tem que se casar com alguém que você não goste. Sabe disso.
Edwina assentiu e de repente parecia que fosse chorar.
-Se decidir que não há um só cavalheiro em Londres que não seja bastante bom para você, então já está. Retornaremos ao Somerset e desfrutaremos de nossa própria companhia, sem mais. De qualquer modo, não há ninguém com quem eu passe melhor.
-Nem eu - susurrou Edwina.
-E se encontrar a um homem que a faça perder o sentido, então Mary e eu estaremos encantadas. Tampouco tem que preocupar-se em deixar a nós duas. Desfrutaremos uma da companhia da outra.
- É possível que você também encontre a alguém com quem se casar - indicou Edwina.
Kate notou que seus lábios formavam um pequeno sorriso.
-É possível - concedeu, embora sabia que o mais provável era que não fosse assim. Não queria ficar solteira para toda a vida, mas duvidava que fosse encontrar um marido aqui em Londres-. Talvez um de seus pretendentes doentes de amor recorra a mim uma vez que perceba que é inalcançável - falou.
Edwina tentou lhe dar com a almofada.
-Não seja tola.
- E não o sou! - protestou Kate. Não o era. Com toda franqueza, aquela parecia a via mais provável para que ela encontrasse um marido na capital.
- Sabe com que tipo de homem eu gostaria de me casar? - perguntou Edwina e de repente pôs olhos sonhadores.
Kate sacudiu a cabeça.
- Um intelectual.
- Um intelectual?
- Um erudito - disse Edwina com firmeza.
Kate limpou a garganta.
- Não estou certa de que vai encontrar muitos destes na cidade durante a temporada.
- Sei. - Edwina soltou um pequeno suspiro-. Mas o certo é que, e você sabe, embora se supõe que não deveria soltá-lo em público, sou um rato de biblioteca. Preferiria passar o dia entre livros que dando voltas pelo Hyde Park. Acredito que desfrutaria da vida com um homem que também tivesse aspirações intelectuais.
-Certo. Hummm... -A memória de Kate funcionava com frenesi. Tampouco era provável que Edwina encontrasse um intelectual em Somerset-. Sabe, Edwina? Poderia ser difícil encontrar um verdadeiro erudito fora das cidades universitárias. Talvez tenha que se contentar com um homem que goste de ler e aprender tanto como você.
- Isso estaria bem - aceitou feliz Edwina-. Estaria muito contente com um intelectual amador.
Kate soltou um suspiro de alívio. Sem dúvida poderiam encontrar em Londres alguém que gostasse de ler.
- E sabe o que? - acrescentou Edwina -. Nunca se pode confiar nas aparências. Todo tipo de pessoas são intelectuais em seus momentos livres. Vá, inclusive o visconde do Bridgerton, de quem não deixa de falar lady Confidência poderia ser no fundo um erudito.
- Cuidado com o que diz, Edwina. Não vai ter nada que ver com o visconde do Bridgerton. Todo mundo sabe que é um mulherengo da pior classe. De fato, é o pior dos mulherengos, e fim de papo. De toda Londres. De todo o país!
- Sei, só o estava tomando como exemplo. Além disso, não é provável que escolha esposa este ano. Isso diz lady Confidência, e você mesma disse que quase sempre está certa.
Kate deu um tapinha no braço de sua irmã.
- Não se preocupe. Encontraremos um marido apropriado para você. Mas não, certamente que não, não o visconde do Bridgerton!

Naquele preciso momento, seu assunto de conversa se encontrava passando o tempo no White"s com dois de seus três irmãos mais jovens, desfrutando de uma taça à tarde.
Anthony Bridgerton se recostou em sua poltrona de couro e contemplou seu uísque escocês com expressão pensativa enquanto o fazia girar. Depois anunciou:
- Estou pensando em me casar.
Benedict Bridgerton, quem estava há um tempo entregue a um vício que sua mãe detestava – oscilar cambaleante sobre as duas pernas traseiras de sua cadeira - caiu ao chão. Colin Bridgerton se engasgou.
Por sorte para Colin, Benedict voltou a endireitar-se a tempo para lhe dar uma sonora
palmada nas costas e mandar uma azeitona verde voando por cima da mesa.
Por pouco alcança a orelha de Anthony.
Anthony deixou passar aquela humilhação sem comentários. Era muito consciente de que sua repentina declaração tinha provocado um pouco de surpresa.
Bom, talvez algo mais que um pouco. Completa, total e absoluta, eram as palavras que vieram a sua mente.
Anthony sabia que não dava a imagem de um homem que tinha assentado a cabeça. Tinha passado a última década como um libertino da pior classe, procurando prazer onde podia. Como bem sabia, a vida era curta e sem dúvida teria que desfrutá-la. OH, certamente que tinha mantido um certo código de honra.
Nunca tinha paquerado jovenzinhas de boa família. Qualquer moça que tivesse algum direito a lhe exigir matrimônio ficava estritamente relegada a território proibido.
Como tinha quatro irmãs mais novas, Anthony mostrava um grau saudável de respeito pela boa reputação das mulheres de bom berço. Já quase se batera em duelo por uma de suas irmãs, e tudo por um desprezo a sua honra. E quanto às outras três, tinha que admitir sem reparos que sentia um suor frio só de pensar em que se enredassem com um homem com uma reputação parecida com a sua.
Não, era certo, não ia aproveitar se da irmã menor de outro cavalheiro.
Mas quanto a outros tipos de mulheres - viúvas e atrizes, que sabiam o que queriam e onde se estavam metendo- desfrutava de sua companhia e desfrutava às claras. Desde dia em que saiu de Oxford e partiu para ao oeste, a Londres, nunca lhe tinha faltado uma amante.
E as vezes, pensou com ironia, não lhe tinham faltado duas.
Podia dizer-se que tinha participado de todas as corridas de cavalos que a sociedade organizava, tinha boxeado no Jackson"s e tinha ganho mais partidas de cartas do que podia recordar. (Tinha perdido umas quantas também, mas essas não as considerava.) A década dos vinte aos trinta tinha transcorrido em uma busca consciente de prazer, atenuada só por seu entristecedor sentido da responsabilidade para com sua família.
A morte de Edmund Bridgerton tinha sido repentina e inesperada; não tinha tido ocasião de manifestar nenhum pedido final a seu filho mais velho antes de falecer. Mas Anthony estava seguro de que, se o tivesse feito, lhe teria pedido que cuidasse de sua mãe, irmãos e irmãs com a mesma diligência e afeto que Edmund tinha mostrado.
Portanto, entre as rondas de festas e as corridas de cavalos de Anthony, tinha enviado a seus irmãos a Eton e a Oxford, tinha ido a uma quantidade esmagadora de recitais de piano oferecidos por suas irmãs (uma proeza, três das quatro careciam de ouvido para a música), e tinha seguido de perto as finanças familiares. Com sete irmãos e irmãs, considerava seu dever garantir que houvesse dinheiro suficiente para assegurar o futuro de todos.
Conforme se aproximava dos trinta anos, percebeu que passava cada vez mais e mais tempo atendendo sua herança e a sua família e cada vez menos em sua antiga busca de decadência e prazer. E tinha compreendido que gostava deste modo. Ainda tinha amantes, mas nunca mais de uma de cada vez, e descobriu que já não sentia a necessidade de participar de cada corrida de cavalos que se organizava ou de ficar até tarde em uma festa só para ganhar a última mão de cartas.
É claro, conservava a mesma reputação de anos atrás. Isso era algo que em si não lhe
importava. Havia certas vantagens em que o considerassem o libertino mais censurável de toda a Inglaterra. Por exemplo, temiam-no em quase todas as partes.
Tudo tinha um lado bom.
Mas agora era o momento de casar-se. Tinha que assentar a cabeça, ter um filho. Ao fim e ao cabo, tinha que transmitir a alguém seu título. Sentiu uma penetrante pontada de consternação - e talvez também um toque de culpa- porque era pouco provável que vivesse para ver seu filho convertido em adulto. Mas o que podia fazer? Era o primogênito Bridgerton de um primogênito Bridgerton de um primogênito Bridgerton, até oito vezes. Tinha a responsabilidade dinástica de ser fértil e multiplicar-se.
À parte, produzia-lhe certo consolo saber que deixava três irmãos competentes e bondosos. Eles se ocupariam que seu filho fosse criado com o amor e a honra do que todos os Bridgerton tinham desfrutado.
Suas irmãs mimariam ao menino, e sua mãe talvez o criaria mal...
Anthony sorriu um pouco enquanto pensava em sua numerosa e às vezes ruidosa família. Seu filho não necessitaria de um pai para ser querido.
E tivesse os filhos que tivesse, bem, era provável que não o recordassem uma vez que faltasse. Seriam pequenos, ainda não formados. Não lhe tinha passado por cima que, de todos os meninos Bridgerton, a ele, o mais velho, tinha-lhe afetado mais profundamente a morte de seu pai.
Deu outro gole em seu uísque e endireitou os ombros, apartando reflexões tão desagradáveis de sua mente. Precisava concentrar-se no assunto que tinha entre mãos, ou seja, a busca de uma esposa.
Como era um homem bastante exigente e em certo modo organizado, fazia uma lista mental dos requisitos para aquele posto. Em primeiro lugar, ela tinha que ser razoavelmente atraente. Não era preciso que fosse uma beleza espantosa (embora isso seria agradável), mas se tinha que deitar-se com ela, imaginava que um pouco de atração física faria a tarefa mais agradável.
Em segundo lugar, não podia ser estúpida. Isto, refletiu Anthony, talvez fosse o mais difícil de seus requisitos. Não lhe impressionava muito a destreza mental das debutantes londrinas. A última vez que tinha cometido o engano de entabular conversa com uma ranhente recém saída do colégio, ela não tinha sido capaz de falar de outra coisa que não fosse de comida (tinha um prato de morangos naquele momento) e do tempo (e nem sequer esclareceu então: quando Anthony lhe tinha perguntado se parecia que iriam ter tempo inclemente, ela tinha respondido que não tinha nem idéia. "Nunca estive em Clemente.") Talvez pudesse evitar conversar com uma esposa que não fosse de todo inteligente, mas não queria crianças estúpidas.
Em terceiro lugar - e este era o ponto mais importante- não podia tratar-se de alguém de quem ele pudesse apaixonar-se.
Esta regra não podia quebrar sob circunstância alguma.
Tampouco era tão cínico: ele sabia que o amor verdadeiro existia. Qualquer um que tivesse estado na mesma habitação que seus pais sabia que existia o amor verdadeiro. Mas o amor era uma complicação que desejava evitar. Não desejava que se produzisse aquele milagre em concreto em sua vida.
E como Anthony estava acostumado a conseguir o que queria, não albergava dúvidas de que ia encontrar uma mulher atraente e inteligente de quem nunca se apaixonaria. Que problema
havia nisso? Eram muitas as possibilidades de que nunca encontrasse o amor de sua vida apesar de buscá-lo. De fato a maioria dos homens não o conseguiam.
- Santo céu, Anthony, por que franze o cenho assim? Não pode ser pela azeitona. Vi com clareza que nem sequer o tocou.
A voz de Benedict lhe tirou de seu sonho. Anthony pestanejou umas poucas vezes antes de responder.
- Não é nada. Nada absolutamente.
É claro, não tinha compartilhado com ninguém suas idéias sobre sua própria mortalidade, nem sequer com seus irmãos. Não era o tipo de coisa que alguém queria anunciar por aí. Diabos, se alguém tivesse vindo a ele com uma história assim, era mais que provável que lhe tivesse chamado à razão entre risadas.
Mas ninguém mais podia entender a profundidade do vínculo que mantinha com seu pai. E sem dúvida ninguém mais podia compreender o que Anthony sentia em suas carnes e o que sabia com convicção: que simplesmente não viveria mais do que tinha vivido seu pai. Edmund tinha sido tudo para ele. Sempre tinha aspirado a ser um homem tão importante como seu pai apesar de saber que aquilo era improvável; de qualquer modo tentava. Alcançar mais do que tinha obtido Edmund - em qualquer sentido- era de todo impossível.
O pai de Anthony era, em poucas palavras, o homem maior que jamais tinha conhecido, possivelmente o homem maior que jamais tinha vivido. Pensar que podia ser mais que isso parecia presunçoso em extremo.
Algo lhe tinha acontecido a noite em que seu pai tinha morrido, quando permaneceu no dormitório de seus pais a sós com o cadáver, simplesmente sentado ali durante horas, observando ao Edmund e tentando com desespero recordar cada momento que tinham compartilhado. Seria tão fácil esquecer as coisas pequenas: como apertava o braço de Anthony quando lhe faltava ânimo ou como podia recitar de cor e inteira a canção "Sim Não Morre" do Balthazar de Muito ruído e poucas notas, não porque lhe parecesse significativa mas sim porque gostava, sem mais.
E quando por fim Anthony saiu do quarto, com os primeiros raios do amanhecer tornando o céu de rosa, de certo modo sabia que tinha os dias contados, contados do mesmo modo que o tinham sido para Edmund.
- Livre-se- disse Benedict, interrompendo uma vez mais seus pensamentos -. Não vou oferecer nada por saber o que pensa, já que sei que é impossível que seus pensamentos valham algo, mas em que diabos está pensando?
De repente Anthony se sentou mais erguido, decidido a voltar sua atenção ao assunto que tinham entre mãos. Ao fim e ao cabo, tinha que escolher esposa, e sem dúvida isso constituía um assunto sério.
- A quem se considera o diamante desta temporada? -perguntou.
Seus irmãos pararam a pensar um momento nisto e em seguida Colin disse:
- Edwina Sheffield. Sem dúvida a viu. Bastante miúda, com o cabelo loiro e olhos azuis. Pode distingui-la pelo rebanho de pretendentes doentes de amor que vão atrás dela.
Anthony passou por cima os esforços de seu irmão de ser sarcástico.
- É inteligente?
Colin pestanejou, como se a pergunta sobre se uma mulher era inteligente fosse uma questão que nunca lhe tivesse passado por sua cabeça.
- Sim, acredito que sim. Em uma ocasião a ouvi discutir de mitologia com o Middlethorpe, e soava como se soubesse do que falava.
- Bem -disse Anthony enquanto deixava sua taça de uísque sobre a mesa com um som seco-. Pois então me casarei com ela.

Capítulo 2

No baile dos Heartside na quarta-feira de noite, pôde-se ver o visconde Bridgerton dançando com mais de uma jovem solteira. Esta conduta só pode qualificar-se de "surpreendente", já que normalmente Bridgerton evita às mocinhas recatadas com uma perseverança que seria admirável se não fosse tão frustrante para todas as mamães com intenções matrimoniais.
É possível que o visconde tenha lido a coluna mais recente desta Autora e que, fazendo ornamento dessa atitude perversa que todos os varões parecem compartilhar, tenha decidido demonstrar a Esta Autora que se equivocava?
Poderia dar a impressão de que Esta Autora se atribui mais importância do que de fato exerce, mas está claro que os homens tomaram decisões apoiando-se em muito, muito menos.

REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
22 de abril de 1814

Às onze da noite, todos os temores do Kate se materializaram.
Anthony Bridgerton tinha pedido uma dança à Edwina.
E ainda pior, Edwina tinha aceito.
E muito pior ainda, Mary estava contemplando ao casal como se quisesse reservar a igreja naquele mesmo minuto.
- Vai deixar? - disse-lhe Kate entre dentes, ao mesmo tempo que dava em sua madrasta uma cotovelada nas costelas.
- Deixar o que?
- De olhá-los desse modo!
Mary pestanejou.
- De que modo?
- Como se estivesse planejando o menu das bodas.
- Oh. - Ruborizaram as faces de Mary com o tipo de rubor que denotava culpa.
- Mary!
- Bem, é possível que o tenha feito - admitiu a mulher. - E o que tem de mau, eu gostaria de perguntar?
Seria um partido invejável para Edwina.
- Não nos escutou esta tarde no salão? Já é bastante mau que Edwina tenha tal quantidade de libertinos e mulherengos lhe pisando os calcanhares. Não pode imaginar o tempo que levei separar os bons pretendentes dos maus. Mas Bridgerton! - Kate encolheu os ombros-. É muito possível que seja o pior mulherengo de toda Londres. Não pode querer que se case com um homem como ele.
- Não lhe ocorra me dizer o que posso e que não posso fazer, Katharine Grace Sheffield -
respondeu Mary cortante e ergueu as costas até endireitar-se em toda sua altura, que de qualquer modo era uma cabeça mais baixa que Kate-. Continuo sendo sua mãe. Bem, sua madrasta. E isso conta algo.
Kate se sentiu imediatamente como um verme.
Mary era a única mãe que tinha conhecido e nunca, nenhuma só vez, tinha-lhe feito sentir-se menos filha que Edwina. Tinha-a agasalhado às noites, tinha-lhe contado histórias, tinha-a beijado e abraçado, e lhe tinha ajudado durante esses anos difíceis entre a infância e a idade adulta. A única coisa que não tinha feito era pedir à Kate que a chamasse "mãe".
- Sim conta - disse Kate com voz suave, baixando envergonhada o olhar aos pés -. Conta muito. É minha mãe, em todos os sentidos e em tudo o que importa.
Mary ficou olhando durante um longo tempo, depois começou a pestanejar de forma bastante frenética.
- Oh, céus - disse com voz entrecortada enquanto procurava em sua carteira um lenço. - Agora já me deixou feita um regador.
- Sinto muito - murmurou Kate-. Olhe, venha aqui, vire-se para que ninguém a veja. Assim, assim...
Mary tirou um lenço branco de linho e secou os olhos, do mesmo azul que os de Edwina.
- Amo-a, Kate. Sabe disso, não é verdade?
- É claro! - exclamou Kate, assombrada inclusive de que Mary o perguntasse. - E você sabe... você sabe que...
- Sei. -Mary lhe deu uns golpezinhos no braço-. É claro que sei. É só que quando se compromete a ser a mãe de uma criatura a quem não deu a luz, sua responsabilidade é duplamente maior . Deve trabalhar inclusive mais para garantir a felicidade e o bem-estar da criança.
- Oh, Mary, amo-a. E amo Edwina.
Ao mencionar o nome da Edwina, as duas se voltaram e olharam ao outro lado do salão de baile, para vê-la enquanto dançava com suma graça com o visconde. Como era habitual, Edwina era uma pura imagem de beleza miúda. Seu cabelo loiro estava recolhido no alto de sua cabeça, com uns poucos cachos soltos que emolduravam seu rosto, e sua forma era a graça personificada enquanto ia executando os passos da dança.
O visconde, percebeu Kate com irritação, era um belo e deslumbrante. Vestido de negro e branco rigorosos, evitava as cores gritantes que se fizeram populares entre os membros mais atraentes da elite aristocrática. Era alto, esticado e orgulhoso, e tinha um espesso cabelo castanho que tendia a cair para diante sobre sua testa.
Ao menos a primeira vista, era tudo o que se supunha que um homem tinha que ser.
- Formam um casal muito bonito, não é verdade? - murmurou Mary.
Kate mordeu a língua. E se machucou seriamente.
-É um alvo alto para ela, mas não o vejo como um obstáculo insuperável, não acha?
Kate agarrou as mãos e cravou as unhas na pele. Dizia muito sobre a força de seu agarramento o fato de que pudesse sentir inclusive através das luvas de pelica.
Mary sorriu. Um sorriso bastante matreiro, pensou Kate. Lançou um olhar desconfiado a sua madrasta.
- Ele dança bem, não lhe parece? - perguntou Mary.
- Não vai casar-se com Edwina! - explodiu Kate.
O sorriso de Mary se retesou até formar uma careta.
- Me estava perguntando quanto demoraria para romper seu silêncio.
- Muito mais do que é minha tendência natural - replicou Kate, virtualmente mordendo cada
palavra.
- Sim, isso está claro.
- Mary, sabe que não é o tipo de homem que queremos para a Edwina.
Mary inclinou ligeiramente a cabeça a um lado e ergueu as sobrancelhas.
- Creio que a colocação deveria ser se é o tipo de homem que Edwina quer para Edwina.
- Tampouco o é! - respondeu Kate com veemência -. Esta mesma tarde me disse que queria casar-se com um intelectual. Um intelectual! - Sacudiu a cabeça em direção ao cretino moreno que estava dançando com sua irmã - Parece-lhe um intelectual?
- Não, mas lhe digo o mesmo, você não tem precisamente aspecto de ser uma dextraaquarelista, e não obstante eu sei que o é. - Mary pôs um sorrisinho de suficiência, o qual acabou por tirar do sério à Kate. Esperou sua resposta.
- Admitirei - disse Kate entre dentes- que não terá que julgar a uma pessoa só por seu aspecto externo, mas sem dúvida estará de acordo comigo em que, por tudo o que ouvimos dizer dele, não parece o tipo de homem que vá passar as tardes inclinado sobre livros antigos em uma biblioteca.
- Talvez não - disse Mary em tom meditativo - mas tive uma conversa encantadora com sua mãe esta noite, mais cedo.
- Sua mãe? -Kate se forçou a seguir a conversa. - O que tem que ver isso agora?
Mary encolheu os ombros.
-Me custa acreditar que uma dama tão cortês e inteligente tenha criado a um filho que não seja o mais perfeito dos cavalheiros, apesar de sua reputação.
- Mas, Mary...
- Quando for mãe - disse com altivez - entenderá ao que me refiro.
- Mas...
- Disse-lhe já - interrompeu de repente Mary com um tom de voz intencional que indicava que queria mudar de assunto. - Está muito bonita com a gaze verde. Estou muito contente de que a escolhêssemos.
Kate ficou olhando seu vestido sem palavras enquanto se perguntava por que diabos Mary tinha mudado de assunto de forma tão repentina.
- Esta cor lhe fica muito bem. Lady Confidência não te comparará com nenhuma fibra chamuscada em sua coluna da sexta-feira!
Kate ficou olhando a Mary cheia de consternação. Talvez sua mãe estivesse muito acalorada. O salão de baile se encontrava abarrotado e o ambiente estava cada vez mais carregado.
Então sentiu o dedo de Mary cravando-se o justo debaixo de sua omoplata esquerda, e soube que o motivo era outra coisa completamente diferente.
- Senhor Bridgerton! - exclamou de repente Mary, soando tão cheia de júbilo como uma mocinha.
Kate, horrorizada, voltou a cabeça com brusquidão para ver um homem assombrosamente bonito que se aproximava delas. Um homem assombrosamente bonito que guardava uma
semelhança também assombrosa com o visconde que naquele instante estava dançando com sua irmã.
Engoliu em seco. Ou isso ou ficava boquiaberta de tudo.
- Senhor Bridgerton! - repetiu Mary -. Que prazer vê-lo. Esta é minha filha Katharine.
O jovem tomou a mão inerte e enluvada do Kate e roçou seus dedos com um beijo tão etéreo que Kate suspeitou que não a tinha beijado absolutamente.
- Senhorita Sheffield - murmurou ele.
- Kate - continuou Mary - , apresento-a ao senhor Colin Bridgerton.
Conheci-o antes enquanto falava com sua mãe, lady Bridgerton, nesta mesma noite. - Se voltou para o Colin com sorriso radiante - . Que dama tão encantadora.
Devolveu-lhe o sorriso.
- Acreditamos nisso.
Mary soltou um risinho abafado. Um risinho abafado! Kate sentiu uma pontada.
- Kate - repetiu Mary - , o senhor Bridgerton é o irmão do visconde. que dança com Edwina -acrescentou sem que fosse necessário.
- Deduzi isso - respondeu Kate.
Colin Bridgerton lhe lançou um olhar de soslaio, e ela soube imediatamente que não lhe tinha passado por cima o leve sarcasmo em seu tom de voz.
- É um prazer conhecê-la, senhorita Sheffield - disse com amabilidade-. Espero que esta noite me dê a honra de me conceder uma de suas danças.
- Eu... é claro. - limpou a garganta-. Será uma honra.
- Kate -disse Mary lhe dando levemente com o cotovelo - inscreva-o em seu cartão de baile.
- OH! Sim, é claro. - Kate procurou com cuidado seu cartão, que tinha atado com esmero a em seu pulso com uma fita verde. Que tivesse que procurar com cuidado algo que de fato estava amarrado a seu corpo era um pouco alarmante, mas Kate decidiu atribuir sua falta de compostura à aparição repentina e inesperada de um irmão Bridgerton desconhecido até então.
Isso e o desgraçado fato de que inclusive nas melhores circunstâncias nunca tinha sido a garota com mais graça de um baile.
Colin escreveu seu nome para uma das danças durante aquela noite, depois lhe perguntou se gostaria de ir com ele até a mesa da limonada.
-Vá, vá - disse Mary antes de que Kate pudesse contestar -. Não se preocupe por mim. Estarei muito bem embora saia.
- Posso lhe trazer um copo - se ofereceu Kate ao mesmo tempo que tentava imaginar-se se era possível fulminar com o olhar a sua madrasta sem que o senhor Bridgerton o percebesse.
- Não é necessário. A verdade é que deveria retornar a meu lugar com todas as acompanhantes e mães. -
Mary voltou com frenesi a cabeça de um lado a outro até que detectou um rosto conhecido. - OH, olhe, aí está a senhora Featherington. Tenho que partir. Importa-se!
Kate observou durante um momento a forma de sua madrasta que se retirava apressadamente, depois se voltou de novo para o senhor Bridgerton.
- Creio - disse com secura - que não quer limonada.
Uma faísca de humor cintilou nos olhos verde esmeralda dele.
Isso - Ou o planeja ir correndo até a Espanha para recolher ela mesma os limões.
A seu pesar, Kate riu. Preferia que o senhor Colin Bridgerton não lhe caísse bem. Não tinha muita vontade de gostar de alguém da família Bridgerton depois de tudo o que tinha lido sobre o visconde no jornal. Mas teve que admitir que não parecia justo julgar a um homem pelas maldades de seu irmão, de modo que se obrigou assim mesma a relaxar um pouco.
- E você tem sede - lhe perguntou Kate - ou se limitava a ser amável?
- Sempre sou amável - disse com um sorriso malicioso, mas também tenho sede.
Kate deu uma rápida olhada a esse sorriso que combinado com aqueles devastadores olhos verdes conseguia um efeito letal, e quase soltou um gemido.
- Você também é um sedutor - disse com um suspiro.
Colin se engasgou. Com o que, não sabia, mas de qualquer modo se engasgou.
- Perdão, como disse?
O rosto de Kate se ruborizou ao perceber com horror que tinha falado em voz alta.
- Não, sou eu quem lhe pede perdão. Por favor, desculpe-me. Minha descortesia é imperdoável.
- Não, não - ele se apressou a dizer, com aspecto de estar terrivelmente interessado e também bastante divertido-, por favor, continue.
Kate engoliu em seco. Não havia maneira de sair agora disto.
- Simplesmente... - limpou a garganta -, se quiser que lhe seja franca...
Ele assentiu com um sorriso ardiloso que lhe dizia que não podia imaginá-la de outra maneira que fosse franca.
Kate pigarreou uma vez mais. A verdade, é que isto se estava tornando ridículo. Começava a soar como se tivesse engolido um sapo.
- Me tinha ocorrido que guardava certa semelhança com seu irmão, isso é tudo.
- Meu irmão?
- O visconde - disse ela, pois pensava que era claro.
- Tenho três irmãos - explicou ele.
- Oh. - Então se sentiu estúpida-. Sinto muito.
- Eu também o sinto - disse ele, como se de verdade o lamentasse-. A maioria das vezes é uma chateação atroz.
Kate teve que tossir para dissimular um pequeno fôlego de surpresa.
- Mas ao menos não me comparou com o Gregory - disse ele com um suspiro dramático de alívio. Nesse momento lançou à Kate um malicioso olhar de soslaio-. Tem treze anos.
Kate captou o sorriso desenhado em seus olhos e compreendeu que tinha estado brincando com ela todo o tempo. Absolutamente se tratava de um homem que desejasse perder de vista a seus irmãos.
- Sente bastante devoção por sua família, não é verdade que sim? - Lhe perguntou.
Os olhos dele, risonho ao longo de toda a conversa se tornaram sérios por completo sem sequer pestanejar.
- Total.
- Igual ao que eu - disse Kate lançando uma indireta.
- E isso quer dizer...?
- Quer dizer - respondeu ela consciente de que devia conter a língua mas de todas formas explicar-se - que não permitirei que ninguém rompa o coração de minha irmã.
Colin ficou calado durante um momento e voltou a cabeça com lentidão para observar a seu irmão e a Edwina, quem nesse mesmo momento concluíam a dança.
- Já vejo - murmurou.
- Ah sim?
- Oh, certamente. - Chegaram à mesa da limonada e ele estendeu o braço para pegar dois copos, um dos quais estendeu a ela. Já tinha bebido três copos de limonada aquela noite, um fato de que estava segura que Mary era consciente antes de insistir em que Kate bebesse mais. Mas fazia calor no salão de baile – os salões de baile sempre fazia calor- e voltava a ter sede.
Colin deu um gole pausado e a observou por cima do bordo do copo, depois disse:
-Meu irmão tem em mente formar uma família este ano.
Era um jogo para dois, pensou Kate. Deu um gole a limonada - lentamente- antes de falar:
Isso é certo?
- Desde logo estou em posição de saber.
- Tem a reputação de ser um mulherengo.
Colin a olhou tentando formar um julgamento.
- Isso é certo.
É difícil imaginar-se a um vadio de tão má reputação formalizando-se com uma esposa e encontrando a felicidade no matrimônio.
- Parece ter pensado muito nesta perspectiva, senhorita Sheffield - apontou com um olhar franco e direto a seu rosto.
- Seu irmão não é o primeiro homem de caráter questionável que tem fez corte a minha irmã, senhor Bridgerton. E lhe asseguro que não levo a felicidade de minha irmã à ligeira.
- O certo é que qualquer garota encontraria a felicidade em um matrimônio com um cavalheiro rico e com título. Não consiste justo nisso uma temporada em Londres?
- Talvez - admitiu Kate-, mas temo que essa linha de pensamento não aborda o verdadeiro problema que nos ocupa.
- O que é?
- Que um marido pode romper o coração com uma intensidade muito superior a de um mero pretendente. - Sorriu com uma classe de sorriso leve e sabedor. Depois acrescentou: - Não lhe parece?
- Como nunca me casei, está claro que não estou em situação de fazer conjeturas.
- Lástima, lástima, senhor Bridgerton. Essa foi a pior evasiva que podia ocorrer. - Deveras? Mas pensando bem que podia ser a melhor. Está claro que estou perdendo habilidades.
- Isso, temo, nunca será algo para preocupar-se. - Kate acabou o que ficava de limonada. Era um copo pequeno; lady Hartside, a anfitriã, era conhecida por sua mesquinharia.
- É muito generosa - replicou ele.
Kate sorriu, desta vez com um sorriso de verdade.
- Raramente me acusam disso, senhor Bridgerton.
Ele riu. Com uma sonora gargalhada no meio do salão de baile. Kate se percebeu com desconforto que de repente eram objeto de numerosos olhares curiosos.
- Tem que conhecer -continuou ele, soando divertido por completo- a meu irmão.
- O visconde? -perguntou ela com incredulidade.
- Bem, poderia desfrutar também da companhia de Gregory -admitiu-, mas como já lhe
disse, só tem treze anos e é provável que lhe ponha uma rã na cadeira.
- E o visconde?
-Não é provável que lhe ponha uma rã na cadeira -respondeu ele com uma expressão absolutamente séria.
Kate nunca saberia como conseguiu não voltar a rir. Com os lábios muito retos e sérios, respondeu:
-Já vejo. Tem muitos conselhos a dar a seu irmão pequeno então.
Colin fez uma careta.
- Não é tão mau.
- Que alívio sabê-lo. Acredito que vou começar a planejar o banquete nupcial imediatamente.
Colin ficou boquiaberto.
- Não me referia... Não deveria... Quer dizer, uma medida assim seria prematura.
Kate sentiu pena dele e disse:
- Estava brincando.
O rosto dele se ruborizou levemente.
- Claro.
- Bem, se me desculpar, tenho que me despedir. Colin ergueu uma sobrancelha.
- Não irá tão logo, senhorita Sheffield?
- Em absoluto. - Mas não ia dizer lhe que tinha que ir ao privado. Quatro copos de limonada tendiam a provocar essa reação corporal -. prometi a uma amiga me reunir um momento com ela.
- Foi um prazer. - Executou uma inclinação precisa -. Posso acompanhá-la a seu destino?
- Não, obrigado. Serei capaz de chegar sozinha. - E com um sorriso por cima do ombro, iniciou sua retirada do salão de baile.
Colin Bridgerton a observou partir com expressão pensativa, logo se encaminhou para seu irmão mais velho que estava apoiado contra a parede com os braços cruzados em atitude quase beligerante.
- Anthony! - chamou e deu uma palmada a seu irmão nas costas. - Como foi sua dança com a encantadora senhorita Sheffield?
- Servirá. - Foi a direta resposta do Anthony. Ambos sabiam o que queria dizer isso.
- Seriamente? - Os lábios do Colin esboçaram um sorriso muito leve -. Então terá que conhecer sua irmã.
- Desculpa?
-Sua irmã - repetiu Colin, e começou a rir. - Simplesmente tem que conhecer sua irmã.

Vinte minutos mais tarde, Anthony estava convencido de ter compreendido toda a história que Colin lhe explicou sobre Edwina Sheffield. E pelo visto, a via para alcançar o coração da Edwina e sua mão em matrimônio passava diretamente por sua irmã.
Ao que parecia, Edwina Sheffield não ia casar-se sem a aprovação de sua irmã mais velha. Segundo Colin era vox populi, ou ao menos o era desde a semana anterior já que Edwina assim o tinha manifestado na noite musical anual dos Smythe-Smith. Todos os irmãos Bridgerton perderam esta declaração de capital importância já que evitavam as noites musicais dos Smythe-Smith como se fossem a praga, assim como fazia qualquer com um pouco de apreço por Bach,
Mozart ou a música em geral.
A irmã mais velha de Edwina, uma tal Katharine Sheffield, mais conhecida como Kate, também fazia sua estréia este ano, apesar de que era sabido que ao menos tinha vinte e um anos. Esta coincidência levou ao Anthony à conclusão de que as Sheffield deviam encontrar-se entre as categorias inferiores da aristocracia, um fato que lhe ia bem. Não necessitava de uma noiva com um grande dote, e uma noiva sem dote poderia necessitar mais a ele.
Anthony achava que devia aproveitar todas as vantagens.
A diferença da Edwina, a mais velha das senhoritas Sheffield não tinha causado uma sensação imediata entre a sociedade. Segundo Colin, em geral caía bem, mas carecia da beleza deslumbrante da Edwina. Era alta enquanto Edwina era miúda, e morena enquanto Edwina era loira. A sua vez, carecia da graça resplandecente da Edwina. Também neste caso segundo Colin (quem, apesar de ter chegado fazia bem pouco a Londres para passar a temporada, era uma verdadeira fonte de conhecimento e fofoca), mais de um cavalheiro tinha comunicado ter recebido pisões depois de uma dança com Katharine Sheffield.
Ao Anthony parecia toda a situação um pouco absurda. Ao fim e ao cabo, quem tinha ouvido alguma vez que uma moça precisasse a aprovação de sua irmã para seu futuro marido? Um pai, sim, um irmão, ou inclusive uma mãe... mas uma irmã? Era inconcebível. E ainda mais, era peculiar que Edwina procurasse conselho em Katharine quando estava claro que a própria Katharine não sabia a que ater-se em assuntos relacionados com tom.
Mas Anthony não tinha especial interesse em procurar outra candidata adequada a que cortejar, de modo que decidiu convenientemente que aquilo só queria dizer que a família era importante para a Edwina.
E como a família era o mais importante para ele, isto era um indício mais de que seria uma opção excelente como esposa.
De modo que teve a impressão de que a única coisa que teria que fazer seria cativar à irmã. E como ia ser isso algo difícil?
- Não terá problemas em conquistá-la - predisse Colin com um sorriso de segurança iluminando seu rosto-. Nenhum problema absolutamente. Uma solteirona tímida e antiquada? É provável que nunca tenha recebido as atenções de um homem como você. Nunca saberá o que lhe terá acontecido.
- Não quero que se apaixone por mim - replicou Anthony-. Só quero que me recomende a sua irmã.
- Não pode falhar - continuou Colin-. É muito simples: não pode falhar. Confia em mim, passei uns minutos conversando com ela antes esta mesma noite e não podia falar melhor de você.
- Bem. -Anthony se afastou da parede e lançou uma olhada com ar decidido-. E bem, onde está? Necessito que nos apresente.
Colin inspecionou a sala durante um minuto mais ou menos e depois disse:
- Ah, aí está. Olhe, vem nesta direção. Que coincidência tão maravilhosa.
Anthony tinha chegado à conclusão fazia tempo de que nada que se aproximasse de cinco metros de seu irmão era uma coincidência, mas seguiu de todos os modos seu olhar.
- Qual delas é?
- A de verde - respondeu Colin fazendo uma indicação em sua direção com um movimento
de queixo apenas perceptível.
Não era absolutamente o que tinha esperado, percebeu Anthony enquanto a observava andar com muito cuidado entre a multidão. Em realidade não era uma amazona solteirona; só se a comparava com a Edwina, quem mal passava o metro e cinqüenta, parecia muito alta. Em si, a senhorita Katharine Sheffield tinha um aspecto seriamente agradável, com espesso cabelo castanho e olhos escuros.
Tinha a cútis clara, lábios rosados e se comportava com um ar de segurança que ele não pôde evitar achar atraente.
Era certo que nunca a poderia considerar um diamante do mais alto grau de pureza, como sua irmã, mas Anthony não entendia que não fosse capaz de encontrar um marido para ela. Talvez quando ele se casasse com Edwina pudesse proporcionar um dote para a irmã. Parecia o menos que um homem podia fazer.
A seu lado, Colin se adiantou um pouco para abrir caminho entre a multidão.
- Senhorita Sheffield! Senhorita Sheffield!
Anthony não quis ficar atrás do Colin e se preparou mentalmente para deslumbrar à irmã mais velha de Edwina. Uma solteirona não valorizada como era devido, isso era. Teria-a lhe comendo da mão em um piscar de olhos.
- Senhorita Sheffield - estava dizendo Colin-, que prazer voltar a vê-la.
Ela se mostrou um pouco perplexa, mas Anthony não a culpou. Colin fazia que soasse como se se topassem um com o outro por acidente, quando todos sabiam que ao menos tinha atropelado a meia dúzia de pessoas para chegar a seu lado.
- É encantador voltar a ver também a você, senhor - respondeu com ironía-. E de um modo tão inesperadamente rápido depois de nosso último encontro.
Anthony sorriu para si mesmo. Tinha um engenho mais agudo do que lhe tinham levado a pensar.
Colin fez uma careta encantadora, e então Anthony teve a impressão clara e perturbadora de que seu irmão andava atrás de algo.
- Não posso explicar por que - disse Colin à senhorita Sheffield-, mas de repente me parece imperioso lhe apresentar a meu irmão.
Kate voltou de forma abrupta a vista à direita do Colin e se endireitou quando seu olhar recaiu sobre o Anthony. Mas deu a impressão de que acabara de tomar um medicamento desagradável.
Anthony pensou que aquilo era estranho.
- Que amável de sua parte - murmurou a senhorita Sheffield... entre dentes.
- Senhorita Sheffield - continuou alegre Colin, enquanto fazia uma indicação ao Anthony-, meu irmão Anthony, visconde do Bridgerton. Anthony, a senhorita Katharine Sheffield. Acredito que já conheceu a sua irmã antes esta noite.
- Sim - disse Anthony, consciente então de um entristecedor desejo, não necessidade, de estrangular a seu irmão.
A senhorita Sheffield fez uma rápida e torpe inclinação.
- Lord Bridgerton - disse- é uma honra conhecê-lo.
Colin proferiu um som muito parecido a um bufo. Ou talvez uma risada. Ou talvez ambas as coisas. E então Anthony soube de repente. Um único olhar ao rosto de seu irmão deveria ter Formatado: Português (Brasil)
revelado.
Não se tratava de uma solteirona tímida, retraída, não valorizada como era devido.
Fosse o que fosse que houvesse dito ela ao Colin aquela mesma noite, não incluía nenhum elogio para com Anthony. O fratricídio era legal na Inglaterra, ou não? Se não fosse, logo deveria sê-lo, que desgraçado.
Anthony compreendeu com atraso que a senhorita Sheffield lhe tinha estendido a mão, como era o educado. Tomou e roçou com um leve beijo seus dedos enluvados.
- Senhorita Sheffield - murmurou sem pensar-, é tão encantadora como sua irmã.
Se até antes tinha parecido estar desconfortável, sua atitude então se tornou abertamente hostil. E Anthony se deu conta com uma bofetada mental que havia dito exatamente o incorreto. É claro que não deveria havê-la comparado com sua irmã. Era o elogio que ela jamais acreditaria.
- E você, lorde Bridgerton - respondeu em um tom que poderia ter gelado o champanhe- é quase tão bonito como seu irmão.
Colin voltou a soltar um resmungo, só que desta vez soava como se lhe estivessem estrangulando.
- Sente-se bem? -perguntou a senhorita Sheffield.
- Está bem - disse Anthony.
Não lhe fez caso e manteve a atenção em Colin.
- Tem certeza?
Colin assentiu com fúria.
- Um comichão na garganta.
- Ou talvez a consciência intranqüila? - sugeriu Anthony.
Colin deu as costas de forma deliberada a seu irmão e se voltou para Kate.
- Acho que necessito de outro copo de limonada - disse com voz entrecortada.
- Ou talvez - continuou Anthony- algo mais forte. Cicuta, talvez?
A senhorita Sheffield cobriu com a mão a boca, presumivelmente para reprimir um acesso de risada horrorizada.
- A limonada servirá - contestou Colin com docilidade.
- Quer que lhe vá procurar um copo? -perguntou Kate. Anthony percebeu que já tinha dado um passo, como se fosse a desculpa para sair fugindo.
Colin negou com a cabeça.
- Não, não, posso ir eu sem problemas. Mas acho que reservei esta dança seguinte com você, senhorita Sheffield.
- Não lhe exigirei que o cumpra - disse com um gesto.
- Oh, mas não poderia suportar deixá-la aqui só - retrucou ele.
Anthony podia ver que à senhorita Sheffield se preocupava cada vez mais como brilho malicioso nos olhos de Colin. Encontrou um prazer pouco caridoso nisto. Anthony sabia que sua reação era um algo desproporcionado, mas algo nesta senhorita Katharine Sheffield acendia seu ânimo ao mesmo tempo que lhe provocava uma vontade terrível de lhe apresentar batalha.
E ganhar. Isso não era preciso dizer.
- Anthony - disse Colin com um tom tão condenadamente inocente e ansioso que Anthony achou difícil não matá-lo ali mesmo-, não está comprometido para esta dança, não é verdade que não?
Anthony não disse nada, simplesmente o fulminou com o olhar.
- Bem. Então dançará com a senhorita Sheffield.
- Estou certa de que isso não será necessário - soltou a dama em questão.
Anthony lançou outro olhar iracundo a seu irmão, depois, para a senhorita Sheffield, que observava a ele como se acabasse de violar dez virgens em sua presença.
- Oh, mas sim é - disse Colin com grande dramatismo, fazendo caso omisso das adagas ópticas que se intercambiavam nesse momento entre seu pequeno trio-. Nem sonharia deixar abandonada uma jovem dama em sua hora de necessidade. Que pouco cavalheiresco – disse estremecendo.
Anthony pensou muito a sério a possibilidade de pôr em prática algum comportamento pouco cavalheiresco. Talvez algo como plantar seu punho no rosto do Colin.
- Asseguro - apressou-se a dizer a senhorita Sheffield- que ser-me abandonada a meus próprios recursos seria muito preferível à dança...
Suficiente, pensou Anthony com grande ferocidade, era suficiente seriamente. Seu próprio irmão já o tinha tomado por tolo, não ia ficar aí sem fazer nada enquanto o insultava a irmã da Edwina aquela solteirona de língua afiada. Pôs uma mão com decisão no braço da senhorita Sheffield e disse:
- Permita-me evitar que cometa um grave engano, senhorita Sheffield.
Ela ficou tensa. Ele não sabia como, mas as costas de Kate já estavam rígidas como uma vara.
- Perdão, como disse? -perguntou.
- Creio - lhe disse ele em tom suave- que estava a ponto de dizer algo que não demoraria a lamentar.
- Não - disse ela e soou intencionalmente pensativa-. Acho que não tinha previsto lamentar nada.
- Certamente acabará por fazê-lo - disse ele em tom detestável. E então lhe agarrou o braço e se diria que a levou a rastros até a própria pista de baile.


Capítulo 3

O visconde de Bridgerton foi visto dançando também com a senhorita Katharine Sheffield, a irmã mais velha da loira Edwina. Isto só pode significar uma coisa, já que a Esta Autora não passou por cima que a mais velha das Sheffield esteve muito solicitada na pista de baile desde que a irmã mais nova fez seu singular anúncio sem precedentes na noite musical dos Smythe-Smith da semana passada.
Quem ouviu que uma garota necessitava permissão de sua irmã para escolher marido?
E outra questão que talvez seja mais importante, quem decidiu que as palavras "Smythe-Smith" e "noite musical" possam usar-se na mesma frase? Esta autora assistiu a uma destas reuniões no passado e não ouviu nada que pudesse qualificar-se com rigor como "música".

REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
22 de abril de 1814

Em realidade não podia fazer nada, compreendeu Kate com consternação. Ele era um visconde, ela uma mera desconhecida do Somerset, e ambos estavam em meio de um salão de baile abarrotado de gente.
Não importava o fato de que lhe tivesse aborrecido a primeira vista. Tinha que dançar com ele.
-Não é preciso que me arraste - lhe disse entre dentes.
Ele afrouxou o aperto com grande ostentação.
Kate apertou os dentes e jurou a si mesma que este homem nunca converteria a sua irmã em sua esposa. Sua atitude era muito fria, muito superior. Também era muito bonito, pensou de um modo um pouco injusto, com aveludados olhos castanhos que combinavam à perfeição com seu cabelo. Era alto, sem dúvida superava o metro oitenta, embora provavelmente só alguns centímetros, e seus lábios, embora fossem belos do ponto de vista clássico (Kate tinha estudado arte suficiente tempo para considerar-se qualificada ao emitir tal opinião) estavam tensos nas comissuras, como se não soubesse sorrir.
- Bem - disse ele uma vez que os pés começaram a mover-se seguindo os passos-, me conte por que me odeia.
Kate lhe pisou em um pé. Deus, era um homem direto.
- Perdão, como disse?
- Não é preciso que me deixe aleijado, senhorita Sheffield.
- Foi um acidente, asseguro. - E era, embora em realidade não lhe importava este exemplo concreto de sua falta de graça.
- Por que - disse em tom meditativo - me é difícil acreditar em você?
A franqueza, decidiu Kate com rapidez, seria sua melhor estratégia. Se ele podia ser direto, pois adiante, ela também.
- Pode ser -respondeu com sorriso malicioso- porque sabe que se me tivesse ocorrido lhe pisar o pé de propósito, o teria feito.
Ele jogou a cabeça para trás e riu. Não era a reação que ela tinha esperado nem em que tinha acreditado.
Embora, se pensasse melhor, não tinha nem idéia do tipo de reação que tinha esperado, mas certamente que não era isso.
- Pode deixar, milord? - susurrou com pressa. - As pessoas começam a olhar.
- As pessoas começaram a olhar há dois minutos - contestou. - Não é freqüente que um homem como eu dance com uma mulher como você.
Como intercâmbio de sarcasmos, esta tinha sido lançada com pontaria, mas para desgraça dele, também era incorreta.
- Não é verdade - contestou Kate com aborrecimento. - Na verdade, você não é o primeiro dos idiotas loucos por minha irmã que tentam congraçar-se com ela através de mim.
Ele fez uma careta.
- Não pretendentes mas idiotas?
Kate encontrou seu olhar e ficou surpreendida ao ver autêntico regozijo aí.
- Sem duvida não vai oferecer me um anzol tão delicioso como esse, não é, milord?
- E não obstante não caiu na armadilha -contestou ele em tom meditativo.
Kate baixou a vista para ver se havia alguma maneira de lhe pisar outra vez de forma
discreta.
- Estou com botas muito grosas, senhorita Sheffield -le disse ele.
Ela ergueu a cabeça com um rápido movimento.
Um extremo da boca do visconde se curvou formando um sorriso fingido.
- E também tenho uma vista de lince.
- Parece. Terei que tomar cuidado onde piso enquanto estiver perto de você, com certeza.
- Santo céu - disse ele arrastando as palavras-, não terá sido isso um elogio? Poderia morrer da impressão.
- Se quer considerá-lo um elogio, deixo-o fazê-lo - disse com ironia-. Não há muitas probabilidades de que receba mais.
- Me fere, senhorita Sheffield.
- Quer isso dizer que sua pele não é tão resistente como suas botas?
- Oh, muito menos.
Kate notou sua própria risada antes inclusive de perceber quanto estava se divertindo.
- Isso é algo que me custa acreditar.
Ele esperou a que o sorriso dela desaparecesse para dizer.
- Não respondeu a minha pergunta. Por que me odeia?
Uma rajada de ar saiu entre os lábios do Kate. Não tinha contado com que ele repetisse a pergunta. Ou ao menos confiava em que não o fizesse.
- Não o odeio, milord - contestou escolhendo as palavras com supremo cuidado-. Nem sequer o conheço.
- Conhecer alguém não é um requisito essencial para odiar - disse ele em tom suave, e seus olhos se fixaram nela com uma persistência letal-. Vamos, senhorita Sheffield, não me parece uma covarde. Responda a minha pergunta.
Kate permaneceu calada durante todo um minuto. Era certo, não estava predisposta a que este homem lhe caísse bem. Certamente não ia dar sua bênção para que cortejasse a Edwina. Não achava nem por um momento que os mulherengos reformados fossem depois os melhores maridos. Para começar, nem sequer estava segura de que um mulherengo pudesse reformar-se.
Mas ele poderia ter sido capaz de vencer as idéias preconcebidas de Kate. Ele poderia ter sido encantador e sincero e direto e ser capaz de lhe convencer de que as histórias que apareciam em Confidência eram um exagero, que não era o maior malandro que tinha conhecido Londres desde princípios do século.
Poderia lhe ter convencido de que seguia um código de honra, que era um homem honrado e de princípios...
Se não lhe tivesse ocorrido compará-la com a Edwina.
Porque não podia haver uma mentira mais óbvia. Kate sabia que ela não era insuportável; seu rosto e sua forma eram bastante agradáveis. Mas de maneira nenhuma podia comparar-se com a Edwina deste modo e ficar como sua igual. Edwina era de verdade um diamante da melhor qualidade, ela nunca superaria a metade, nem chamaria a atenção.
E se este homem dizia o contrário, então era que tinha algum motivo oculto, porque era claro que não estava cego.
Poderia lhe ter feito algum outro elogio vazio e ela o teria aceito como a conversa amável de um cavalheiro. Inclusive se teria sentido adulada se suas palavras se aproximassem um tanto da
verdade.
Mas compará-la com a Edwina...
Kate adorava a sua irmã. Seriamente, o fazia. E sabia melhor que ninguém que o coração da Edwina era tão formoso e radiante como seu rosto. Não é que se considerasse uma pessoa ciumenta, mas ainda assim... a comparação de alguma forma a feria no mais profundo.
- Não o odeio - contestou por fim. Tinha os olhos fixos no queixo dele mas, como não tolerava a covardia e menos nela mesma, obrigou-se a encontrar seu olhar para acrescentar: - Mas acho que não pode me ser simpático.
Algo no olhar de lhe disse que apreciava sua sinceridade direta.
- E por que? -perguntou com voz tranqüila.
- Posso ser franca?
Os lábios do Anthony se distenderam.
- Por favor.
- Está dançando agora mesmo comigo porque quer cortejar a minha irmã. Isso não me importa – se apressou a assegurar-. Estou muito acostumada a receber atenções dos pretendentes da Edwina.
Estava claro que não tinha a mente nos passos da dança. Anthony afastou o pé antes de que seus pés voltassem a machucá-lo. Percebeu com interesse que voltava a referir-se a eles como pretendentes em vez de idiotas.
- Por favor, continue - murmurou.
- Não é o tipo de homem com quem quereria que se casasse minha irmã - disse sinceramente. Sua atitude era direta e seus inteligentes olhos castanhos não se separaram dos dele em nenhum momento-. Você é um mulherengo. É um libertino. Em realidade é famoso por ambas as coisas. Não permitiria que minha irmã se aproximasse três metros de você.
- E não obstante - disse ele com um sorrisinho malicioso. - dancei a valsa com ela esta noite.
- Um ato que não voltará a repetir-se, asseguro.
- E corresponde a você decidir o destino da Edwina?
- Edwina confia em minha opinião - contestou afetada.
- Já vejo - disse ele com o que esperava que fosse sua atitude mais misteriosa-. Isso é muito interessante.
Pensava que Edwina já era maior.
- Edwina só tem dezessete anos!
- E você é tão mais velha, quantos anos, vinte talvez?
- Vinte e um - disparou com brusquidão.
- Ah, isso a converte em uma verdadeira perita em homens e em especial em maridos. Sobre tudo tendo em conta que é casada, não é verdade?
- Sabe muito bem que não sou - disse apertando os dentes.
Anthony reprimiu a vontade de sorrir. Santo Deus, sim seria divertido fazer engolir o anzol a mais velha das Sheffield.
- Creio que... - disse então pronunciando as palavras de forma lenta e intencionada - lhe resultou relativamente fácil controlar à maioria dos homens que bateram na porta de sua irmã. É isso verdade?
Kate guardou um silêncio sepulcral.
- É assim?
Finalmente ela consentiu um leve gesto de assentimento.
- Como pensava - murmurou. - Parece desse tipo.
Fulminou-o com um olhar tão feroz que lhe custou agüentar a risada. Se não estivessem dançando, o mais provável é que acariciaria o queixo, fingindo uma profunda reflexão. Mas como tinha as mãos ocupadas em outra coisa, teve que contentar-se torcendo de forma lenta e pesada a cabeça, algo que combinou com um gesto altivo de suas sobrancelhas.
- Mas também acredito - acrescentou - que comete um grave engano ao pensar que poderá controlar a mim.
Os lábios de Kate formavam uma linha grave e reta, mas conseguiu dizer:
- Não tento controlá-lo, lorde Bridgerton. Só tento mantê-lo afastado de minha irmã.
- O que demonstra, senhorita Sheffield, o pouco que sabe dos homens. Ao menos da variedade mulherenga e libertina. -Se inclinou um pouco para ela e deixou que seu fôlego quente lhe roçasse a face.
Kate estremeceu. Ele sabia que ia estremecer.
Sorriu com malícia.
- Há poucas coisas que nos deleite mais que um desafio.
A música concluiu então e os deixou de pé em meio da pista de baile, um em frente ao outro. Anthony a pegou pelo braço, mas antes de levá-la outra vez ao perímetro da sala, aproximou muito os lábios ao ouvido de Kate e sussurrou:
- E você, senhorita Sheffield, desafiou-me ao mais delicioso dos desafios.
Kate lhe pisou em um pé. Com força. O suficiente para que ele soltasse um pequeno grito, sem dúvida pouco mulherengo e pouco libertino. Não obstante, quando o visconde lhe lançou um olhar hostil, ela se limitou a encolher os ombros e a dizer:
- Era minha única defesa.
O olhar dele se obscureceu.
- Você, senhorita Sheffield, é uma ameaça.
O visconde lhe segurou o braço com mais força.
- Antes que retorne a seu santuário de acompanhantes e solteironas, há uma coisa que temos que esclarecer.
Kate conteve a respiração. Não gostava do tom duro que detectava em sua voz.
- Vou cortejar a sua irmã. E se digo que poderia ser uma lady Bridgerton idônea, converterei-a em minha esposa.
Kate ergueu com brusquidão a cabeça para encará-lo com fogo nos olhos.
- Então suponho que pensa que corresponde a você decidir o destino da Edwina. Não o esqueça, milord: embora você diga que vai ser uma lady Bridgerton - e pronunciou com desdém a palavra - idônea, talvez ela escolha a outra pessoa.
Ele a olhou com a segurança do homem a quem nunca contrariam.
- Se resolvo pedir a Edwina, não dirá que não.
- Tenta me dizer que nenhuma mulher foi capaz de resistir?
Não respondeu, só ergueu uma sobrancelha altiva para que ela mesma deduzisse suas próprias conclusões.
Kate conseguiu soltar seu braço e se foi para sua madrasta a depressa, tremendo de fúria,
ressentimento e um pouco de medo inclusive.
Porque tinha a horrorosa sensação de que ele não mentia. E se de verdade fosse irresistível...
Kate estremeceu. Ela e Edwina iriam ter graves, graves problemas.

A tarde seguinte foi como qualquer tarde depois de um grande baile. O salão de casa da família Sheffield se encheu até arrebentar de Ramos de flores, cada um acompanhado de um direto cartão branco com o nome "Edwina Sheffield".
Um simples "Senhorita Sheffield" teria sido suficiente, pensou Kate com uma careta, mas supôs que em realidade não se podia culpar aos pretendentes da Edwina por querer assegurar-se de que as flores chegassem à senhorita Sheffield correta.
Não era provável que alguém fosse cometer o engano de equivocar-se. As flores eram por regra geral para Edwina. E realmente, de regra geral não havia nada já que todos os ramos que tinham chegado à residência Sheffield durante o último mês eram para a Edwina. Todos.
Kate gostava de pensar que, de qualquer modo, ela ria por último. A maioria das flores provocavam espirros a Edwina, assim os ramos costumavam acabar no dormitório de Kate.
- Oh, preciosidade - disse enquanto roçava com ternura uma formosa orquídea-. Acredito que seu lugar será sobre a cabeceira de minha cama. E vocês - se inclinou para diante e olhou um ramo de perfeitas rosas brancas-, vocês estarão imponentes sobre meu toucador.
- Sempre fala com as flores?
Kate se virou totalmente ao ouvir o som de uma profunda voz masculina. Santo céu, era lorde Bridgerton com um aspecto pecaminosamente bonito com seu fraque azul de amanhã. Que diabos estava fazendo aqui?
Não tinha sentido ficar calada sem fazer perguntas.
- Que dia... -Se conteve bem a tempo. Não permitiria que este homem a rebaixasse a amaldiçoar em voz alta, por muito que o fizesse para si mesma. - O que faz aqui?
O visconde ergueu uma sobrancelha enquanto retocava o grande ramo que levava debaixo do braço. Rosas rosas, advertiu ela. Eram belas. Simples e elegantes. Exatamente o tipo de coisa que escolheria para si mesma.
-Creio que o costume é que os pretendentes visitem as mocinhas, não é certo? -murmurou. - Ou confundi o livro de protocolo?
- Queria dizer - resmungou Kate-, como entrou? Ninguém me avisou de sua chegada.
Indicou o vestíbulo com uma inclinação de cabeça.
-Fiz o habitual. Bati na porta.
O olhar de irritação de Kate ao perceber seu sarcasmo não impediu que ele continuasse:
- Ainda que pareça assombroso, seu mordomo respondeu. Depois lhe dei meu cartão, deu-lhe um olhar e me acompanhou até o salão. Embora eu adoraria reivindicar algum tipo de matreiro e turvo subterfúgio- continuou sem deixar um tom extraordinariamente altanero -, o certo é que foi muito simples, sem disfarces.
- Mordomo infernal - disse Kate. - supõe-se que tem que certificar-se de que "estamos em casa" antes de deixar passar a alguém.
- Talvez tenha instruções prévias de que "estarão em casa" para mim sob qualquer circunstância.
Kate se irritou.
- Eu não lhe dei instruções desse tipo.
- Não -respondeu lorde Bridgerton com um risinho-, nunca o teria pensado.
- E sei que Edwina não o fez.
Ele sorriu.
- Talvez sua mãe?
É claro.
- Mary - grunhiu ela, um mundo de acusações naquela única palavra.
- Chama-a por seu nome de batismo? -perguntou ele com amabilidade. Kate assentiu.
- Na realidade é minha madrasta. Embora seja a única mãe que conheci. Casou-se com meu pai quando eu só tinha três anos. Não sei por que continuo chamando-a Mary. - Sacudiu um pouco a cabeça ao mesmo tempo que erguia os ombros e os encolhia com gesto de perplexidade-. Mas o faço.
Os olhos castanhos do visconde continuavam fixos no rosto dela. Kate percebeu de repente: acabava de permitir que este homem - sua Némesis, em realidade- acessasse a um pequeno rincão de sua vida. Notou que as palavras "sinto muito" ferviam em sua língua; um reflexo, pensou, por ter falado mais da conta. Mas não queria pedir desculpas a este homem por nada, assim disse:
- Temo que Edwina tenha saído, de modo que sua visita foi para nada.
- Oh, não acredito - contestou. Agarrou o buquê de flores que tinha tido sob o braço direito com a outra mão e, quando o tirou, Kate viu que não se tratava de um ramo enorme mas sim de três menores.
- Este - disse, enquanto deixava um sobre uma mesinha auxiliar - é para a Edwina. E este - fez o mesmo com o segundo- é para sua mãe.
Sobrava um só ramo. Kate ficou paralisada de impressão, incapaz de afastar os olhos dos perfeitos casulos rosas. Sabia o que se trazia ele entre mãos, que o motivo de inclui-la naquele detalhe era pressionar a Edwina, mas, maldição, ninguém havia lhe trazido flores antes, e até esse momento preciso não se deu conta de quanto desejava que alguém o fizesse.
- Estas -finalizou ele enquanto segurava o último arranjo floral de rosas- são para você.
- Obrigada - disse com vacilação agarrando-as entre seus braços-. São lindas. -Se inclinou para diante para cheirá-las e suspirou de prazer com seu intenso aroma. Quando voltou a erguer a vista acrescentou -: foi muito considerado de sua parte pensar em Mary e em mim.
Ele fez uma gentil inclinação com a cabeça.
- Foi um prazer para mim. Tenho que confessar que, em uma ocasião, um pretendente de minha irmã fez o mesmo com minha mãe, e acredito que nunca a vi tão encantada.
- A sua mãe ou a sua irmã?
Ele sorriu com sua descarada pergunta.
- As duas.
- E o que aconteceu com o pretendente? -perguntou Kate.
A careta do Anthony se tornou maliciosa em extremo.
- Se casou com minha irmã.
- Mmm. Não pense na probabilidade de que a história se repita. Mas... -Kate tossiu pois não tinha especial interesse em ser franca com aquele homem, embora se sentisse por completo
incapaz de fazer outra coisa-. Mas as flores são de verdade lindas , e ... e foi um detalhe encantador de sua parte. - Engoliu em seco.
Isto não lhe era fácil-. E o agradeço.
Ele fez uma ligeira inclinação para frente. Seus olhos castanhos estavam claramente comovidos.
- Uma frase muito amável - disse pensativo-. E mais tendo em conta que ia dirigida a mim. Vá, não foi tão difícil, não é verdade?
Em um instante, Kate passou de estar inclinada com gesto encantador sobre as flores a adotar uma rigidez incômoda.
- Parece ter uma habilidade especial para dizer exatamente o indevido.
- Só quando tem que ver com você, minha querida senhorita Sheffield. Asseguro-lhe que outras mulheres confiam em cada uma de minhas palavras.
-Isso tenho lido - resmungou ela.
Os olhos dele se iluminaram.
- É daí que tirou suas opiniões sobre mim? É claro! A estimável lady Confidência. Deveria ter sabido. Caramba, eu adoraria estrangular a essa mulher.
- A mim me parece bastante inteligente e muito acertada -replicou Kate de modo direto.
- Como não - respondeu ele.
- Lord Bridgerton - disse Kate entre dentes-. Estou certa de que não veio em visita para me insultar. Quer que deixe uma mensagem para a Edwina de sua parte?
- Creio que não. Não tenho muita confiança em que chegue a suas mãos sem manipular.
Isso já era muito.
- Nunca ousaria interferir na correspondência de outra pessoa - conseguiu dizer Kate. Todo seu corpo tremia de raiva, e se tivesse sido uma mulher menos controlada sem dúvida se teria se jogado a seu pescoço. -
Como se atreve a insinuar o contrário?
- Se tenho que ser sincero, senhorita Sheffield - disse com uma calma fastidiosa-, a verdade é que não a conheço muito bem. A única certeza é sua fervente declaração de que nunca encontrarei a três metros da presença angélica de sua irmã. Me diga você, se fosse eu, deixaria uma nota com tranqüilidade?
-Se tenta obter a aceitação de minha irmã através de mim - contestou Kate em tom gélido- não o está fazendo muito bem.
- Sou consciente disso - disse ele-. Certamente que não deveria provocá-la. Não está bem por minha parte, não é verdade? Mas temo que não posso evitá-lo. - Fez uma careta desavergonhada e esticou as mãos com gesto de impotencia-. O que posso dizer? Você tem esse efeito sobre mim, senhorita Sheffield.
Kate teve que reconhecer com consternação que aquele sorriso era uma verdadeira força a ter em conta. de repente sentiu que lhe fraquejavam as forças. Um assento, sim, o que o fazia falta era sentar-se.
- Por favor, sente-se - disse Kate indicando com um gesto o sofá de damasco azul enquanto ela cruzava com dificuldade a sala para ocupar uma cadeira. Não é que desejasse especialmente que ele se entretivesse por aqui, mas seria complicado sentar-se sem oferecer assento por sua vez, e notava que as pernas lhe tremiam de um modo atroz.
Talvez para o visconde parecesse peculiar aquele repentino acesso de amabilidade, mas não disse nada. Em vez disso, retirou um longo estojo negro que se encontrava sobre o sofá e o colocou em cima da mesa; depois ocupou seu assento.
- É isto um instrumento musical? -perguntou indicando o estojo.
Kate assentiu com a cabeça.
- Uma flauta.
- Toca?
Ela negou com a cabeça, mas depois inclinou um pouco e assentiu.
- Tento aprender. Comecei este ano.
O visconde fez um gesto afirmativo como resposta. Parecia que aquilo punha fim ao assunto já que depois perguntou com amabilidade:
- Quando espera que retorne Edwina?
- Pelo menos demorará uma hora, acho eu. O senhor Berbrooke a levou a dar um passeio em sua carruagem.
- Nigel Berbrooke? -Quase o engasga aquele nome.
- Sim, por que?
- Esse homem só tem cabelo na cabeça.
- E está ficando calvo. - Kate não pôde evitar o comentário.
Ele fez uma careta divertida.
- Pois se isso não apóia minha tese, já não sei que dizer.
Kate tinha chegado à mesma conclusão sobre a inteligência do senhor Berbrooke, ou melhor sua carência, mas perguntou.
- Não se considera mal educado insultar aos pretendentes rivais?
Anthony deixou ir um pequeno bufido.
- Não foi um insulto. É a verdade. O ano passado cortejou a minha irmã. Ou o tentou. Daphne fez tudo o que pôde para dissuadi-lo. É um tipo bastante bom, reconheço-o, mas eu não gostaria que me construísse um navio se estivesse perdido em uma ilha deserta.
Kate teve uma estranha e inoportuna visão do visconde perdido em uma ilha deserta, com a roupa feita em farrapos, a pele banhada pelo sol. Deixou-lhe uma sensação incômoda de calor.
Anthony inclinou a cabeça e a observou com olhar malicioso.
- Perdoe-me, senhorita Sheffield, encontra-se bem?
- Muito bem! -Sua resposta foi quase um resmungo. - Nunca me encontrei melhor. O que estava dizendo?
- Parece um pouco acalorada. - Se inclinou para olhá-la de perto. Na verdade, não tinha bom aspecto.
Kate se abanou.
- Faz um pouco de calor, não lhe parece? Anthony sacudiu a cabeça com parcimônia.
- Em absoluto.
Kate olhou com desejo a porta aberta.
- Me pergunto onde está Mary.
- A espera?
- Não é habitual nela me deixar sem acompanhante durante tanto tempo- explicou.
Sem acompanhante? As ramificações daquele comentário eram alarmantes. Anthony de
repente teve a visão de ver-se obrigado a casar-se com a mais velha das senhoritas Sheffield, o que lhe provocou um imediato suor frio. Kate era tão diferente de qualquer debutante que ele tinha conhecido que esqueceu por completo que inclusive necessitavam de uma acompanhante.
- Talvez não esteja inteirada de que me encontro aqui - se apressou a comentar.
- Sim, com certeza se trata disso. -Kate ficou em pé como movida por uma mola e cruzou a sala até o cordão da campainha. Com um forte puxão, disse:
- Chamarei para que alguém a avise. Estou certa de que não quer deixar de saudá-lo.
- Bem. Talvez possa nos fazer companhia enquanto esperamos que retorne sua irmã -comentou ele.
Kate se se paralisou quando ainda se encontrava a meio caminho da cadeira.
- Está planejando esperar Edwina?
Ele encolheu os ombros e desfrutou do desassossego dela.
- Não tenho mais planos para esta tarde.
- Mas pode demorar horas!
- Quando muito uma hora, estou certo, e à parte... -Se deteve o perceber a chegada de uma criada à soleira da porta.
- Chamou, senhorita? -perguntou a criada.
- Sim, obrigada, Annie - respondeu Kate-. Fará o favor de informar à senhora Sheffield de que temos um convidado?
A criada fez uma inclinação e partiu.
- Estou certa de que Mary descerá em qualquer momento - disse Kate, totalmente incapaz de deixar de dar batidinhas com o pé. - Em qualquer momento, estou certa.
Ele sorriu daquele modo tão aborrecido, com ar terrivelmente relaxado e muito confortável no sofá.
Fez-se um silêncio embaraçoso na sala. Kate lhe dedicou um sorriso tenso. Ele se limitou a erguer uma sobrancelha como resposta.
- Estou segura de que virá...
- A qualquer minuto - concluiu ele, quem parecia desfrutar muito.
Kate se afundou em seu assento e tentou não fazer uma careta. Não o conseguiu.
Justo nesse instante, armou-se um pequeno revôo no vestíbulo. Alguns latidos caninos decididos, aos quais seguiram um agudo grito:
- Newton! Newton! Pare agora mesmo!
- Newton? - inquiriu o visconde.
- Meu cão - explicou Kate com um suspiro ao mesmo tempo que ficava em pé-. Não se...
- Newton!
-...não se dá muito bem com Mary, receio. - Kate foi até a porta-. Mary? Mary?
Anthony se levantou atrás de Kate e deu um pulo quando o cão soltou três estridentes latidos mais aos quais imediatamente seguiu outro grito aterrorizado da Mary.
- O que é? - resmungou ele. - Um mastim? -Tinha que ser um mastim. A mais velha das Sheffield parecia justo o tipo de pessoa que tem um mastim devorador de humanos a sua inteira disposição.
- Não - respondeu Kate enquanto se apressava a sair ao vestíbulo enquanto Mary soltava outro grito. Formatado: Italiano (Itália)
- É um...
Mas Anthony não escutou suas palavras. De qualquer modo, não importava muito, já que um segundo depois entrou trotando o cão de aspecto mais benigno que tinha visto em sua vida, com uma espessa pelagem caramelo e uma barriga que quase arrastava pelo chão.
Anthony ficou paralisado por causa da surpresa. Esta era a temível criatura do vestíbulo?
- Bom dia, cão - disse com firmeza. O cão se deteve em seco, sentou-se e... sorriu?


Capítulo 4

Infelizmente, Esta Autora foi incapaz de determinar todos os detalhes, mas na quinta-feira passada houve um considerável rebuliço perto do The Serpentine no Hyde Park no qual estiveram implicados o visconde do Bridgerton, o senhor Nigel Berbrooke, as duas senhoritas Sheffield e um cão não identificado de raça indeterminável.
Esta Autora não foi testemunha presencial, mas todas as versões parecem apontar a que o cão não identificado se ergueu como vencedor.

REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
25 de abril de 1814.

Kate retornou a tropeções ao salão agarrada pelo braço de Mary, ambas se apertaram através da porta ao mesmo tempo. Newton estava feliz, sentado no meio da sala, jogando pelo sobre o tapete azul e branco enquanto sorria ao visconde.
- Creio que gosta de você - disse Mary com um tom de certo modo acusador.
- Ele também gosta de você, Mary - explicou Kate-. O problema é que você não gosta dele.
- Gostaria mais se não tentasse me importunar cada vez que cruzo o vestíbulo.
- Pensei que havia dito que a senhora Sheffield e o cão não se davam bem -comentou lorde Bridgerton.
- Assim é - respondeu Kate-. Bom, sim se dão bem. Bom, não e sim...
- Isso esclarece as coisas imensamente - murmurou Bridgerton.
Kate fez caso omisso de seu tranqüilo sarcasmo.
- Newton adora Mary - explicou- mas Mary não adora Newton.
- Eu o adoraria um pouco mais - interrumpeu Mary- se ele me adorasse um pouco menos.
- De modo que - continuou Kate - o pobre Newton considera Mary uma espécie de rival.
Por isso cada vez que a vê...-Encolheu os ombros com gesto de impotência-. Bem, temo que simplesmente a adora mais.
Como se lhe tivessem dado pé, o cão ficou olhando a Mary e se foi direto a colocar-se a seus pés.
- Kate! -exclamou a boa mulher.
Kate se apressou a ficar ao lado de sua madrasta, justo quando Newton se levantava sobre as patas traseiras e plantava as dianteiras sobre os joelhos da Mary.
- Newton, desça! - repreendeu. - Cão mau. Cão mau.
O cão se sentou outra vez com um pequeno gemido.
- Kate - disse Mary com voz extremamente firme -, terá que levar este cão a passear. Agora.
- Era o que planejava fazer quando chegou o visconde - replicou Kate ao mesmo tempo que fazia uma indicação ao homem que se encontrava do outro lado da sala. A verdade,era extraordinário o número de coisas que podia culpar a esse homem intolerável se parasse para pensar.
- OH! - disse Mary com um grito -. Rogo-lhe me desculpe, milord. Que descortês de minha parte não lhe haver saudado.
- Não se preocupe - disse com tranqüilidade-. Estava um pouco absorta ao chegar.
- Sim - resmungou Mary-, essa besta de cão... OH, mas que maneiras são estas? Posso lhe oferecer um chá?Algo de comer? Que amável ter vindo nos visitar.
- Não, obrigado. Estive desfrutando da estimulante companhia de sua filha enquanto espero a chegada da senhorita Edwina.
- Ah, sim - respondeu Mary-. Edwina saiu com o senhor Berbrooke acredito. Não é assim, Kate?
Kate assentiu com gesto impávido, não estava certa se gostava que a chamassem "estimulante".
- Conhece o senhor Berbrooke, lorde Bridgerton? - perguntou Mary.
- Ah, sim - respondeu ele com o que para Kate pareceu uma reticência bastante surpreendente-. Sim o conheço.
- Não estava certa de se devia permitir que Edwina saísse com ele para dar um passeio.
Essas carruagens são terrivelmente difíceis de dirigir, não é verdade?
- Creio que o senhor Berbrooke tem mão firme para os cavalos- respondeu Anthony.
- Oh, bem - respondeu Mary, e deixou ir um suspiro de grande alívio -. Sem dúvida me deixa mais tranqüila.
Newton soltou um latido entrecortado, mas para recordar sua presença a todo mundo.
- Melhor procurar sua correia e o levar a andar um pouco - se apressou a dizer Kate. Sem dúvida lhe faria bem um pouco de ar fresco. E também se alegraria de escapar por fim da endiabrada companhia do visconde.
- Se me desculpam...
- Mas, Kate, espere! - chamou sua mãe. - Não pode deixar lorde Bridgerton aqui comigo. Estou certa de que morrerá de aborrecimento.
Kate se voltou muito devagar, temerosa de ouvir as palavras seguintes da Mary.
- Você nunca poderia me aborrecer - disse o visconde como o mulherengo desembaraçado que era.
-Oh, sim, posso - assegurou Mary. - Nunca se viu apanhado em uma conversa comigo durante uma hora. Que é quanto Edwina demorará para retornar.
Kate ficou olhando a sua madrasta, de todo boquiaberta por causa do assombro. Que diabos estava fazendo?
- Por que não vai com Kate levar Newton para passear? - sugeriu Mary.
- OH, mas nunca poderia pedir a lorde Bridgerton que me acompanhasse para cumprir com uma de minhas tarefas - disse Kate em seguida -. Seria muito descortês e, ao fim e ao cabo, é um estimado convidado.
- Não seja tola - respondeu Mary antes que o visconde sequer pudesse emitir palavra-. Estou certa de que não tomará como uma tarefa. Ou sim, milord?
- Claro que não - murmurou com um aspecto completamente sincero. Mas, a verdade, que outra coisa podia dizer?
- Aí está. Isto deixa claro - disse Mary, que soava muito agradada consigo mesma-. Quem sabe? É possível que se topem com a Edwina durante o passeio. Não estaria bem?
- Desde logo - disse Kate em voz baixa. Seria fantástico livrar do visconde, mas o último que queria era deixar que sua irmã caísse em suas garras. Ela ainda era jovem e impressionável. E se não fosse capaz de resistir a seus sorrisos? Ou a seu palavriado?
Inclusive Kate estava disposta a admitir que lorde Bridgerton destilava um encanto considerável, e isso que lhe caía mau! Edwina, com sua natureza menos receosa, sem dúvida se sentiria aflita por ele.
Voltou-se para o visconde.
- Não deve sentir-se obrigado a me acompanhar para levar Newton a passeio, milord.
- Será um prazer - respondeu ele com sorriso maligno, e Kate teve a clara impressão de que ele aceitava acompanhá-la com o único propósito de tirá-la do sério. - À parte - continuou-, como disse sua mãe, poderíamos ver a Edwina, e não seria uma coincidência deliciosa?
- Deliciosa - contestou Kate com tom cansado. - Simplesmente deliciosa.
- Excelente! - disse Mary dando umas palmadas de alegria -. Vejo a correia do Newton em cima da mesa do vestíbulo. Um momento, eu lhe trago.
Anthony observou Mary sair e logo se voltou para o Kate para lhe dizer:
- Isso lhe ficou muito bem.
- Como você vê... -resmungou Kate.
- Acha - sussurrou ele inclinando-se para o Kate- que tenta me emparelhar com a Edwina ou com você?
- Comigo? - replicou Kate quase com um grasnido -. Com certeza está de brincadeira.
Anthony esfregou o queixo com ar pensativo enquanto observava a porta pela qual Mary acabava de sair.
-Não estou certo - disse com tom meditabundo-, mas... - Fechou a boca ao ouvir as pisadas da Mary aproximando-se de novo.
- Aqui tem - disse a madrasta ao mesmo tempo que estendia a correia para Kate. Newton disparou com entusiasmo e retrocedeu como se se preparasse para investir contra Mary, sem dúvida para encher a de todo tipo de amostras de seu amor difícil de aceitar, mas Kate o segurou com firmeza pela coleira.
- Aqui tem - corrigiu Mary com rapidez, e estendeu a correia a Anthony em vez de Kate-. Por que não dá isto à Kate? Eu não me aproximo muito.
Newton disparou e olhou com desejo a Mary que se afastava quanto podia.
- Vamos ver - disse com contundência Anthony ao cão. - Sente-se e te fique quieto.
Para grande surpresa de Kate, Newton obedeceu e posou seu traseiro gordinho sobre o tapete com uma presteza quase cômica.
- Assim - disse Anthony, que soava bastante contente consigo mesmo. Estendeu- a correia a Kate.
- Faz as honras ou me encarrego eu?
-Oh, prossiga - respondeu ela-. Parece ter afinidade com os seus cães.
- É evidente - replicou cortante, embora mantivesse o tom baixo para que Mary não pudesse ouvi-lo - que não se diferenciam tanto das mulheres. Ambas as raças confiam em tudo o que digo.
Kate lhe pisou na mão quando ele se ajoelhou para ajustar a correia à coleira do cão.
- Ai! - disse ela com pouca sinceridade -. Quanto sinto.
- Sua terna preocupação me amedronta seriamente - lhe respondeu enquanto voltava a levantar-se -. Poderia me pôr a chorar.
Mary deslocava o olhar do Kate ao Anthony. Não podia ouvir o que diziam mas era evidente que estava fascinada.
- Acontece algo? -perguntou.
-Não, absolutamente - respondeu Anthony ao mesmo tempo que Kate pronunciava um firme "Não".
- Bem - disse Mary com energia-. Então os acompanharei à porta. - E ante o latido entusiasta de Newton, acrescentou: - Pois, como antes, talvez melhor que não vá. Não quero me aproximar a três metros desse cão. Mas me despedirei daqui.
- O que faria eu - disse Kate a Mary ao passar a seu lado- se tivesse a você para me despedir?
Mary sorriu com gesto ardiloso.
-Sem duvida, eu não sei, Kate, sem dúvida não sei.
O que deixou ao Kate com uma sensação de revolta no estômago e a vaga suspeita de que talvez lorde Bridgerton tivesse razão. Possivelmente Mary esta vez estivesse fazendo de casamenteira com alguém mais que com a Edwina.
Era uma idéia horripilante.
Com Mary de pé no vestíbulo, Kate e Anthony saíram pela porta de entrada e se encaminharam em direção oeste pela Milner Street.
- Normalmente fico pelas ruas pequenas e vou passeando para o Brompton Road - explicou Kate, pensando que talvez ele não estivesse familiarizado com esta zona da cidade - depois sigo a rua até o Hyde Park. Mas podemos caminhar diretamente pelo Sloane Street, se o preferir.
- Decida o que quiser - não quis pôr reparos-, eu seguirei nessa direção.
- Muito bem - contestou Kate e partiu com decisão pela Milner Street em direção ao Lenox Gardens.
Talvez se mantivesse a vista à frente e se movesse a passo vigoroso, ele desistisse de conversar. Supunha-se que os passeios diários com o Newton eram seu tempo de reflexão pessoal. Não tinha graça ter que levar a ele.
Sua estratégia funcionou bastante bem durante vários minutos. Caminharam em silêncio durante todo o trajeto até a esquina do Hans Crescent e Brompton Road, e depois, sem mais preâmbulos, ele disse:
- Meu irmão zombou de mim ontem de noite.
Aquilo fez que Kate se detivesse em seco.
- Perdão, como disse?
- Sabe o que me tinha estado contando antes de que nos apresentasse?
Kate deu um tropeção antes de negar com a cabeça. Não, Newton não parou, é claro, e a puxava pela correia como um louco.
- Me disse que você e ele tinham mantido algumas palavras sobre mim.
-Boooooommmm. - exclamou Kate, contendo-se.- Para dizê-lo com certa educação, isso não é de tudo certo.
- Meu irmão quis dar a entender que você só tinha boas palavras para comigo.
Kate não deveria ter sorrido.
- Isso não é verdade.
Provavelmente ele tampouco deveria ter sorrido, mas Kate se alegrou.
- Eu não pensei isso - contestou ele.
Tomaram Brompton Road em direção ao Knightsbridge e Hyde Park, e Kate perguntou: - por que ia fazer seu irmão algo assim?
Anthony lhe dedicou um olhar de soslaio.
- Não tem nenhum irmão, não é verdade?
- Não, só Edwina, temo, e ela é decididamente feminina.
- Meu irmão o fez -continuou ele - com o único objetivo de me torturar.
- Um objetivo nobre - disse Kate baixando a voz.
- Ouvi você.
- Esperava que o fizesse - disse ela.
- E também suponho que queria torturar a você.
- A mim? - exclamou - E por quê? O que poderia ter feito eu a ele?
- Poderia tê-lo provocado em certo sentido ao denegrir a seu querido irmão - sugeriu. Arqueou as sobrancelhas.
- Querido?
- Admirado? -tentou ele.
Kate sacudiu a cabeça.
- Tampouco atraente.
Anthony fez uma careta. A mais velha das senhoritas Sheffield, apesar de seus inoportunos hábitos mandões, tinha um engenho admirável. Tinham chegado ao Knightsbridge, de modo que ele a pegou pelo braço para cruzar a estrada e tomar um dos pequenos atalhos que levavam ao passeio de South Carriage Road, já dentro do Hyde Park. Newton, que era no fundo um cão de campo, acelerou o passo de forma considerável e entraram em um entorno mais verde, embora fosse difícil imaginar o corpulento cão movendo-se a um passo ao qual qualificar como rápido sem incorrer em engano.
De qualquer modo, o cão parecia bastante alegre e estava claro que se interessava por cada flor, animal ou transeunte que se cruzava em seu caminho. O ar primaveril era fresco, mas o sol esquentava e o céu era de um surpreendente azul claro depois de tantos dias de chuva tipicamente londrina. E embora a mulher que levava Anthony pelo braço não era com a que tinha planejado casar-se - em realidade era uma mulher com a que não tinha nada planejado-, Anthony notou que o invadia uma grata sensação de satisfação.
- Que tal cruzarmos até o Rotten Row? - perguntou ao Kate.
- Humm? - Foi sua resposta distraída. Tinha o rosto inclinado para cima, ao sol, e desfrutava de seu calor. E durante um momento de extremo desconcerto, Anthony sentiu uma penetrante pontada de... algo.
Algo? Sacudiu um pouco a cabeça. Não era possível que fosse desejo. Não por essa mulher.
- Disse algo? -murmurou ela.
Limpou a garganta e respirou fundo com a esperança de esclarecer sua cabeça. Em vez disso, o que percebeu foi o perfume embriagador de seu aroma, que era uma combinação peculiar de lírios exóticos e prático sabonete.
- Parece que está desfrutando do sol - comentou Anthony.
Ela sorriu e se voltou para ele com o olhar claro.
-Sei que não é isso o que disse, mas sim, desfruto. Fez um tempo tão chuvoso ultimamente...
- Pensava que as damas jovens não deviam permitir que o sol lhes desse no rosto - disse ele.
Ela encolheu os ombros, sem o menor indício de vergonha ao responder.
- Pois não. Quer dizer, supõe-se que não devemos permiti-lo, mas é uma delícia. - Deixou sair um pequeno suspiro, e seu rosto refletiu um gesto de desejo tão intenso que Anthony suspirou por ela-. Tomara pudesse tirar o chapéu - comentou ofegante.
Anthony fez um gesto de assentimento pois ele tinha vontade de fazer algo parecido com seu chapéu.
- Creio que poderia empurrá-lo um pouquinho para trás sem que ninguém se dê conta -sugeriu.
- Acredita que sim? -Todo seu rosto se iluminou ante aquela perspectiva. Aquela estranha pontada de algo perfurou de novo o interior de Anthony.
- Claro - murmurou e ergueu uma mão para ajustar a aba do chapéu. Era um desses estranhos tocados que as mulheres pareciam gostar, todo fitas e encaixes, maços de tal maneira que nenhum homem razoável poderia encontrar algum sentido.
- Assim, permaneça quieta um momento. Ajustarei-o.
Kate não se moveu, tal e como lhe tinha ordenado com amabilidade, mas quando lhe roçou a pele da têmpora sem querer, ela inclusive deixou de respirar. Estava tão perto, havia algo peculiar naquilo. Kate podia sentir o calor de seu corpo, o aroma limpo de sabonete de Anthony.
E aquela sensação propagou imediatamente por todo seu corpo um formigamento que a pôs alerta.
Odiava-o, ou ao menos lhe provocava um profundo desagrado e reprovação. Não obstante, sentiu uma absurda disposição a inclinar-se um pouco para diante, até que o espaço entre seus corpos se visse comprimido a nada e...
Engoliu em seco com força e se obrigou a si mesma a atrasar-se. Santo céu, o que se tinha acontecido com ela?
- Agüente um momento - disse ele-, ainda não acabei.
Kate ergueu também as mãos para ajustar o chapéu.
- Estou certa de que está bem. Não tem que... que incomodar-se.
- Pode desfrutar do sol um pouco melhor? -perguntou ele.
Ela assentiu, apesar de estar tão transtornada que nem sequer estava certa de que fosse verdade.
- Sim, obrigada. Que detalhe. Eu... OH!
Newton soltou uma sonora sucessão de latidos e a puxou pela correia. Com força.
- Newton! - chamou Kate enquanto a correia a propulsava para diante. Mas o cão já tinha algo em seu olhar. Ela não tinha nem idéia do que, e avançava com entusiasmo puxando Kate, que se encontrou dando tropeções com o corpo impelido em uma linha diagonal, os ombros claramente diante do resto do corpo-. Newton! - voltou a chamá-lo com impotência-. Newton!
Para!
Anthony observou divertido que o cão saía disparado como um bólido, movendo-se para diante com mais velocidade do que tivesse imaginado que poderiam lhe permitir suas curtas e rechonchudas patas.
Kate procurava com valentia manter o cabo da correia, mas Newton agora ladrava como um louco e corria com igual vigor.
- Senhorita Sheffield, me permita agarrar a correia - se ofereceu ele com voz de trovão ao mesmo tempo que se adiantava para ajudá-la. Não era a maneira mais sedutora de se fazer de herói, mas algo servia quando se tentava impressionar à irmã de sua futura esposa.
Mas justo quando Anthony chegou a sua altura, Newton deu um feroz puxão da correia, que escapou do de Kate e saiu voando pelos ares. Com um grito, sua proprietária se lançou para diante, mas o cão já se ia correndo com a correia saltando sobre a erva atrás dele.
Anthony não sabia se ria ou grunhia. Estava claro que Newton não tinha nenhuma intenção de deixar-se apanhar.
Kate ficou paralisada durante um instante, tampando-a boca com a mão. Depois encontrou o olhar do Anthony, e ele teve uma intuição clara de que sabia o que pretendia...
- Senhorita Sheffield - disse depressa. - Estou certo de que... Mas ela já tinha saído correndo e gritando " Newton! " com indiscutível falta de decoro. Anthony suspirou lentamente e começou a correr atrás dela. Não podia deixá-la perseguir sozinha ao cão e pretender ao mesmo tempo continuar chamando-se cavalheiro.
Mas Kate levava de todos os modos um pouco de vantagem, e quando Anthony a alcançou ao dobrar uma curva se deteve. Respirava com dificuldade e inspecionava os arredores com os braços na cintura.
- Aonde terá ido? -perguntou Anthony tentando esquecer que havia algo bastante excitante em uma mulher ofegante.
- Não sei. - Se deteve para tomar fôlego. - Suponho que estará caçando algum coelho.
- Oh, vá, pois bem, assim será fácil apanhá-lo – disse - pois os coelhos se mantêm sempre perto dos caminhos mais transitados.
Kate franziu o cenho ao ouvir seu sarcasmo.
- O que podemos fazer?
Sua mente não estava bastante clara para responder nesse momento. "Voltar para casa e agenciar um cão de verdade", pensou, mas ela tinha um aspecto tão preocupado que mordeu a língua. Em si, observando-a melhor, tinha um aspecto mais irritado que preocupado, mas estava claro que havia um pouco de preocupação na mescla.
De modo que optou por dizer:
- Proponho que esperemos até que ouçamos alguém gritar. Em qualquer momento tem que meter-se correndo entre os pés de alguma rapariga e lhe dar um susto de morte.
Acredita nisso? - não parecia convencida-. Porque não é um cão que dê muito medo. Ele acha, e em realidade é um céu, mas a verdade é que...
- Iiiiiiieeeeeak!
- Creio que temos a resposta - disse Anthony secamente, e então saiu correndo em direção ao grito da dama anônima.
Kate se apressou atrás dele, atalhando através da grama em direção ao Rotten Row. O
visconde corria em frente, e a única coisa que Kate pôde pensar foi em que ele devia desejar seriamente casar-se com a Edwina. Apesar de ficar claro que era um atleta esplêndido, não dava uma imagem muito digna correndo imprudentemente pelo parque atrás de um cão rechonchudo. Ainda pior, tinham que correr justo por meio do Rotten Row, a via favorita da aristocracia para cavalgar e passear em carruagem pelo Hyde Park.
Todo mundo ia vê-los. Um homem menos decidido se teria rendido há tempo.
Kate continuou correndo atrás deles, mas cada vez lhe tiravam mais vantagem. Não é que tivesse vestido calças muitas vezes, mas com toda certeza era mais fácil correr com esse traje que com saias. Em especial quando se encontrava em público e não podia levantar isso por cima dos tornozelos.
Atravessou Rotten Row à toda velocidade, negando-se a olhar aos olhos de nenhuma dama ou cavalheiro elegante dos que se encontravam ali passeando com seus cavalos. Sempre existia a possibilidade de que não a identificassem com a moça machona que corria pelo parque como se alguém lhe pisasse nos calcanhares. Só era uma possibilidade remota, mas estava aí.
Quando voltou a entrar na grama, tropeçou por um instante e teve que deter-se para tomar fôlego algumas vezes. Então compreendeu com horror que estavam quase à altura do lago Serpentine.
OH, não.
Havia poucas coisas que Newton gostava mais que saltar ao interior de um lago. E o sol esquentava o bastante para que pudesse gostar, e mais se dava a casualidade de que era um animal coberto de espessa e pesada pelagem, um animal que levava cinco minutos correndo a uma velocidade vertiginosa. Bom, vertiginosa para um cão com excesso de peso.
Mas suficiente, percebeu Kate com certo interesse, para manter a distância a um visconde de metro oitenta e pico.
Kate levantou as saias uma polegada mais ou menos - aos infernos os que olhavam, não podia andar- agora com afetação - e pôs-se a correr outra vez. Não havia maneira de alcançar ao Newton, mas talvez pudesse alcançar a lorde Bridgerton antes que matasse o cão.
Porque ele tinha que ter em mente matá-lo, aquele homem tinha que ser um santo se não quisesse assassinar Newton. E se só um por cento do que se dizia dele em Confidência era verdade, certamente não era um santo.
Kate engoliu em seco.
- Lorde Bridgerton! -chamou em uma tentativa de lhe pedir que detivesse a perseguição. Esperaria simplesmente que o cão se esgotasse. Com suas patas de dez centímetros, isso tinha que acontecer mais tarde ou mais cedo. - Lorde Bridgerton! Podemos...
Kate se deteve em seco. Não era essa Edwina, ali ao lado de Serpentine? Olhou entrecerrando os olhos. Era Edwina, de pé com suma graça com as mãos entrelaçadas diante do corpo. E parecia que um desventurado senhor Berbrooke estava realizando algum tipo de reparação em sua carruagem.
Newton se deteve em seco durante um momento e descobriu a Edwina no mesmo momento que Kate, e mudou de repente sua trajetória, ladrando com alegria enquanto corria em direção a sua querida ama.
- Lorde Bridgerton! - gritou Kate outra vez -. Olhe, olhe! Aí está...
Anthony deu meia volta ao ouvir sua voz, depois seguiu seu dedo com o olhar em direção a
Edwina.
De modo que por isso se virara o maldito cão e tinha mudado sua trajetória em noventa graus. Anthony esteve a ponto de escorregar com o barro e cair sobre seu traseiro no esforço de manobrar depois daquele giro tão fechado. Ia matar a esse cão.
Não, ia matar a Kate Sheffield.
Não, talvez...
Os alegres pensamentos de vingança do Anthony se interromperam com o repentino grito da Edwina.
- Newton!
Anthony gostava de pensar em si mesmo como um homem de ação decidida, mas quando viu que o cão se lançava no ar e se precipitava para a Edwina, simplesmente ficou gelado de comoção. Nem o próprio Shakespeare poderia ter ideado um final mais apropriado para esta farsa, e tudo estava representando-se ante os olhos do Anthony como se acontecesse em câmara lenta.
E não havia nada que pudesse fazer.
O cão ia chocar diretamente contra o peito da Edwina, que ia perder o equilíbrio, caindo para trás. Diretamente no Serpentine.
- Nãooooooo! -gritou jogando-se para frente apesar de saber que todos os esforços heróicos de sua parte eram de todo inúteis...
Splash!
- Santo céu! -exclamou Berbrooke-. Está toda molhada!
- Pois não fique aí parado - disparou Anthony aproximando-se da cena do acidente e jogando-se dentro da agua-. Faça algo para ajudar!
Estava claro que Berbrooke não entendia de todo o que queria dizer isso já que ficou ali, de pé, com os olhos saindo de suas órbitas enquanto Anthony se agachava, agarrava Edwina pela mão e puxava-a para levantá-la.
- Está bem? -perguntou com brusquidão.
Ela assentiu. Balbuciava e espirrava com muita força para responder.
-Senhorita Sheffield - bradou Bridgerton ao ver que Kate se detinha de repente na margem. - Não, você não - disse quando sentiu que Edwina dava uma sacudida a seu lado-, sua irmã.
- Kate? - perguntou Edwina pestanejando para expulsar a asquerosa água de seus olhos. - Onde está Kate?
- Toda seca, na margem - resmungou ele, e a seguir deu um grito em sua direção: - Segure a correia de seu maldito cão!
Newton tinha saído alegre do Serpentine entre safanões e agora estava sentado com a língua de fora com ar de felicidade. Kate foi disparada a seu lado e agarrou a correia. Anthony percebeu que não ofereceu nenhuma resposta a sua ordem dada a gritos. Bem, pensou com malícia. Não tinha pensado que aquela maldita mulher fosse sensata para manter a boca fechada. Voltou-se de novo para a Edwina, que, por surpreendente que fosse conseguia ser encantadora embora jorrasse água de um lago.
- Permita-me que a tire daqui - disse com brusquidão, e antes que ela tivesse ocasião de reagir a agarrou em seus braços e a levou a terra firme.
- Nunca tinha visto algo assim - disse Berbrooke sacudindo a cabeça.
Anthony não respondeu. Não pensava que fosse capaz de dizer algo sem jogar água naquele idiota. O que estaria pensando, de pé ali enquanto Edwina acabava inundada por culpa daquela coisa que não merecia nem chamar-se cão?
- Edwina? - perguntou Kate adiantando-se tudo o que lhe permitia a correia do Newton -. Está bem?
- Acho que já fez o bastante - disparou Anthony, que avançou para ela até que se encontraram apenas a trinta centímetros.
- Eu? -perguntou boquiaberta.
-Olhe-a - respondeu ele com brusquidão, indicando com o dedo em direção a Edwina apesar de ter toda a atenção concentrada em Kate-. Não tem mais que olhá-la!
- Mas foi um acidente!
- De verdade, estou bem! - disse Edwina elevando a voz, e soou um pouco assustada pelo nível de aborrecimento que fervia entre sua irmã e o visconde -. Tenho frio, mas estou bem!
- Viu? - replicou Kate e engoliu em seco repetidamente enquanto se fixava no aspecto despenteado de sua irmã -. Foi um acidente.
Anthony se limitou a cruzar os braços e arquear uma sobrancelha.
- Não me acredita - disse Kate entre dentes-. Não posso acreditar que não me acredita.
O visconde não disse nada. Era inconcebível para ele que Kate Sheffield, apesar de todo seu engenho e inteligência, não estivesse ciumenta de sua irmã. E embora não pudesse ter feito nada para evitar este percalço, sem dúvida deveria encontrar um pouco de prazer no fato de que ela estivesse seca e cômoda enquanto Edwina parecia um rato empapado. Um rato atraente, isso sim, mas empapada de qualquer forma.
Estava claro que Kate não tinha dado por concluída a conversa.
- Além do fato de que - disse com desprezo - jamais faria algo para prejudicar a Edwina... como explica que conseguisse esta extraordinária proeza? -Se deu na face com a mão que ficava livre, fingindo com expressão zombadora cair então na cona. - OH, sim, conheço o idioma secreto dos cachorros. Ordenei ao cão que puxasse a correia até soltar-se e depois, pois tenho o dom da clarividência, sabia que Edwina estava justo aqui ao lado do Serpentine, de modo que disse ao cão, graças a nossa comunicação mental, já que a estas alturas estava muito longe para ouvir minha voz, disse-lhe que mudasse de direção, que fosse para Edwina e a derrubasse para que caísse dentro do lago.
- O sarcasmo não lhe fica nada bem, senhorita Sheffield.
- A você nada lhe fica bem, lorde Bridgerton.
Anthony se inclinou para diante, sua mandíbula me sobressaía com gesto ameaçador.
- As mulheres não deveriam levar animais se não serem capazes de controlá-los.
- E os homens não deveriam levar a passear pelo parque a mulheres com animais se tampouco forem capazes de controlá-las - replicou com fúria.
Anthony notou que de fato lhe estavam ficando vermelhas as pontas das orelhas por causa da ira difícil de conter.
- Você, senhora, é uma ameaça para a sociedade.
Kate abriu a boca como se fosse lhe devolver o insulto, mas em seu lugar lhe dedicou simplesmente um sorriso malicioso quase terrífico. Voltou-se para o cão e disse:
- Sacúda-se, Newton.
Newton olhou o dedo do Kate que indicava diretamente para Anthony e trotou obediente uns poucos passos para se aproximar dele antes de permitir uma sacudida do corpo que orvalhou água do lago por toda parte.
Anthony se lançou a sua garganta.
- Vou... vou ... matá-la! -rugiu.
Kate se afastou com agilidade e se colocou com rapidez ao lado da Edwina.
- Ah, ah, lorde Bridgerton - disse procurando segurança atrás da figura empapada de sua irmã. - Não lhe ajudará perder os nervos diante da boa Edwina.
- Kate? - susurrou Edwína em tom acelerado. - O que acontece? Por que está sendo tão cruel com ele?
- Por que está sendo ele tão cruel comigo? -Kate lhe devolveu o sussurro.
- Pois bem - disse de repente o senhor Berbrooke-, esse cão me molhou.
- Nos molhou a todos - respondeu Kate. Incluída ela. Mas tinha valido a pena. OH, tinha valido muito a pena por ver o olhar de surpresa e raiva no rosto daquele pomposo aristocrata.
- Você! - disse a gritos Anthony, apontando com um dedo furioso a Kate -. Melhor ficar caladinha.
Kate guardou silêncio. Não era tão néscia para lhe provocar mais. Parecia que a cabeça o fora a explodir em qualquer momento. O certo era que Anthony tinha perdido toda a dignidade que tinha ao começar o dia. Sua manga direita gotejava água de quando tinha tirado a Edwina do lago, suas botas pareciam danificadas para sempre e o resto dele estava salpicado de água, graças à perita destreza do Newton para secar-se.
- Direi o que temos que fazer - continuou em voz baixa e muito grave.
- O que tenho que fazer - disse o senhor Berbrooke com jovialidade, sem ser consciente de que era provável que lorde Bridgerton assassinasse à primeira pessoa que abrisse a boca - é acabar de arrumar a carruagem. Logo posso levar a casa à senhorita Sheffield. - Indicou a Edwina no caso de alguém não entender a que senhorita Sheffield se referia.
-Senhor Berbrooke - disse Anthony entre dentes-, sabe como arrumar uma carruagem?
O senhor Berbrooke pestanejou umas poucas vezes.
- Sabe sequer que problema tem sua carruagem?
Berbrooke abriu e fechou a boca umas vezes mais e logo disse:
- Tenho alguma idéia. Não me levará tanto tempo deduzir qual é o problema concreto.
Kate olhou ao Anthony com fixidez, fascinada pela veia que me sobressaía em sua garganta. Nunca antes tinha visto um homem tão claramente no limite de sua paciência. Posto que sentia um pouco de inquietação pela iminente explosão, deu um prudente meio passo para situar-se detrás da Edwina.
Não gostava de considerar-se uma covarde, mas o instinto de sobrevivência era algo totalmente diferente.
O visconde conseguiu controlar-se de qualquer modo, sua voz soou com um tom regular aterrador quando disse:
- Isso é o que vamos fazer.
Três pares de olhos se abriram cheios de expectativa.
- Vou caminhar até ali - apontou a uma dama e um cavalheiro situados a uns vinte metros, que tentavam sem êxito não olhá-los fixamente- e perguntarei ao Montrose se posso tomar
emprestado sua carruagem durante uns minutos.
- Mas, vá - disse Berbrooke esticando o cotovelo - é esse Geoffrey Montrose? Faz séculos que não o vejo.
Uma segunda veia começou a saltar desta vez na têmpora do Anthony. Kate agarrou a Edwina pela mão em busca de apoio moral e se agarrou com força.
Mas Bridgerton, tinha que reconhecer - passou por cima os comentários excessivamente inapropriados do Berbrooke e continuou:
- Como dirá que sim...
- Tem certeza? - disparou Kate.
De algum jeito, os olhos castanhos de visconde pareceram pedaços de gelo.
- Estou certo do que? -respondeu com desagrado.
- Nada - murmurou ela, repreendendo-se por ter aberto a boca-. Por favor, continue.
- Como dizia, como amigo e cavalheiro - fulminou com o olhar Kate-, dirá que sim, levarei a senhorita Sheffield a sua casa, logo retornarei à minha e farei que um de meus homens devolva a carruagem ao Montrose.
Ninguém se incomodou em perguntar a que senhorita Sheffield se referia.
- E o que fará á Kate? - perguntou Edwina. Ao fim e ao cabo, a carruagem só tinha dois assentos.
Kate lhe apertou a mão. Querida e doce Edwina.
Anthony olhou a Edwina de frente.
- O senhor Bebrooke acompanhará a sua irmã a casa.
- Mas não posso - disse Berbrooke-. Tenho que acabar de arrumar a carruagem, bem sabe.
- Onde vive? -perguntou com rudeza Anthony.
Berbrooke pestanejou com surpresa mas lhe deu sua direção.
- Pararei em sua casa e enviarei a um criado para que espere junto a seu veículo enquanto você acompanha à senhorita Sheffield a sua casa. Está claro? -Se deteve e olhou a todo mundo, incluído o cão, com expressão bastante dura. Exceto a Edwina, é claro, quem era a única pessoa presente que não tinha provocado seu mau gênio.
- Está claro? -repetiu.
Todo mundo assentiu, e seu plano se pôs em marcha. Minutos depois, Kate se encontrou observando a lorde Bridgerton e a sua irmã partir para o horizonte, justo as duas pessoas que se jurou que nunca deveriam estar juntas nem sequer no mesmo aposento.
Ainda pior, deixaram-na a sós com o senhor Berbrooke e Newton. E somente foi preciso dois minutos para discernir que dos dois, Newton era o melhor conversador.

Capítulo 5

A Esta Autora chegaram informações de que a senhorita Katharine Sheffield se ofendeu pela descrição de seu querido animal de companhia como "um cão não identificado de raça indeterminada". Esta Autora, certamente, está prostrada de vergonha pelo grave e atroz engano e pede a vocês,
Queridos Leitores, que aceitem esta desculpa abjeta e que prestem atenção à primeira correção na história desta coluna.
O cão da senhorita Katharine Sheffield é um corgi. chama-se Newton, embora custa imaginar que o inventor e físico mais importante da Inglaterra tivesse apreciado ficar imortalizado em forma de um cão pequeno, gordo e com más maneiras.
REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
27 de abril de 1814

Naquela mesma noite ficou patente que Edwina não tinha saído ilesa de sua terrível embora breve experiência. O nariz ficou vermelho, os olhos começaram a lacrimejar e era evidente para qualquer que a olhasse durante somente um segundo seu rosto inchado que, embora não estivesse seriamente doente, tinha pegado um forte resfriado.
Mas embora Edwina estivesse bem agasalhada sob as mantas com uma bolsa de água quente entre os pés e uma beberagem curativa preparada pelo cozinheiro em uma xícara sobre a mesinha de noite, Kate estava decidida a manter uma conversa com ela.
- O que te disse no trajeto de volta a casa? -quis saber Kate, colocando-se sobre a beira da cama de Edwina.
- Quem? - respondeu esta, enquanto olhava com receio o remédio -. Olhe isto - disse a Kate segurando-o. Solta gases. - O visconde - disse Kate entre dentes-. Quem mais pode ter falado com você no trajeto de volta a casa? E não seja tonta: não solta gases, não é mais que bafo.
-Oh. - Edwina olhando um pouco mais e fazendo um trejeito. - Pois não cheira a bafo.
- "É bafo. - Repetiu Kate entre dentes, agarrando-se ao colchão até que lhe doeram os fundilhos. - O que lhe disse?
- Lorde Bridgerton? - perguntou Edwina com ar despreocupado-. OH, as coisas habituais. Já sabe a que me refiro. Frases de cortesia e tudo isso.
- Disse-lhe frases de cortesia enquanto estava jorrando água - perguntou Kate com tom desconfiado.
Edwina deu um gole vacilante, logo quase teve um enjôo.
- O que há aqui?
Kate se inclinou e olhou o conteúdo.
- Cheira um pouco a raiz. E acredito que vejo uma passa no fundo.
- Mas enquanto cheirava pensou que lhe parecia ouvir chuva contra o vidro da janela e voltou para levantar-se . - Está chovendo?
- Não sei - respondeu Edwina-. Poderia ser. Estava bastante nublado antes quando se pôs o sol. - Deu um olhar mais de desconfiança à xícara, depois voltou a deixá-la na mesa-. Se beber isto, sei que vou pôr me mais doente -manifestou.
- Mas que mais lhe disse? -insistiu Kate enquanto se levantava para olhar pela janela. Correu a um lado a cortina e esquadrinhou o exterior. Estava chovendo, mas só um pouco, e era muito cedo para dizer se a precipitação viria acompanhada de trovões ou eletricidade.
- Quem, o visconde?
Kate pensou que era uma Santa por não sacudir a sua irmã até deixá-la sem sentido.
-Sim, o visconde.
Edwina encolheu os ombros, pois era evidente que não estava tão interessada na conversa como Kate.
- Não muito. Interessou-se por meu bem-estar, é claro. O que é razoável tendo em conta
que acabava de me inundar no Serpentine. Coisa que, se posso acrescentar, foi em extremo espantosa. A água, além de estar fria, parecia uma porcaria completa.
Kate limpou a garganta e voltou a sentar-se, preparando-se para fazer uma pergunta extremamente escandalosa, mas que, em sua opinião, tinha que expor. Tentando que sua voz não denotasse a fascinação completa e total que corria por suas veias, perguntou:
- Fez alguma proposta mais atrevida?
Edwina deu uma sacudida para trás com os olhos abertos como pratos por causa da indignação.
- É claro que não! -exclamou-. Foi um perfeito cavalheiro. A verdade, não entendo por que anda tão excitada. Não foi uma conversa muito interessante. Nem sequer recordo a metade do diálogo.
Kate ficou olhando a sua irmã, incapaz de entender que Edwina tivesse mantido uma conversa com esse odioso mulherengo durante mais de dez minutos e não ficasse com uma impressão indelével. Para sua própria consternação eterna, cada uma das espantosas palavras que lhe havia dito tinham ficado gravadas em seu cérebro de forma permanente.
- Por certo - acrescentou Edwina-, como foi com você o senhor Berbrooke? Demorou quase uma hora em retornar.
Kate estremeceu a olhos vistos.
- Tão mal?
- Estou certa de que será um bom marido para alguma mulher - explicou Kate-, mas não para qualquer jovem com um pingo de inteligência.
Edwina soltou um risinho.
- Oh, Kate, é um espanto.
Kate suspirou.
- Sei, sei. Isso foi o mais cruel de minha parte. O pobre não tem um grama de maldade em seu corpo. Só que...
- Não tem um grama de inteligência também - concluiu Edwina.
Kate ergueu as sobrancelhas. Não era próprio de Edwina fazer um comentário tão categórico.
- Sei - disse Edwina com olhar envergonhado. - Agora eu sou a má. Não deveria ter dito isso, certo, mas a verdade é que pensava que ia morrer durante nosso passeio em carruagem.
Kate se endireitou com certa preocupação.
- É um condutor perigoso?
- Em absoluto. Era sua conversa.
- Aborrecida?
Edwina assentiu com expressão de leve perplexidade em seus olhos azuis.
- Era tão difícil segui-lo que quase era fascinante tentar adivinhar como funciona sua mente. - Soltou uma sucessão de tosses e depois acrescentou -: mas no final me doía o cérebro.
- De modo que não é seu perfeito marido intelectual? - disse Kate com sorriso indulgente.
Edwina tossiu um pouco mais.
- Temo que não.
- Talvez devesse tentar beber um pouco mais desse preparado - sugeriu Kate com um gesto para indicar a xícara solitária que repousava sobre a mesinha de noite de Edwina - . O cozinheiro
tem uma fé cega nele.
Edwina sacudiu a cabeça com violência.
- Sabe a demônios.
Kate esperou uns breves momentos, depois teve que perguntar:
- Disse o visconde algo sobre mim?
- Sobre você?
- Não, sobre... - replicou Kate com bastante brusquidão. - É claro que sobre mim. A quantas pessoas mais me refiro como a mim?
- Não é preciso que ponha assim.
- Não me ponho tão assim...
- Pois a verdade é que não, não a mencionou. De repente Kate se sentiu aborrecida.
- Sem embargo tinha muito que dizer sobre Newton.
Os lábios do Kate se separaram por causa da tribulação que a inundou. Nunca era adulador ver-se superada por um cão.
- Assegurei-lhe que Newton era de verdade um animal perfeito, e que eu não estava nada zangada com ele. Mas, pelo visto, o visconde se incomodou e inquietado bastante por mim, que encantador.
- Que encantador - resmungou Kate.
Edwina agarrou um lenço e soou o nariz.
- Me parece, Kate, que lhe interessa bastante o visconde.
- Passei virtualmente toda a tarde obrigada a conversar com ele - replicou Kate como se isso explicasse tudo.
- Bem. Então terá tido ocasião de comprovar como pode ser amável e encantador. É muito rico, além disso. - Edwina soltou um sonoro espirro e depois se voltou para agarrar outro lenço. - E apesar do que opino, não terá que escolher marido em função só de suas finanças, dada nossa falta de recursos, não passaria por cima, considerar esse aspecto, não acha?
- Bem... - Kate tratou de sair-se pela tangente pois sabia que Edwina tinha toda a razão, mas não desejava dizer nada que pudesse interpretar-se como uma aprovação de lorde Bridgerton.
Edwina levou o lenço ao rosto e soou o nariz de um modo pouco feminino.
- Creio que deveríamos lhe acrescentar a nossa lista - disse enquanto se secava o nariz.
- Nossa lista - repetiu Kate com voz entrecortada.
- Sim, de possíveis candidatos. Acredito que ele e eu nos entenderíamos bem.
- Mas pensava que queria um erudito...
- Certo. Assim é. Mas você mesma me fez ver as poucas probabilidades que tenho de encontrar um verdadeiro erudito. Lorde Bridgerton parece bastante inteligente. Só terei que imaginar uma maneira de me inteirar se gosta de ler.
- Me surpreenderia que esse grosseiro soubesse ler - resmungou Kate.
- Kate Sheffield! - exclamou Edwina com uma risada -. Acaba de dizer... acredito que disse...?
- Não - disse Kate franca e sinceramente. Era evidente que o visconde sabia ler, mas era seriamente espantoso em todo o resto.
- Disse isso - acusou Edwina -. É pior, Kate. -Sorriu-. Mas me faz rir.
O estrondo profundo de uns trovões distantes reverberou na noite, e Kate se obrigou a si mesmo a esboçar um sorriso em um esforço de não estremecer. Em geral os suportava bem,
sempre que os trovões e os relâmpagos soassem longe. Só quando aconteciam um após o outro, e na aparência em cima de sua cabeça, sentia que ia perder os nervos.
- Edwina. - Kate seguiu a conversa com sua irmã. Precisava esclarecer aquilo, mas além disso era preciso dizer algo que afastasse sua mente daquela tormenta que as ameaçava -, deve tirar o visconde da cabeça.
Não é o tipo de homem que vá fazê-la feliz, absolutamente. Além do fato de ser o pior dos mulherengos e que é farto provável que faria ostentação de uma dúzia de amantes diante de seu nariz...
Ao ver o cenho franzido da Edwina, Kate deixou o resto da frase e decidiu afundar nesta questão.
- Claro que sim! - disse com grande dramatismo -. Não esteve lendo Confidência? Ou não presta atenção ao que têm que dizer algumas das mamães das outras jovens? As que levam vários anos no circuito social e sabem quem é quem. Todas elas dizem que é um mulherengo terrível. E o único que lhe salva é a maneira admirável como trata a sua família.
- Bem, isso seria um ponto a seu favor - indicou Edwina-. Posto que sua esposa formaria parte da família, não é verdade?
Kate quase soltou um grunhido.
- Uma esposa não é família carnal. Há homens que nem sonhariam pronunciar uma palavra malsoante diante de suas mães e depois pisoteiam os sentimentos de suas esposas diariamente.
- E como sabe isso? - perguntou Edwina.
Kate ficou boquiaberta. Não recordava quando antes Edwina tinha posto em dúvida suas opiniões sobre um assunto importante, por desgraça a única resposta que lhe ocorreu de um modo rápido foi:
- Simplesmente sei.
O que, teve que admitir ela mesma, não conferia.
- Edwina -disse com voz apaziguadora, decidida a levar o assunto em outra direção - além de tudo isso, acredito que nem sequer você gostaria do visconde se chegasse a conhecê-lo.
- Parecía bastante agradável quando me acompanhou a casa.
- Mas se estava comportando o melhor que podia! - insistiu Kate -. Claro que parecia agradável. Quer que se apaixone por ele.
Edwina pestanejou.
- Ou seja, acredita que era uma atuação.
- Isso mesmo! - exclamou Kate aproveitando o conceito -. Edwina, entre a noite de ontem e esta tarde passei várias horas em sua companhia e posso lhe assegurar que comigo não tentava comportar-se bem.
Edwina soltou um arquejo carregado de horror e talvez um pouco de excitação.
- Beijou-a? -perguntou em voz baixa.
- Não! - uivou Kate -. É claro que não! De onde demônios tirou essa idéia?
- Disse que não se comportava bem.
- Me referia a que - explicou Kate entre dentes- não foi nada amável. Tampouco foi agradável. De fato foi de uma arrogância insuportável e terrivelmente grosseiro e ofensivo.
- Que interessante - murmurou Edwina.
- Não tem nada de interessante. Foi horrível!
- Não, não me referia a isso - continuou Edwina enquanto coçava o queixo sem dissimulação. - É muito curioso que se comportasse de forma tão rude com você. Deve ter ouvido que pedirei sua opinião quando escolher marido. Alguém imaginaria que o visconde faria tudo o que estivesse em sua mão para ser amável com você. Por que -se perguntou reflexiva- ia atuar como um caipira?
O rosto de Kate adquiriu um tom vermelho uniforme que por sorte passava desapercebido à luz da vela. Então resmungou:
- Disse que não podia evitá-lo.
Edwina ficou boquiaberta, e durante um segundo permaneceu paralisada por completo, como se o tempo se detivesse. Depois caiu para trás sobre os travesseiros explodindo em risadas.
- OH, Kate! - disse com um fôlego -. Que genial! OH, que enredo. Eu adoro!
Kate a fulminou com o olhar.
- Não tem graça.
Edwina secou os olhos.
- Pois é o mais engraçado que ouvi em todo o mês. Em todo o ano! OH, santo céu.
- Tossiu um pouco, provocado pelo ataque de riso-. Ai, Kate... acho que conseguiu limpar todo meu nariz.
- Edwina, não seja desagradável.
Edwina levou o lenço ao rosto para assoar o nariz.
- Pois é verdade - disse triunfante.
- Não tenha ilusões - resmungou Kate-. Pela manhã vai ter um resfriado terrível.
- Tem toda a razão -admitiu Edwina-, mas é divertido. Disse-te que não podia evitá-lo? OH, Kate, é muito engraçado.
- Não é preciso que tenha tanta insistência nisso - resmungou entre dentes Kate.
- Sabe? É possível que seja o primeiro cavalheiro dos que conhecemos em toda a temporada ao que não foi capaz de controlar.
Os lábios de Kate formaram uma careta torcida. O visconde tinha usado a mesma palavra, e ambos tinham razão. E era certo que tinha passado a temporada controlando homens: controlando-os para a Edwina. E de repente não esteve tão segura de gostar daquele papel de supermãe no qual se viu colocada.
Ou talvez ela mesma se colocou.
Edwina viu o jogo de emoções sobre o rosto de sua irmã e imediatamente adotou um tom de desculpa.
- Oh, querida -murmurou-, sinto muito, Kate. Não era minha intenção zombar.
Kate ergueu uma sobrancelha.
- Ah, muito bem, minha intenção era zombar, mas em realidade não queria ferir seus sentimentos. Não tinha idéia de que lorde Bridgerton te tivesse incomodado.
- Edwina, esse homem não me é simpático. E acredito que nem sequer deveria considerar se casar com ele. Não me importa com que ardor ou insistência o tente. Não será um bom marido.
Edwina permaneceu calada durante um momento, seus esplêndidos olhos ficaram sérios por completo. Depois disse:
-Bem, se você o diz, tem que ser certo. Está claro que nunca me orientou mal com seus conselhos.
E, como disse, passou mais tempo em sua companhia que eu, de modo que você saberá.
Kate soltou um longo suspiro de alívio mau dissimulado.
- Bem - disse com firmeza-, e quando se recuperar um pouco, poderemos olhar entre os atuais pretendentes em busca de um candidato melhor.
- E talvez você também possa procurar um marido - sugeriu Edwina.
- Claro, sempre estou procurando - insistiu Kate-. Que sentido teria uma temporada em Londres se não procurasse?
Edwina deu amostras de ter certas reservas.
- Não acredito que esteja olhando, Kate. Penso que a única coisa que faz é estudar as possibilidades para mim. E não há motivo para não encontrar marido você mesma. Necessita de sua própria família. Em realidade, não me ocorre nenhuma outra pessoa mais capacitada para ser mãe que você.
Kate mordeu o lábio, não queria responder diretamente à questão exposta pela Edwina. Atrás desses lindos olhos azuis e esse rosto perfeito, sua irmã era sem dúvida a pessoa mais perspicaz que conhecia. E Edwina tinha razão, Kate não tinha estado procurando marido. Mas por que ia fazê-lo? Por outro lado, tampouco ninguém a considerava candidata ao matrimônio.
Suspirou e deu um olhar à janela. A tormenta parecia ter passado sem castigar a zona de Londres em que se encontravam. Supôs que devia sentir-se agradecida por qualquer questão favorável, por pequena que fosse.
- Por que não nos ocupamos de você primeiro? - disse finalmente Kate -. Parece-me que as duas estávamos de acordo em que era mais provável que você recebesse propostas antes de mim. Logo pensaremos em minhas possibilidades.
Edwina encolheu os ombros, e Kate sabia que seu silêncio intencional queria dizer que não estava de acordo.
- Muito bem - disse Kate ao mesmo tempo que ficava em pé-. Deixarei-a descansar. Estou certa de que é preciso.
Edwina tossiu como resposta.
-E beba essa beberagem! - concluiu Kate com uma risada enquanto encaminhava à porta.
E enquanto a fechava atrás dela, ouviu resmungar a Edwina:
- Antes morro.

Quatro dias depois, Edwina estava bebendo diligentemente a beberagem do cozinheiro, embora não sem resmungar e queixar-se. Seu estado tinha melhorado, embora só podia dizer-se que estava um pouco melhor. Ainda estava na cama, seguia tossindo e estava muito, muito irritada.
Mary tinha manifestado que Edwina não iria a nenhum ato social até na terça-feira como muito em breve. Kate tinha dado por entendido que todas elas desfrutariam de uma pausa porque, a verdade, que sentido tinha ir a um baile sem Edwina? Mas depois de passar um bendito fim de semana sem outra coisa que fazem que ler e levar o Newton de passeio, Mary declarou de repente que as duas iriam à noite musical de lady Bridgerton na segunda-feira de noite e... (Neste momento Kate tentou argumentar com veemência por que tal coisa não era uma boa idéia.) ... e não havia mais que falar sobre o assunto.
Kate cedeu com relativa rapidez. Em realidade não tinha muito sentido seguir discutindo já que Mary tinha dado meia volta e se fora andando sem nada mais e pronunciando a última
palavra.
Kate tinha certas normas e entre elas se incluía a de não discutir com portas fechadas.
E por conseguinte, na segunda-feira a noite se encontrou vestida com uma seda azul cinzenta e o leque na mão, atravessando junto à Mary as ruas de Londres em sua barata carruagem, a caminho da mansão Bridgerton em Grosvenor Square.
- Todo mundo se surpreenderá ao nos ver sem Edwina - comentou Kate enquanto tocava com a mão esquerda a gaze negra de sua capa.
- Você também procura marido - replicou Mary.
Kate permaneceu um momento calada. Era difícil rebater aquilo já que, ao fim e ao cabo, supunha-se que era isso.
- E deixa de sovar a capa - acrescentou a mulher. - Estará enrugada toda a noite.
A mão de Kate se deteve. Depois, durante uns segundos, esteve tamborilando ritmicamente sobre o assento com a mão direita, até que Mary afinal replicou:
- Santo céu, Kate, não pode estar sentada quieta?
- Já sabe que não - respondeu Kate.
Mary se limitou a suspirar.
Depois de outro longo silêncio, interrompido só pelos golpezinhos de Kate com o pé, esta acrescentou:
- Edwina se sentirá sozinha sem nós.
Mary nem sequer se incomodou em olhá-la enquanto respondia:
- Edwina tem uma novela para ler. A última dessa tal Austen. Nem sequer saberá que partimos.
Isso era de todo certo. Enquanto lia um livro, Edwina não se inteiraria nem de que a cama estava ardendo.
Kate disse:
- Seguramente a música será horrorosa. Depois do Smythe - Smith...
- As intérpretes naquela noite musical eram as próprias filhas dos Smythe-Smith - contestou Mary, e sua voz começava a denotar um matiz de impaciência-. Lady Bridgerton contratou uma cantora de ópera profissional procedente da Itália que se encontra uns dias em Londres. O mero fato de ter recebido um convite já a é uma honra.
Kate não punha em dúvida que o convite era para a Edwina; ela e Mary estavam incluídas só por cortesia. Mas Mary estava começando a apertar os dentes, de modo que Kate jurou mordê-la língua durante o resto do trajeto.
O que não era tão difícil já que no fim de contas naquele preciso momento chegavam rodando à entrada da residência Bridgerton.
Kate ficou boquiaberta enquanto olhava pela janela.
- É enorme -disse estupefata.
- Verdade que sim? - respondeu Mary agarrando suas coisas -. Pelo que sei, lorde Bridgerton não vive aqui. Embora lhe pertença, ainda permanece em sua residência de solteiro para que sua mãe e irmãos possam desfrutar da mansão Bridgerton. Não é consideração de sua parte?
Consideração e lorde Bridgerton eram duas expressões que Kate nunca teria pensado empregar na mesma frase, mas de qualquer modo assentiu, muito impressionada pelo tamanho e harmonia do edifício de pedra para fazer algum comentário inteligente.
A carruagem se deteve, e Mary e Kate desceram com a ajuda de um dos lacaios da mansão Bridgerton que se apressou a lhes abrir a porta. Um mordomo pegou o convite e lhes franqueou a entrada, tomou suas capas e indicou a sala de música, justo ao final do corredor.
Kate tinha estado no interior de muitas mansões de Londres para não ficar boquiaberta em público ante a óbvia riqueza e beleza do mobiliário, mas inclusive ela estava impressionada pela decoração interior, a elegância e contenção do estilo Adam. Até os tetos eram obras de arte, realizados em suaves tons sálvia e azul, cores separadas ponham revogados de gesso tão intrincados que pareciam quase uma forma mais sólida de encaixe.
A sala de música era igualmente encantadora, com muros pintados de um amável tom amarelo limão. Dispuseram-se fileiras de cadeiras para os assistentes, e Kate se apressou a dirigir a sua mãe para a parte detrás. A verdade, não havia nenhum motivo para desejar situar-se em uma posição visível. Sem dúvida lorde Bridgerton assistiria ao ato - se eram certas todas as lendas sobre sua devoção familiar-, e se tivesse sorte, talvez não percebesse sua presença.

Contrariamente a sua opinião, Anthony soube com exatidão em que momento Kate saiu da carruagem e entrou em casa de sua família. Tinha estado em seu estúdio tomando uma taça solitária antes de encaminhar-se para a noite musical que organizava sua mãe anualmente. Em um esforço de manter sua privacidade tinha optado por não viver na mansão Bridgerton estando ainda solteiro, mas conservava aí seu estúdio. Sua posição como cabeça de família Bridgerton presumia responsabilidades sérias, e Anthony em geral achava mais fácil ocupar-se de tais responsabilidades em proximidade do resto da família.
Não obstante, as janelas do estúdio davamem Grosvenor Square, e por conseguinte se divertiu um momento observando a chegada das carruagens e dos convidados que desciam delas. Quando desceu Kate Sheffield, ergueu o olhar à fachada da mansão e inclinou a cabeça com um gesto muito similar ao que fez ao desfrutar do calor do sol no Hyde Park. A luz dos spots se localizados a ambos os lados da entrada principal se filtrou através de sua pele e a banhavam de um resplandente brilho.
E Anthony ficou sem fôlego.
Seu copo de cristal aterrissou sobre o amplo peitorial da janela com um golpe pesado. Isto começava a ser ridículo. Não era capaz de enganar-se a si mesmo tanto para confundir a tensão em seus músculos com outra coisa que não fosse desejo.
Complicações. Nem sequer gostava daquela mulher. Era muito mandona, muito dogmática, precipitava-se a tirar conclusões. Nem sequer era formosa; bem, não se a comparava com umas quantas das damas que revoavam por Londres durante a temporada, especialmente sua irmã.
O rosto de Kate era muito longo, seu queixo muito saliente, seus olhos um muito grandes. Tudo nela era muito algo. Inclusive sua boca, que o irritava ao limite com sua interminável fileira de insultos e opiniões, era muito volumosa. Era estranho que a tivesse fechada e lhe concedesse um momento de bendito silêncio, mas se a casualidade queria que a olhasse nessa fração de segundo (porque, certamente, ela não podia estar calada mais que isso) a única coisa que via era seus lábios, carnudos, franzidos e, contanto com que estivessem fechados e, é claro, não falassem, eminentemente beijáveis
Beijáveis?
Anthony estremeceu. A idéia de beijar Kate Sheffield era arrepiante. Em realidade, o mero
fato de ter pensado nisso deveria ser suficiente para que o encerrassem em um manicômio.
E não obstante...
Anthony se deixou cair em uma poltrona.
E não obstante tinha sonhado com ela.
Tinha acontecido depois do fiasco do Serpentine. Estava tão furioso que quase não podia falar. Foi um milagre que conseguisse dizer algo a Edwina durante o curto trajeto de volta a sua casa. Frases corteses foi tudo o que conseguiu pronunciar: palavras sem sentido tão familiares que saltavam de sua língua como se as soubesse de cor. Uma sorte, de qualquer modo, pois, definitivamente, sua mente não estava onde deveria: em Edwina, sua futura esposa.
OH, ela não tinha aceitado ainda. Nem sequer o tinha pedido ainda. Mas reunia todos os requisitos para converter-se em sua esposa; já tinha decidido que seria ela a quem finalmente proporia em matrimônio. Era formosa, inteligente e seu aspecto era sereno. Atraente, mas sem que lhe acelerasse o pulso.
Passariam uns anos deleitáveis juntos, mas nunca se apaixonaria por ela.
Era justo o que necessitava.
E não obstante...
Anthony alcançou sua taça e bebeu de um gole o resto do conteúdo.
E não obstante, tinha sonhado com sua irmã.
Tentou não recordar. Tentou não recordar os detalhes do sonho, o ardor e o suor, mas como era a primeira taça da noite, certamente esta não era suficiente para empanar sua memória. Embora não tivesse intenção de beber mais, agora o conceito de perder-se em um esquecimento inconsciente começava a soar apetecível.
Algo seria apetecível se significasse não recordar.
Mas não tinha vontade de beber. Fazia anos que se moderava com a bebida, parecia-lhe um jogo de jovens, que deixava de ser sugestivo quando se aproximava dos trinta. À parte, embora decidisse procurar a amnésia temporária na garrafa, o efeito não seria suficientemente rápido para que a lembrança dela desaparecesse.
Lembrança? Já. Nem sequer era uma lembrança real. Só era um sonho, repetiu-se. Só um sonho. ficara adormecido em seguida depois de voltar para casa aquela tarde. Despira-se e se inundara em um banheiro quente durante quase uma hora, em um esforço de tirar o frio dos ossos. Embora não se colocara de todo no Serpentine como Edwina, suas pernas se empaparam, igual a uma de suas mangas, e a sacudida estratégica do Newton tinha garantido que nem um só centímetro de seu corpo mantivesse o calor durante o sinuoso percurso de volta a casa naquela carruagem emprestada.
Depois do banho se meteu na cama, sem se importar muito que ainda fosse de dia no exterior; ainda restava uma hora de luz mais ou menos. Estava esgotado e sua única intenção era sumir em uma letargia profunda, sem sonhos, do qual não despertaria até que os primeiros raios de sol anunciassem a manhã. Mas em algum momento da noite seu corpo se sentiu inquieto e faminto, uma sensação que foi aumentando. E sua mente traiçoeira se encheu da mais espantosa das imagens. Observava a imagem como se estivesse flutuando perto do teto, mas não obstante sentia tudo: seu corpo nu se movia sobre a forma esbelta de uma mulher, suas mãos acariciavam e apertavam a carne quente. O delicioso enredo de braços e pernas, o aroma almiscarado de dois corpos que se atraem... tudo estava aí, ardente e intenso em sua mente.
E então ele se deslocou. Só um pouco, talvez para beijar a orelha da mulher sem rosto. Só que quando se moveu a um lado, já não era uma mulher sem rosto. Primeiro apareceu uma espessa mecha de cabelo castanho escuro, que se frisava suavemente e fazia cócegas no ombro. Logo se deslocou um pouco mais e...
E a viu.
Kate Sheffield.
Despertou imediatamente, ficando sentado completamente direito na cama, tremendo de horror. Tinha sido o sonho erótico mais vívido que tinha experimentado em sua vida.
E seu pior pesadelo.
Apalpou frenético entre os lençóis com uma de suas mãos, aterrorizado de encontrar a prova de sua paixão. Que Deus lhe ajudasse se com efeito tinha ejaculado enquanto sonhava com a mulher sem dúvida mais espantosa que tinha conhecido.
Graças ao céu, os lençóis estavam limpos, portanto voltou a deitar-se contra os travesseiros com o coração acelerado e a respiração entrecortada. Seus movimentos eram lentos e cuidadosos, como se aquilo impedisse que se repetisse o sonho.
Durante horas esteve olhando o teto, primeiro conjugando verbos latinos, depois contando até mil, tudo numa tentativa de manter o cérebro ocupado com algo que não fosse Kate Sheffield.
E, de forma assombrosa, tinha exorcizado a imagem de seu cérebro e ficou adormecido.
Mas agora ela tinha retornado. Estava aqui. Em sua casa.
A idéia o espantava.
E onde diabos estava Edwina? Por que não tinha acompanhado a sua mãe e irmã?
As primeiras notas de um quarteto de corda se introduziram por debaixo da porta, discordantes e embrulhadas, sem dúvida já se estavam preparando os músicos que sua mãe tinha contratado para acompanhar a Maria Rosso, a última soprano que tinha cativado ao público londrino.
Certamente que Anthony não tinha contado a sua mãe, mas ele e Maria tinham desfrutado de um agradável interlúdio na última vez que a soprano tinha estado na cidade. Talvez devesse considerar reatar sua amizade. Se a sensual beleza italiana não curasse seus males, nada conseguiria fazê-lo.
Anthony se levantou e endireitou os ombros, consciente de que mais parecia preparar-se para a batalha. Diabos, assim era como se sentia. Talvez com um pouco de sorte fosse capaz de evitar por completo Kate Sheffield. Não podia imaginar que ela fizesse alguma tentativa de entabular conversa com ele.
Tinha deixado de todo claro que lhe tinha a mesma estima que ele a ela.
Sim, isso era exatamente o que faria. Evitá-la. Seria muito difícil?


Capítulo 6

A noite musical de lady Bridgerton foi uma reunião indiscutivelmente artística, o que nem sempre é a norma nestes tipos de serões. Esta Autora pode assegurar. A intérprete convidada não era outra que Maria Rosso, a soprano italiana que teve sua estréia em Londres faz dois anos e que retornou depois de um breve período nos cenários vienenses.
Com seu espesso cabelo azeviche e cintilantes olhos escuros, a senhorita Rosso demonstrou ter tanto encanto em sua voz como em sua figura. E mais de um (de fato, mais de uma dúzia) dos denominados cavalheiros da sociedade encontravam dificuldades para afastar o olhar de sua pessoa, inclusive depois de ter concluído a atuação.
REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
27 de abril de 1814

Kate soube em que minuto preciso entrou ele na sala. Tentou convencer-se de que aquilo não queria dizer que ela estivesse cada vez mais dependente daquele homem. Ele era terrivelmente bonito; de fato, não era uma opinião, era a realidade. Não podia imaginar que o resto de mulheres presentes não se fixassem nele.
Chegou tarde. Não muito, a soprano não podia levar mais de doze compassos de sua peça. Mas bastante tarde para que tentasse não fazer ruído enquanto ocupava uma cadeira na parte dianteira, perto de sua família. Kate continuou imóvel em seu assento na parte posterior, bastante segura de que ele não a tinha visto enquanto se acomodava para a atuação. Não olhou em sua direção, e além disso, tinham apagado várias velas, ou seja, a sala estava banhada por um resplendor tênue e romântico. Sem dúvida as sombras obscureciam seu rosto.
Kate tentou manter a vista fixa na senhorita Rosso ao longo de sua atuação. De qualquer modo, o ânimo do Kate não melhorou muito já que a cantora não afastava os olhos de lorde Bridgerton. A princípio Kate pensou que devia estar imaginando-a fascinação da senhorita Rosso pelo visconde, mas para a metade da atuação, não havia nenhuma dúvida. Maria Rosso lançava publicamente com o olhar convites sensuais ao visconde.
E por que isso incomodava tanto a ela? Não sabia. Ao fim e ao cabo era uma prova mais de que era exatamente o mulherengo depravado que sempre tinha pensado. Deveria estar satisfeita de ter a confirmação. Deveria pensar que aquilo lhe dava razão.
Em vez disso, a única coisa que sentia era decepção. Era uma sensação pesada, incômoda, que envolvia seu coração e a deixava um pouco funda em seu assento.
Quando acabou a interpretação, não pôde evitar perceber que a soprano, depois de aceitar graciosamente os aplausos, dirigiu-se com o maior descaramento para o visconde e lhe ofereceu um desses sorrisos sedutores, o tipo de sorriso que Kate nunca aprenderia a esboçar. Embora uma dúzia de cantoras de ópera costumavam ter, aquele sorriso não deixava dúvidas sobre as intenções da cantora.
Deus bendito, aquele homem nem sequer precisava perseguir as mulheres, elas quase se rendiam a seus pés.
Era asqueroso. De verdade, muito asqueroso.
E mesmo assim, Kate não podia deixar de olhar.
Lorde Bridgerton ofereceu por sua parte um misterioso meio sorriso a cantora de ópera. Depois estendeu o braço e lhe recolheu atrás da orelha uma mecha solta de seu cabelo azeviche.
Kate sentiu um calafrio.
O visconde agora se inclinava para frente para sussurrar algo ao ouvido. Kate tirou o chapéu aguçando o ouvido naquela direção, embora fosse claro que era impossível ouvir algo de tão longe. Mas de qualquer modo, acaso era um crime morrer de curiosidade. E...
Santo céu, não acabava de beijá-la no pescoço? Com certeza não se atrevia a fazer isso na
casa de sua própria mãe. Bom, supunha-se que a residência Bridgerton tecnicamente era sua casa, mas sua mãe vivia aí, assim como muitos de seus irmãos. Na verdade, este homem deveria saber melhor que ninguém. Um pouco de decoro em presença de sua família não seria de mais.
- Kate? Kate?
Talvez fosse um beijinho de nada, só um leve toque com os lábios sobre a pele da cantora de ópera, mas não deixava de ser um beijo.
- Kate!
- Bem! Sim? - Kate quase fica de pé ao voltar-se para olhar a Mary, que a observava com expressão sem dúvida irritada.
- Deixe de olhar o visconde - disse entre dentes.
- Não estava... bom, de acordo, olhava, mas não vi -disse Kate com um sussurro sufocado-. Não tem vergonha.
Voltou a olhá-lo. Continuava paquerando com Maria Rosso e era claro que Bridgerton não importava o mínimo quem os vissem.
Mary franziu os lábios formando uma linha apertada antes de dizer:
- Estou certa de que sua conduta não é de nossa incumbência.
- Claro que é de nossa incumbência. Quer casar-se com a Edwina.
- Isso ainda não podemos assegurar.
Kate recordou algumas conversas com lorde Bridgerton.
- Creio que não andamos tão desencaminhadas.
- Bem, deixe de olhá-lo. Estou certa de que não quer nada com você depois do fiasco do Hyde Park. E além disso, aqui há alguns bons partidos. Faria bem em deixar de pensar todo o tempo em Edwina e começar a procurar algo para você.
Kate notou como se afundavam seus ombros. A mera idéia de tentar atrair a algum pretendente era exaustiva. No final das contas, todos se interessavam por Edwina. E embora ela mesma não quisesse ter nada com o visconde, doía-lhe que Mary dissesse com tal segurança que ele não queria ter nada com ela.
Mary a puxou pelo braço com uma firmeza que não admitia protestos.
- Vamos já, Kate - disse com voz tranqüila-. Nos aproximemos para saudar nossa anfitriã.
Kate engoliu em seco. Lady Bridgerton? Tinha que conhecer lady Bridgerton? A mãe do visconde? Era bastante difícil acreditar que uma criatura como ele tivesse uma mãe.
Mas as maneiras eram as maneiras. Por muito que Kate tivesse preferido escapulir pelo corredor e partir, sabia que devia agradecer a sua anfitriã por organizar uma atuação tão maravilhosa. E com efeito tinha sido maravilhosa. Por muito que custasse ao Kate reconhecê-lo, especialmente se se tinha em conta que a soprano em questão estava insinuando-se ao visconde, Maria Rosso possuía uma voz angélica.
Com o braço da Mary como guia, Kate chegou até a parte dianteira da sala e esperou seu turno para conhecer a viscondessa. Parecia uma mulher encantadora, com cabelo loiro e olhos claros, e bastante miúda para ter tido tal quantidade de filhos. O defunto visconde devia ter sido um homem alto, decidiu Kate.
Finalmente chegaram à frente da pequena multidão, e a viscondessa agarrou a mão da Mary.
-Senhora Sheffield - saudou com afeto-, que prazer voltar a vê-la. Desfrutei tanto de nosso
encontro a semana passada no baile dos Hartside... Estou muito contente de que tenha decidido aceitar meu convite.
- Não nos teria ocorrido passar a noite em nenhum outro lugar - respondeu Mary. - Permite-me que presente a minha filha? -Fez um gesto para Kate, quem deu um passo para diante e fez a conveniente reverência.
- É um prazer conhecê-la, senhorita Sheffield - disse lady Bridgerton.
- Para mim é também uma honra - respondeu Kate.
Lady Bridgerton indicou a uma jovem situada a seu lado.
Esta é minha filha, Eloise.
Kate sorriu com afeto à moça, que parecia ter a mesma idade que Edwina. Eloise Bridgerton tinha a mesma cor de cabelo que seus irmãos mais velhos e um rosto iluminado por um amplo e simpático sorriso.
Kate simpatizou imediatamente.
- Que tal está, senhorita Bridgerton? - disse Kate -. É sua primeira temporada?
Eloise assentiu.
- Oficialmente não me toca até o ano que vem, mas minha mãe me permitiu assistir às funções celebradas aqui na residência Bridgerton.
- Que sorte teve - replicou Kate-. Me teria encantado ter ido a alguma festa o ano passado. Ao chegar a Londres esta primavera, tudo me era tão novo. Alguém fica aturdida só de tentar recordar o nome de cada uma das pessoas.
Eloise sorriu amplamente.
- De fato, minha irmã Daphne foi apresentada faz dois anos e sempre me descreve tudo e a todo mundo com grande detalhe, assim me parece que conheço quase todo mundo.
- Daphne é sua filha mais velha? - perguntou Mary a lady Bridgerton. A viscondessa assentiu.
- Se casou com o duque do Hastings o ano passado.
Mary sorriu.
- Como mãe, deve senti-se satisfeita.
- É claro. É um duque, mas, o mais importante, é que é um bom homem e quer a minha filha.
A única coisa que espero é que o resto de meus filhos façam casamentos tão excelentes. -Lady Bridgerton inclinou levemente a cabeça e se voltou para o Kate.
- Parece , senhorita Sheffield, que sua irmã não pôde vir esta noite.
Kate conteve um grunhido. Lady Bridgerton estava já emparelhando Anthony com Edwina, já os via no altar.
- Receio que a semana passada pegou um terrível resfriado.
- Espero que não seja nada sério. - A viscondessa expressou seu interesse a Mary, em um tom de mãe a mãe.
- Não, nada sério - contestou Mary-. De fato, já quase recuperou sua boa forma. Mas me pareceu que necessitava um dia mais de convalescença antes de animar-se a sair. Não lhe conviria sofrer uma recaída.
- Não, é claro que não. - Lady Bridgerton fez uma pausa, logo sorriu-. Mas é uma pena. Tinha muita vontade de conhecê-la. Edwina se chama, não é verdade?
Kate e Mary assentiram ao uníssono.
- Ouvi dizer que é linda. - Apesar de estar falando naquele momento, lady Bridgerton lançou
uma olhada a seu filho, que paquerava como um louco com a cantora de ópera italiana, e franziu o cenho.
Kate sentiu uma grande agitação em seu estômago. De acordo com as recentes edições de Confidência, lady Bridgerton se propusera a missão de casar a seu filho. E embora o visconde não parecia ser o tipo de homem que se submete à vontade de uma mãe (nem a de ninguém, para o caso), Kate teve a impressão de que lady Bridgerton podia ser capaz de exercer certa pressão se assim o decidisse.
Depois de uns momentos mais de bate-papo cortês, Mary e Kate deixaram que lady Bridgerton saudasse o resto de convidados. Em seguida se aproximou a senhora Featherington; como mãe de três mocinhas solteiras sempre tinha muito que contar a Mary sobre assuntos diversos. Mas naquela ocasião a rechonchuda mulher, enquanto se encaminhava para elas, tinha o olhar fixo em Kate.
Kate começou imediatamente a considerar possíveis rotas de escapatória.
- Kate! - saudou a mulher com voz ressonante. Fazia tempo que tinha decidido tratar de modo íntimo às Sheffield-. Que surpresa vê-la aqui.
- E por que tanta surpresa, senhora Featherington? -perguntou Kate perplexa.
- Com certeza leu Confidência esta manhã.
Kate sorriu um pouco. Ou sorria ou fazia uma careta desagradável.
- Oh, refere-se ao pequeno incidente relacionado com meu cão?
A senhora Featherington ergueu as sobrancelhas mais de um centímetro.
- Pelo que ouvi, foi mais que um "pequeno incidente".
- Não teve maior importância - disse Kate com firmeza, embora para fazer honra à verdade, foi difícil não soltar um grunhido à intrometida mulher. - Embora deva dizer que me incomodou que lady Confidência tenha se referido ao Newton como a um cão de raça indefinida. Quero que saibam que é um corgi de pura raça.
- É verdade que não teve maior importância - disse Mary, saindo em defesa do Kate-. Surpreende-me inclusive que merecesse uma menção em sua coluna.
Kate dedicou à senhora Featherington o mais insosso dos sorrisos, muito consciente de que tanto ela como Mary mentiam com descaramento. Inundar Edwina (e quase a lorde Bridgerton) no Serpentine não era um incidente "sem maior importância", mas se lady Confidência não tinha acreditado conveniente oferecer todos os detalhes, Kate certamente não ia dar explicações.
A senhora Featherington abriu a boca e respirou fundo, o que comunicou à Kate que se estava preparando para lançar um de seus prolongados monólogos sobre o assunto da importância do bom comportamento (ou as boas maneiras ou o bom berço ou algo boa que fora o assunto do dia), de maneira que Kate se apressou a dizer de forma um tanto brusca:
- Querem que vá procurar um pouco de limonada?
As duas matronas disseram que sim e agradeceram à Kate, que escapuliu imediatamente.
Entretanto, assim que retornou, sorriu com gesto inocente e disse:
-Só tenho duas mãos, assim agora tenho que retornar para pegar um copo para mim.
E depois de dizer isso, partiu uma vez mais. Deteve-se um instante junto à mesa da limonada, no caso de Mary estar olhando, logo saiu disparada da sala ao corredor, onde se afundou em um fofo banco situado a uns dez metros da sala de música, ansiosa por conseguir um pouco de ar. Lady Bridgerton tinha deixado abertas as vidraças da sala de música que davam ao
pequeno jardim da parte posterior da casa, mas havia tal concorrência que o ambiente era sufocante no salão, apesar da leve brisa que chegava do exterior.
Kate ficou ali sentada durante vários minutos, mais que contente de que outros convidados não tivessem decidido dispersar-se pelo corredor. Mas logo ouviu uma voz que se erguia por cima do estrondo grave da multidão, seguida de uma risada sem dúvida musical, e Kate percebeu com horror que lorde Bridgerton e sua suposta querida saíam da sala de música e entravam no corredor.
- Oh, não - gemeu, tentando falar para si mesma. A última coisa que queria era que o visconde topasse com ela ali sentada a sós no corredor. Sabia que estava a sós porque tinha vontade, mas ele provavelmente pensaria que tinha fugido da concorrência porque era um fracasso social e toda a aristocracia compartilhava a opinião que tinha dela: que era uma ameaça impertinente e pouco atraente para a sociedade.
Ameaça para a sociedade? Kate apertou os dentes. Levaria muito, muito tempo para lhe perdoar tal insulto. Mas, de qualquer modo, estava cansada e não tinha vontade de enfrentar a ele justo nesse momento, de modo que levantou as saias vários centímetros para não tropeçar e se meteu pela primeira porta que encontrou junto ao banco. Com um pouco de sorte, ele e sua amada passariam ao largo e ela poderia retornar assobiando à sala de música sem que ninguém percebesse.
Kate deu um rápido olhar a seu redor ao fechar a porta. Havia um abajur aceso em cima da escrivaninha e, enquanto seus olhos se acostumavam à escuridão, compreendeu que se encontrava em algum tipo de escritório. As paredes estavam cheias de livros, embora o aposento, dominado por uma monumental escrivaninha de carvalho, não fosse tão grande para ser a biblioteca dos Bridgerton. Em cima da escrivaninha havia papéis ordenados em pilhas e uma pena com um tinteiro se achava sobre o caderno de anotação.
Estava claro que não era um escritório para dar-se tom: aqui trabalhava alguém.
Kate perambulou até a escrivaninha , a curiosidade a estava dominando, e passou os dedos distraidamente pelo bordo de madeira. Havia um ligeiro aroma de tinta no ar, talvez inclusive se detectava um leve resto de fumaça de cachimbo.
Em conjunto, decidiu, era uma habitação linda. Cômoda e prática. Uma pessoa podia passar horas aqui entregue a preguiçosas reflexões. Mas enquanto Kate se recostava contra a escrivaninha , saboreando a tranqüila solidão, ouviu um som espantoso.
O estalo da maçaneta de uma porta.
Com um arquejo frenético, lançou-se debaixo da escrivaninha, apertando-se no cubo de espaço vazio e agradecendo ao céu que a escrivaninha fosse tão sólida, em vez dessa classe de mesa que descansa sobre quatro pernas longas e magras. Sem sequer que respirar, escutou.
- Mas ouvi que este vai ser o ano em que por fim vejamos o famoso lorde Bridgerton cair na armadilha do pároco - disse uma cantante voz feminina.
Kate mordeu o lábio. Era uma cantante voz feminina com sotaque italiano.
- E onde ouviu isso? -se ouviu a voz inconfundível do visconde, seguida por outro estalo da maçaneta.
Kate fechou os olhos com grande agonia. Estava apanhada naquele escritório com um casal de amantes. Simplesmente, a vida não lhe podia ser pior.
Bom, podiam descobri-la. Aquilo sim que seria pior. De qualquer modo, era curioso que
aquilo não conseguisse animá-la. Sua situação era francamente difícil.
- Dizem por toda a cidade, milord - contestou Maria-. Todo mundo diz que decidiu assentar cabeça e procurar esposa.
Houve um silêncio, mas Kate teria jurado ouvi-lo ele encolher os ombros.
Alguns passos. Os amantes se aproximaram da mesa um pouco mais.
Depois Bridgerton murmurou:
- Provavelmente já era hora.
- Me rompe o coração, sabe?
Kate pensou que ia ter náuseas.
- Vamos, vamos, minha doce signorina- som de lábios sobre a pele - ambos sabemos que seu coração é imune a qualquer de minhas maquinações.
A seguir se ouviu um roce de sedas, que Kate interpretou como o som da Maria afastando-se com acanhamento, depois do que se ouviu:
-Mas não sou aficionada aos escarcéus, milord. Não é que procure matrimônio, é claro, mas a próxima vez que procurar um protetor digamos que será a longo prazo.
Passos. Talvez Bridgerton cruzava de novo a distância que os separava?
Sua voz soou grave e rouca quando disse:
- Não consigo entender qual é o problema. - Bridgerton soltou um risinho-. O único motivo para renunciar à querida pode surgir quando alguém ama a sua esposa. E como não tenho intenção de escolher uma esposa de quem possa me apaixonar, não vejo o motivo de me negar os prazeres de uma mulher preciosa como você.
E quer casar-se com Edwina? Kate custou não ficar gritando. A verdade, se não estivesse ali escondida como uma rã segurando - os tornozelos com as mãos, o mais provável fosse que saísse como uma fúria para tentar matar a aquele homem.
Depois aconteceram uns poucos sons ininteligíveis, que Kate rogou não fossem o prelúdio de algo grandemente mais íntimo. Não obstante, depois de um momento, a voz do visconde surgiu com clareza.
- Quer algo de beber?
Maria murmurou uma resposta afirmativa e as passadas enérgicas de Bridgerton reverberaram pelo chão, aproximaram-se mais e mais até que...
OH, não.
Kate inspecionou a licoreira, que descansava sobre o suporte da janela, diretamente em frente de seu esconderijo debaixo da escrivaninha. Se ele continuasse de frente à janela enquanto servia, Kate poderia escapar sem ser detectada, mas se se voltasse tão somente noventa graus... ficou paralisada. Paralisada por completo. Deixou de respirar de todo.
Com os olhos muito abertos, sem pestanejar (podiam produzir algum som os olhos?), observou com completo horror que Bridgerton aparecia ante sua vista e sua silhueta atlética ficava destacada de modo surpreendente desde aquele posto avantajado no chão.
Os copos entrechocaram um instante quando ele os dispôs para servir, depois retirou o plugue da licoreira e serviu dois dedos de líquido âmbar em cada taça.
Não se volte. Não se volte.
- Tudo bem? - chamou Maria.
- Perfeito - respondeu Bridgerton embora soasse um pouco distraído.
Ergueu as taças e cantarolou algo para si mesmo enquanto seu corpo começava a voltar-se com parcimônia.
Continua andando. Continua andando. Se se afastasse dela enquanto dava a volta, voltaria ao lado da Maria e ela estaria a salvo. Mas se desse a volta e logo caminhasse, podia dar-se por morta.
Sem dúvida ele a mataria. Com toda franqueza, ainda lhe surpreendia que não o tivesse tentado na semana anterior no Serpentine.
Anthony se virou devagar. E se virou um pouco mais. E não caminhou.
E Kate tentou adivinhar qual era o motivo de que não lhe parecesse de repente algo tão mau morrer aos vinte e um anos.

Anthony sabia muito bem qual era o motivo de ter trazido Maria Rosso a seu estúdio. Estava claro que nenhum homem de sangue quente podia ficar imune a seus encantos. Tinha um corpo exuberante, uma voz embriagadora e sabia por experiência que o contato com ela era igualmente potente.
Mas mesmo que tomasse uma mecha de sedoso cabelo azeviche e aqueles lábios carnudos que formavam uma panela, mesmo que seus músculos entravam em tensão com a lembrança de outras partes carnudas, estreitas, de seu corpo, sabia que a estava utilizando.
Não se sentia culpado por utilizá-la para seu próprio prazer. A esse respeito, estava utilizando também a ele. E ao menos ela se veria compensada por isso, enquanto que lhe custaria várias jóias, uma atribuição trimestre e o aluguel de uma casa elegante em uma parte bastante elegante da cidade, embora tampouco muito.
Não, o motivo de que se sentisse inquieto, de que se sentisse frustrado, de que tivesse vontade de atravessar com o punho um muro de tijolo, era que estava utilizando Maria para tirar da cabeça aquele pesadelo que era Kate Sheffield. Não queria voltar a despertar torturado, com uma ereção, sabendo que Kate Sheffield era a causa. Queria afundar-se em outra mulher até que toda lembrança daquele sonho se dissolvesse e se desvanecesse em um nada.
Porque Deus sabia que nunca ia tomar parte ativa nessa fantasia erótica particular. Nem sequer gostava de Kate Sheffield. A idéia de deitar-se com ela lhe provocava um suor frio, embora estendesse uma onda de desejo por seu interior.
Não, a única maneira de que o sonho se fizesse realidade era que Anthony estivesse delirando de febre... e ela talvez teria que estar delirando também... e possivelmente os dois teriam que ter se perdido em uma ilha deserta ou estar sentenciados a morte à manhã seguinte Ou... Sentiu um estremecimento. Aquilo, simplesmente, não ia acontecer.
Mas, que diabos, aquela mulher tinha que lhe ter enfeitiçado. Não havia outra explicação para aquele sonho, não, melhor dizendo, aquele pesadelo. E além disso, inclusive naquele preciso instante podia cheirá-la. Era aquela mescla enlouquecedora de lírios e sabonete, aquele aroma cativante que tomou conta dele enquanto estavam no Hyde Park a semana passada.
Aqui estava ele, servindo uma taça do melhor uísque a Maria Rosso, uma das poucas mulheres que sabia apreciar ambas as coisas, um bom uísque e a embriaguez diabólica que vinha a seguir, e a única coisa que podia cheirar era o maldito aroma de Kate Sheffield. Sabia que estava na casa - e estava meio disposto a matar a sua mãe por aquilo - mas isto era ridículo.
- Tudo bem? -chamou Maria.
- Perfeito - foi a resposta de Anthony, mas sua voz soou tensa inclusive a seus próprios ouvidos.
Começou a cantarolar, algo que sempre fazia para relaxar. Deu meia volta e se dispôs a dar um passo adiante. Ao fim e ao cabo, Maria o esperava. Mas outra vez notou aquele maldito perfume. Lírios. Poderia jurar que eram lírios. E sabonete. Os lírios eram intrigantes, mas o sabonete era compreensível. Uma mulher prática como Kate Sheffield se esfregaria com sabonete até ficar bem limpa.
Seu pé vacilou no ar e seu primeiro passo foi curto em vez da habitual passada longa. Não podia escapar daquele aroma, assim continuou dando a volta, seu olfato o fez torcer instintivamente a vista para onde sabia que não podia haver lírios, e entretanto seu aroma estava ali, por impossível que parecesse.
E então a viu. Debaixo de sua escrivaninha.
Era impossível.
Sem dúvida isto era um pesadelo. Sem dúvida se fechasse os olhos e voltasse a abri-los, ela teria desaparecido.
Pestanejou. Ela continuava ali.
Kate Sheffield, a mulher mais exasperante, irritante e diabólica de toda a Inglaterra, estava escondida, de cócoras como uma rã, debaixo de sua escrivaninha.
Foi um milagre que não deixasse cair o uísque.
Seus olhares se encontraram, viu seus olhos muito abertos por causa do pânico e do temor. Bem, pensou com fúria. Merecia passar medo. Ia curtir a pauladas até que estivesse castigada.
Que diabos estava fazendo aqui? Empapá-lo com imunda água do Serpentine não era suficiente para seu espírito sanguinário? Não estava satisfeita com seus esforços de frustrar o cortejo de sua irmã? Além disso tinha que lhe espiar?
- Maria - disse com suavidade enquanto avançava para a escrivaninha até pisar na mão de Kate. Não pisou com força mas a ouviu chiar. Isto produziu em Anthony uma terrível satisfação.
- Maria -repetiu-. De repente recordei um assunto urgente de negócios de que devo me ocupar imediatamente.
- Esta mesma noite? -perguntou. Soava pouco convencida.
- Receio que sim .Ui!
Maria pestanejou.
- Acaba de gemer?
- Não -mentiu Anthony e tentou não engasgar-se com aquela palavra. Kate tinha tirado a luva e tinha agarrado o joelho do Anthony com a mão para lhe cravar as unhas diretamente até a pele através das calças.
Com força.
Anthony confiou ao menos em que fossem suas unhas. Poderiam ter sido seus dentes.
- Está certo de que não se passa nada? - perguntou Maria.
- Nada... em... - fosse qual fosse a parte do corpo que Kate cravara em sua perna, afundou-se um pouco mais- Absoluto! - A última palavra surgiu mas como um uivo e então sacudiu a perna para diante, dando contra algo que teve a leve suspeita de que era o estômago do Kate.
Em circunstâncias normais, Anthony teria preferido morrer a bater em uma mulher, mas isto parecia um caso seriamente excepcional. Em realidade desfrutou um pouco ao dar-lhe um
pontapé enquanto ela permanecia ali escondida.
Ao fim e ao cabo, lhe estava mordendo a perna.
- Permita-me que a acompanhe até a porta - disse a Maria enquanto sacudia Kate do tornozelo.
Mas o olhar da Maria mostrou curiosidade. A cantora se adiantou uns poucos passos.
- Milord, há um animal debaixo da mesa?
Anthony soltou uma gargalhada.
-Assim poderia dizer-se.
Kate lhe deu com o punho no pé.
- É um cão?
Anthony considerou seriamente oferecer uma resposta afirmativa, mas nem sequer ele podia ser tão cruel.
Pelo visto, Kate apreciou seu tato pouco característico já que lhe soltou a perna.
Anthony aproveitou então esse momento para afastar-se com rapidez detrás da escrivaninha.
- Acharia imperdoável minha rudeza - perguntou enquanto avançava até a Maria, agarrando-a logo pelo braço- se a acompanhasse só até a porta em vez de levá-la até a sala de música?
Ela riu, com um som grave e sensual que deveria haver seduzido a ele.
- Sou uma mulher feita e direita, milord. Acredito que me posso isso nesta distância tão curta.
- Me perdoa?
Maria se foi até a soleira da porta que ele mantinha aberta para ela.
- Suspeito que não há nenhuma mulher viva que possa negar-se a perdoá-lo com esse sorriso.
- É uma mulher excepcional, Maria Rosso.
Ela riu.
- Mas, pelo visto, não o bastante.
Saiu flutuando e Anthony fechou a porta com um estalo decidido. Depois, certamente um demônio sobre seu ombro o agarrou e decidiu dar uma volta à chave na fechadura e metê-la no bolso.
- Você - disse com um bramido enquanto salvava a distância até a escrivaninha em quatro longas passadas-.
Saia daí.
Ao ver que Kate não se dava suficiente pressa, agachou-se, pôs-lhe a mão na parte superior do braço e a tirou a rastros para pô-la de pé.
- Explique-se -ordenou entre dentes.
Quase se dobram as pernas de Kate enquanto o sangue voltava precipitadamente para seus joelhos que tinham estado dobrados durante quase um quarto de hora.
- Foi um acidente - disse, e se agarrou à borda da escrivaninha em busca de apoio.
- É curioso com que surpreendente freqüência surgem essas palavras de sua boca.
- É verdade! - protestou-. Estava sentada no corredor e... -engoliu em seco. Ele se tinha adiantado e agora estava muito, muito perto. - Estava sentada no corredor - disse outra vez, a voz lhe soava insegura e rouca- e ouvi você vir. Simplesmente tentava evitá-lo.
- E por isso invadiu meu escritório privado?
- Não sabia que era seu escritório. Eu... - Kate tomou fôlego. Ele inclusive se aproximou mais, suas amplas e engomadas lapelas agora estavam a tão somente centímetros do corpete de seu vestido. Sabia que aquela proximidade era intencional, que ele pretendia intimidá-la mais que seduzi-la, mas aquilo não serviu para conter os frenéticos batimentos de seu coração.
- Penso que talvez estivesse informada que este era meu escritório - murmurou ele e se permitiu percorrer com o dedo indicador o lado de seu queixo. - Talvez não pretendia me evitar absolutamente.
Kate engoliu em seco repetidamente, já tinha deixado de ter sentido tentar manter a compostura.
- Humm? - Deslizou o dedo pela linha do queixo . - O que diz a isso?
Os lábios de Kate se separaram, mas era incapaz de pronunciar uma palavra embora sua vida dependesse disso. Ele não usava luvas - teria tirado durante seu encontro com Maria- e o contato de sua pele era tão poderoso que parecia controlar todo seu corpo. Respirava quando ele se detinha, deixava de fazê-lo quando ele se movia. Não havia dúvida de que seu coração pulsava ao compasso do dele.
- Talvez - susurrou ele, tão perto agora que sua respiração beijou seus lábios - desejava em realidade alguma coisa mais.
Kate tentou sacudir a cabeça mas seus músculos se negavam a obedecer.
- Está certa?
Nesta ocasião, sua cabeça a traiu e deu uma pequena sacudida. Anthony sorriu e ambos souberam que ele tinha ganho.

Capítulo 7

Também presentes na noite musical de lady Bridgerton: a senhora Featherington e suas três filhas mais velhas (Prudence, Philippa e Penelope, nenhuma das quais vestia com cores que favorecessem sua cútis); o senhor Nigel Berbrooke (que, como é habitual, tinha muito que contar, embora ninguém salvo Philippa Featherington parecesse interessada); e, é claro, a senhora Sheffield e a senhorita Katharine Sheffield.
Esta Autora supõe que o convite às Sheffield incluía também à senhorita Edwina Sheffield, mas não se encontrava presente. Lorde Bridgerton parecia de bom humor apesar da ausência da jovem senhorita Sheffield, mas, ai, sua mãe não podia dissimular sua decepção.
Mas, claro está, a tendência de lady Bridgerton a fazer casais é já legendário e sem dúvida não pode estar inativa agora que sua filha já está casada com o duque do Hastings.
REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
27 de abril de 1814

Anthony sabia que tinha que estar louco.
Não podia haver outra explicação. Sua intenção era assustá-la, aterrorizá-la, fazê-la entender que nunca poderia pretender misturar-se a seus assuntos e sair ilesa, e não obstante...
Beijou-a.
Sua intenção tinha sido intimidá-la, e por isso se aproximou cada vez mais, até que ela, uma
inocente, não tivesse outro remédio que sentir-se acovardada ante sua presença. Ela desconhecia o que era estar tão perto de um homem para que o calor de seu corpo se filtrasse através de suas roupas, tão perto para não saber distinguir onde finalizava seu fôlego e onde começava o seu.
Não saberia reconhecer o primeiro ardor do desejo, nem saberia entender aquele calor lento que se estendia em espiral do núcleo de seu ser.
E aquele redemoinho de calor estava aí. Podia vê-lo.
Mas ela, uma completa inocente, nunca entenderia o que ele via com tão somente uma olhada de seus experimentados olhos. A única coisa que ela sabia era que ele se erguia sobre ela, mais forte, mais poderoso, e que tinha cometido um espantoso engano ao invadir seu santuário privado. Ia deixá-la justo então, ia deixá-la preocupada e sem fôlego. Mas quando os separavam menos de três centímetros, a atração se fez mais forte. O aroma de Kate era muito cativante, o som de sua respiração muito excitante. O comichão do desejo que ele tinha pretendido desatar nela de repente se acendeu em seu interior e estendeu uma cálida garra de necessidade até a ponta de seus pés. E o dedo que acabava de passar por sua face - só para torturá-la, se disse- de repente se converteu em uma mão que a segurou pela nuca enquanto seus lábios tomavam em uma explosão de raiva e desejo.
Ela ofegou contra sua boca, e então ele aproveito a separação de seus lábios para deslizar a língua entre eles. Embora Kate estivesse rígida entre seus braços, dava a impressão de que aquilo tinha mais que ver com a surpresa que com qualquer outra coisa, por isso Anthony se apertou um pouco mais e permitiu que uma de suas mãos deslizasse por detrás e segurasse a suave curva de seu traseiro.
- Isto é uma loucura - sussurrou ele contra seu ouvido. Mas não fez nenhum movimento para soltá-la.
A resposta de Kate foi um gemido incoerente e confuso. Seu corpo se tornou um pouco mais maleável entre seus braços, permitiu que o amoldasse ao dele, com mais proximidade. Ele sabia que devia deter-se, sabia que certamente não deveria ter começado, mas seu sangue se acelerava por causa da necessidade, e ela sabia tão... tão...
Tão bem.
Anthony soltou um gemido, afastou os lábios de sua boca para saborear um instante a pele salgada do pescoço. Havia algo nela que se adaptava a ele, como nenhuma mulher tinha conseguido antes. Parecia que o corpo de Anthony tivesse descoberto algo que sua mente se negava por completo a considerar.
Algo nela era tão... perfeito.
Cheirava bem. Sabia bem. Dava gosto tocá-la. E sabia que se lhe tirasse toda a roupa e a deitasse ali sobre o tapete de seu estúdio, ela se adaptaria debaixo dele, adaptar-se-ia ao redor dele... à perfeição.
A Anthony lhe ocorreu pensar que quando não discutia com ele, Kate Sheffield bem poderia ser a melhor mulher da Inglaterra, caramba.
Seus braços, que tinham ficado apanhados entre os seus, dirigiram-se pouco a pouco para cima, até que suas mãos descansaram lentamente em suas costas. E logo seus lábios se moveram. Era algo mínimo, em si foi um movimento que mal sentiu sobre a fina pele de sua fronte, mas era indiscutível que lhe estava devolvendo o beijo.
Um gemido grave e triunfante surgiu da boca de Anthony enquanto deslocava a boca outra
vez até os lábios dela e a beijava com ardor, desafiando-a a que continuasse o que tinha começado.
- Oh, Kate - se queixou, empurrando-a com suavidade até que ela ficou apoiada contra a borda da escrivaninha-. Deus, que bem sabe.
- Bridgerton? - Sua voz soou trêmula, aquela palavra era mais uma pergunta que qualquer outra coisa.
- Não diga nada - sussurrou ele. - Faça o que fizer, não diga nada.
- Mas ...
- Nenhuma palavra - interrompeu ele, e lhe pôs um dedo sobre os lábios. A última coisa que queria era que ela arruinasse este momento tão perfeito abrindo sua boca e iniciando uma discussão.
- Mas eu... - Apoiou as mãos no peito do Anthony e escapou de um estirão, lhe deixando a ele cambaleante e sem fôlego.
Anthony soltou uma maldição, e não era leve.
Kate escapuliu rapidamente, não até o outro extremo do aposento, mas sim até uma alta poltrona com orelhas, bastante longe para não estar ao alcance de seus braços. Agarrou-se ao rígido espaldar da poltrona, depois se colocou atrás dela, pensando que poderia ser uma boa idéia ter um móvel sólido entre eles.
O visconde não deu amostras de estar de bom humor.
- Por que fez isso? - perguntou ela em voz tão baixa que quase era um sussurro.
Ele encolheu os ombros, de repente pareceu um pouco menos furioso e um pouco mais indiferente.
- Porque queria.
Kate soltou um arquejo e olhou-o boquiaberta durante um momento, incapaz de acreditar que pudesse ter uma resposta tão simples para o que era uma pergunta tão complicada, apesar da simples formulação.
Finalmente soltou com brusquidão: - Mas não é possível que tenha querido.
Ele sorriu.
- Pois sim.
- Mas não gosta de mim!
- Certo -admitiu ele.
-E eu não gosto de você.
- Isso me esteve dizendo - contestou com voz suave-. Terei que acreditam em sua palavra, pois há uns segundos isto não era tão aparente.
Kate sentiu que suas faces se ruborizavam de vergonha. Tinha respondido a seu desavergonhado beijo, e se odiava por isso, quase tanto como odiava a ele por iniciar aquelas intimidades.
Mas não era preciso que zombasse dela. Tinha sido o ato de um canalha. Agarrou-se ao espaldar da poltrona até que seus dedos ficassem brancos, já não estava segura de se o utilizava como defesa contra Bridgerton ou como meio para conter-se e não jogar-se sobre ele para estrangulá-lo.
- Não vou permitir que se case com a Edwina - lhe disse em voz baixa
- Não - murmurou ele e se moveu com lentidão até situar-se ao outro lado da poltrona. -
Não pensava que fosse fazê-lo.
Kate ergueu o queixo de forma quase imperceptível.
- E tenho a certeza de que eu não vou casar me com você.
Anthony plantou suas mãos sobre os braços da poltrona e se inclinou para diante, até deixar seu rosto a somente uns centímetros do dela.
- Não lembro ter pedido. - disse ele.
Kate se retirou para trás com brusquidão.
- Mas se acabar de me beijar!
Ele riu.
- Se me oferecesse em matrimônio a cada mulher a que beijei, teriam me metido no cárcere por bígamo faz muito tempo. Kate notou que começava a tremer e se agarrou ao espaldar da poltrona em busca de apoio.
- Você, senhor - quase cuspiu nele - não tem honra.
Os olhos dele cintilaram e uma mão saltou disparada para agarrar o queixo de Kate. Sustentou-a assim durante vários segundos, obrigando-a a olhá-lo nos olhos.
- Isso - disse com voz fria - não é verdade, e se fosse um homem a desafiaria por isso.
Kate ficou quieta durante o que pareceu muito tempo, com o olhar fixo no dele, a pele lhe ardia onde seus poderosos dedos a mantinham imóvel. Finalmente fez o que tinha jurado que nunca faria com este homem.
Rogou-lhe.
-Por favor - sussurrou-, me solte.
Assim o fez, a mão a soltou com surpreendente brutalidade.
- Minhas desculpas - disse, e soava um pouco... surpreso?
Não, isso era impossível. Nada podia surpreender a este homem.
- Não era minha intenção lhe fazer dano- acrescentou em tom suave.
- Ah, não?
Ele sacudiu um pouco a cabeça.
- Não. Talvez assustá-la. Mas não queria lhe fazer mal.
Kate retrocedeu com pernas trêmulas.
- Não é mais que um mulherengo - disse enquanto desejava que sua voz surgisse com um pouco mais de desdém e um pouco menos de tremor.
- Sei - disse encolhendo os ombros. O intenso fogo em seus olhos pareceu apagar-se até denotar uma leve diversão. - Vai com minha maneira de ser.
Kate deu outro passo para trás. Não restavam energias para enfrentar-se às abruptas mudanças de humor dele.
- Vou embora agora mesmo.
-Vá - disse ele em tom afável, e lhe fez uma indicação para a porta.
- Não pode me deter.
Ele sorriu.
- Nem o sonharia.
Kate começou a afastar-se, retrocedeu com lentidão, temerosa de que se lhe tirava a vista de cima durante um segundo, ele talvez se jogasse sobre ela.
- Vou embora - repetiu de modo desnecessário.
Mas quando tinha a mão a um centímetro da maçaneta da porta, ele disse:
- Suponho que a verei a próxima vez que vá visitar a Edwina.
Kate ficou pálida. Não é que pudesse ver-se a si mesmo, é claro, mas pela primeira vez em sua vida, de fato tinha notado que sua pele perdia o sangue.
- Disse que ia deixá-la em paz - disse em tom acusador.
- Não - replicou ele enquanto se apoiava com postura bastante insolente em um lado da poltrona. – Disse que não pensava que fosse permitir que me casasse com ela. O que não quer dizer o mesmo, certamente não tenho planos de permitir que controle minha vida.
Kate de repente se sentiu como se tivesse uma bala de canhão alojada em sua garganta.
- Mas é impossível que queira casar-se com ela depois de que você... depois de que eu...
Anthony deu uns passos para ela com movimentos lentos e elegantes como os de um gato.
- Depois de que me beijasse?
- Eu não... - Porém as palavras lhe queimaram a parte posterior da laringe pois era claro que eram mentira. Ela não tinha iniciado aquele beijo mas ao final tinha participado dele.
- Oh, vamos, senhorita Sheffield - disse estirando-se e cruzando-se de braços-. Não sigamos por aí. Nós não gostamos, até aí é verdade, mas a respeito de um modo peculiar, pervertido, e sei que você não é uma mentirosa.
Kate não disse nada. A verdade, o que podia dizer? O que podia responder a uma afirmação que continha as palavras "respeito" e "pervertido"?
- Me devolveu o beijo - disse com um leve sorriso de satisfação-. Não com grande entusiasmo, admito- o, mas isso seria questão de tempo.
Ela sacudiu a cabeça, incapaz de dar crédito ao que ouvia.
- Como pode falar desse tipo de coisas somente um minuto depois de ter declarado sua intenção de casar-se com minha irmã?
- Isto não impede o mínimo meus planos, é a verdade - comentou com voz reflexiva mas despreocupada, como se considerasse a compra de um novo cavalo ou decidisse que lenço usar no pescoço.
Possivelmente fosse sua postura calma, possivelmente a maneira em que esfregava o queixo como se fingisse estar pensando um pouco naquela questão, mas algo acendeu uma mecha no interior de Kate. Sem tão sequer pensar, lançou-se para diante, todas as fúrias do mundo reunidas em sua alma enquanto se jogava contra ele e lhe golpeava o peito com os punhos.
- Nunca se casará com ela! - gritou. - Alguma vez! Ouça-me? Ele levantou um braço para parar um golpe contra seu rosto.
- Tenho ouvidos surdos a suas afirmações. - Depois apanhou com habilidade seus pulsos, imobilizou-os enquanto seu corpo tremia de raiva.
- Não permitirei que a faça uma desventurada. Não permitirei que arruíne sua vida -continuou, embora as palavras se engasgassem -. Ela representa todo a bondade, honra e pureza. E merece algo melhor que você.
Anthony a observou de perto, percorreu seu rosto com o olhar, de certo modo se pôs muito formosa com a força de sua ira. Tinha as faces rosadas, os olhos brilhavam com as lágrimas que se esforçava por conter. Ele começava a sentir que podia ser o pior canalha do mundo.
- Ah, senhorita Sheffield - disse em tom suave-. Dá-me a impressão de que quer de verdade a sua irmã.
- Claro que a quero! -soltou-. Por que acredita que empreguei tantos esforços para mantê-la afastada de você? Acredita que o tenho feito por diversão? Porque, asseguro-lhe, milord, que me ocorrem coisas muito mais divertidas que estar retida em seu estúdio.
Soltou-lhe os pulsos de forma brusca. Kate esfregou a carne avermelhada e maltratada enquanto continuava falando:
- Pensava que ao menos meu amor por Edwina era uma faceta que você podia entender com perfeita clareza - disse gemendo. - Você, que supostamente sente tal devoção por sua família.
Anthony não disse nada, limitou-se a observá-la e perguntar-se se talvez esta mulher escondia muito mais do que a princípio tinha estimado.
- Se você fosse irmão de Edwina - disse Kate com arrepiante precisão - permitiria que se casasse com um homem como você?
Ele ficou calado durante um longo instante, bastante longo para que o silêncio ressoasse com desconforto em seus ouvidos. Por fim disse:
- Isto não vem na historia.
Em favor de Kate devo dizer que não sorriu. Não alardeou, não mofou. Quando voltou a falar suas palavras soaram tranqüilas e francas.
- Creio que já me respondeu. - Depois se virou sobre seus calcanhares e começou a afastar-se.
- Minha irmã - disse então ele, com voz bastante alta para que Kate detivesse seu avanço para a porta- se casou com o duque do Hastings. Está familiarizada com sua reputação? Kate se deteve, mas não se voltou.
-É conhecido por sua evidente devoção a sua esposa.
Anthony soltou um risinho.
- Então não está familiarizada com sua reputação. Ao menos com a que tinha antes de casar-se.
Kate se voltou pouco a pouco.
-Se tenta me convencer de que os mulherengos reformados se transformam nos melhores maridos, não vai consegui-lo. foi nesta mesma sala, nem sequer faz quinze minutos, onde disse à senhorita Rosso que não via motivos para renunciar a uma amante por uma esposa.
- Creio que especifiquei que no caso de que não se ame a esposa.
Um som peculiar saiu do nariz do Kate: não era em si um resmungo, mas bem uma respiração, mas deixava muito claro, ao menos neste momento, que não sentia nenhum respeito por ele. Com uma expressão de profunda diversão nos olhos, Kate pergunto:
- E ama a minha irmã, lorde Bridgerton?
- Claro que não - contestou-. E nunca me ocorreria insultar a sua inteligência dizendo o contrário. Mas - acrescentou elevando a voz, para frustrar a interrupção que estava seguro ia se produzir - tão somente faz uma semana que conheço sua irmã. Não há motivo para acreditar que não possa me apaixonar por ela se passarmos muitos anos unidos em santo matrimônio.
Kate cruzou os braços.
- Por que será que não posso acreditar em nenhuma palavra do que sai de sua boca?
Ele encolheu os ombros.
- Não sei. - Porém sabia. Precisamente o motivo pelo que tinha escolhido Edwina para esposa era saber que nunca se apaixonaria por ela. Gostava, respeitava-a e estava certo de que
seria uma mãe excelente para seus herdeiros, mas nunca a amaria. Aquela faísca não se acendera entre eles.
Kate sacudiu a cabeça com decepção no olhar. Uma decepção que em certo modo lhe fez sentir-se menos homem.
- Tampouco pensava que fosse um mentiroso - disse em voz baixa - Um mulherengo e um libertino sim, e talvez um montão de coisas mais, mas não um mentiroso.
Anthony sentiu suas palavras como murros. Algo desagradável espremeu seu coração, algo que lhe deu vontade de arremeter contra ela, de lhe fazer mal ou ao menos lhe mostrar que não tinha o poder de feri-lo.
- Oh, senhorita Sheffield - sua voz se arrastava com certa crueldade - não irá muito longe sem isto.
Antes que ela pudesse reagir, colocou a mão no bolso, tirou a chave da porta de seu estúdio e a atirou em sua direção, apontando de forma intencionada a seus pés. Tomou-a despreparada, seus reflexos não estavam preparados, e quando ela se esticou para agarrá-la, errou por completo. Quando suas mãos se juntaram, soaram com uma palmada oca, seguida do ruído surdo da chave ao cair sobre o tapete.
Kate permaneceu ali de pé durante um momento contemplando a chave. Anthony percebeu o instante em que ela compreendeu que não era sua intenção que a apanhasse. Ficou de todo quieta e depois ergueu a vista para olhá-lo diretamente nos olhos. Os olhos de Kate cintilavam de ódio e algo pior.
Desdém.
Anthony sentiu que lhe davam um murro nas tripas. Sentiu o mais ridículo impulso de saltar para diante, agarrar a chave do tapete fincar-se sobre um joelho e estender-lhe a ela, para desculpar-se por sua conduta e lhe rogar perdão.
Mas não fez nada disto. Não queria emendar essa falta, não queria ganhar uma opinião favorável.
Porque aquela faísca tão esquiva, cuja ausência era tão patente com sua irmã, com quem se propôs casar-se, refulgia com tal força que o aposento parecia estar iluminado como se fosse de dia.
E nada podia aterrorizá-lo mais.
Kate continuou imóvel durante mais tempo do que ele tinha pensado, obviamente resistindo a ajoelhar-se diante dele embora só fosse para recolher a chave que lhe permitiria a fuga que tanto desejava.
Anthony forçou um sorriso então, desceu o olhar ao chão e logo voltou para seu rosto:
- Não quer partir, senhorita Sheffield? - disse com muita suavidade.
Continuou observando Kate enquanto tremia o queixo e engolia em seco com nervosismo. E também, quando de forma abrupta se agachou e agarrou a chave.
- Nunca se casará com minha irmã - jurou com uma voz grave e intensa que lhe provocou um calafrio nos próprios ossos. - Nunca.
E depois, com um estalo decisivo na fechadura, já se tinha partido.

Dois dias depois, Kate ainda continuava furiosa. Também ajudou o fato de que a tarde seguinte à noite chegasse um grande buquê de flores para a Edwina, cujo cartão dizia: "Com meus
desejos de uma rápida recuperação. O serão de ontem à noite esteve muito apagado sem tua rutilante presença. Bridgerton".
Mary tinha solto um montão de exclamações extasiadas ao ler a nota; tão poética, suspirou, tão encantadora, sem dúvida as palavras de um homem loucamente apaixonado. Mas Kate sabia a verdade. A nota era mais um insulto dirigido a ela que um elogio a Edwina.
E tanto que apagada, pensou jogando faíscas enquanto contemplava o cartão - agora exposto em cima de uma mesa do salão -, e se perguntava como poderia fazer - para que aparecesse de algum modo roto em pedaços e parecesse um acidente. Talvez não soubesse muito de assuntos do coração e assuntos de homens e mulheres, mas teria apostado algo a que, sentisse o que sentisse o visconde a noite anterior no estúdio, não tinha sido aborrecimento.
Não obstante, não tinha vindo de visita. Kate não podia imaginar-se por que, já que levar Edwina para passear ia ser uma bofetada ainda mais ofensiva que a nota. Em seus momentos mais fantasiosos, gostava de pensar que ele não se deixara ver porque tinha medo de enfrentar-se a ela. Mas sabia que aquilo não era verdade, estava claro.
Aquele homem não tinha medo de ninguém. E muito menos de uma vulgar solteirona entrada em anos a quem provavelmente tinha beijado por uma mescla de curiosidade, raiva e pena.
Kate cruzou a sala até a janela e ficou olhando Milner Street. Não era a vista mais pitoresca de Londres, mas ao menos assim conseguia não olhar a nota. Era a pena o que de verdade a consumia. Rogou para que, fosse qual fosse o motivo daquele beijo, a curiosidade e a raiva superassem a pena.
Pensou que não poderia suportar que ele sentisse pena dela.
Mas Kate não teve muito tempo para obcecar-se com o beijo e seu possível significado, porque aquela tarde após a tarde seguinte às flores- chegou um convite muito mais inquietante que algo que o próprio lorde Bridgerton pudesse ter enviado. Ao que parecia se requeria a presença das Sheffield em uma reunião campestre que organizava lady Bridgerton de forma bastante espontânea em sua casa senhoril.
A mãe do próprio diabo.
E não havia maneira de que Kate pudesse escapulir e não acudir. A não ser que se produzisse um terremoto combinado com um furacão, combinado com um tornado; coisas que dificilmente poderiam acontecer em Grã-Bretanha, embora ela seguisse abrigando alguma esperança quanto ao furacão, desde que não houvesse trovões ou relâmpagos no meio. Nada impediria que Mary se apresentasse na bucólica entrada da residência dos Bridgerton com Edwina atrás. E certamente, Mary não ia permitir que Kate ficasse sozinha em Londres, sem ninguém perto.
O visconde não tinha escrúpulos. O mais provável era que beijasse a Edwina igual à tinha beijado a ela, e Kate não podia imaginar que sua irmã tivesse a fortaleza para resistir a uma insinuação assim.
Com certeza lhe pareceria o mais romântico do mundo e se apaixonaria por ele ali mesmo.
Inclusive Kate tinha encontrado dificuldades para manter a mente clara quando ele pôs seus lábios em sua boca... Durante um momento de sorte o tinha esquecido tudo. Não existia outra coisa que a experiência deliciosa de sentir-se acariciada e querida; não, necessitada. Tinha sido algo seriamente embriagador. Quase tanto para que uma dama esquecesse que o homem que a estava beijando era um canalha indigno.
Quase... mas não de tudo.


Capítulo 8

Como bem sabe qualquer leitor habitual desta coluna, há duas seitas em Londres que sempre se manterão na mais extrema oposição: as Mamães Ambiciosas e os Solteiros convenientes.
As Mamães Ambiciosas têm filhas em idade casadoura. O Solteiro conveniente não quer uma esposa. A essência do conflito deveria resultar óbvia para qualquer com um pouco de cérebro ou, em outras palavras, aproximadamente cinqüenta por cento dos leitores desta Autora.
Esta Autora ainda não viu a lista de convidados à reunião social que vai celebrar- se na casa senhoril de lady Bridgerton, mas fontes informadas indicam que esta próxima semana se reunirão no Kent quase todas as jovens candidatas em idade de casar-se.
Isto não é uma surpresa para ninguém. Lady Bridgerton nunca ocultou seu desejo de ver seus filhos bem casados. Este parecer a converteu em uma presença favorita entre as Mamães Ambiciosas, que considera com desespero aos irmãos Bridgerton os piores Solteiros convenientes.
Se tivéssemos que confiar nas cadernetas de apostas, ao menos um dos irmãos Bridgerton deveria ouvir sinos de bodas antes de que acabe este ano.
Por muito que o doa a Esta Autora mostrar sua conformidade com as cadernetas de apostas (são escritas por homens, e por conseguinte contêm enganos intrínsecos), tem que coincidir com esta predição. Lady Bridgerton terá logo uma nora. Mas quem será ela - e com que irmão se encontrará casada-, ai, Amável Leitor, isso, quem sabe.
REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
29 de abril de 1814

Uma semana mais tarde, Anthony se encontrava no Kent, em concreto no conjunto de habitações que ocupava seu escritório privado, esperando o começo da festa campestre organizada peal mãe.
Tinha visto a lista de convidados. Não cabia dúvida de que sua mãe tinha decidido organizar esta festa com um único motivo: casar a um de seus filhos, podendo ser ele mesmo. Aubrey Hall, a residência ancestral dos Bridgerton, encheria-se até os batentes de jovens candidatas, cada qual mais encantadora e mais cabeça oca que a outra. Para manter as coisas compensadas, lady Bridgerton tinha tido que convidar também a uma boa quantidade de cavalheiros, certo, mas nenhum era tão rico ou tão influente como seus próprios filhos, à exceção de uns poucos que já estavam casados.
Sua mãe, pensou Anthony aflito, não era famosa por sua sutileza. Ao menos não no referente ao bem-estar (sua definição de bem-estar, é claro) de seus filhos.
Não lhe tinha surpreendido ver que também enviou convite às senhoritas Sheffield. Sua mãe tinha mencionado - várias vezes - o bem que lhe caía a senhora Sheffield. E se tinha visto obrigado a escutar muitas vezes a teoria de que "os bons pais dão bons filhos" para não saber o que queria dizer com isso.
De fato sentiu uma espécie de satisfação resignada ao ver o nome da Edwina na lista. Estava
ansioso por lhe propor matrimônio e acabar com tudo aquilo. Sentia certa inquietação pelo que tinha acontecido com Kate, mas dava a impressão de que agora pouco podia fazer a menos que quisesse passar pelas perturbações de encontrar outra possível noiva.
Algo que não desejava. Uma vez que tinha tomado uma decisão - neste caso casar-se por fim - não via motivo em adiar com noivados e devaneios. A falta de decisão era para quem tinha mais tempo para viver a vida. Era certo que Anthony tinha evitado a armadilha do pároco durante quase uma década, mas agora, tendo decidido que já era hora de buscar uma esposa, parecia ter pouco sentido entreter-se.
Casar-se, procriar e morrer. Essa era a vida do nobre inglês, inclusive para quem não tinha um pai e um tio que tinham caído mortos de maneira inesperada à idade de trinta e oito e trinta e quatro anos, respectivamente.
Estava claro que a única coisa que ele podia fazer a estas alturas era evitar Kate Sheffield. Provavelmente também fosse apropriada alguma desculpa. Não seria fácil, já que o último que queria era humilhar-se ante aquela mulher, mas os sussurros de sua consciência se transformaram em um estrondo amortecido. Sabia que ela merecia ouvir as palavras, "sinto muito".
Com certeza merecia algo mais, mas Anthony não tinha desejos de considerar o que.
Para não mencionar que, a menos que fosse falar com ela, o mais provável era que bloqueasse uma união entre ele e Edwina com todo seu empenho.
Estava claro que tinha chegado o momento de passar à ação. Se existia um lugar romântico para uma pedido de mão, esse era Aubrey Hall. Construído a princípios do século XVIII com uma cálida pedra amarelada, estava comodamente localizado sobre um grande pasto verde, rodeado de sessenta acres de parque, dos quais dez eram jardins floridos. Com o passar do verão, o jardim se encheria de rosas, mas agora os terrenos estavam atapetados de jacintos e brilhantes tulipas que sua mãe tinha mandado importar da Holanda.
Anthony olhou pela janela do outro lado da habitação. Os velhos olmos se erguiam majestosos em torno da casa e davam sombra ao meio-fio. E gostava de pensar que com eles a casa senhoril parecia integrar-se na natureza, em vez de assemelhar-se às típicas residências campestres da aristocracia: monumentos artificiais à riqueza, a posição e o poder. Havia vários lagos, um arroio e incontáveis colinas e depressões, cada uma delas com suas lembranças especiais da infância.
E de seu pai.
Anthony fechou os olhos e respirou. adorava vir ao Aubrey Hall, mas as vistas e imagens familiares devolviam a seu pai com uma clareza tão vívida que resultava quase dolorosa. Ainda agora, quase doze anos depois da morte do Edmund Bridgerton, Anthony continuava esperando vê-lo dobrar a esquina, com o mais pequeno dos Bridgerton chiando de deleite, montado sobre os ombros de seu pai.
A imagem provocou um amplo sorriso nos lábios do Anthony. A criatura ascensão a seus ombros poderia ser um menino ou uma menina; Edmund nunca tinha mostrado diferenças entre seus filhos na hora de lhes montar a cavalinho. Mas fosse quem fosse o que ocupasse o lugar privilegiado no alto do mundo, sem dúvida seria açoitado por uma babá que insistia em deter imediatamente aquela tolice, e em que o lugar de um menino era no quarto de brinquedos, não em ombros de seu pai, certamente.
- OH, pai - sussurrou Anthony erguendo a vista para olhar o retrato do Edmund pendurado
em cima da lareira - como diabos conseguirei o que você obteve?
E sem dúvida aquele foi o maior lucro do Edmund Bridgerton: presidir uma família cheia de amor e risada e tudo o que punha-se a faltar com tanta freqüência na vida aristocrática.
Anthony se separou do retrato de seu progenitor para cruzar o aposento até a janela. Durante toda a tarde não tinham deixado de chegar convidados, cada veículo parecia trazer outra dama de rosto viçoso, com olhos iluminados pela felicidade de ter recebido o presente de um convite à reunião social na casa senhoril dos Bridgerton.
Não acontecia com freqüência que sua mãe se decidisse a encher sua casa de campo de convidados. Quando o fazia, sempre era o acontecimento da temporada.
Embora, em honra à verdade, nenhum dos Bridgerton passava já muito tempo no Aubrey Hall. Anthony suspeitava que sua mãe padecia a mesma enfermidade que ele: lembranças de Edmund por cada lugar. Os filhos menores tinham poucas lembranças do lugar, posto que tinham sido criados sobre tudo em Londres. O certo era que não recordavam as longas excursões pelos campos, as jornadas de pesca ou a casa na árvore.
Hyacinth, que só tinha onze anos, seu pai nem sequer tinha chegado a segurá-la nos braços.
Anthony tinha tentado encher esse vazio o melhor possível, mas sabia que era uma comparação muito pobre. Com um suspiro lento, apoiou-se pesadamente na janela, em um intento de decidir se queria ou não servir-se algo de beber. Olhava fora, à grama, sem enfocar o olhar em nada concreto, quando chegou uma carruagem decididamente mais gasta que o resto das que apareciam pelo meio-fio de chegada. Não é que fosse de má qualidade, estava bem feita e era sólida. Mas carecia dos emblemas dourados que adornavam outras carruagens, e parecia dar mais sacudidas que as outras, como se não estivesse tão bem mantida para viajar com comodidade.
Seriam as Sheffield, caiu na conta. O resto de convidados incluídos na lista possuíam fortunas respeitáveis. Só as Sheffield teriam que alugar uma carruagem para a temporada em Londres.
Como confirmação, quando um dos lacaios da residência, vestido com uma elegante libra azul creme, saltou para diante para abrir a porta, Edwina Sheffield saiu por ela como uma verdadeira visão, com um vestido de viagem amarelo claro e chapéu a jogo. Anthony não estava tão perto para poder ver seu rosto com clareza, mas era bastante fácil de imaginar. Tinha faces rosadas e delicadas, e seus deliciosos olhos refletiam o céu límpido.
A seguinte em sair foi a senhora Sheffield. Só quando ocupou lugar ao lado da Edwina se percebeu quanto se pareciam a uma à outra. Ambas eram encantadoras em suas formas graciosas e miúdas, e enquanto falavam pôde ver que adotavam a mesma postura. A inclinação da cabeça era idêntica, igual a sua atitude e compostura.
Edwina não perderia sua beleza. Sem dúvida, este seria um bom atributo para uma esposa, embora - lançou um olhar compungido ao retrato de seu pai - não era provável que Anthony estivesse presente para vê-la envelhecer.
Finalmente desceu Kate.
E Anthony foi consciente de que conteve a respiração.
Não se movia como as outras duas Sheffield. Elas tinham descido com delicadeza, apoiando-se no lacaio, repousando sua mão na deste com um gracioso arqueamento do pulso.
Kate, por outro lado, quase tinha saltado da carruagem. Aceitou o braço que lhe dava o
lacaio, mas em realidade parecia não necessitar de sua ajuda. Assim que seus pés tocaram o chão se esticou em toda sua altura e ergueu o rosto para observar a fachada do Aubrey Hall. Tudo nela era direto e franco. Anthony não duvidou nem um momento que se tivesse estado bastante perto para olhá-la aos olhos, teria encontrado seu olhar de frente.
Não obstante, assim que lhe visse, aqueles olhos se encheriam de desdém e talvez de um pouco de ódio. Que em realidade era o único que merecia. Um cavalheiro não podia tratar a uma dama como ele tinha tratado à Kate Sheffield e esperar continuar gozando de seu favor.
Kate se voltou para sua mãe e irmã e disse algo que provocou a risada da Edwina enquanto Mary sorria com gesto indulgente. Anthony percebeu que não tinha tido muitas oportunidades de ver as três relacionando-se entre si.
Havia alguns vínculos, acabou por compreender, que eram mais fortes que os do sangue. Ele não deixava espaço para esses vínculos em sua vida.
Era este o motivo de que, quando se casasse, o rosto sob o véu da noiva deveria ser o da Edwina Sheffield.

Kate tinha esperado que Aubrey Hall a impressionasse. O que não tinha esperado era ficar encantada. A casa era mais pequena do que achava. OH, de qualquer modo era muito, muito maior que algo a que ela tivesse tido a honra de chamar casa, mas esta casa senhoril não era uma mole monumental elevando-se sobre a paisagem como um castelo medieval desconjurado.
Mas Aubrey Hall parecia quase acolhedora. Possivelmente era uma palavra peculiar para descrever uma casa com cinqüenta aposentos, como pouco, mas suas caprichosas torres e almenas pareciam quase saídas de um conto de fadas, em especial com o sol do entardecer que proporcionava um resplendor quase avermelhado à pedra amarela. Não havia nada austero ou assustador no Aubrey Hall, e Kate gostou imediatamente.
- Não é linda? - susurrou Edwina.
Kate assentiu.
- O bastante bela para fazer quase suportável uma semana em companhia de um homem espantoso.
Edwina riu e Mary sorriu, mas nem sequer ela pôde conter um sorriso indulgente. De qualquer modo, enquanto dava uma olhada ao lacaio que se foi à parte posterior do carruagem para descarregar a bagagem, repreendeu-lhe:
- Não deveria dizer essas coisas, Kate. Nunca sabe quem está escutando e é muito pouco decoroso falar desse modo de nosso anfitrião.
- No assunto, não me ouviu - contestou Kate-. E assim, pensava que lady Bridgerton era nossa anfitriã. Foi ela quem mandou o convite.
- O visconde é o proprietário da casa - respondeu Mary.
- Muito bem - admitiu Kate e assinalou Aubrey Hall com um dramático movimento de braço-. Assim que entre nessa morada sagrada, serei toda doçura e luz.
Edwina soltou um bufido.
- Será algo digno de ver.
Mary lançou a Kate o olhar de uma mãe que conhece bem a sua filha:
- Doçura e luz são termos que também se aplicam em jardinagem.
Kate se limitou a sorrir.
- Certo, Mary, me vou levar melhor que nunca. Prometo-o.
- Limite-se a evitar no possível ao visconde.
- Assim será - prometeu Kate. Enquanto ele faça todo o possível para evitar a Edwina.
Um lacaio apareceu a seu lado e indicou o vestíbulo com um esplêndido movimento arqueado de seu braço.
-Se têm a amabilidade de entrar - disse-. Lady Bridgerton está ansiosa por saudar seus convidados. As três Sheffield se voltaram imediatamente e se encaminharam para a entrada principal. Entretanto, enquanto subiam pelos degraus de pouca altura, Edwina se voltou para Kate com um sorriso malicioso e sussurrou:
- A doçura e a luz começam a partir daqui, irmã minha.
- Se não estivéssemos em um lugar público - respondeu Kate com voz igualmente baixa - acredito que teria que te bater.
Lady Bridgerton se encontrava no vestíbulo principal quando entraram no interior da mansão. Kate conseguiu ver as pregas debruadas de uns vestidos em movimento que desapareciam pelo alto das escadas enquanto as ocupantes da carruagem anterior se dirigiam a seus quartos.
- Senhora Sheffield! - saudou lady Bridgerton ao mesmo tempo que cruzava o vestíbulo para elas -. Que alegria vê-la. E a senhorita Sheffield - acrescentou voltando-se para Kate-, quanto me alegra que tenham podido vir a nos ver.
- Foi muito amável ao nos convidar - respondeu Kate-. E seriamente é um prazer escapar da cidade durante uma semana.
Lady Bridgerton sorriu.
- Assim no fundo é uma garota de campo?
- Receio isso. Londres é excitante, e sempre vale a pena uma visita, mas prefiro os verdes campos e o ar fresco.
- A meu filho lhe acontece o mesmo - disse lady Bridgerton-. OH, passa o tempo na cidade, mas uma mãe sabe o que gosta de verdade.
- O visconde? - perguntou Kate sem convicção. Parecia um mulherengo consumado, e todo mundo sabia que o hábitat natural do mulherengo era a cidade.
- Sim, Anthony. Quando era menino vivíamos quase sempre aqui. Íamos a Londres durante a temporada, é claro, já que eu adoro ir a festas e bailes, mas nunca passávamos mais de umas poucas semanas. Só depois da morte de meu marido, transladamos nossa primeira residência à cidade.
- Lamento muito seu falecimento - murmurou Kate.
A viscondessa se voltou para ela com uma expressão nostálgica em seus olhos azuis.
-É muito terno de sua parte. Faz já muitos anos que aconteceu mas ainda sinto falta dele, todo dia. Kate notou que um nó se formava em sua garganta. Recordou quanto se queriam Mary e seu pai, e soube que se encontrava em presença de outra mulher que tinha experimentado o amor verdadeiro. E logo se sentiu terrivelmente triste. Porque Mary tivesse perdido seu marido e a viscondessa ao seu também, e... E talvez, mais que nada, porque ela nunca ia conhecer a sorte do amor verdadeiro.
- Mas nos estamos pondo muito sensíveis - disse de repente a Bridgerton esboçando um sorriso talvez muito alegre. Voltou-se de novo para Mary- e ainda não conheci a sua outra filha.
- Ainda não? - perguntou Mary franzindo o cenho -. Suponho que tem razão. Edwina não pôde assistir à noite musical em sua casa.
- Claro, a vi de longe com antecedência - lhe disse lady Bridgerton a Edwina enquanto dedicava um sorriso deslumbrante.
Mary fez as apresentações, e Kate não pôde evitar perceber a maneira em que lady Bridgerton avaliava a Edwina. Não havia nenhuma dúvida. Tinha decidido que Edwina constituiria uma excelente incorporação à família.
Depois de uns momentos mais de bate-papo, lady Bridgerton ofereceu chá enquanto suas malas eram transladadas a suas habitações, mas declinaram o oferecimento já que Mary estava cansada e queria deitar um momento.
- Como desejarem - disse lady Bridgerton e indicou a uma donzela-. Mandarei a Rose para que lhes mostre seus quartos. O jantar é às oito. Há alguma coisa que possa lhes oferecer antes de que se retirem?
Mary e Edwina negaram com a cabeça, e Kate ia seguir seu exemplo, mas no último momento disse:
- De fato, eu gostaria de lhe fazer uma pergunta.
Lady Bridgerton sorriu com afeto.
- Claro.
-Percebi ao chegar que tem uns amplísimos jardins de flores. Poderia inspecioná-los?
- Assim você também é jardineira? -inquiriu lady Bridgerton.
- Não muito boa -admitiu Kate-, mas sim admiro o trabalho de um perito.
A viscondessa se ruborizou.
-Será uma honra que percorra os jardins. São meu orgulho e alegria. Não é que lhes dedique muito tempo agora, mas quando Edmund viv.... -Se deteve para limpar a garganta-. Quer dizer, quando eu passava mais tempo por aqui, estava todo o dia com as mãos cheias de terra. Deixava louca de todo a minha mãe.
- E também ao jardineiro, imagino - disse Kate.
O sorriso de lady Bridgerton se transformou em uma risada.
- Ah, certamente que sim! Era um homem terrível. Sempre repetia que a única coisa que as mulheres sabiam de flores era aceitá-las como presente. Mas era o melhor conhecedor das plantas que alguém possa imaginar, de modo que aprendi a agüentá-lo.
- E ele aprendeu a agüentá-la?
Lady Bridgerton sorriu com ar peralta.
- Não, nunca, é a verdade. Mas não permiti que isso me detivesse.
Kate esboçou um amplo sorriso, a mulher lhe inspirava simpatia de forma instintiva.
- Porém não deixem que as entretenha tanto - disse lady Bridgerton-. Que Rose as leve acima para que possam instalar-se. E, senhorita Sheffield - disse à Kate-, estarei encantada de lhe dar uma volta pelos jardins um dia desta semana, se quiser. Temo que agora mesmo estou muito atarefada recebendo convidados, mas será um prazer encontrar tempo para você um destes dias.
- Me encantaria, muito obrigada - disse Kate, e logo ela, Mary e Edwina seguiram à criada escada acima.

Anthony saiu de seu reduto, detrás da porta ligeiramente entreaberta de seu escritório, e
desceu ao vestíbulo para ir ao encontro de sua mãe.
- Eram as Sheffield este grupo ao que saudava? -perguntou apesar de saber à perfeição que assim era. Mas seu escritório estava muito afastado no corredor para ter ouvido algo do que o quarteto de mulheres havia dito, de modo que decidiu que precisa um breve interrogatório.
- Certo, eram elas - respondeu Violet-. Que família mais encantadora, não acha?
Anthony se limitou a soltar um grunhido.
- Me alegro muito de tê-las convidado.
Anthony não disse nada, embora considerou responder com outro grunhido.
- Acrescentei no último minuto à lista de convidados.
- Não me tinha fixado - murmurou ele.
Violet assentiu com a cabeça.
- Tive que conseguir outros três cavalheiros do povoado para igualar as coisas.
- Assim podemos esperar ao pároco para jantar esta noite?
- E seu irmão, que está passando uns dias, e seu filho.
- Recordo que o jovem John mal tem dezesseis anos, não é verdade?
Violet encolheu os ombros.
- Estava desesperada.
Anthony considerou isto. Sua mãe tinha que estar seriamente desesperada para ter às Sheffield de convidadas em sua casa, se isso significava convidar para jantar a um rapaz com quinze anos. Não é que ela nunca tivesse convidado a um moço assim a uma jantar familiar; se não se tratava de atos formais, os Bridgerton rompiam os costumes estabelecidos e permitiam que os menores comessem também na sala, sem ter em conta a idade. Por isso, a primeira vez que Anthony foi visitar um amigo, ficou consternado ao comprovar que todo mundo contava que ele comeria na ala infantil.
Mas, de qualquer modo, uma reunião social no campo era uma reunião social, e nem Violet Bridgerton permitia que os meninos se sentassem à mesa.
- Creio que já conhece as duas senhoritas Sheffield - disse Violet.
Anthony assentiu.
- As duas me parecem encantadoras - continuou sua mãe. - Não se pode dizer que disponham de uma fortuna, mas sempre mantive que na hora de procurar esposa a fortuna não é tão importante como o caráter, sempre que o interessado não tenha apuros financeiros, é claro.
- Que, certamente, não é - disse Anthony arrastando as palavras-, como estou seguro de que vai indicar, meu caso.
Violet soprou e lhe lançou um olhar altivo.
- Não deveria zombar de mim com tanta ligeireza, meu filho. Só estou comentando a realidade. Deveria se prostrar de joelhos diariamente e agradecer a seu Criador não ter que se casar com uma rica herdeira. A maioria de homens não gozam do luxo do livre-arbítrio na hora de contrair matrimônio, sabe?
Anthony se limitou a sorrir.
- Deveria agradecer a meu Criador ou a minha mãe?
- É um bruto.
Agarrou-lhe o queixo com ternura.
- Um bruto que você criou.
- E não foi uma tarefa fácil - resmungou. - Posso assegurar. inclinou-se para diante e lhe deu um beijo na face.
- Que se divirta recebendo a seus convidados, mãe.
Violet ergueu a sobrancelha, mas estava claro que seu coração não participava daquele gesto.
- Aonde vai? -perguntou enquanto ele começava a afastar-se.
-Caminhar um pouco.
- Ah sim?
Anthony deu meia volta, um pouco desconcertado por seu interesse.
- Pois sim. Algum problema?
-Não, absolutamente - contestou sua mãe. - É só que faz séculos que não vai andar... pelo mero prazer de andar...
- Faz séculos que não venho ao campo - comentou ele.
- Certo - concedeu a viscondesa-. Em tal caso, tem que ir antes de tudo a meus jardins. Estão começando a florescer as primeiras espécies, é simplesmente espetacular. Não há nada comparável em Londres.
Anthony fez um gesto com a cabeça.
- Verei-a a hora de jantar.
Violet sorriu e se despediu com a mão. Observou como desaparecia pelo interior de seus escritórios, que ocupavam a esquina do Aubrey Hall e tinham janelas que davam à grama lateral.
O interesse de seu filho mais velho pelas Sheffield era muito intrigante. Ai, se ao menos pudesse adivinhar por que Sheffield estava interessado.

Um quarto de hora mais tarde Anthony tinha saído a passear pelos jardins de flores de sua mãe. Estava desfrutando da contradição do quente sol e a fresca brisa quando ouviu o leve som das pegadas de uma segunda pessoa por um atalho próximo. Aquilo lhe picou a curiosidade. Os convidados estavam todos instalando-se em seus quartos e o jardineiro tinha festa. Com franqueza, tinha contado estar sozinho. Voltou-se em direção às pegadas e avançou em silêncio até que chegou ao extremo do atalho. Olhou à direita, depois à esquerda então viu A...
Ela.
Por que, perguntou-se, surpreendia-lhe aquilo?
Kate Sheffield, vestida com um vestido azul lavanda claro que combinava de um modo encantador com as íris e jacintos, estava de pé ao lado de um arco decorativo de madeira que dentro de pouco ficaria coberto de rosas brancas e rosadas.
Observou-a durante um momento enquanto ela acariciava com os dedos alguma planta felpuda cujo nome nunca recordava, depois se inclinou para cheirar uma tulipa holandêsa.
- Não cheiram - disse em voz alta enquanto se aproximava devagar até ela.
Kate se endireitou imediatamente, todo seu corpo reagiu antes de voltar-se para olhá-lo. Anthony se deu conta de que tinha reconhecido a voz, o que fez que sentisse uma satisfação peculiar.
Enquanto se aproximava, indicou com um gesto a brilhante floração vermelha e disse:
-São lindas e bastante estranhas de ver em um jardim inglês, mas, ai, não têm perfume.
Kate se atrasou em responder mais tempo do que ele esperava, depois disse:
- Nunca antes tinha visto uma tulipa.
Algo naquela frase fez sorrir a ele.
- Nunca?
- Bem, nunca plantado na terra - explicou-. Edwina recebeu muitos ramos: as flores bulbosas criam sensação este último ano. Mas em realidade nunca tinha visto crescer nenhuma.
- São as flores favoritas de minha mãe - disse Anthony enquanto estirava o braço para agarrar uma. - E os jacintos, é claro.
Ela sorriu com curiosidade.
- É claro? - repetiu ela.
- Minha irmã pequena se chama Hyacinth -disse ele lhe estendendo a flor-. OH, não sabia?
Negou com a cabeça.
- Não.
- Veja - murmurou ele. - Nossos nomes seguem ordenadamente as letras do alfabeto, desde o Anthony até o Hyacinth. É um detalhe bastante conhecido. Mas, claro, talvez eu sei muito mais de sua vida que você da minha.
Os olhos de Kate se aumentaram de surpresa ante aquela frase enigmática, mas a única coisa que disse foi:
- Talvez seja assim.
Anthony ergueu uma sobrancelha.
- Estou consternado, senhorita Sheffield. Pus-me toda minha armadura e esperava que me respondesse, "já sei suficiente".
Kate tentou não fazer uma careta ao ouvir a imitação de sua voz mas sua expressão se torceu para dizer:
- Prometi a Mary que meu comportamento ia ser impecável.
Anthony deixou sair uma gargalhada.
-Que estranho - resmungou Kate-. Edwina teve a mesma reação.
Anthony apoiou uma mão no arco, com cuidado de evitar os espinhos da trepadeira de rosas.
- Sinto uma curiosidade desmedida por saber o que entende por comportamento impecável. Encolheu os ombros e brincou com a tulipa que tinha na mão.
- Espero poder adivinhá-lo sobre a marcha.
- Mas se supõe que não deve discutir com seu anfitrião, correto?
Kate o olhou arqueando as sobrancelhas.
- Temos mantido certo debate sobre se podemos lhe considerar nosso anfitrião. Ao fim e ao cabo, o convite foi feito por sua mãe.
- Certo -admitiu- mas eu sou o proprietário da casa.
- Sim - resmungou ela-, Mary há dito o mesmo. Ele sorriu com uma careta.
- Isto a está matando, não é verdade que sim?
- Ser amável com você? Anthony assentiu.
- Não é que me seja a coisa mais fácil do mundo.
A expressão dele mudou um tanto, talvez como se já se cansasse de brincar com ela. Como se tivesse algo por completo diferente na cabeça.
- Mas tampouco é o mais difícil, certo? -murmurou.
- Não me cai bem, milord -soltou ela.
- Não - disse ele com sorriso divertido-. Pensava isso.
Kate começou a sentir algo muito estranho, parecido à sensação experimentada em seu estúdio, justo antes de que ele a beijasse. De repente notou uma opressão na garganta e as palmas das mãos se esquentaram. E suas entranhas... bem, não tinha palavras para descrever a sensação de tensão, como uma picada, que lhe comprimia o abdômen. De forma instintiva, talvez como um impulso de sobrevivência, deu um passo atrás.
Ele parecia divertido, como se soubesse com exatidão o que estava pensando.
Kate brincou um pouco mais com a flor, depois manifestou de forma brusca:
- Não a deveria ter cortado.
- Deve ter uma tulipa - disse ele se tal coisa-. Não é justo que Edwina receba todas as flores.
O estômago do Kate, com a tensão e formigamento que já sentia, revolveu-se um pouco.
- De qualquer modo - conseguiu dizer-, não há dúvida de que seu jardineiro não apreciará a mutilação de sua obra.
Ele sorriu com expressão maliciosa.
- Culpará a um de meus irmãos pequenos.
Kate não pôde evitar sorrir.
- Pois ainda terei pior opinião de você por recorrer a mutretas deste tipo - manifestou ela.
- Não a tem já?
Kate sacudiu a cabeça.
- Já lhe digo, não acredito que minha opinião de você possa afundar-se muito mais.
- OH! -Anthony agitou um dedo em sua direção. - Pensava que seu comportamento ia ser impecável.
Kate olhou a seu redor.
- Não conta se não houver ninguém perto que possa me ouvir, não acha?
- Eu posso ouvi-la.
- Você não conta, disso tenho a certeza.
Ele inclinou a cabeça um pouco mais em direção à Kate.
-E eu que pensava que era o único que contava.
Kate não disse nada, nem sequer queria lhe olhar nos olhos. Cada vez que se permitia um olhar a essas profundidades aveludadas, seu estômago se revolvia de novo.
- Senhorita Sheffield?
Ela ergueu a vista. Grande engano. O estômago outra vez.
- Por que vai atrás? - perguntou ela.
Anthony se separou do poste de madeira e se ergueu.
- O certo é que não era minha intenção. Me surpreendeu tanto encontrá-la como a você me encontrar a mim. -Ainda que, pensou com mordacidade, não deveria lhe ter surpreendido. Teria que ter se precavido de que sua mãe andava atrás de algo no momento em que sugeriu por onde deveria ir passear.
Mas era possível que sua mãe lhe dirigisse para a outra senhorita Sheffield? Sem dúvida ela não preferia a Kate antes que a Edwina como futura nora.
- Porém agora que a encontrei – disse -, há algo que quero lhe dizer.
- Algo que ainda não me disse? -perguntou em brincadeira. - Não posso imaginar. Isso
conseguiu toda a atenção de Kate.
Ele tinha de passar por cima aquele sarcasmo.
- Queria me desculpar.
Isso monopolizou toda a atenção do Kate.
- Desculpe, como disse? -perguntou. Anthony achou que sua voz tinha ecoado como um grasnido.
- Lhe devo uma desculpa por minha conduta da outra noite - disse ele-. Tratei-a com suma rudeza.
- Se desculpa pelo beijo? - perguntou ela, quem ainda parecia bastante perplexa.
O beijo? Nem sequer tinha considerado desculpar-se pelo beijo. Nunca se tinha desculpado por um beijo, nunca antes tinha beijado a alguém com quem fosse necessário desculpar-se por isso. De fato, tinha estado pensando mais nas coisas desagradáveis que lhe havia dito depois do beijo.
-Err... sim - mentiu-. O beijo. E também pelo que disse.
- Já vejo - murmurou ela-. Achava que os mulherengos não se desculpavam.
Anthony dobrou a mão e logo formou um punho. Era francamente aborrecido este maldito costume dela: sempre chegando a conclusões sobre ele.
- Pois este mulherengo sim o faz - disse em tom cortante.
Kate respirou fundo, depois soltou uma respiração lenta e prolongada.
- Então aceito a desculpa.
- Excelente - respondeu ele e lhe dedicou um sorriso vitorioso. Permite-me que a acompanhe de retorno à casa?
Ela assentiu.
- Porém não acredite que isso quer dizer que vou trocar de opinião no que respeita a você e Edwina.
- Jamais me ocorreria pensar que seja tão fácil de convencer - disse e falava com sinceridade.
Kate se voltou com um olhar surpreendentemente direto, inclusive nela.
- Os fatos continuam sendo que me beijou - disse sem rodeios.
- E você a mim - não pôde resistir a responder.
As faces de Kate adquiriram um matiz rosado delicioso.
- Os fatos continuam sendo - repetiu ela com decisão - que aconteceu. E se se casasse com a Edwina, apesar de sua reputação, que não me parece algo intranscendente...
- Não -murmurou ele interrompendo-a com um suave tom sedoso - não pensava que lhe parecesse...
Fulminou-o com o olhar.
- Apesar de sua reputação, o incidente perduraria entre nós. Uma vez que aconteceu algo, não se pode apagar.
O demônio que Anthony levava dentro fez insistir para perguntar arrastando as sílabas "algo?" para que ela repetisse, "o beijo", mas finalmente sentiu pena dela e o deixou passar. Além disso, Kate tinha razão.
O beijo sempre ficaria entre eles. Inclusive neste instante, em que ela tinha as faces ruborizadas pelo sobressalto e os lábios apertados pela irritação, não pôde evitar perguntar-se o que se sentiria ao estreitá-la em seus braços, como saberia ela se provasse o contorno de lábios
com sua língua.
Cheiraria como o jardim? Ou conservaria em sua pele essa fragrância enlouquecedora a lírio e sabonete? Fundir-se-ia ela em seu abraço? Ou o afastaria para sair correndo para a casa?
Só havia uma maneira de inteirar-se, uma maneira que acabaria para sempre com suas opções de conseguir a mão da Edwina.
Mas, como tinha comentado Kate, casar-se com Edwina talvez lhe conduzisse a muitas complicações.
Ao fim e ao cabo não tinha que ser muito confortável estar desejando sempre à cunhada de alguém.
Talvez tivesse chegado o momento de beijar de novo Kate Sheffield, aqui, entre a beleza perfeita dos jardins do Aubrey Hall, com as flores lhes roçando as pernas e o aroma de lilás suspenso no ar.
Talvez...
Talvez...


Capítulo 9

Os homens são criaturas com espírito de contradição, suas cabeças e seus corações nunca guardam concordância. E como bem sabem todas as mulheres, seus atos normalmente estão regidos por outro aspecto completamente diferente.
REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
29 de abril de 1814

Ou talvez não.
Justo quando Anthony começava a riscar a melhor trajetória até os lábios do Kate, ouviu um som de todo espantoso: a voz de seu irmão mais novo.
- Anthony! - gritou Colin -. Aí está.
A senhorita Sheffield, muito tranqüila, sem dar-se conta do perto que tinha estado de ser beijada até perder o sentido, voltou-se para observar ao Colin que se aproximava até eles.
-Um dia destes - resmungou Anthony- terei que o matar.
Kate se voltou outra vez para o visconde.
- Disse algo, milord?
Anthony não fez conta. Sem dúvida era a melhor opção, já que lhe fazer caso tendia a lhe provocar um desejo desesperado por ela. E, como bem sabia, aquilo era um rápido caminho para o desastre mais absoluto.
Para ser sincero, possivelmente deveria estar agradecido ao Colin por sua inoportuna interrupção. Uns poucos segundos mais e teria beijado Kate Sheffield, e isso teria sido o maior engano de sua vida.
Um beijo em Kate talvez fosse desculpável, sobre tudo se se tinha em conta a maneira em que lhe tinha provocado a outra noite em seu estúdio. Mas dois... bem, dois, para qualquer homem honorável, significaria deixar de cortejar a Edwina Sheffield.
E Anthony ainda não estava de todo preparado para renunciar ao conceito da honra.
Não podia acreditar o perto que tinha estado de jogar pela amurada seu plano de casar-se com Edwina. No que estava pensando? Era a noiva perfeita para seus propósitos. A única coisa que acontecia era que seu cérebro se confundia cada vez que aparecia a intrometida de sua irmã.
- Anthony - repetiu Colin quando esteve mais perto - e a senhorita Sheffield! -Olhou-os com curiosidade; estava à corrente de que não se davam bem. - Que surpresa.
- Estava percorrendo os jardins de sua mãe - disse Kate- e topei com seu irmão.
Anthony se limitou a fazer um gesto de assentimento.
- Daphne e Simon chegaram - disse Colin. Anthony se voltou para Kate e lhe explicou - Minha irmana e seu marido.
- O duque? - inquiriu ela com cortesia.
- Em pessoa - resmungou ele.
Colin riu do despeito de seu irmão.
-Era contrário a esse matrimônio - explicou a Kate-. Detesta que sejam felizes.
- Oh, pelo amor de... - disse o visconde com brusquidão - Estou muito contente de que minha irmã seja feliz -acrescentou entre dentes, não soava especialmente feliz-. Simplesmente acredito que deveria ter tido mais oportunidades de moer a pauladas esse hij... descarado antes de que embarcassem em seu "viveram felizes e comeram perdizes".
Kate se engasgou de risada.
- Já vejo - disse ela, certa de que não tinha conseguido fazer a expressão séria que pretendia.
Colin lhe lançou uma careta antes de voltar-se para seu irmão.
- Daff sugeriu uma partida de palamalha. O que lhe parece? Faz séculos que não jogamos. E, se começarmos logo, poderemos escapar das senhoritas melindrosas que mamãe convidou para nós. -Se voltou de novo para Kate com o tipo de sorriso que podia conseguir que lhe perdoassem qualquer coisa-. Excluída a companhia presente, é claro.
-É claro - murmurou ela.
Colin se inclinou para diante, seus olhos verdes cintilavam de malícia.
- Ninguém cometeria o engano de chamá-la senhorita melindrosa - acrescentou.
- É um elogio? -perguntou ela com mordacidade.
- Sem nenhuma dúvida.
- Então deveria aceitá-lo com cortesia e de boa vontade.
Colin riu e disse ao Anthony:
- Me é simpática.
Anthony não pareceu se divertir.
- Jogou alguma vez ao palamalha, senhorita Sheffield? -perguntou Colin.
- Receio que não. Acho que nem sequer estou certa do que é.
-É um jogo de jardim. A melhor diversão. Na França é mais popular que aqui, embora o chamam Paule Maule.
- E como se joga? -perguntou Kate.
-Se colocam aros em um percurso - explicou Colin-, logo se lançam através deles umas bolas de madeira que se golpeiam com um bastão.
- Parece bastante simples - respondeu com ar meditativo.
- Não - disse ele - se se jogar com os Bridgerton.
- E isso o que quer dizer?
- Quer dizer -interrompeu Anthony- que nunca consideramos necessário estabelecer um percurso regulamentar. Colin, por exemplo, coloca os aros sobre raízes de árvores...
- E você põe os teus em ladeiras que descem ao lago - acrescentou Colin-. Nunca tornamos a encontrar a bola vermelha depois que Daphne a afundou.
Kate sabia que não devia comprometer-se a passar uma tarde em companhia do visconde do Bridgerton, mas, que diabos, o palamalha parecia muito divertido.
- Há lugar para um jogador mais? -perguntou-. Pois já me excluíram do grupo das melindrosas...
- É claro! - disse Colin-. Suspeito que se amoldará ao resto de nós, trapaceiros e intrigantes.
- Vindo de você - disse Kate com uma risada -, sei que isso foi um elogio.
- OH, é claro. A honra e a honestidade têm seu momento, mas não em uma partida de palamalha.
Anthony interrompeu-os com expressão petulante no rosto:
- E teremos que convidar também a sua irmã.
- Edwina? - Kate se engasgou. Caramba. Tinha engolido o anzol. Depois de fazer todo o possível para mantê-los separados agora virtualmente lhes tinha organizado a tarde. Não havia maneira de excluir a Edwina depois de se ter autoconvidado virtualmente à partida.
- Tem alguma outra irmã? -perguntou ele com amabilidade.
Kate franziu o cenho.
- Talvez não tenha vontade de jogar. Acho que estava descansando em seu quarto.
-Darei instruções à criada de que bata em sua porta com muita suavidade - disse Anthony, embora era claro que mentia.
- Excelente! - exclamou alegre Colin -. Estaremos igualados então. Três homens e três mulheres.
- Se joga em equipe? -perguntou Kate.
- Não - respondeu ele-, mas minha mãe sempre insiste sobremaneira em que terá que estar emparelhados em todas as coisas. Desgostaria-lhe bastante que não fosse assim.
Kate não podia imaginar que à encantadora e graciosa mulher com quem tinha conversado apenas uma hora antes lhe preocupasse uma partida de palamalha, mas se imaginou que ela não era alguém para fazer comentários.
- Me ocuparei de que vão procurar à senhorita Sheffield - murmurou Anthony, que tinha um aspecto muito complacente. - Colin por que não acompanha a esta senhorita Sheffield até o campo de jogo e nos reunimos ali dentro de meia hora?
Kate abriu a boca para protestar por aqueles acertos que iriam deixar a Edwina a sós em companhia do visconde, embora fosse só durante o breve tempo que levava caminhar até o campo, mas ao final ficou calada. Não havia nenhuma desculpa razoável para impedir aquilo, e sabia.
Anthony captou seus bufos e torceu a comissura de sua boca do modo mais odioso para dizer:
-Me agrada ver que está de acordo comigo, senhorita Sheffield.
Ela se limitou a grunhir. Se tivesse articulado algumas palavras, não seriam amáveis.
- Excelente - repetiu Colin-. Então nos vemos dentro de um momento.
Logo entrelaçou seu braço com o do Kate e assim se afastaram, deixando ao Anthony
sorrindo atrás deles.

Colin e Kate caminharam durante uns oitocentos metros da casa até uma espécie de clareira desigual delimitada a um lado por um lago.
- O lar da bola vermelha e pródiga, suponho - comentou Kate enquanto indicava a água.
Colin riu e assentiu.
-É uma lástima porque contávamos com equipe suficiente para oito jogadores; nossa mãe insistiu em que comprássemos um jogo que pudesse nos servir aos oito irmãos.
Kate não estava segura de se sorrir ou franzir o cenho.
- Sua família é muito unida, não é verdade?
- Mais que nenhuma - respondeu Colin com convencimento enquanto se aproximava de um abrigo próximo.
Kate seguiu seus passos dando-se golpezinhos na coxa de forma distraída.
- Sabe que horas são? - perguntou em voz alta.
Ele se deteve, tirou o relógio de bolso e o abriu com um golpezinho.
- Três e dez.
- Obrigada - respondeu Kate, tomando nota mentalmente.
Tinham deixado às três menos cinco a Anthony, que tinha prometido trazer a Edwina ao campo de palamalha em questão de meia hora de modo que chegariam por volta das três e vinte e cinco.
Quando muito tarde às três e meia. Kate estava disposta a ser generosa e permitir certos atrasos inevitáveis. Se o visconde trazia para a Edwina às três e meia, não acharia ruim.
Colin continuou seu percurso até o abrigo e Kate observou com interesse como abria a porta com certo esforço.
-Parece oxidada - comentou ela.
-Faz já um tempo que não devemos jogar - explicou.
- Seriamente? Se eu tivesse uma casa como Aubrey Hall, nunca iria a Londres.
Colin se voltou para ela com a mão ainda na porta meio aberta do abrigo.
- Se parece muito ao Anthony, sabe? Kate soltou um arquejo.
- Sem dúvida brinca.
Ele sacudiu a cabeça com um estranho sorriso nos lábios.
-Talvez seja porque são os irmãos mais velhos. Deus sabe que cada dia agradeço por não ter estado no lugar do Anthony...
- O que quer dizer?
Colin encolheu os ombros.
-Pois eu não gostaria de carregar com suas responsabilidades, é tudo. O título, a família, a fortuna, é muita carga para os ombros de uma só pessoa.
Kate não desejava especialmente ouvir quão bem o visconde tinha assumido as responsabilidades do título; não queria ouvir nada que pudesse mudar sua opinião dele, embora tinha que confessar que a tinha impressionado a aparente sinceridade de sua desculpa aquela mesma tarde.
- E o que tem que ver isso com o Aubrey Hall? -perguntou.
Colin a olhou sem compreender por um momento, como se tivesse esquecido que a
conversa tinha começado com seu inocente comentário sobre como era preciosa a casa senhoril.
- Nada, suponho - disse finalmente-. E também tudo. Anthony adora isto.
- Porém passa todo o tempo em Londres - disse Kate-. Não é certo?
- Sim. -Colin encolheu os ombros-. Que estranho, não?
Kate não tinha nenhuma resposta, de modo que ficou olhando enquanto ele puxava a porta do abrigo até que conseguiu abri-la.
- Aí está. - Do interior tirou um carrinho de mão com rodas que tinha construído especialmente para levar oito bastões e outras tantas bolas de madeira-. Um pouco descuidado, mas tampouco está tão mal.
- Exceto pela bola vermelha perdida - disse Kate com um sorriso.
- Toda a culpa é de Daphne - respondeu Colin-. Culpo de tudo à Daphne e assim minha vida é muito mais fácil.
- Ouvi-o!
Kate se voltou e viu um atraente e jovem casal que se aproximava deles. O homem era terrivelmente bonito, com cabelo escuro, e olhos escuros e alegres. A mulher só podia ser uma Bridgerton, com o mesmo cabelo castanho que Anthony e Colin. Para não mencionar a mesma estrutura óssea e aquele mesmo sorriso.
Kate tinha ouvido dizer que todos os Bridgerton se pareciam bastante, mas nunca até então o tinha acreditado.
- Daff! - exclamou Colin-. Chega bem a tempo para nos ajudar a tirar os bastões.
A jovem lhe dedicou um amplo sorriso.
- Não pensará que ia deixar te riscar outra vez o percurso, né? - Se voltou para seu marido-. Prefiro não perdê-lo de vista.
- Não lhe preste atenção - disse Colin à Kate-. É muito forte, e bem muito capaz de me atirar ao lago sem problemas.
Daphne entreabriu os olhos e se voltou para Kate.
- Como estou certa de que o miserável de meu irmão não vai fazer as honras, apresentarei-me. Sou Daphne, duquesa do Hastings, e este é meu marido Simon.
Kate fez uma rápida reverência.
- Excelência - murmurou, depois se voltou para duque e disse outra vez -, Excelência.
Colin fez um gesto em direção ao Kate enquanto se inclinava para tirar os bastões do carrinho de mão de palamalha.
- Apresento-os à senhorita Sheffield.
Daphne pareceu confundida.
- Acabo de me cruzar com o Anthony em casa. Acredito que me há dito que ia procurar à senhorita Sheffield.
- Minha irmã - explicou Kate-. Edwina. Eu sou Katharine. Kate para os amigos.
- Bem, se é bastante valente para jogar palamalha com os Bridgerton, sem dúvida eu gostaria de inclui-la entre minhas amigas - disse Daphne com um amplo sorriso-. Portanto, tem que me chamar Daphne. E a meu marido, Simon. Simon?
- Oh, é claro - respondeu ele, e Kate teve a clara impressão de que diria o mesmo se Daphne declarasse que o céu se tornou laranja. Não porque não lhe prestasse atenção, mas sim porque era evidente que estava louco por ela.
Isto, pensou Kate, era o que queria para a Edwina.
- Deixe-me agarrar a metade - disse Daphne estirando o braço para agarrar os aros que seu irmão já tinha na mão. - A senhorita Sheffield e eu... quer dizer, Kate e eu - dedicou ao Kate um amplo sorriso cheio de afeto- colocaremos três destes, e você e Simon podem colocar o resto.
Antes que Kate se atrevesse a opinar, Daphne já a tinha pego pelo braço e a levava para o lago.
- Temos que nos assegurar de tudo de que a bola do Anthony acabe na água - resmungou Daphne -. Nunca lhe perdoei sobre a última vez. Achei que Benedict e Colin iriam morrer de risada. E Anthony foi o pior. Estava ali sorrindo. Sorrindo! - Se voltou para Kate com a mais aflita das expresões-. Ninguém sorri como meu irmão mais velho.
- Sei - disse Kate em voz baixa.
Por sorte, a duquesa não a tinha ouvido.
- Se tivesse podido matá-lo nesse momento, juro que o teria feito.
- E o que acontece uma vez que todas as bolas acabam na água? - Kate não pôde resistir a perguntar-.
Ainda não joguei com a família completa, mas todos parecem bastante competitivos, e me dá a impressão...
-... que será inevitável - concluiu Daphne por ela. Fez um trejeito. - Provavelmente tenha razão. Não temos espírito esportivo no que se refere ao palamalha. Quando um Bridgerton agarra o bastão, convertemo-nos nos piores trapaceiros e mentirosos. Seriamente, o jogo não tem tanto que ver ganhando a não ser assegurando-se de que o outro jogador perde.
Kate procurou as palavras.
- Soa um pouco...
- Horrível? -perguntou Daphne sorridente. - Não o é. Nunca se terá divertido tanto, o garanto. Mas ao passo que vamos, todas as bolas vão acabar no lago dentro de pouco. Suponho que pediremos a França outro jogo. - Meteu um aro na terra-. Parecerá um esbanjamento sei, mas vale a pena em humilhar a meus irmãos.
Kate tentou não rir, mas não o conseguiu.
- Tem algum irmão, senhorita Sheffield? -inquiriu Daphne.
Como a duquesa tinha esquecido chamá-la por seu nome de batismo, Kate considerou melhor voltar para as maneiras formais.
- Não, Excelência - contestou-. Edwina é minha única irmã.
Daphne protegeu os olhos com a mão e inspecionou a zona em busca de alguma localização traidora. Quando avistou uma - situada justo em cima da raiz de uma árvore - foi para lá sem deixar outra opção ao Kate que segui-la.
- Quatro irmãos - disse Daphne, colocando outro aro na terra - lhe dão uma educação maravilhosa.
- Ah coisas que terá aprendido - disse Kate bastante impressionada-. Sabe deixar um olho arroxeado a um homem? Tombá-lo no chão com um murro?
Daphne pôs uma careta maliciosa.
- Pergunte a meu marido.
- Que me pergunte o que? - gritou o duque do lado oposto da árvore, onde ele e Colin se encontravam colocando um aro sobre uma raiz.
- Nada - contestou a duquesa em tom inocente-. Também aprendi - lhe sussurrou a Kate- que é melhor ter a boca fechada. É muito mais fácil dirigir aos homens uma vez que entende os pontos básicos de sua natureza.
- O que são? -lhe cravou Kate.
Daphne se inclinou para diante e lhe sussurrou cobrindo-a boca:
- Não são tão preparados como nós, não são tão intuitivos como nós e certamente é melhor que não se inteirem de cinqüenta por cento do que fazemos. - Mirou a seu redor-. Ele não me ouviu, não é?
Simon saiu detrás da árvore.
- Cada palavra.
Kate se engasgou de risada ao ver Daphne dar um salto.
- Porém é certo - disse com arrogância.
Simon cruzou os braços.
- Pensa o que quiser, querida. -Se voltou para Kate-. Com os anos aprendi um par ou três de coisas sobre as mulheres.
- Seriamente? -perguntou Kate fascinada.
Ele assentiu e se inclinou, como se fosse desvelar um sério segredo de Estado.
- É muito mais fácil dirigi-las se se acreditarem que são mais preparadas e mais intuitivas que os homens. E - acrescentou com olhar de superioridade a sua esposa- nossas vidas transcorrem com muito mais tranqüilidade se fingirmos que só nos inteiramos de cinqüenta por cento do que fazem.
Colin se aproximou balançando um bastão.
- Estão discutindo? - perguntou a Kate.
- Só deliberamos - corrigiu Daphne.
- Que Deus me libere de tais deliberações - resmungou Colin. Escolhamos as cores.
Kate o seguiu de retorno junto ao carrinho de mão de palamalha, tamborilando sobre a coxa com os dedos.
- Tem hora? -lhe perguntou.
Colin tirou seu relógio de bolso.
- Passa um pouco das três e meia, por que?
- Pensava que Edwina e o visconde deveriam estar já por aqui isso é tudo - respondeu, tentando não parecer muito preocupada.
Colin encolheu os ombros.
- Estarão a caminho. - Depois, inconsciente da inquietação ela, indicou o carrinho de mão de palamalha
- Pois bem. Você é a convidada. É primeira em escolher. Que cor quer?
Sem pensar muito, Kate esticou o braço e agarrou um maço. Quando o teve na mão se percebeu que era negro.
- O bastão da morte - disse Colin com gesto de aprovação. Sabia que seria uma boa jogadora.
- Deixemos o bastão rosa para o Anthony - disse Daphne tirando o bastão verde.
O duque agarrou o bastão laranja e, voltando-se para Kate, disse:
- É testemunha de que não tenho nada que ver com o bastão rosa do Bridgerton, de acordo?
Kate sorriu com malícia.
- Percebi que não escolheu o maço rosa.
- É claro que não - contestou com uma careta até mas velhaca que a dela.
- Minha esposa já o escolheu por ele. Não podia a contrariar, não acha?
- Para mim o amarelo - disse Colin-, e o azul para a senhorita Edwina, não lhe parece?
-Oh, sim - replicou Kate-. A Edwina adora o azul.
Os quatro ficaram olhando os dois bastões restantes: o rosa e o púrpura.
-Não vai gostar de nenhum dos dois - disse Daphne.
Colin assentiu.
- Mas o rosa ainda menos. -E com aquilo, agarrou o maço púrpura e o jogou dentro do abrigo, depois se agachou e atirou a bola púrpura atrás dele.
- E digo eu - começou o duque-, onde está Anthony?
- Essa é uma boa pergunta - resmungou Kate, tamborilando outra vez com os dedos sobre a saia.
- Suponho que quererá saber que hora é - apontou Colin com astúcia.
Kate se ruborizou. Já lhe tinha pedido duas vezes que olhasse a hora.
- Não é preciso - contestou sem encontrar uma resposta mais engenhosa.
- Muito bem, só que tomei nota de que cada vez que começa mover a mão...
Kate deteve a mão.
- .. .está a ponto de me perguntar que horas são.
- Tomou nota de muitas coisas sobre mim na última hora - respondeu Kate com secura.
Ele fez uma careta.
- Sou um tipo observador.
- É evidente - resmungou ela.
- Porém, em caso de que lhe interesse, são quatro e quarenta e cinco.
- Deviam ter chegado faz tempo - disse Kate.
Colin se inclinou para diante e sussurrou.
- Duvido muito que meu irmão esteja violando a sua irmã.
Kate retrocedeu com brusquidão.
- Senhor Bridgerton!
- Do que falam? -perguntou Daphne.
Colin esboçou um amplo sorriso.
- A senhorita Sheffield está preocupada com que Anthony esteja pondo em uma situação comprometodora à outra senhorita Sheffield.
- Colin! - exclamou Daphne -. Isso não tem a menor graça.
- E certamente não é verdade - protestou Kate. Bem, quase não era verdade. Não pensava que o visconde estivesse pondo a Edwina em uma situação comprometodora , mas era mais que provável que se estivesse esforçando todo o possível para aturdi-la com seus encantos. E isso em si mesmo já era perigoso.
Kate segurou o bastão na mão para comprovar seu peso e tentou imaginar a maneira de usá-lo sobre a cabeça do visconde e fazer que acontecesse um acidente.
O bastão da morte, certamente que sim.

Anthony olhou a hora no relógio do suporte de seu estúdio. Quase três e meia.
Iriam chegar tarde.
Fez uma careta. OH, bem, não podia fazer nada.
Normalmente insistia muito na pontualidade, mas se o atraso tinha como resultado a tortura do Kate Sheffield, não lhe importava muito chegar tarde.
E Kate Sheffield sem dúvida estaria retorcendo de agonia para então, horrorizada só com a idéia de que sua preciosa irmã pequena estivesse em suas malignas garras.
Anthony baixou a vista a suas malignas garras - suas mãos, recordou-se a si mesmo- e esboçou outro amplo sorriso. Fazia séculos que não se divertia tanto, e o único que fazia era perder o tempo em seu escritório, imaginando Kate Sheffield com a mandíbula apertada enquanto lhe saía fumaça pelas orelhas.
Era uma imagem muito engraçada.
É claro, aquilo não era culpa sua. Ele teria saído com pontualidade se não tivesse que esperar a Edwina. A jovem tinha mandado aviso com a criada de que se reuniria com ele em dez minutos. Isso fazia vinte minutos. Ele não podia fazer nada se ela se atrasava.
Anthony teve uma visão repentina de como transcorreria o resto de sua vida: esperando a Edwina. Era o tipo de mulher que se atrasava por qualquer assunto? Aquilo podia acabar sendo irritante ao cabo de um tempo.
Como se lhe tivesse dado pé, ouviu umas pegadas no vestíbulo e quando ergueu a vista, a forma deliciosa da Edwina ficou emoldurada na soleira. Era uma visão, pensou de maneira desapaixonada. Era absolutamente encantadora em todos os sentidos.
Seu rosto era a perfeição, sua postura a personificação da graça, e tinha uns olhos do azul mais radiante, tão intensos que não se podia evitar surpreender-se daquela tonalidade cada vez que piscava.
Anthony esperou que se produzisse algum tipo de reação dentro dele. Não cabia dúvida de que nenhum homem permaneceria imune a sua beleza.
Nada. Nem sequer a menor necessidade de beijá-la. Quase parecia um crime contra a natureza. Mas talvez fosse algo bom. Ao fim e ao cabo não queria uma esposa da qual pudesse apaixonar-se. O desejo era algo agradável, mas o desejo podia ser perigoso. Com certeza, o desejo podia transformar-se em amor com mais facilidade que o desinteresse.
- Sinto enormemente chegar tarde milord - disse Edwina com seu encanto particular.
- Não é nenhum problema, absolutamente - contestou ele. Sentiu-se um pouco animado pelas recentes racionalizações da espera. Nada tinha mudado, ela seria uma boa esposa. Não era preciso procurar mais -.
Mas temos que sair já. Os outros já teriam preparado o percurso da partida.
Agarrou-a pelo braço e saíram caminhando da casa. Ele fez um comentário sobre o tempo. Ela fez um comentário sobre o tempo. Ele fez um comentário sobre o tempo do dia anterior. Ela esteve conforme em tudo o que ele disse (nem sequer recordava o que um minuto depois).
Depois de esgotar todos os assuntos relacionados com a climatologia, ficaram calados, e logo, depois de três minutos sem que nenhum dos dois tivesse algo que dizer, Edwina soltou:
- O que estudou na universidade?
Anthony a olhou com estranheza. Não recordava que nenhuma mocinha lhe tivesse feito antes esta pergunta.
- Oh, o habitual - respondeu.
- Mas - insistiu ela, com um aspecto impaciente pouco característico - o que é o habitual?
- História, sobre tudo. Um pouco de literatura.
- Oh. Isso - Considerou durante um momento-. Eu adoro ler.
- Ah, sim? -Olhou-a com renovado interesse. Nunca lhe teria ocorrido tomá-la por uma estudiosa-. O que gosta de ler?
Pareceu relaxar-se enquanto respondia à pergunta.
- Novelas se me sinto imaginativa. Filosofia se procurar o desenvolvimento pessoal.
- Filosofía? - inquiriu Anthony -. Nunca a digeri muito bem.
Edwina soltou uma de suas encantadoras risadas musicais.
- Kate é igual. Sempre me está dizendo que é muito capaz de viver sua vida e que não lhe é preciso que um homem já morto lhe dê instruções.
Anthony pensou em suas experiências quando lia ao Aristóteles, Bentham e Descartes na universidade.
Depois pensou em suas experiências tentando não ler ao Aristóteles, Bentham e Descartes na universidade.
- Creio -murmurou- que terei que mostrar minha conformidade com sua irmã.
Edwina esboçou um amplo sorriso.
- Você está de acordo com minha irmã? Acredito que teria que procurar uma caderneta para apontar este momento. Sem dúvida é a primeira vez.
Lançou-lhe um olhar de soslaio para poder avaliá-la melhor.
- É mais impertinente do que deixa entrever, não é verdade que sim?
- Porém nem a metade que Kate.
- Isso nunca duvidei.
Anthony lhe ouviu um risinho mas, quando a olhou de esguelha, parecia que ela tentava com grande esforço manter o rosto sério. Dobraram a última curva antes do campo de jogo, e quando chegaram a alto da elevação, encontraram ao resto do grupo de jogadores de palamalha esperando-os, balançando distraídamente seus bastões enquanto aguardavam.
- Oh, maldita seja - jurou Anthony, esquecendo por completo que se encontrava em companhia da mulher a que planejava converter em sua esposa-. Tem o bastão da morte.


Capítulo 10

As reuniões campestres são acontecimentos muito perigosos. As pessoas casadas freqüentemente se encontram desfrutando junto a convidados que não são seus cônjuges, e as pessoas solteiras retornam freqüentemente à cidade como pessoas comprometidas em matrimônio com certa pressa.
De fato, os compromissos mais surpreendentes se anunciam imediatamente depois destas jornadas de vida rústica.
REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
2 de maio de 1814

- Sei que o tomaram com calma - comentou Colin assim que Anthony e Edwina alcançaram
ao grupo-. Bom, já estamos preparados para começar. Edwina, você joga com o azul. – Lhe estendeu o bastão. - Anthony, é o rosa.
- Eu sou rosa e ela - indicou com um dedo à Kate- fica com o bastão da morte?
- Deixei-a escolher primeiro - disse Colin-. Ao fim e ao cabo é nossa convidada.
- Anthony está acostumado a jogar com o negro - explicou Daphne-. De fato, ele deu o nome ao maço.
-Não deveria jogar com o rosa - disse Edwina ao Anthony-. Não lhe fica bem. Tenha. –Lhe estendeu o bastão. - Por que não trocamos?
- Não seja tola - interrompeu Colin-. Todos estivemos de acordo com que você jogasse com o azul. Faz jogo com seus olhos.
Kate pareceu ouvir Anthony grunhir.
- Serei o rosa - anunciou Anthony enquanto agarrava o ofensivo maço com bastante energia da mão do Colin- e ganharei de qualquer modo. Comecemos, de acordo?
Assim que se fizeram as apresentações necessárias entre o duque, a duquesa e Edwina, todos deixaram cair suas pesadas bolas de madeira perto do ponto de saída e se prepararam para jogar.
- Como jogamos? Começa o mais jovem? - sugeriu Colin com uma galante inclinação em direção a Edwina.
Ela negou com a cabeça.
- Eu preferiria ser a última, para assim ter a possibilidade de observar o jogo de quem tem mais experiência que eu.
- Uma mulher sábia - murmurou Colin-. Então começa o mais velho. Anthony acredito que é o mais ancião entre nós.
- Sinto muito, querido irmão, mas Hastings me leva uns poucos meses.
- Por que tenho a sensação - lhe sussurrou Edwina a Kate- que me estou metendo em uma briga familiar?
- Creio que os Bridgerton levam o palamalha muito a sério - explicou Kate ao ouvido. Os três irmãos Bridgerton tinham adotado expressões de bulldogs e todos eles pareciam bastante resolvidos a ganhar.
- Não, não, não! - lhes arreganhou Colin agitando um dedo em sua direção -. Não se permite nenhuma conivência.
- Nem sequer sabemos o que pactuar - comentou Kate- já que ninguém se dignou a nos explicar as regras do jogo.
- Aprenderão no decorrer do jogo - disse Daphne com energia-. Imaginarão à medida que avancemos.
- Creio – sussurrou Kate a Edwina- que o objeto é afundar bolas dos oponentes no lago.
- Seriamente?
- Não. Mas acredito que assim é como o vêem os Bridgerton.
- Não deixam de sussurrar! - gritou Colin sem tão sequer lhes dedicar um olhar. Depois se voltou para o duque-. Hastings, golpeia a maldita bola. Não temos todo o dia.
- Colin - interrompeu Daphne-, não é preciso que amaldiçoe. Há damas pressentes.
- Você não conta.
-Porém há damas presentes além de mim - replicou entre dentes.
Colin pestanejou, depois se voltou para as irmãs Sheffield.
- Se importam?
- Em absoluto - respondeu Kate completamente fascinada. Edwina se limitou a sacudir a cabeça.
- Bem. - Colin se voltou outra vez para o duque-. Hastings, comecemos já.
O duque colocou sua bola um pouco diante das do resto.
- Se dão conta - disse a ninguém em particular- de que alguma vez joguei palamalha?
-Limita-te a dar um bom estrondo à bola nessa direção, querido - explicou Daphne ao mesmo tempo que indicava o primeiro aro.
- Não é esse o último aro? -perguntou Anthony.
- É o primeiro.
-Tinha que ser o último.
Daphne ergueu o queixo.
- Eu preparei o percurso, é o primeiro.
- Creio que aqui vai haver sangue - sussurrou Edwina a Kate.
O duque se voltou para o Anthony e lhe dedicou um sorriso falso.
- Acho que acreditarei na palavra de Daphne nesta questão.
- Foi ela quem preparou o percurso - comentou Kate.
Anthony, Colin, Simon e Daphne a olharam com consternação, como se não pudessem acreditar de tudo que tivesse coragem de meter-se na conversa.
- Bem, assim foi - disse Kate.
Daphne entrelaçou seu braço com o dela.
- Creio que a adoro, Kate Sheffield - manifestou.
- Deus me ajude - resmungou Anthony.
Hastings jogou para trás o bastão, golpeou e a bola laranja se precipitou em seguida pela grama.
- Bem feito, Simon! - gritou Daphne.
Colin se voltou e olhou a sua irmã com desdém.
- No jogo do palamalha nunca se ovaciona aos competidores - disse com arrogância.
- Nunca antes jogou - respondeu-. Não é provável que ganhe.
- Não importa.
Daphne se voltou para o Kate e Edwina e lhes explicou:
- Temo que a falta de esportividade é um requisito no palamalha Bridgerton.
- Isso tinha deduzido -disse Kate com secura.
- Me toca - disparou Anthony. Jogou um olhar desdenhoso à bola rosa e logo lhe tocou uma boa porrada.
Sulcou de forma esplêndida a erva, mas deu contra uma árvore e se deteve como uma pedra sobre o chão.
- Fantástico! -exclamou Colin, que começou a preparar seu turno.
Anthony balbuciou umas quantas coisas em voz baixa, nenhuma delas apropriada para ouvidos delicados.
Colin enviou a bola amarela em direção ao primeiro aro e a seguir se colocou a um lado para deixar que Kate o tentasse.
- Posso fazer uma tiragem de prova? -perguntou.
- Não. -Foi um "não" bastante sonoro, já que eram três as bocas que o pronunciaram.
- Muito bem - disse entre dentes-. Retrocedam todos. Não serei responsável se lesar a alguém a primeira vez. -Jogou para trás o bastão com todas suas forças e sacudiu a bola. Saiu voando pelo ar formando um arco bastante impressionante, logo chocou com a mesma árvore que tinha frustrado a tiragem do Anthony e caiu pesadamente ao chão, ao lado da bola rosa.
-Oh, céus - disse Daphne enquanto se dispunha a apontar. Jogou para trás o braço várias vezes antes de lhe dar à bola.
- Por que esse "céus"? - perguntou Kate com preocupação. O débil sorriso de lástima da duquesa não a tranqüilizou.
- Já verá. -Daphne atirou e logo se foi seguindo a direção que tinha esboçado sua bola.
Kate olhou ao Anthony. Parecia muito, muito contente com a situação atual das coisas.
- O que me vai fazer? -perguntou ela.
O visconde se inclinou para diante com ar muito malicioso.
- Uma pergunta mais apropriada seria o que não vou fazer-lhe.
- Creio que me toca - disse Edwina e se adiantou até o ponto de início. Deu a sua bola um golpe anêmico e logo gemeu ao ver que não tinha avançado nem a terceira parte que outros.
- Aplique um pouco mais de força a próxima vez - disse Anthony antes de ir-se para sua bola.
- De acordo -resmungou Edwina às suas costas. - Nunca teria imaginado isso.
- Hastings! - uivou Anthony -. É sua vez.
Enquanto o duque dava um golpezinho à bola para aproximá-la ao seguinte aro, Anthony se apoiou na árvore com os braços cruzados e seu ridículo bastão rosa lhe pendendo de uma mão. Esperou a Kate.
- Oh, senhorita Sheffield - disse finalmente em voz alta-. As normas do jogo estabelecem que cada um siga sua própria bola!
Observou-a aproximar-se pouco a pouco a seu lado.
- Já está - resmungou. - E agora o que?
- Deveria me tratar com mais respeito - continuou enquanto lhe dedicava um sorriso preguiçoso e ardiloso.
- Depois de que se entretivesse com Edwina? - lhe respondeu com brusquidão. - O que teria que fazer é esquartejá-lo.
- Que mulher tão sanguinária - respondeu ele-. Irá bem no palamalha... finalmente.
O visconde observou muito divertido que Kate ficava com o rosto muito vermelho, e depois branco.
- O que quer dizer? -perguntou ela.
- Pelo amor de Deus, Anthony -gritou Colin-. Tira de uma vez.
Anthony olhou para onde se achavam as duas bolas juntas sobre a erva, a negra dela e a dele, de um rosa terrível.
- De acordo -murmurou-. Não quero fazer esperar ao querido e doce Colin. -e com isso, pôs um pé sobre sua bola e jogou o bastão para trás...
- O que está fazendo? -gritou Kate.
...e o lançou. A bola do Anthony permaneceu firme em seu lugar, debaixo de sua bota. A de Kate saiu colina abaixo percorrendo o que pareciam milhas.
- Desalmado - resmungou.
- Tudo vale no amor e na guerra - bradou.
- Vou matá-lo.
- Pode tentá-lo - lhe tomou o pelo- mas terá que me alcançar primeiro.
Kate sopesou o maço da morte, depois observou o pé dele.
- Nem lhe ocorra - advertiu o visconde.
- É uma tentação - disse entre dentes.
Ele se inclinou com gesto ameaçador para ela.
-Temos testemunhas.
Isso - é a única coisa que lhe salva a vida neste momento.
Ele se limitou a sorrir.
- Creio que sua bola se foi colina abaixo, senhorita Sheffield. Estou convencido de que voltaremos a vê-la dentro de uma meia hora quando conseguir nos alcançar.
Justo então Daphne passou junto a eles a bom passo, seguindo sua bola que se tinha adiantado sem que se dessem conta.
Isso - disse "OH, céus" - comentou sem que fosse, em opinião do Kate, dar mais explicações.
- Pagará por isso - prometeu Kate entre dentes.
O sorrisinho dele dizia mais que qualquer palavra.
E então ela se foi colina abaixo. Soltou uma sonora maldição, decididamente pouco feminina, quando percebeu que sua bola tinha ficado alojada debaixo de uma sebe.

Meia hora depois, Kate ainda ia dois aros por detrás do penúltimo jogador. Anthony ia ganhando, o que lhe chateava muitíssimo. A única coisa favorável era que estava tão atrasada que não tinha que ver seu rosto de desfruto.
Depois, enquanto esperava seu turno fazendo girar os polegares, (pouco mais podia fazer, já que nenhum outro jogador ficava nem remotamente perto dela), ouviu que Anthony soltava um grito ofendido.
Isto atraiu imediatamente sua atenção.
Sorrindo ante a expectativa de que tivesse acontecido alguma desgraça, olhou a sua redor com ânsia até que avistou a bola rosa voando sobre a erva diretamente para ela.
- Uh! - gorjeou Kate. Deu um salto e se afastou com rapidez a um lado para não perder um dedo do pé.
Quando voltou a erguer a vista, viu Colin saltando no ar e seu bastão erguendo-se para cima enquanto gritava exultante:
- Yuhu!
Anthony fez expressão de querer estripar a seu irmão ali mesmo.
Kate também teria executado a dança da vitória. Já que não podia ganhar, o melhor era saber que Anthony tampouco poderia vencer, só que agora ele voltava a ficar atrasado junto a ela durante vários turnos. E embora sua solidão não fosse a coisa mais entretida do mundo, era melhor que ter que conversar com ele.
De qualquer modo foi difícil não mostrar um pouco de petulância quando Anthony se aproximou para ela pisoteando a erva, com o cenho franzido como se uma nuvem de tormenta acabasse de instalar-se em seu cérebro.
- Foi má sorte, milord – murmurou Kate.
Fulminou-a com o olhar.
Ela suspirou, só para dar efeito, é claro.
- Estou segura de que ainda conseguirá situar-se em segundo ou terceiro lugar.
Ele se inclinou para diante com gesto ameaçador e proferiu um som que se parecia muito a um grunido.
- Senhorita Sheffield! - O chiado impaciente do Colin chegou do alto da colina-. É seu turno!
- Sim, claro -disse enquanto analisava os possíveis disparos. Podia apontar ao seguinte aro ou podia tentar a sua vez sabotar ao Anthony.
Por desgraça, a bola dele não tocava a sua, de modo que não podia tentar a manobra de pisar na bola, empregada antes pelo Anthony com ela. Era melhor para ela, com a sorte que tinha, acabaria falhando de todo e em vez de dar à bola se romperia o pé ou algo assim.
- Decisões, decisões -murmurou Kate.
O visconde cruzou os braços.
- A única maneira que tem de me arruinar a partida é arruinar a sua também.
- Certo -admitiu ela. Se queria enviar a bola dele ao quinto pinheiro, tinha que renunciar também à sua, pois não ficava outro remédio que golpear primeiro a suas com todas suas forças para conseguir que a do Anthony se movesse. Só o céu sabia onde acabaria.
- Mas - ergueu a vista para olhá-lo e sorriu com gesto inocente- de qualquer modo, em realidade não tenho nenhuma possibilidade de ganhar esta partida.
- Podia acabar segunda ou terceira - tentou ele.
Kate sacudiu a cabeça.
- Pouco provável, não lhe parece? Estou tão atrasada, de fato, e já quase nos aproximamos do final...
- No quererá fazer isso, senhorita Sheffield - lhe advertiu.
- Oh -disse com grande sentimento-. Sim quero, de verdade, quero. -e nesse momento, com o sorriso mais maligno que tinham esboçado seus lábios na vida, jogou para trás o bastão e deu uma porrada a sua bola com cada grama de emoção que havia dentro ela. Esta deu à bola do Anthony com uma força surpreendente e a mandou voando colina abaixo.
E mais abaixo...
E mais...
Diretamente dentro do lago.
Boquiaberta de deleite, Kate ficou olhando durante um momento como se afundava a bola rosa no lago. Logo algo se propagou por seu interior, uma emoção estranha e primitiva, e antes de que soubesse o que lhe acontecia, estava saltando como uma louca ao mesmo tempo que gritava:
- Sim! Sim! ganhei!
- Não ganhou - soltou Anthony com brutalidade.
- OH, mas é como se ganhasse - desfrutou ela.
Colin e Daphne, que tinham descido correndo pela colina, detiveram-se em seco diante deles.
- Bem feito, senhorita Sheffield! - exclamou Colin -. Sabia que merecia o maço da morte.
- Genial! - reconheceu Daphne -. Totalmente genial.
Ao Anthony, é claro, não ficou outra opção que cruzar os braços e franzir o cenho com fúria.
Colin deu ao Kate uma palmada simpática nas costas.
- Está segura de que não é uma Bridgerton disfarçada? Esteve de verdade à altura do espírito do jogo.
- Não poderia tê-lo feito sem sua ajuda - lhe disse Kate muito cortes-. Se não tivesse enviado sua bola colina abaixo...
- Tinha a esperança de que recolhesse as rédeas de sua destruição - explicou Colin.
O duque finalmente se aproximou acompanhado de Edwina.
- Um final de partida realmente assombroso - comentou.
-Ainda não acabou - redargüiu Daphne.
Seu marido lhe dedicou um olhar divertido.
- Continuar jogando parece agora bastante decepcionante, não acham?
Por surpreendente que fosse, inclusive Colin se mostrou de acordo.
- Desde logo não posso imaginar nada que o supere.
Kate sorriu radiante.
O duque deu um olhar ao céu e comentou:
- E mais, está começando a escurecer. Quero levar ao Daphne de volta à casa antes de que comece a chover. Em seu estado delicado, já sabem.
Kate olhou cheia de surpresa à Daphne, que tinha começado a ruborizar-se. Não apresentava sintomas de estar grávida.
- Muito bem - disse Colin-. Proponho que ponhamos fim à partida e declaremos vencedora à senhorita Sheffield.
- Estava dois aros por detrás de todos outros - objetou Kate.
- De qualquer modo - acrescentou Colin-, qualquer verdadeiro aficionado ao palamalha Bridgerton entende que enviar ao lago a bola do Anthony é muito mais importante que colocar a bola através dos aros. O qual a converte em nossa campeã, senhorita Sheffield. - Olhou a seu redor e logo diretamente ao Anthony-. Alguém discorda?
Ninguém o fez, embora Anthony parecesse estar a ponto de recorrer à violência.
- Excelente -disse Colin-. Em tal caso, a senhorita Sheffield é nossa ganhadora, e Anthony, você é o perdedor.
Um estranho som amortecido surgiu da boca do Kate, meio risada meio engasgo.
- Bem, alguém tinha que perder - disse Colin com um trajeito. - É a tradição.
- Certo - aprovou Daphne-. Somos uma família sanguinária, mas nós gostamos de seguir a tradição.
- Estão todos loucos de arremate, isso é o que passa - disse em tom afável o duque-. E dito isto, Daphne e eu devemos nos despedir. Quero que retorne antes de que comece a chover. Confio em que a ninguém importará que vamos ajudar a recolher as coisas.
É claro, a ninguém importava, e logo o duque e a duquesa empreenderam a volta em direção a Aubrey Hall.
Edwina, que tinha permanecido calada durante a conversa (embora observasse aos diversos Bridgerton como se tivessem escapado diretamente de um manicômio) de repente limpou a garganta.
- Acham que devemos tentar recuperar a bola? -perguntou olhando colina abaixo com olhos entrecerrados.
O resto do grupo contemplou as águas calmas como se nunca tivessem considerado aquela noção tão singular.
- Não parece que tenha aterrissado no meio do lago - acrescentou - Baixou rodando, nada mais. É provável que se ache junto à borda.
Colin coçou a cabeça. Anthony continuou com o cenho franzido.
- Sem dúvida não quererão perder outra bola - insistiu Edwina. Ao ver que ninguém se dignava a responder, arrojou seu bastão e levantou os braços ao ar dizendo-: De acordo! Irei eu a procurar a estúpida bola.
Aquilo por fim tirou os homens de seu estupor, e os dois saltaram em sua ajuda.
- Não seja tola senhorita Sheffield - disse Colin cortês, ao mesmo tempo que começava a caminhar colina abaixo-. Eu a pegarei.
- Pelo amor de Deus - resmungou Anthony-. Eu tirarei a maldita bola. - ficou a descer a colina a passadas e alcançou em seguida a seu irmão. Apesar de toda sua ira, em realidade não podia culpar à Kate de sua ação. Ele teria feito o mesmo, embora teria golpeado a bola com suficiente força para afundá-la diretamente no meio do lago.
De qualquer modo, era muito humilhante que o vencesse uma mulher, e em especial ela.
Chegou à borda do lago e o inspecionou. A bola rosa era tão gritante que tinha que ver-se através da água, contando com que tivesse caído em um fundo não muito profundo.
- Vê? -perguntou Colin, que se deteve então a seu lado. Anthony sacudiu a cabeça.
- É uma cor estúpida de qualquer modo. Ninguém quer jogar nunca com o rosa.
Colin expressou sua conformidade com um gesto afirmativo.
- Incluso o púrpura era melhor - continuou Anthony enquanto se deslocava uns passos para a direita para inspecionar outra franja da borda. De repente ergueu a vista e fulminou com o olhar a seu irmão. - E, vejamos, que diabos aconteceu com o bastão púrpura?
Colin encolheu os ombros.
E eu é que sei.
- E eu sei - resmungou Anthony- é que reaparecerá de forma milagrosa manhã de noite entre outros bastõesde palamalha.
- É provável que tenha razão - respondeu Colin animado. Moveu-se um pouco além do Anthony sem deixar de olhar à água todo o tempo. - Talvez inclusive esta tarde, se tivermos sorte.
- Um dia destes - disse Anthony como se tal coisa fosse natural - vou matá-lo.
-Disso não tenho dúvida. - Colin inspecionou a água, logo depois indicou com seu dedo indicador. - Olhe! Aí está.
Com efeito, a bola rosa ficou dentro da água pouco profunda, a pouco mais do meio metro da margem do lago. Parecia não haver mais de uns trinta centímetros de profundidade. Anthony amaldiçoou em voz baixa. Teria que tirar as botas e meter-se na água. Dava a impressão de que Kate Sheffield sempre lhe obrigava a tirar as botas e entrar em alguma massa de água.
Não, pensou cansativamente, quando irrompeu no Serpentine para var a Edwina, não teve tempo de tirar as botas. O couro ficou feito uma ruína. Seu assistente quase desmaiou de horror ao vê-las.
Com um gemido se sentou em uma rocha e tirou o calçado. Supôs que salvar a Edwina bem merecia um par de boas botas. Salvar uma estúpida bola rosa de palamalha... com franqueza, aquilo nem sequer merecia molhar os pés.
- Parece que já a tem - disse Colin- controlada de modo que vou ajudar à senhorita Sheffield a tirar os aros.
Anthony se limitou a sacudir a cabeça com resignação e entrou na água.
- Está fria? - Ouviu uma voz feminina.
Santo Deus, era ela. Deu meia volta. Kate Sheffield estava de pé na margem.
- Pensava que estava recolhendo os aros - disse com certa irritação.
- Edwina está.
- Demasiadas senhoritas Sheffield, certamente - resmungou em voz baixa. Tinha que existir uma lei que proibisse que as irmãs se apresentassem em sociedade durante uma mesma temporada.
- Perdão, como disse? - perguntou ela inclinado a cabeça a um lado.
- Disse que está gelada - mentiu ele.
- Oh, quanto o sinto.
Isso atraiu a atenção do visconde.
- Não, não o sente - afirmou finalmente.
- Bem, não - admitiu-. Não que tenha perdido, isso não. Mas não era minha intenção que lhe gelassem as pontas dos pés.
De repente Anthony se sentiu dominado pelo desejo demencial de ver as pontas dos pés dela. Era um pensamento horrível. Não tinha nenhum sentido desejar a essa mulher. Nem sequer gostava. Suspirou. Não era certo. Supôs que gostava de alguma forma peculiar, paradoxal. E pensou, por estranho que parecesse, que talvez também lhe estivesse começando a gostar de um modo paradoxal.
- Teria feito o mesmo em meu caso - continuou Kate.
Anthony não disse nada, limitou-se a seguir avançando com cuidado.
- Teria feito! -insistiu ela.
Ele se inclinou para baixo e tirou a bola, molhando também a manga. Maldição.
- Sim - respondeu então.
- Oh - disse Kate. Soava surpreendida, como se não esperasse que ele o admitisse.
Anthony retrocedeu pela água para sair, agradecido de que a terra da margem estivesse firme e apertada, e portanto não se pegasse a seus pés.
- Aqui tem - disse Kate enquanto lhe estendia o que parecia uma manta-. Estava no abrigo. Parei para agarrá-la ao descer. Pensei que talvez lhe fizesse falta algo para secar os pés.
Anthony abriu a boca mas, por estranho que parecesse, não surgiu nenhum som. Por fim conseguiu dizer:
- Obrigado. -E agarrou a manta de suas mãos.
- Não sou uma pessoa tão terrível, sabe? - disse Kate com um sorriso.
- Eu tampouco.
- Talvez - reconheceu ela- mas não deveria ter se entretido tanto com a Edwina. Sei que o fez só para me tirar do sério.
Ele ergueu uma sobrancelha enquanto se sentava na rocha para secar os pés. Deixou a bola no chão a seu lado.
- Não pensou que meu atraso tivesse algo que ver com o desejo de passar um momento com a mulher a que estou considerando converter em minha esposa?
Kate se ruborizou um pouco, mas logo resmungou:
- Talvez seja o mais ególatra que conheci em minha vida mas, não, acredito que só queria me irritar.
Tinha razão, é claro, mas ele não ia dizer. Ele sorriu com ironia
- Pois por casualidade - explicou ele- foi Edwina quem se atrasou. Por que, não sei. Considerei pouco educado ir procurar o seu quarto e lhe exigir que se apressasse, de modo que esperei em meu escritório até que esteve preparada.
Produziu-se um longo momento de silêncio, depois Kate disse:
- Obrigada por me explicar isso.
Ele sorriu com gesto irônico.
-Não sou uma pessoa tão terrível, sabe?
Ela suspirou.
- Sei.
Algo em sua expressão de resignação fez que Anthony sorrisse.
- Mas talvez um pouco terrível? - brincou.
Ela se animou, era claro que voltar para as frivolidades fazia com que lhe fosse mais cômodo conversar com ele.
- OH, certamente.
- Bem. Detesto ser aborrecido.
Kate sorriu e observou-o enquanto punha os calções três-quartos e as meias. Aproximou-se e agarrou a bola rosa.
- Melhor levar isto ao abrigo.
- No caso de sentir uma necessidade incontrolável de arrojá-la de novo ao lago?
Ela assentiu.
- Algo assim.
- Muito bem. -Se levantou-. Então eu levarei a manta.
- Um trato justo. -Se voltou para subir pela ladeira e então espionou ao Colin e Edwina desaparecendo na distancia-. OH!
Anthony também se voltou com celeridade.
- O que se passa? OH, já vejo. Parece que sua irmã e meu irmão decidiram retornar sem nós.
Kate olhou com um cenho aos irmãos errantes, logo encolheu os ombros com resignação enquanto começavam a subir com esforço pela colina.
-Suponho que posso tolerar sua companhia durante uns minutos mais se você pode tolerar a minha. Anthony não disse nada e aquilo surpreendeu ao Kate. Parecia o tipo de comentário para o que teria uma resposta engenhosa e talvez inclusive mordaz. Olhou-o e logo afastou a vista com uma leve surpresa.
Ele a olhava do modo mais estranho...
- Tudo... está tudo bem, milord? -perguntou com vacilação.
Ele assentiu.
- Bem. -Mas soava bastante distraído.
O resto do trajeto até o abrigo o cobriram em silêncio. Kate deixou a bola rosa em seu lugar no carrinho de mão de palamalha e percebeu que Colin e Edwina tinham retirado todos os aros do percurso e tinham recolhido tudo, incluído o bastão púrpura e a bola a jogo. Lançou um olhar
furtivo ao Anthony e teve que sorrir. Era claro por seu cenho aflito que ele também se dera conta.
- A manta vai aqui, milord - lhe disse com uma careta mau dissimulada e se afastou de seu caminho.
Anthony encolheu os ombros.
- Levarei ela a casa. É preciso lavá-la bem.
Ela expressou sua conformidade, fecharam a porta e se foram.


Capítulo 11

Não há nada como uma situação de competição para tirar o pior de um homem... ou o melhor de uma mulher.
REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
4 de maio de 1814

Anthony ia assobiando enquanto caminhavam sem nenhuma pressa em direção à casa, observando de forma furtiva à Kate quando esta não olhava. Sem dúvida era também uma mulher verdadeiramente atraente. Não entendia por que sempre o surpreendia isto, mas era assim. Cada vez que a recordava, sua imagem não estava à altura da realidade cativante de seu rosto. Sempre estava em movimento, sempre sorrindo, franzindo o cenho ou os lábios. Nunca conseguia manter a expressão plácida e serena a que deviam aspirar as damas jovens.
Anthony tinha caído na mesma armadilha que o resto da sociedade: pensar nela só em função de sua irmã mais nova. E Edwina tinha uma beleza tão assombrosa e surpreendente, tão prodigiosa, que qualquer que se encontrasse perto dela não podia evitar ficar em segundo plano. Era difícil, admitiu Anthony, olhar a outra pessoa quando Edwina estava presente.
E não obstante...
Franziu o cenho. E não obstante, na prática não tinha dedicado nem uma olhada a Edwina durante toda a partida de palamalha. Isto talvez fosse compreensível porque se tratava da palamalha Bridgerton modalidade que tirava o pior de qualquer com esse sobrenome. Diabos, certamente não teria dedicado nenhuma olhar ao príncipe regente se se tivesse dignado a jogar com eles.
Mas aquela explicação não penetrava, pois sua mente estava repleta de outras imagens. Kate dobrando-se sobre o bastão com o rosto tenso de concentração. Kate rindo-se quando alguém falhava um disparo. Kate aclamando a Edwina quando sua bola atravessava rodando o aro; um traço muito Bridgerton. E, é claro, Kate sorrindo com malícia naquele último segundo antes de enviar a bola voando até o lago.
Estava claro que, embora não tivesse dedicado nem uma olhada a Edwina, tinha observado muito à Kate.
Aquilo deveria alarmá-lo.
Voltou a dar uma olhada em sua direção. Desta vez seu rosto estava um pouco inclinado para o céu, que olhava com cenho franzido.
- Ocorre algo? - perguntou com cortesia. Ela sacudiu a cabeça.
-Só me perguntava se vai chover.
Ele também ergueu a vista.
- De momento, não, imagino.
Kate assentiu devagar com conformidade.
- Detesto a chuva.
Algo na expressão de seu rosto, que lhe recordou um pouco a menina frustrada de três anos, provocou uma risada no Anthony.
-Pois vive no país errado senhorita Sheffield. Voltou-se para ele com olhar envergonhado.
- Não me importa que caia uma chuva suave. Só me desgosta quando se torna violenta.
- Eu sempre desfrutei bastante com as tormentas elétricas.
Kate lhe lançou um olhar surpreendido, mas não disse nada, depois voltou a descer o olhar aos calhaus do caminho. Ia dando patadinhas a um calhau enquanto andava, de vez em quando rompia o passo ou se afastava a um lado para poder lhe dar outro pontapé e manter a pedra por diante dela. Havia algo encantador e até doce naquilo, a maneira em que seu pé calçado por uma bota aparecia por debaixo da prega do vestido a intervalos regulares e alcançava o calhau.
Anthony a olhou com curiosidade, esquecendo-se de afastar o olhar quando ela se voltou.
- Acredita que...? por que me olha assim? -perguntou.
- Que se acreditar o que? -respondeu ele, passando por cima de propósito a segunda parte da pergunta.
Ela formou uma linha mal-humorada com os lábios. Anthony sentiu que os seus lhe tremiam de vontades de sorrir.
- Se está rindo de mim? -perguntou ela com desconfiança.
Ele negou com a cabeça.
Os pés do Kate se detiveram.
- Eu acredito que sim.
- Lhe asseguro - contestou ele, embora também lhe soou como se quisesse rir - que não me rio de você.
- Mente.
- Não... -Teve que parar. Se continuasse falando, sabia que estalaria em gargalhadas. E o mais estranho era que... não tinha nenhum indício do motivo.
- Oh, pelo amor de Deus - balbuciou-. Qual é o problema?
Anthony se afundou contra o tronco de um olmo próximo, todo seu corpo tremia com seu alvoroço mal contido.
Kate plantou as mãos nos quadris, a expressão em seu rosto era em parte curiosidade, em parte fúria.
- O que é tão engraçado?
Por fim ele cedeu às gargalhadas e mal conseguiu encolher os ombros.
- Não sei -disse entre arquejos. - A expressão de seu rosto... é...
Ele percebeu que ela sorria. Adorou que ela sorrisse.
- Pois a expressão de seu rosto não é muito séria, milord - comentou ela.
- Oh, estou convencido. - Respirou profundamente algumas vezes e então, quando ficou seguro de ter recuperado o controle, endireitou-se. Voltou a jogar uma rápida olhada ao rosto do Kate, ainda com um vago gesto de desconfiança, e de repente compreendeu que precisava saber o que pensava ela dele.
Não podia esperar o dia seguinte. Não podia esperar até a noite.
Não estava certo de como tinha chegado a esta situação, mas sua boa opinião significava muito para ele. É claro necessitava de sua aprovação para o cortejo de Edwina - que tão abandonado estava - mas havia mais em tudo aquilo. Tinha lhe insultado, quase lhe tinha inundado no Serpentine, tinha-lhe humilhado no palamalha, e de qualquer modo ansiava sua boa opinião.
Anthony não podia recordar a última vez em que a consideração de alguém tinha significado tanto para ele e, com franqueza, era humilhante.
- Creio que me deve um favor - disse, e se afastou da árvore para endireitar-se. A mente lhe zumbia. Tinha que ser inteligente nisto. Tinha que conseguir saber o que pensava ela. E, de qualquer modo, não queria que soubesse quanto significava para ele. Não até que Anthony mesmo entendesse por que significava tanto para ele.
- Desculpe, como disse?
- Uma prenda.- gostam. Da partida de palamalha.
Kate soltou um resmungo feminino enquanto se apoiava na árvore e cruzava os braços.
- Se alguém deve aqui um objeto a outra pessoa, é você a mim. Eu ganhei no fim e ao cabo.
- Ah, mas eu fui o humilhado.
- Certo -concordou.
- Não seria próprio de você - lhe disse ele com voz extremamente seca - ter resistido a reconhecer a verdade.
Kate lhe dedicou um olhar recatado:
- Uma dama deve ser sincera em tudo.
Quando Kate ergueu de novo a vista para olhá-lo, um extremo da boca do Anthony formava um sorriso de cumplicidade.
- Confiava em que dissesse algo parecido.
- E isso por que?
- Porque meu objetivo, senhorita Sheffield é lhe fazer uma pergunta, a pergunta que eu escolher. E deve ser sincera em sua resposta. - O conde plantou uma mão no tronco da árvore, bastante perto do rosto do Kate, e se inclinou para diante. De repente ela se sentiu apanhada, apesar de que seria bastante fácil afastar-se correndo.
Com certa consternação, e tremendo de excitação, Kate percebeu que a tinha apanhada com seus olhos, que se cravavam escuros e ardentes nos dela.
- Acredita que poderá fazê-lo, senhorita Sheffield? -murmurou.
- Qual é a pergunta? - inquiriu, sem dar-se conta de que estava sussurrando até que se ouviu a voz, entrecortada e crepitante como o vento.
Ele inclinou a cabeça um pouco mais.
- Agora, recorde, tem que responder com franqueza.
Ela assentiu. Em honra da verdade, não estava de todo convencida de que fosse capaz de mover-se.
Anthony se inclinou para diante, não tanto como para notar seu fôlego mas o bastante perto como para que ela tiritasse.
- Esta, senhorita Sheffield, é minha pergunta.
Os lábios do Kate se separaram.
- Ainda -se aproximou um pouco mais - me... - outro centímetro mais- odeia?
Kate engoliu em seco com nervosismo. Fosse qual fosse a pergunta que ela esperava, não era essa. Lambeu os lábios preparando-se para responder, apesar de não ter nem idéia do que ia dizer, mas não surgiu nenhum som de sua garganta.
Os lábios do visconde se curvaram formando um sorriso lento, masculino.
-Tomarei isso como um não.
E então, com uma brutalidade que deixou ao Kate aturdida, afastou-se com ímpeto da árvore e disse com ar enérgico:
-Bem, então acho que já é hora de voltarmos para dentro e nos prepararmos para esta noite, não lhe parece?
Kate se afundou contra a árvore, totalmente vazia de energia.
- Prefere permanecer fora um momento mais? -Anthony se plantou as mãos nos quadris e ergueu a vista ao céu com atitude pragmática e eficiente, completamente diferente do sedutor lento, preguiçoso, de há dez segundos-. Como quero. Não parece que vá chover depois de tudo. Ao menos não durante as próximas horas.
Ela ficou olhando. Ou ele tinha perdido a cabeça ou ela tinha esquecido de como falar. Ou ambas as coisas.
- Muito bem. Sempre admirei às mulheres que sabem apreciar um pouco de ar fresco. Vejo-a no jantar então?
Kate fez um gesto de assentimento. Surpreendeu-lhe inclusive ter conseguido fazer esse leve movimento.
- Excelente. -Estirou o braço e, tomando a mão de Kate, depositou um beijo abrasador no interior de seu pulso, sobre a única franja de carne nua que aparecia entre a luva e a prega da manga.
- Até esta noite, senhorita Sheffield.
E logo se foi a passadas, e a deixou com uma peculiar sensação, como se acabasse de acontecer algo bastante importante.
Mas poderia jurar por sua própria vida que não tinha nem idéia do que.

Aquela noite às sete e meia, Kate considerou ficar horrivelmente doente. Às oito menos quarto tinha definido melhor qual seria sua indisposição, decidindo sofrer um ataque. Mas quando faltavam cinco minutos para a hora e soou a campainha que avisava aos convidados do momento de reunir-se no salão, levantou os ombros e saiu de seu dormitório ao corredor para reunir-se com a Mary.
Negava-se a ser uma covarde.
Não era uma covarde.
E seria capaz de superar aquela noite. Além disso, disse-se a si mesma, era impossível que se sentasse em algum lugar próximo a lorde Bridgerton. Era um visconde e o cabeça de família, por conseguinte se sentaria na cabeceira da mesa. Como filha do segundo filho de um barão, sua posição era mínima em comparação ao de outros convidados, sem dúvida a sentariam tão longe que nem sequer teria possibilidades de o ver sem ter um orcicolo.
Edwina, que compartilhava o quarto com Kate, já tinha saído. Estava no quarto de Mary para ajudá-la a escolher um colar, portanto Kate se encontrou sozinha ao sair ao corredor. Supunha
que podia entrar no quarto da Mary e esperar ali com as duas, mas não sentia muita vontade de conversar, e Edwina já tinha percebido antes o estranho humor reflexivo da Mary. A última coisa que Kate precisava era um turno do "Que será o que lhe passa?".
E a verdade era que Kate nem sequer sabia o que lhe passava. A única coisa que sabia era que aquela tarde algo tinha mudado entre ela e o conde. Algo era diferente e não tinha reparos em admitir (ao menos para si mesma) que estava assustava.
O que era normal, não é? A gente sempre tinha medo ao que não entendia.
E era indiscutível que Kate não entendia ao visconde.
Mas justo quando começava a desfrutar seriamente de sua solidão, a porta situada ao outro lado do corredor se abriu e por ela saiu outra jovem. Kate a reconheceu imediatamente: era Penelope Featherington, a pequena das três tornadas famosas irmãs Featherington, bem, das que se apresentaram em sociedade. Kate tinha ouvido que existia uma quarta que ainda estava na escola. Para sua desgraça, as irmãs Featherington eram famosas por seu pouco êxito no mercado matrimonial.
Prudence e Philippa tinham sido apresentadas fazia já três anos e não tinham conseguido nenhuma proposta entre as duas. Para Penelope já era sua segunda temporada e em geral a encontrava nos atos sociais tentando evitar a sua mãe e irmãs, que eram consideradas universalmente umas tontas..
Kate sempre tinha simpatizado com Penelope. Estabeleceu-se um vínculo especial entre elas já que ambas tinham sido aguilhoadas por lady Confidência por levar vestidos de cores que não lhes favoreciam.
Kate percebeu com um suspiro de tristeza que o vestido de seda amarelo limão que Penelope levava dava um aspecto irremediavelmente cítrico a pobre moça. E se aquilo não fosse suficiente, estava confeccionado com um excesso de babados e detalhes. Penélope era alta, e estava claro que aquele vestido a curvava.
Era uma pena, porque poderia ser bastante atraente se alguém conseguisse convencer a sua mãe de que não se aproximasse da costureira e deixasse Penelope escolher sua própria roupa. Seu rosto era bastante agradável, com a cútis pálida das ruivas, só que seu cabelo era mais mogno que vermelho, e para ser precisos, era mais castanho acobreado que mogno.
Chamasse-se como se chamasse aquele tom de cabelo, pensou Kate com consternação, não ia com o amarelo limão.
- Kate! -saudou Penélope depois de fechar a porta atrás ela-. Que surpresa. Não sabia que tinha vindo.
Kate assentiu.
- Creio que nos enviaram um convite de última hora. Encontramos lady Bridgerton a semana passada.
- Bem, sei que acabo de dizer que estava surpreendida, mas a verdade é que não o estou. Lorde Bridgerton esteve prestando muita atenção a sua irmã.
Kate se acalorou.
- Eh...s sim -contestou gaguejando de pronto-. Assim é.
Isso - é ao menos o que dizem as fofocas - continuou Penélope-. Mas, claro, nem sempre se pode acreditar nessas coisas.
- Que eu saiba, lady Confidência se equivocou poucas vezes -disse Kate.
Penelope se encolheu de ombros e logo olhou seu vestido com desgosto.
- Certamente nunca se equivoca comigo.
- Oh, não seja tola - se apressou a dizer Kate, mas ambas sabiam que só estava sendo amável. Penelope sacudiu a cabeça com ar lento.
- Minha mãe está convencida de que o amarelo é a cor da felicidade e que uma garota feliz acabará apanhando marido.
- Oh, céus - disse Kate soltando um risinho.
- O que não entende - continuou Penelope com ironia- é que esse amarelo da felicidade me faz parecer bastante infeliz e em realidade repele aos cavalheiros.
- Alguma vez lhe sugeriu o verde? - indagou Kate -. Acho que estaria genial de verde.
Penelope negou com a cabeça.
- Não gosta do verde. Diz que é melancólico.
- O verde? -exclamou Kate com incredulidade.
- Já não tento entendê-la.
Kate, que ia vestida de verde, segurou a manga perto do rosto do Penelope e tentou tampar o amarelo o melhor que pôde.
-Todo seu rosto se ilumina - comentou.
- Não me diga isso. Só servirá para que o amarelo me seja mais penoso.
Kate lhe dedicou um sorriso compreensivo.
- Emprestaria-lhe um de meus, mas temo que o arrastaria pelo chão.
Penelope lhe fez um gesto com a mão para declinar sua oferta.
- É muito amável de sua parte, mas me resignei a aceitar meu destino. Ao menos este ano é melhor que o passado.
Kate arqueou uma sobrancelha.
-Oh, claro. Não estava o ano passado. - Penelope estremeceu-. Pesava quase treze quilos mais que agora.
- Treze quilos? -repitiu Kate. Não podia acreditar.
Penelope assentiu e fez uma careta.
- A gordinha. Supliquei a mamãe que não me obrigasse a me apresentar em sociedade até cumprir os dezoito, mas ela pensava que iria bem começar com tempo.
Kate só necessitou de um olhar ao rosto do Penelope para saber que não lhe tinha ido nada bem. Sentia certa afinidade com a moça apesar de que Penelope era quase três anos mais jovem que ela. Ambas conheciam aquela sensação singular de não ser a garota mais popular do lugar, conheciam a expressão exata que adquire seu rosto quando ninguém lhe pede uma dança mas quer que pareça que não se importa.
- Digo -disse Penelope-, por que não descemos nós duas juntas para jantar? Parece que sua família e a minha se atrasam.
Kate não tinha muita pressa pra chegar ao salão e encontrar-se na inevitável companhia de lorde Bridgerton, mas esperar a Mary e Edwina retardaria a tortura tão somente uns minutos, de modo que perfeitamente podia descer com o Penelope, pensou.
As duas puseram as cabeças nos quartos de suas respectivas mães e lhes informaram da mudança de planos; depois se deram os braços e se foram pelo corredor.
Quando chegaram ao salão, boa parte da concorrência já estava ali presente, formando
rodas de pessoas e conversando enquanto esperavam que descesse o resto de convidados. Kate, que nunca antes tinha ido a uma destas reuniões campestres, percebeu com surpresa que quase todo mundo parecia mais relaxado e um pouco mais animado que em Londres. Devia ser o ar fresco, pensou com um sorriso. Ou talvez a distância relaxava as normas estritas da capital. Fosse o que fosse, decidiu que preferia este ambiente ao de qualquer jantar em Londres.
Viu lorde Bridgerton do outro lado da sala. Ou talvez pensou que o tinha visto. Assim que o avistou de pé junto à lareira, ela manteve o olhar escrupulosamente afastado.
Mas de qualquer modo notava-o. Era consciente de que tinha que estar louca, mas juraria que sabia quando inclinava a cabeça e que o ouvia quando falava ou ria.
E certamente sabia quando tinha o olhar posto em suas costas. Era como se o pescoço fosse a acender-se em chamas.
- Não tinha percebido que lady Bridgerton tivesse convidado a tanta gente - disse Penelope.
Com cuidado de manter a vista afastada da lareira, percorreu a sala com o olhar para ver quem estava ali.
- Oh, não - meio sussurrou, meio gemeu Penelope-. Cress Cowper está aqui.
Kate seguiu discretamente o olhar de Penelope. Se Edwina tinha alguma rival ao título de beleza reinante de 1814, essa era Cress Cowper. Alta, magra, com cabelos cor de mel e deslumbrantes olhos verdes, quase nunca a via sem seu pequeno enxame de admiradores. Mas se Edwina era amável e generosa, Cressida era, em opinião de Kate, uma bruxa egoísta de maneiras más que se divertia atormentando a outros.
- Me odeia - sussurrou Penelope.
- Odeia a todo mundo - contestou Kate.
- Sim, mas me odeia de verdade.
- E isso por que? - Kate se voltou para sua amiga com olhos curiosos-. O que poderia lhe haver feito?
- Tropecei nela o ano passado e por minha culpa derramou todo o ponche em cima... dela e do duque do Ashbourne.
Isso - é tudo?
Penelope entreabriu os olhos.
- Foi suficiente para a Cressida. Está convencida de que o duque, lhe teria proposto matrimônio se ela não tivesse parecido tão torpe naquele momento.
Kate soltou um bufo que nem sequer tentou que soasse feminino.
- Ashbourne não é tão fácil de apanhar. Isso todo mundo sabe, Quase é tão esquivo como Bridgerton.
- Que provavelmente acabará casando-se este ano - lhe recordou Penelope-. Se as fofocas não falharem.
- Ah- mofou Kate-. A própria lady Confidência escreveu que não pensava que iria casar-se este ano.
- Isso foi há semanas - contestou Penelope com um gesto desanimado. - Lady Confidência muda de opinião todo o momento. Além disso, a todo mundo é claro que o visconde está cortejando a sua irmã.
Kate mordeu a língua para não resmungar um "não me recorde isso".
Mas seu gesto de dor ficou dissimulado pelo sussurro rouco do Penelope:
- Oh, não, vem para aqui - referindo-se a Cressida.
Kate lhe deu um apertão tranqüilizador.
- Não se preocupe por ela. Não é melhor que você.
Penelope lhe lançou um olhar cheio de sarcasmo.
- Isso já sei. Mas isso não faz que seja menos desagradável. E sempre se empenha em que eu faça conta.
- Kate, Penelope - gorjeou Cressida, situando-se ao lado delas, depois do que sacudiu com afetação seu brilhante cabelo.
-Que surpresa vê-las aqui.
- E isso por que? -perguntou Kate.
Cressida pestanejou, era claro que a surpreendia inclusive que Kate questionasse sua declaração.
- Bem -disse devagar - suponho que não é tanta surpresa vê-la, já que sua irmã está muito solicitada e todos sabemos que tem que ir aonde ela vá, mas a presença de Penelope... - Encolheu os ombros com delicadeza-. Bem, quem sou eu para julgar? Lady Bridgerton é uma mulher muito generosa.
Foi um comentário tão descortês que Kate não pôde evitar ficar boquiaberta. E enquanto olhava escandalizada a Cressida, esta se dispôs a rematar:
- Que vestido tão lindo- disse com um sorriso tão doce que Kate teria jurado que o ar tinha sabor de açúcar-. Eu adoro o amarelo - acrescentou passando a mão por seu próprio vestido amarelo pálido-. É preciso uma cútis especial para poder levá-lo, não acha?
Kate apertou os dentes. Por descontado, Cressida estava esplêndida com seu vestido. Cressida estaria fantástica inclusive envolta em estopa.
Cressida voltou a sorrir, desta vez recordou à Kate uma serpente, depois se voltou lentamente para fazer um sinal a alguém situado ao outro lado da sala.
- OH, Grimston, Grimston! Aproxime um momento aqui!
Kate olhou por cima do ombro para ver Basil Grimston que se aproximava delas e mal conseguiu conter um grunhido. Grimston era o equivalente masculino a Cressida: mal educado, superficial e presunçoso. por que o teria convidado uma dama tão encantadora como a viscondessa do Bridgerton era algo que nunca saberia. Provavelmente para equilibrar o amplo número de senhoritas convidadas a sua casa.
Grimston foi até ali e estirou um extremo de sua boca para esboçar um sorriso zombador.
- Seu servo -disse a Cressida depois de dedicar a Kate e a Penelope um fugaz olhar de desdém.
- Não lhe parece que a querida Penelope está muito bonita com esse vestido? - perguntou Cressida -. O amarelo tem que ser sem dúvida a cor da temporada.
Grimston levou a cabo um exame insultante de Penelope, desde alto de sua cabeça à ponta dos pés e outra vez até cima. Mal moveu a cabeça, nada mais deixou que seus olhos percorressem de cima abaixo seu corpo. Kate conteve um acesso de repugnância que esteve a ponto de lhe provocar uma onda de náuseas. Mais que nada, sentiu vontades de rodear com seus braços ao Penelope e estreitar a pobre moça. Mas tanta atenção só serviria para destacá-la como alguém fraco e fácil de intimidar.
Quando Grimston acabou por fim sua mal educada inspeção, voltou-se para a Cressida e se
encolheu os ombros, como se não lhe ocorresse algo elogioso que dizer.
- Não tem nenhum outro lugar aonde ir? -soltou Kate.
Cressida a olhou consternada.
- Caramba, senhorita Sheffield, custa-me tolerar sua rabugice. O senhor Grimston e eu só estávamos admirando o aspecto de Penelope. Esse tom amarelo favorece muito sua cútis. E é tão encantador ver que tem tão bom aspecto depois de como estava o ano passado.
- E tanto que sim - corroborou Grimston arrastando as sílabas. Seu tom enjoativo fez que Kate se sentisse verdadeiramente suja.
Kate notava Penelope tremendo a seu lado. Confiou em que fosse de raiva e não de dor.
- Não posso imaginar a que se refere - disse Kate com tom gélido.
- Ah, com certeza sabe - interveio Grimston, com olhos cintilantes de deleite. inclinou-se para diante e então disse em um sussurro mais ressonante que seu tom habitual, o suficientemente alto como para que muita gente pudesse ouvi-lo. - Estava gorda.
Kate abriu a boca para soltar uma resposta cáustica, mas antes de que pudesse articular palavra, Cressida acrescentou:
- Que lástima tão terrível, porque o ano passado havia muitos mais homens na cidade. É claro, a muitas de nós nunca falta um par de dança, mas me dá pena a pobre Penélope quando a vejo sentada com as matronas.
- As matronas -disse então Penelope entre dentes- freqüentemente são as únicas pessoas com um pouco de inteligência na sala.
Kate sentiu vontades de saltar e aclamá-la.
Cressida proferiu um entrecortado "OH", como se tivesse algum direito a sentir-se ofendida.
- De qualquer modo , não posso evitar... OH! Lorde Bridgerton!
Kate se afastou a um lado para permitir que o visconde se acrescentar ao pequeno círculo e percebeu com asco como mudava a atitude da Cressida. Começou a agitar as pálpebras e a boca formou um pequeno arco de cupido.
Era tão atroz que Kate esqueceu sua cohibição em presença do visconde.
Bridgerton dedicou um duro olhar a Cressida mas não lhe disse nada. Em vez disso, voltou-se de forma bastante intencional para Kate e Penelope e murmurou seus nomes para as saudar.
Kate quase ficou boquiaberta de regozijo. Que corte tinha dado a Cressida Cowper!
- Senhorita Sheffield - disse com tom suave-, espero que nos desculpará se acompanhar à senhorita Featherington à sala de jantar.
- Mas não pode acompanhá-la! -soltou Cressida de forma abrupta.
Bridgerton lhe dedicou um olhar gélido.
- Sinto muito - disse com uma voz que deixava claro que menos lamentá-lo podia sentir qualquer coisa-. Acaso a incluí a você em nossa conversa?
Cressida retrocedeu, era claro que muito envergonhada por aquele arranque seus tão impróprio instantes antes. De qualquer modo, o certo era que o fato de que Bridgerton acompanhasse ao Penélope transgredia todas as normas. Como cabeça de família, seu dever era acompanhar à dama de hierarquia mais elevada presente na reunião. Kate não estava segura de quem lhe correspondia tal honra naquela ocasião, mas certamente não se tratava de Penelope, cujo pai não tinha nenhum título.
Bridgerton ofereceu seu braço à Penelope ao mesmo tempo que dava as costas a Cressida.
- Não agüento às valentonas, e você? - murmurou.
Kate cobriu a boca com as mãos, mas não pôde conter um risinho. Bridgerton lhe dedicou um breve olhar de cumplicidade por cima da cabeça de Penelope, e naquele momento Kate teve a estranha sensação de entender por completo a este homem.
Mas ainda mais estranho lhe pareceu... que de repente não estivesse segura de que o visconde fora esse desalmado e censurável mulherengo que com muita facilidade tinha acreditado que era.

Capítulo 12

Um homem encantador é um pouco divertido, e um homem atraente, é claro, é algo digno de contemplar. Mas um homem de honra... ai, Querido Leitor, atrás dele deveriam ir as damas mais jovens.
REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
2 de maio de 1814

Mais tarde, naquela mesma noite, depois de acabar o jantar e os homens se retirarem para tomar seus portos antes de voltar a reunir-se com as damas com expressão de superioridade no rosto, como se acabassem de falar de coisas mais transcendentes que do cavalo com mais probabilidades de ganhar a Royal Ascot; depois que os convidados terem jogado umas rondas de charadas às vezes tediosas e às vezes mais animadas; depois de lady Bridgerton limpar a garganta e sugerir com discrição que talvez fosse hora de retirar-se; depois das damas pegarem as velas e se retirar a suas camas; depois de os cavalheiros supostamente as seguirem...
Kate não podia dormir.
Estava claro que ia ser uma dessas noites olhando todas as rachaduras do teto. Só que não havia rachaduras no teto em Aubrey Hall. E a lua nem sequer tinha saído, de modo que não entrava luz alguma através das cortinas, o que significava que embora houvesse rachaduras, não seria capaz de vê-las, e...
Kate soltou um gemido enquanto retirava as colchas para levantar-se. Um desses dias ia ter que aprender alguma maneira de obrigar a seu cérebro a deixar de correr em oito direções diferentes ao mesmo tempo. Tinha estado deitada na cama durante quase uma hora, olhando a noite escura, impenetrável, e fechando os olhos de vez em quando para tentar dispor-se a dormir.
Não tinha funcionado.
Não podia deixar de pensar na expressão do rosto do Penelope Featherington quando o visconde tinha ido em seu resgate. Kate estava segura de que sua própria expressão seria bastante similar: um pouco de assombro, um pouco de alegria e um muito de estar a ponto de fundir-se sobre o chão naquele mesmo instante.
Bridgerton tinha estado assim magnífico.
Kate tinha passado todo o dia observando aos Bridgerton ou relacionando-se com eles. E uma coisa tinha ficado claro: tudo o que tinha ouvido sobre o Anthony e sua devoção pela família... era tudo verdade.
E embora não estivesse muito disposta a mudar sua opinião de que era um mulherengo e um libertino, estava começando a compreender que podia ser tudo isso e também algo mais.
Algo bom.
E, embora admitisse que lhe custava muito ser de todo objetiva naquele assunto, esse algo precisamente não o desqualificava como potencial marido para a Edwina.
OH, por que, por que, por que tinha que ser agradável? Por que não podia continuar sendo o libertino meloso mas superficial que tão fácil lhe tinha sido acreditar que era? Agora se tratava de outra pessoa por completo diferente, alguém por quem ela temia sentir de fato certo afeto.
Kate sentiu que se ruborizava inclusive na escuridão. Tinha que deixar de pensar em Anthony Bridgerton. A este passo não ia poder dormir nada em toda uma semana.
Talvez se tivesse algo para ler... Tinha visto uma biblioteca bastante grande e ampla naquela mesma tarde, sem dúvida os Bridgerton teriam ali algum livro com o qual ficar adormecida.
Vestiu o robe e se foi nas pontas dos pés até a porta, com cuidado de não despertar a Edwina. Tampouco aquilo era complicado. Edwina sempre tinha dormido como uma ratazana. Segundo Mary, dormia toda a noite como uma criatura desde dia em que nasceu.
Kate colocou os pés em um par de sapatilhas e depois saiu depressa ao corredor, com cuidado de olhar a um lado e a outro antes de fechar a porta atrás dela. Era sua primeira visita a uma reunião campestre, e a última coisa que queria era topar com alguém de caminho a um dormitório que não fosse o seu.
Se alguém tinha algum enredo com outra pessoa que não fosse seu cônjuge, decidiu Kate, não queria saber nada a respeito.
Um só lampião iluminava o corredor, proporcionando um brilho mortiço e vacilante, ao escuro ar da noite. Kate tinha pego uma vela ao sair, de modo que se aproximou e levantou a tampa do lampião para acender sua mecha. Assim que a chama ardeu com estabilidade, dirigiu-se para a escada, assegurando-se de deter-se em todas as esquinas para comprovar com cautela que não passava ninguém.
Uns minutos depois se encontrava na biblioteca. Não era grande para os padrões da aristocracia, mas as paredes estavam cobertas do chão até o teto de prateleiras com livros. Kate empurrou a porta até deixá-la quase fechada - se alguém andava levantado dando voltas por aí, não queria alertá-lo de sua presença com o estalo da porta ao fechar-se - e se aproximou da estante mais próxima para inspecionar os títulos.
-Mmm - murmurou para si mesma enquanto tirava um livro e olhava a capa: "botânica". adorava a jardinagem, mas em certo sentido um livro de texto sobre aquele assunto não lhe parecia muito sugestivo.
Deveria procurar uma novela, que apanhasse sua imaginação, ou melhor se decidisse por um texto árido, com mais probabilidades de lhe dar sono?
Devolveu o livro a seu lugar e passou a estante seguinte, deixando a vela sobre uma mesinha próxima.
Parecia a seção de filosofia.
- Decididamente não - resmungou, e deslizou um pouco a vela sobre a mesa enquanto passava a uma estante situada mais à direita. A botânica podia lhe dar sono, mas era muito provável que a filosofia a deixasse com um estupor que lhe duraria dias.
Moveu a vela um pouco para a direita e se inclinou para diante para examinar a seguinte fileira de livros quando um relâmpago, brilhante e por completo inesperado, iluminou o aposento.
De seus pulmões surgiu um breve e entrecortado grito, ao mesmo tempo que ela dava um
salto para trás e se batia de costas contra a mesa. Agora não, suplicou em silêncio, aqui não.
Mas enquanto sua mente formulava essa última frase, toda o aposento explodiu com o estrondo surdo de um trovão. E logo se fez de novo a escuridão, deixando Kate trêmula, agarrada com os dedos à mesa com tal força que as articulações ficaram travadas. Detestava isto. OH, quanto detestava o ruído e a luz dos relâmpagos, e a tensão chispante no ar, mas sobre tudo detestava a maneira como se sentia.
Tão aterrorizada que ao final não pôde sentir nada absolutamente.
Tinha sido assim toda sua vida, ou ao menos desde que tinha memória. De pequena, seu pai ou Mary a consolavam cada vez que havia uma tormenta. Kate tinha lembranças de um deles sentado sobre a borda sua cama, lhe segurando a mão e sussurrando palavras tranqüilizadoras enquanto os trovões e os relâmpagos estalavam com estrépito a seu redor. Mas quando se fez maior conseguiu convencer às pessoas de que tinha superado seu problema. OH, todo mundo sabia que ainda detestava as tormentas, mas conseguia ocultar a medida de seu terror.
Parecia uma debilidade espantosa, sem causa aparente e, por desgraça, sem cura clara.
Não ouvia chuva contra as janelas; talvez a tormenta não fosse tão má. Talvez tinha começado o suficientemente longínqua e agora se afastava ainda mais. Talvez...
Outro brilho iluminou a habitação e extraiu um segundo grito dos pulmões de Kate. Neste momento os trovões se aproximaram mais inclusive que os relâmpagos, o que indicava que a tormenta se aproximava. Kate sentiu que caia no chão.
Era tão ruidoso. Muito ruidoso, e muito brilhante e muito...
Boom!
Kate se meteu debaixo da mesa, encolheu as pernas e rodeou os joelhos com os braços, esperando aterrorizada a trovoada seguinte.
E então começou a chover.

Era um pouco mais tarde que meia-noite, e todos os convidados (por algum motivo seguiam os horários do campo de certo modo) foram para à cama. Mas Anthony continuava em seu estúdio, tamborilando com seus dedos sobre a borda de sua escrivaninha ao ritmo da chuva que golpeava a janela. De vez em quando um relâmpago iluminava o aposento com um brilho brilhante e cada trovão era tão ruidoso e inesperado que dava um salto em sua cadeira.
Deus, adorava as tormentas...
Era difícil saber por que. Talvez só fosse a prova do poder da natureza sobre o homem. Talvez fosse a energia pura da luz e o som que retumbava a seu redor. Fosse o que fosse, fazia com que se sentisse vivo.
Não estava especialmente cansado quando sua mãe sugeriu que todos se retirassem a descansar, portanto lhe pareceu uma tolice não aproveitar estes poucos momentos de solidão para revisar os livros de Aubrey Hall que seu administrador lhe tinha deixado. Deus sabia que sua mãe ia tê-lo no dia seguinte ocupado cada minuto com atividades nas quais também participariam candidatas ao matrimônio.
Mas depois de uma hora de conscienciosas comprovações, com batidinhas da ponta seca da pena contra cada número do livro de contabilidade enquanto ele somava e subtraía, multiplicava e de vez em quando dividia, suas pálpebras começaram a cair.
Tinha sido um dia longo, admitiu enquanto fechava o livro e deixava um pedaço de papel
para marcar o lugar. Tinha passado boa parte da manhã visitando arrendatários e inspecionando edifícios. Uma família necessitava que lhe reparassem a porta. Outra tinha problemas para recolher as colheitas e pagar a renda, devido à perna fraturada do pai. Anthony tinha ouvido disputas e tentado pôr solução, tinha admirado a bebês recém-nascidos e inclusive tinha ajudado a arrumar um teto com goteiras. Tudo formava parte de sua posição de latifundiário, e gostava. Mas era cansativo.
A partida de palamalha tinha sido um interlúdio grato, mas assim que retornou à casa se viu submerso no papel de anfitrião da festa de sua mãe. O que tinha sido quase tão exaustivo como as visitas aos arrendatários. Eloise mal tinha dezessete anos e estava claro que era preciso que alguém a vigiasse um pouco, aquela lagarta da Cowper tinha estado atormentando a pobre Penelope Featherington, e alguém tinha que fazer algo a respeito e...
E depois havia Kate Sheffield.
O pesadelo de sua existência.
E o objeto de seus desejos.
Tudo ao mesmo tempo.
Ah que barulho. Supunha-se que estava cortejando a sua irmã, pelo amor de Deus, Edwina. A beleza da temporada. Linda sem comparação. Doce e generosa, e inclusive serena.
E em seu lugar não podia deixar de pensar em Kate. Kate pela qual, por muito que o enfurecesse, não podia evitar sentir um grande respeito. Como podia evitar admirar a alguém que se agarrava tanto a suas convicções? E Anthony devia admitir que o núcleo de suas convicções - a devoção a sua família- era o princípio que ela respeitava por cima de todos.
Com um bocejo, Anthony se levantou detrás da escrivaninha e estirou os braços. Sem dúvida já era hora de ir para cama. Com um pouco de sorte ficaria adormecido no momento em que sua cabeça se apoiasse no travesseiro. A última coisa que queria era encontrar-se contemplando o teto, pensando em Kate.
E de tudo o que queria fazer à Kate.
Anthony pegou uma vela e saiu ao corredor vazio. Havia algo repousante e intrigante em uma casa em silêncio. Apesar da chuva golpear contra os muros, podia ouvir cada estalo de suas botas sobre o chão: salto, ponta, salto, ponta. E à exceção de quando um relâmpago iluminava o céu, sua vela proporcionava a única iluminação. Desfrutava bastante agitando a chama a um lado e a outro, observando o jogo de sombras contra as paredes e os móveis. Era uma sensação bastante peculiar de controle, mas...
Ergueu uma sobrancelha com gesto intrigado. A porta da biblioteca estava aberta uns poucos centímetros e podia distinguir uma franja de pálida luz de vela resplandecendo do interior.
Estava de todo seguro que não havia ninguém levantado. E certamente não se ouvia nenhum ruído na biblioteca. Alguém devia ter entrado por um livro e tinha deixado a vela acesa. Anthony franziu o cenho.
Aquilo era muito irresponsável. Um incêndio podia devastar a casa com mais rapidez que qualquer outra coisa, inclusive em meio de uma tormenta, e a biblioteca - cheia a arrebentar de livros- era o lugar ideal para que pegasse uma chama.
Abriu a porta e entrou no aposento. Toda uma parede da biblioteca estava ocupada por altas janelas, de modo que o som da chuva era mais intenso aqui que no corredor. Um trovão sacudiu então o chão e a seguir, virtualmente seguido, um relâmpago atravessou a noite.
A eletricidade do momento lhe fez pôr uma careta, e cruzou até onde a vela ofensiva estava ardendo. Inclinou-se para diante, soprou-a e logo...
Ouviu algo.
Era o som de uma respiração. Fatigante, presa do pânico, com toque ligeiro de um gemido.
Anthony olhou com atenção.
- Há alguém aí? - chamou. Mas não viu ninguém.
Depois o voltou a ouvir. Chegava debaixo.
Segurou a vela com firmeza e se agachou para olhar debaixo da mesa.
E ficou sem gota de fôlego.
- Deus meu - exclamou com um arquejo. - Kate...
Estava feita um novelo, rodeando-as pernas com os braços com tal força que parecia a ponto de partir-se. Tinha a cabeça inclinada, as cavidades oculares sobre os joelhos e todo seu corpo agitado por tensos e rápidos tremores.
Congelou-se o sangue de Anthony. Nunca tinha visto ninguém tremer assim.
- Kate? - repetiu e deixou a vela sobre o chão para aproximasse. Não distinguia se ela era capaz de lhe ouvir. Parecia estar retirada dentro de si mesma, desesperada por fugir de algo. Seria a tormenta? Havia dito que detestava a chuva, mas isto era algo mais profundo. Anthony sabia que à maioria das pessoas não se deleitavam com as tormentas elétricas como a ele, mas nunca tinha ouvido que alguém ficasse assim.
Dava a impressão de que iria romper-se em milhões de fragmentos tão somente tocando.
Um trovão sacudiu o aposento, e seu corpo se agitou com tal tortura que Anthony o sentiu em seu próprio interior.
- Oh, Kate - sussurrou. Rompia-lhe o coração vê-la desse modo. Aproximou sua mão com cuidado e firmeza para tocá-la, mesmo assim não estava certo de que ela pudesse perceber sua presença; surpreendê-la talvez fosse igual a despertar a um sonâmbulo.
Pôs-lhe a mão com delicadeza sobre a parte superior do braço e lhe deu um mínimo apertão.
-Aqui estou, Kate - murmurou-. Não vai acontecer nada.
Um relâmpago rasgou a noite e iluminou a biblioteca com um pronunciado estalo de luz. Kate se encolheu ainda mais, se é que era possível apertar ainda mais o novelo. Lhe ocorreu pensar que ela tentava selar seus olhos mantendo a rosto contra os joelhos.
Anthony se aproximou um pouco mais e tomou uma de suas mãos na sua. Tinha a pele gelada, os dedos rígidos de terror. Era difícil lhe separar o braço de suas pernas, mas conseguiu levá-la mão até boca e apertou seus lábios contra sua pele em um esforço de esquentá-la.
- Aqui estou, Kate - repetiu, nem sequer estava certo de que outra coisa podia dizer. - Aqui estou, não vai acontecer nada.
Finalmente conseguiu meter-se debaixo da mesa para poder sentar-se a seu lado no chão, com um braço ao redor de seus ombros trêmulos. Ela pareceu relaxar um pouco com seu contato, o que lhe proporcionou uma sensação muito estranha: sensação quase de orgulho por ser ele quem conseguia ajudá-la. Isso e uma profunda sensação de alívio já que era insuportável vê-la sofrer aquela tortura.
Sussurrou-lhe palavras tranqüilizadoras ao ouvido e com suavidade lhe acariciou as costas em um esforço de lhe dar consolo com sua mera presença. E pouco a pouco - muito pouco a
pouco, não tinha nem idéia quantos minutos tinha sentado debaixo da mesa com ela- sentiu que seus duros músculos começavam a relaxar. Sua pele perdeu aquele tato suarento e sua respiração, embora continuasse fatigante, já não soava tão espantada.
Depois de um momento, quando considerou que ela podia estar preparada, tocou-lhe debaixo do queixo com dois dedos, aplicando a pressão mais suave imaginável para levantar seu rosto e lhe ver os olhos.
-Olhe-me, Kate - sussurrou-lhe, com voz amável mas carregada de autoridade. - Só me olhando, saberá que está a salvo.
Os pequenos músculos que rodeavam seus olhos tremeram durante uns quinze segundos antes que por fim agitasse as pálpebras. Estava tentando abrir os olhos, mas estes resistiam. Anthony tinha pouca experiência neste tipo de terror, mas encontrava certa lógica em que seus olhos não queriam abrir-se, em que, assim simples, não queriam ver o que tanto medo lhes infundia, fosse o que fosse.
Depois de vários segundos mais de piscada, Kate conseguiu abrir os olhos de todo e encontrar o olhar dele.
Anthony sentiu que lhe davam um murro no estômago.
Se os olhos eram de verdade as janelas da alma, algo se tinha feito em pedacinhos no interior de Kate Sheffield aquela noite. Parecia angustiada, atormentada, por completo perdida e desconcertada.
- Não recordo - sussurrou com voz apenas audível.
Agarrou-lhe a mão, embora em nenhum momento a tinha solto, e voltou a aproximá-la a seus lábios.
Deu-lhe um beijo terno, quase paternal na palma.
- Não recorda o que?
Ela negou com a cabeça.
- Não sei.
- Recorda ter vindo à biblioteca?
Ela assentiu.
- Recorda a tormenta?
Kate fechou os olhos durante um momento, como se o esforço de mantê-los abertos requeresse mais energia do que possuía.
- Ainda há tormenta.
Anthony assentiu. Era verdade. A chuva ainda dava nas janelas com tanta ferocidade como antes, mas tinham passado vários minutos desde a última rajada de trovões e relâmpagos.
Olhou-o com olhos desesperados.
- Não posso... não sei...
Anthony lhe apertou a mão.
- Não tem que dizer nada.
Notou que o corpo de Kate se estremecia e logo relaxava, depois a ouviu sussurrar:
Obrigada.
- Quer que lhe fale? -perguntou.
Ela fechou os olhos, não com a mesma força de antes, e assentiu.
Ele sorriu, embora soubesse que ela não podia vê-lo. Mas talvez pudesse percebê-lo. Talvez
fosse capaz de ouvir o sorriso em sua voz.
- Pois bem -pensou - do que posso lhe falar?
- Da casa - sussurrou ela.
- Desta casa? -perguntou Anthony com surpresa.
Ela voltou a fazer um gesto afirmativo.
- Muito bem - continuou ele com uma sensação absurda de complacência porque ela se interessasse por aquele montão de pedras e argamassa que tanto significava para ele. - Eu cresci aqui, sabe.
- Isso disse sua mãe.
Anthony sentiu uma faísca de algo quente e poderoso no peito quando ela falou. Lhe havia dito que não tinha que dizer nada, e era claro que ela se havia sentido agradecida, mas agora estava tomando parte ativa na conversa. Sem dúvida aquilo tinha que significar que se encontrava melhor. Se abrisse os olhos, e se não se encontrasse debaixo da mesa, poderia parecer quase normal.
E era assombroso quanto desejava ele ser a pessoa que a fizesse sentir-se melhor.
- Quer que lhe explique a vez em que meu irmão afogou a boneca favorita de minha irmã? -perguntou. Ela negou com a cabeça, depois estremeceu quando o vento cobrou força, o que fez que a chuva desse contra as janelas com ferocidade. Mas ela se armou de coragem e disse:
- Me conte algo de você.
- De acordo - disse Anthony devagar, tentando passar por cima aquela sensação vaga e incômoda que se estendeu por seu peito. Era muito mais fácil contar alguma história de seus muitos irmãos que falar de si mesmo.
- Fala-me de seu pai.
Ficou paralisado.
- Meu pai?
Ela sorriu, mas o pedido o tinha emocionado muito para percebê-lo.
- Certamente teve um - disse.
Fez-se um nó na garganta de Anthony. Não falava freqüentemente de seu pai, nem sequer com sua família. Havia-se dito a si mesmo que era porque tinha chovido muito depois; fazia mais de dez anos que seu pai estava morto. Mas a verdade era que algumas coisas doíam muito.
E havia algumas feridas que não cicatrizavam, nem sequer em dez anos.
- Ele... ele foi um grande homem - disse com voz suave-. Um grande pai. Queria-lhe muito.
Kate se voltou para olhá-lo, a primeira vez que encontrava seu olhar desde que lhe tinha erguido o queixo com os dedos minutos antes.
- Sua mãe fala dele com muito afeto. Por isso perguntei.
- Todos lhe queríamos - disse simplesmente, e voltou a cabeça para olhar pela biblioteca. Sua vista se concentrou na perna de uma cadeira, mas em realidade não a via. Não via outra coisa que as lembranças em sua mente-. Era o melhor pai que um moço pode desejar.
- Quando morreu?
- Faz onze anos. No verão. Quando eu tinha dezoito anos. Justo antes de que fosse para Oxford.
- É uma idade difícil para que um homem perca a seu pai - murmurou ela.
Anthony se voltou de forma repentina para ela.
- Qualquer idade é difícil para que um homem perca a seu pai.
- É claro - se apressou a corroborar ela-, mas há umas piores que outras, acredito. E sem dúvida deve ser diferente para os meninos e para as garotas. Meu pai faleceu faz cinco anos e sinto muitíssimo, mas não acredito que seja a mesma coisa.
Não foi preciso que Anthony formulasse sua pergunta. Estava em seus olhos.
- Meu pai era encantador - explicou Kate, cujos olhos se animaram com a recordação. - Amável e bondoso, mas firme quando era preciso. Mas o pai de um moço... bem, tem que ensinar a seu filho a ser um homem. E perder a um pai aos dezoito anos, quando começa a aprender tudo o que significa... - soltou uma longa respiração. - É provável que seja presunçoso de minha parte falar disso, já que não sou um homem e não é possível que me ponha em seu lugar, mas penso que... - fez uma pausa e franziu os lábios como se pensasse as palavras-. Bem, penso simplesmente que seria muito difícil.
- Meus irmãos tinham dezesseis, doze e dois anos - disse Anthony com tom tranqüilo.
- Imagino que para eles também foi difícil - respondeu-, embora seu irmão menor é provável que não o recorde.
Anthony negou com a cabeça.
Kate sorriu com saudade.
- Eu tampouco recordo minha mãe. É estranho.
- Quantos anos tinha quando morreu?
- Havia completado três anos. Meu pai se casou com Mary só uns poucos meses depois. Não guardou o período de luto apropriado, e alguns vizinhos se escandalizaram um pouco, mas pensou que eu necessitava de uma mãe e que isso era mais importante que seguir costumes nestes casos.
Pela primeira vez, Anthony se perguntou o que teria acontecido se tivesse sido sua mãe quem tivesse morrido e tivesse deixado a seu pai com uma casa cheia de pirralhos, vários deles meninos pequenos. Para Edmund não teria sido fácil. Para nenhum deles.
E tampouco tinha sido fácil para Violet. Mas ao menos ela tinha ao Anthony, que tinha sido capaz de assumir a responsabilidade de tentar fazer o papel de substituto de seu pai com os pequenos. Se Violet tivesse morrido, os Bridgerton teriam perdido por completo a figura materna. Ao fim e ao cabo, Daphne - a mais velha das irmãs Bridgerton- só tinha dez anos quando morreu. E Anthony estava seguro de que seu pai não teria se tornado a casar.
Por muito que seu pai tivesse querido uma mãe para seus filhos, não teria sido capaz de procurar outra esposa.
- Do que morreu sua mãe? - perguntou Anthony, surpreso pela profundidade de sua curiosidade.
- Gripe. Ou pelo menos acreditaram niso. Podia ter sido qualquer tipo de doença pulmonar. -Apoiou o queixo na mão. - Aconteceu muito rápido, pelo que me contaram. Meu pai disse que eu também fiquei doente, embora meu caso foi muito leve.
Anthony pensou no filho que esperava ter algum dia, precisamente o motivo de que tivesse decidido casar-se por fim.
- Sente falta de uma mãe a que alguma vez conheceu? -perguntou em um sussurro.
Kate considerou sua pergunta durante um momento. Sua voz tinha ressoado com uma urgência rouca que dizia que havia algo crítico em sua resposta. Não podia imaginar o motivo, mas estava claro que algo da infância de Kate chegava a ele de forma especial.
-Sim - respondeu ela finalmente- mas não da maneira que você pensaria. Em realidade não posso julgar porque não a conheci, mas de qualquer modo há um buraco em sua vida: um grande ponto vazio; e sabe a quem lhe correspondia estar aí, embora não possa recordá-la, embora não saiba como era e, portanto, embora não saiba como teria enchido esse vazio. - Seus lábios formaram uma espécie de sorriso triste-. Tem algum sentido o que digo?
Anthony assentiu com a cabeça.
- Tem muito sentido.
- Acho que perder a um de seus pais quando já o conhece e lhe quer é mais duro - acrescentou Kate -.
E sei, porque perdi aos dois.
- Sinto muito -disse ele em voz baixa.
- Não acontece nada – tranqüilizou-o. - Esse velho ditado "o tempo o cura tudo" é muito certo.
Ele a olhou com fixidez, Kate percebeu por sua expressão de que não estava de acordo com isso.
- A verdade é que é mais difícil quando já é mais velho. Tem a sorte de tê-los conhecido, mas a dor da perda é muito mais intensa.
- É como perder um braço - sussurrou Anthony.
Kate assentiu com gesto grave, em certo modo sabia que ele não tinha falado de sua dor com muita gente. lambeu os lábios com nervosismo, deixava-os bastante secos. Era estranho o que acontecia. Fora podia estar caindo toda a chuva do mundo, e aí estava ela, seca.
-Talvez fosse melhor para mim - continuou Kate com voz tranqüila- perder a minha mãe tão jovem. E Mary foi maravilhosa. Quer-me como a uma filha. De fato... -Se calou na metade da frase, surpreendida por seus olhos de repente úmidos. Quando por fim encontrou de novo sua voz, falou em um sussurro emotivo-. De fato, nenhuma só uma vez fez diferença com Edwina. Não... não acredito que tivesse podido querer mais a minha própria mãe.
Os olhos de Anthony ardiam enquanto a olhava.
- Me alegro muitíssimo - disse com voz grave e intensa.
Kate engoliu em seco.
- Às vezes é estranho. Mary visita a tumba de minha mãe, só para lhe contar como vai. Em realidade é muito terno. Quando eu era pequena, costumava ir com ela e contava a minha mãe como o estava fazendo Mary.
Anthony sorriu.
- E seu relatório era favorável?
- Sempre.
Durante um momento mantiveram um silêncio amigável, ambos olhavam a chama da vela, observavam como caía a cera da mecha à palmatória. Quando a quarta gota de cera descia pela vela, deslizando-se pela coluna até endurecer-se, Kate se voltou para o Anthony e lhe disse:
- Estou certa de que lhe soou como uma otimista insuportável, mas acredito que tem que haver um plano geral na vida.
Ele se voltou e arqueou uma sobrancelha.
- Ao final, tudo funciona em realidade - explicou. - Eu perdi a mãe, mas ganhei Mary. E a uma irmã a quem quero com loucura. e...
Um relâmpago iluminou o aposento. Kate mordeu o lábio e tentou obrigar-se a respirar de forma lenta e regular pelo nariz. O trovão ia chegar, mas estava preparada e...
A biblioteca se sacudiu com o estrondo, mas foi capaz de manter os olhos abertos.
Soltou uma longa respiração e se permitiu um sorriso de orgulho. Não tinha sido tão difícil. Certamente que não tinha sido divertido mas tampouco algo impossível. Talvez fosse a presença tranqüilizadora de Anthony junto a ela ou simplesmente tinha que ver com que a tormenta se afastava, mas o tinha superado sem que o coração lhe saltasse do peito.
- Sente-se bem? -perguntou Anthony.
Kate olhou-o, e algo em seu interior se fundiu ao ver o olhar de inquietação em seu rosto. Fosse o que fosse o que ele tivesse feito no passado, por muito que tivessem discutido e brigado, neste momento, ele de verdade se preocupava com ela.
-Sim - disse, e ouviu a surpresa em sua voz apesar de que não pretendesse-. Sim, acredito que sim. Apertou-lhe a mão.
- Desde quando esteve assim?
- Esta noite ou em minha vida?
- As duas coisas.
- Nesta noite desde o primeiro trovão. Ponho-me bastante nervosa quando começa a chover, mas enquanto não haja trovões e relâmpagos, agüento bem. Em si não é a chuva o que me transtorna, só o temor a que vá a mais. - Engoliu em seco e umedeceu os lábios secos antes de continuar-. Quanto à outra pergunta, não recordo nenhuma época em que as tormentas não me aterrorizassem. Acredito que forma parte de mim. É bastante ridículo, sei...
- Não é ridículo - interrompeu ele.
- É muito considerado que pense assim - disse ela sorrindo meio envergonhada - mas se engana. Não há nada mais ridículo que ter medo a algo sem nenhum motivo.
- Às vezes - disse Anthony com voz titubeante-, às vezes nossos temores respondem a motivos que não sabemos explicar. Às vezes se trata de algo que sentimos nas vísceras, algo que sabemos que é certo, mas que a qualquer outra pessoa pareceria ridículo.
Kate lhe olhou fixamente, observou seus olhos escuros iluminados pela vacilante luz da vela, e conteve o fôlego ao detectar um brilho de dor durante um segundo breve antes de que ele afastasse o olhar.
Soube com cada fibra de seu ser que não falava de algo intangível. Falava de seus próprios temores, de algo muito específico que o obcecava a cada minuto do dia.
Algo sobre o qual não tinha nenhum direito a perguntar. Embora o desejasse - oh, quanto o desejava -, desejava que quando ele estivesse preparado para fazer frente a seus temores, ela pudesse estar aí para ajudá-lo.
Mas isso não ia acontecer. Ele ia casar se com outra pessoa, talvez a própria Edwina, e só sua esposa teria direito a lhe falar de questões tão pessoais.
- Acho que talvez já esteja pronta para retornar ao meu quarto - disse. De repente era muito duro encontrar-se em sua presença, muito doloroso saber que pertenceria a alguém mais.
Os lábios de Anthony se curvaram formando um sorriso juvenil.
- Quer dizer que por fim posso sair de baixo desta mesa?
- OH, céus! - Levou uma das mãos à face com expressão envergonhada. - Sinto-o tanto. Temo que esqueci há tempo onde estávamos sentados. Deve pensar que sou uma idiota.
Ele negou com a cabeça, mas continuava sorrindo.
- Uma tola, nunca, Kate Sheffield. Nem sequer quando pensava que era a criatura feminina mais insuportável do planeta, tinha dúvidas a respeito de sua inteligência.
Kate, que tinha começado a sair de baixo da mesa, ficou quieta.
- Agora mesmo não sei se devo me sentir adulada ou insultada por essa afirmação.
- É provável que as duas coisas - admitiu ele-, mas em favor da amizade, decidamos que é um elogio.
Kate se voltou a olhá-lo. Era consciente de que apresentava uma imagem peculiar ali de quatro patas, mas o momento parecia muito importante para adiar aquela pergunta:
- Então somos amigos? -perguntou em um sussurro.
Ele assentiu com a cabeça.
- É difícil de acreditar, mas me parece que sim.
Kate sorriu e aceitou sua mão para levantar-se e ficar de pé.
- Me alegro. Em realidade... em realidade você não é o diabo que eu tinha pensado.
Anthony ergueu uma de suas sobrancelhas, e de repente seu rosto adotou uma expressão muito maliciosa.
- Bem, talvez o seja - corrigiu ela pensando que era possível que fosse o mulherengo e libertino que afirmava o resto da sociedade -. Mas é possível que também seja uma pessoa bastante agradável.
- Agradável soa muito insosso - comentou ele com ar meditativo.
- Agradável - disse ela com ênfase- é agradável. E tendo em conta minha antiga opinião de você, deveria estar encantado com o cumprimento.
Anthony riu.
- Há uma coisa sobre você, Kate Sheffield, que é certa: nunca é aborrecida.
- Aborrecida soa muito insosso - repetiu.
Ele sorriu com gesto sincero, não a curva irônica que empregava nas funções sociais mas algo autêntico. De repente Kate notou um nó na garganta.
- Receio que não posso acompanhá-la de retorno a sua habitação. Se alguém topasse conosco a esta hora...
Kate fez um gesto de assentimento. Tinham forjado uma amizade insólita, mas não queria que a obrigassem a casar-se com ele, não era certo? E não era preciso dizer que ele não queria casar-se com ela.
Anthony fez uma careta.
- Especialmente tendo em conta como vai vestida...
Kate desceu a vista e soltou um fôlego enquanto ajustava um pouco o robe. Tinha esquecido por completo que não ia vestida de forma apropriada. Era certo que sua roupa de noite não era atrevida nem reveladora, sobre tudo seu grosso robe, mas não deixava de ser roupa de noite.
- Vai se encontrar bem? - lhe perguntou com voz suave-. Ainda chove.
Kate se deteve e escutou a chuva, que tinha amainado e golpeava com suavidade as janelas.
- Acho que já passou a tormenta.
Ele fez um gesto de conformidade e se pôs a olhar ao corredor.
- Vazio - disse.
- Devo ir.
Anthony se fez a um lado para deixá-la passar.
Ela se adiantou, mas quando chegou à soleira, deteve-se para voltar-se.
- Lorde Bridgerton?
- Anthony - disse ele-. Me chame Anthony. Acho que eu já a chamei Kate.
- Ah sim?
- Quando a encontrei. - Fez um gesto com a mão. - Acho que não ouviu nada do que falei.
-Provavelmente esteja certo, Anthony. - Sorriu com vacilação. Seu nome soava estranho em sua língua.
Ele se inclinou um pouco para diante com uma luz peculiar, quase maliciosa em seus olhos.
- Kate - disse ele como resposta.
- Só queria dizer obrigada - disse ela-. Por me ajudar esta noite. Eu... - limpou a garganta. - Teria sido muito mais difícil sem você.
- Não fiz nada - disse com aspereza.
- Não, fez tudo. E então, antes de que sentisse a tentação de ficar, apressou-se pelo corredor e depois continuou pela escada.

Capítulo 13

Há pouco do que informar em Londres com tanta gente passando uns dias em Kent, na reunião campestre dos Bridgerton. Esta Autora tão somente pode imaginar todas as intrigas que logo chegarão à cidade. Haverá um escândalo, não é verdade? Sempre há um escândalo em uma reunião campestre.
REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
4 de maio de 1814

A manhã seguinte era esse tipo de manhã que em geral seguia a uma tormenta violenta: clara e luminosa, mas com uma boa bruma úmida que tornava fria e refrescante à pele.
Anthony não era consciente do clima pois tinha passado a maior parte da noite contemplando a escuridão e vendo tão somente o rosto de Kate. Ao final ficou dormindo quando os primeiros raios do amanhecer tocavam o céu. Quando despertou já era mais de meio-dia, mas não se sentia descansado.
Seu corpo estava envolto por uma mescla de esgotamento e energia nervosa. Pesavam-lhe as pálpebras e tinha os olhos inexpressivos em suas órbitas, mas não obstante os dedos não deixavam de tamborilar sobre a cama, deslocavam-se para a borda como se eles sozinhos pudessem lhe tirar dali e pô-lo em pé.
Mas quando seu estômago gemeu com tal sonoridade que pôde jurar que o gesso do teto tinha tremido ante seus olhos, levantou-se cambaleante e vestiu o roupão. Com um forte bocejo, abrindo muito a boca, aproximou-se até a janela, não porque procurasse algo ou a alguém em particular, mas sim porque a vista era preferível a qualquer outra coisa que visse em seu quarto.
E ainda assim, um quarto de segundo antes de olhar para baixo e contemplar o terreno, de certo modo sabia o que ia ver.
Kate. Cruzando a grama com lentidão, com muita mais lentidão que em qualquer outra ocasião anterior. Normalmente caminhava como se participasse de uma corrida.
Estava muito afastada para que lhe visse o rosto; distinguia uma seção do perfil, a curva de sua face. E mesmo assim, não podia afastar os olhos dela. Havia tanta magia em sua forma: uma graça estranha na maneira como balançava o braço enquanto caminhava, uma arte na postura de seus ombros...
Caminhava em direção ao jardim, percebeu.
E soube que tinha que reunir-se com ela.

O clima continuou naquele estado contraditório durante a maior parte do dia, dividindo aos convidados à reunião campestre pela metade entre os que insistiam em que o brilhante sol chamava a participar de atividades ao ar livre, e quem evitava a erva molhada e o ar úmido para procurar o ambiente mais quente e seco do salão.
Kate se situava claramente entre o primeiro grupo, embora não estivesse de humor para procurar companhia. O estado de sua mente era muito reflexivo para ter conversas corteses com gente que mal conhecia, assim escapuliu uma vez mais até os jardins espetaculares de lady Bridgerton e procurou um lugar tranqüilo em um banco próximo a pérgola de rosas. A pedra estava fria e ainda um pouco úmida debaixo de seu traseiro, mas como não tinha dormido o que se diz bem a noite anterior, encontrava-se cansada e aquilo era melhor que estar de pé.
Com um suspiro percebeu que se tratava quase do único lugar onde podia estar a sós. Se continuasse dentro da casa, sem dúvida se veria arrastada a unir-se ao grupo de damas que conversavam no salão enquanto escreviam cartas a seus amigos e familiares, ou ainda pior, ver-se-ia apanhada no círculo das damas que se retiraram à estufa para trabalhar em seus bordados. Quanto aos entusiastas das atividades ao ar livre, também se tinham dividido em dois grupos. Alguém se tinha partido ao vilarejo para fazer compras e ver as atrações que pudessem encontrar ali, e o outro tinha partido para dar um passeio até o lago. Como Kate não tinha nenhum interesse em comprar (e já estava bastante familiarizada com o lago), tinha evitado também ambas as companhias.
Daí sua solidão no jardim.
Permaneceu sentada durante vários minutos, com o olhar perdido no espaço, os olhos enfocados cegamente em um casulo fechado em uma roseira próxima. Era agradável encontrar-se a sós, sem ter que fechar a boca ou dissimular os sonoros ruídos sonolentos que fazia quando bocejava. Era agradável estar a sós, onde ninguém iria comentar as olheiras sob seus olhos ou sua quietude pouco comum ou seu pouca conversa.
Agradável era estar a sós ali, poder sentar-se e tentar esclarecer sua confusão de pensamentos sobre o visconde. Era uma tarefa assustadora, que teria preferido adiar, mas a qual tinha que fazer frente. Embora em realidade não havia muito que esclarecer. Porque tudo o que tinha sabido nos últimos dias dirigia sua consciência em uma única e singular direção. Sabia que já não podia opor-se ao cortejo de Edwina por parte do Bridgerton.
Nos dias anteriores ele tinha demonstrado ser sensível, compreensível e um homem de princípios. Inclusive heróico, pensou com um laivo de sorriso enquanto se lembrava da luz nos olhos de Penélope Featherington quando ele a salvou das garras verbais de Cressida Cowper.
Sentia devoção por sua família.
Tinha aproveitado sua posição social e seu poder não para tratar a alguém com prepotência porém para liberar do insulto a outra pessoa.
Tinha-a ajudado a superar um de seus ataques de pânico com uma gentileza e sensibilidade que, analisado agora com a mente limpa, deixava-a admirada.
Talvez tivesse sido um mulherengo e um libertino - talvez ainda o fosse - mas estava claro que sua conduta nesse sentido não era a única que o caracterizava. E a única objeção que tinha Kate para que ele não se casasse com a Edwina era...
Engoliu em seco dolorosamente. Tinha um nó na garganta tamanho de uma bala de canhão.
Porque no mais profundo de seu coração, queria-o para ela mesma.
Mas isso era egoísmo, e Kate passou a vida tentando ser altruísta, e sabia que nunca poderia pedir a Edwina que não se casasse com o Anthony por um motivo assim. Se Edwina soubesse que Kate estava interessada minimamente pelo visconde, poria fim ao cortejo. E que objeto teria aquilo? Anthony encontraria alguma outra candidata formosa a que seguir. Em Londres tinha de sobras para escolher.
Não é que ele a fosse cortejar em vez da sua irmã, assim, o que ganhava impedindo um enlace entre ele e Edwina?
Nada além da agonia de ter que vê-lo casado com sua própria irmã. E isso se desvaneceria com o tempo, não é? Tinha que ser assim; ela mesma havia dito a noite anterior que o tempo curava todas as feridas. Talvez, o mais provável era que lhe doesse o mesmo vê-lo casado com alguma outra dama; a única diferença seria que ela não teria que vê-lo durante as festividades, batismos e coisas do gênero.
Kate soltou um suspiro. Um suspiro longo, triste, lento, que lhe deixou sem ar os pulmões e os ombros afundados, em uma postura cada vez mais decaída.
Doía-lhe o coração.
E então uma voz encheu seus ouvidos. Sua voz, grave e suave, como um quente redemoinho em torno dela.
- Santo céu, que aspecto tão sério.
Kate se levantou de forma tão repentina que a parte posterior de suas pernas se chocou contra a borda do banco de pedra. Aquilo a fez perder o equilíbrio e dar um tropeção.
- Milord - exclamou.
Os lábios do Anthony formaram um esboço de sorriso.
- Pensei que talvez a encontraria aqui.
Kate abriu os olhos ao dar-se conta de que ele a tinha procurado de forma deliberada. Seu coração também começou a pulsar mais depressa, mas ao menos aquilo era algo que podia dissimular.
Anthony deu uma rápida olhada ao banco de pedra para lhe indicar que podia voltar a sentar-se sem mais formalismos.
- Para dizer a verdade, vi-a desde minha janela. Queria me assegurar de que se sentia melhor - disse com tranqüilidade.
Kate se sentou, a decepção se apoderou de sua garganta. Tão somente queria ser cortês. É claro só estava sendo cortês. Que tolice por de parte sonhar - ainda que só fosse por um momento- que poderia haver algo mais. Por fim tinha acabado por compreender que ele era uma pessoa agradável, e qualquer pessoa agradável quereria assegurar-se de que ela se encontrava melhor depois do que tinha acontecido ou a noite anterior.
-Assim é - respondeu. - muito melhor. Obrigado.
Embora Bridgerton tivesse reparado nas frases vacilantes e entrecortadas de Kate, não mostrou nenhuma reação discernível.
- Me alegro - falou enquanto se sentava ao lado dela-. Estive preocupado por você boa parte da noite.
O coração do Kate, que já pulsava muito depressa, deu então um salto.
- Ah sim?
- É claro. Como podia não estar?
Kate engoliu em seco. Ali estava, outra vez, aquela cortesia infernal. OH, não punha em dúvida que seu interesse e preocupação fossem reais e sinceros. O que lhe doía era que respondessem a sua amabilidade natural, não a um sentimento especial por ela.
Não é que tivesse esperado algo diferente. Mas de qualquer modo lhe era impossível não sentir alguma esperança.
- Sinto haver incomodado a essas horas da noite - se desculpou com voz suave, sobre tudo porque pensava que devia dizer-lhe A verdade, que se alegrava desesperadamente de que ele tivesse estado ali.
- Não seja tola - disse ele endireitando-se um pouco e cravando nela um olhar bastante severo-. Não podia imaginá-la sozinha durante toda a tormenta. Estou contente de ter estado ali para a consolar.
- Normalmente agüento sozinha as tormentas - admitiu ela.
Anthony franziu o cenho.
- Sua família não a reconforta nesses momentos?
Ela adotou um aspecto um pouco envergonhado para dizer:
- Não sabem que ainda me dão medo.
Bridgerton assentiu com a cabeça.
- Já vejo. Há vezes em que... -Anthony fez uma pausa para limpar a garganta, uma tática para desviar a atenção que empregava com freqüência quando não estava de todo seguro do que queria dizer.
- Acredito que se sentiria melhor se procurasse a ajuda de sua mãe e sua irmã, mas sei que... - Limpou a garganta uma vez mais. Conhecia bem a estranha e singular sensação de querer a sua família até a loucura e por outro lado não se sentir capaz de compartilhar com eles os temores mais profundos e inexplicáveis. Produzia-lhe uma sensação de isolamento, de estar muito só em meio de uma multidão ruidosa e cordial-. Sei - repetiu tentando manter a voz firme e contida- que às vezes é mais difícil compartilhar os temores com aqueles a quem ama de um modo mais profundo.
Os olhos castanhos de Kate, inteligentes, afetuosos e inegavelmente perceptivos, concentraram-se nos dele durante uma fração de segundo, e Anthony teve o insólito pensamento de que, de algum modo, ela sabia tudo dele, até o último detalhe: desde o momento de seu nascimento até sua certeza a respeito de sua morte prematura. Naquele instante parecia que ela, com seu rosto inclinado para ele e os lábios um pouco separados, conhecesse-lhe melhor que nenhuma outra pessoa que tivesse caminhado alguma vez sobre esta terra.
Foi emocionante.
Mas mais que isso, era aterrador.
- É um homem muito sensato - comentou ela em um sussurro.
Anthony levou um momento para recordar do que tinham estado falando. Ah, sim, os medos. Sabia de medos. Tentou tirar importância a seu elogio com uma risada.
- A maior parte do tempo sou bastante disparatado.
Ela negou com a cabeça.
- Não. Acredito que, como diz o refrão, bateu bem no prego. É claro, não o vou contar a Mary nem a Edwina. Não quero preocupá-las. - Mordiscou o lábio durante um momento; um movimento gracioso com os dentes que lhe era estranhamente sedutor-. É claro - acrescentou ela, para ser sincera, tenho que confessar que meus motivos não são de todo desinteressados. Sem dúvida parte de minha atitude têm que ver com meu desejo de não lhes mostrar minha debilidade.
- Não é um pecado tão terrível - murmurou.
- Em relação a pecados, suponho que não - disse Kate com um sorriso. - Mas me atreveria a adivinhar que você também sofre do mesmo defeito.
Não disse nada, só expressou com a cabeça sua conformidade.
- Todos temos nosso papel na vida - continuou ela- e o meu sempre foi ser forte e sensata. Me esconder debaixo da cama durante uma tormenta elétrica não é nenhuma das duas coisas.
- Sua irmã - continuou ele com calma- é provável que seja muito mais forte do que pensa.
Kate voltou o olhar para o rosto dele. Tentava lhe dizer que se apaixonara por Edwina? Já tinha elogiado a beleza e elegância de sua irmã com antecedência, mas nunca se referiu a sua pessoa interior.
Kate estudou seus olhos tudo quanto pôde, mas não encontrou nada que lhe revelasse seus verdadeiros sentimentos.
- Não queria dar a entender que não o fosse - replicou depois de um instante-. Mas sou sua irmã mais velha . Sempre tive que ser forte para ela. Enquanto que ela só teve que ser forte para si mesma. -Kate voltou a olhá-lo nos olhos e descobriu que ele a observava com uma atenção peculiar, quase como se ele pudesse ver por debaixo de sua pele, até o interior de sua própria alma-. Você também é o irmão mais velho -disse-. Estou certa de que sabe a que me refiro.
Ele assentiu com a cabeça, com olhos que pareciam divertidos e resignados ao mesmo tempo.
- Exatamente.
Kate lhe dedicou um olhar que serviu de resposta, o tipo de olhar que se lançavam as pessoas que tinham passado por experiências e transes similares. E ao mesmo tempo que se sentia cada vez mais relaxada a seu lado, quase como se pudesse afundar-se contra ele e enterrar-se no calor de seu corpo, soube que não podia adiar sua obrigação mais tempo.
Tinha que lhe comunicar que tinha retirado sua oposição a sua relação com a Edwina. Não era justo que o guardasse para ela, só porque queria ficar com Anthony, embora só fosse durante uns breves momentos perfeitos justo aí no jardim.
Respirou fundo, endireitou os ombros e se voltou para ele.
E ele a olhou com expectativa. Era claro, ao fim e ao cabo, que tinha algo para dizer.
Os lábios de Kate se separaram. Mas nada surgiu de sua boca.
- Sim? -perguntou ele com aspecto bastante divertido.
- Milord -soltou ela.
- Anthony - lhe corrigiu com afeto.
- Anthony - repetiu enquanto se perguntava por que o uso de seu nome de batismo fazia isto mais difícil-.
Preciso falar de algo com você.
Ele sorriu.
- Isso me parecia.
Os olhos de Kate pareceram fixar-se de forma inexplicável em seu pé direito, que riscava meia luas no pó do atalho.
É ... mmm... sobre Edwina.
Anthony arqueou as sobrancelhas e seguiu com o olhar seu pé, que tinha deixado já as meias luas e agora desenhava linhas serpenteantes.
- Acontece algo com sua irmã? -se interessou com amabilidade.
Kate negou com a cabeça e voltou a erguer a vista.
- Não, absolutamente. Acredito que se encontra no salão, escrevendo uma carta a nossa prima do Somerset. Às damas gostam de fazer isso, já sabe.
Ele pestanejou.
- Fazer o que?
- Escrever cartas. Não me dou bem em escrever cartas - continuou, suas palavras saíam de um modo precipitado e peculiar- já que raras vezes tenho suficiente paciência para permanecer quieta sentada diante da escrivaninha o tempo necessário para escrever toda uma carta. Para não mencionar que meu estilo é desastroso. Mas a maioria das damas passa uma boa parte do dia redigindo missivas.
Ele tentou não sorrir.
- Queria me advertir de que a sua irmã gosta de escrever cartas?
- Não, é claro que não - falou. - Só é que me perguntou se estava bem, e eu respondi que, é claro, e lhe contei onde estava, e logo perdemos por completo o fio e...
Anthony pôs uma mão sobre a sua, e conseguiu por fim interrompê-la.
- O que tinha que me dizer, Kate?
Observou-a com interesse enquanto endireitava os ombros e apertava o queixo. Parecia que se estivesse preparando para uma tarefa horrível. Logo, com uma grande frase apressada, disse:
- Só queria que soubesse que retirei minhas objeções a seu pedido de mão da Edwina. De repente, Anthony sentiu seu peito um pouco fundo.
- Ah... vejo - disse, não porque entendesse, só porque tinha que dizer algo.
- Admito meus preconceitos contra você - continuou rápida- mas pude conhecê-lo desde minha chegada a Aubrey Hall, e com toda consciência, não posso permitir que siga pensando que ia interpor-me em seu caminho. Não... não seria justo de minha parte.
Anthony ficou olhando-a, sem palavras. Havia algo deprimente, percebeu fracamente, no fato de que ela aceitasse que se casasse com sua irmã já que tinha passado a maior parte dos dois últimos dias combatendo uma necessidade imperiosa de beijá-la até deixá-la sem sentido.
Por outro lado, não era isso o que ele queria? Edwina seria uma esposa perfeita.
Kate não.
Edwina cumpria com todos os critérios que ele tinha estabelecido quando decidiu que por fim já era hora de casar-se.
Kate não.
E certamente não podia paquerar com Kate se sua intenção era casar-se com a Edwina.
Estava-lhe dando o que ele queria, exatamente, recordou-se, o que ele queria: Edwina se casaria com ele a semana próxima com a bênção de sua irmã se assim o desejassem.
Então por que diabos queria agarrá-la pelos ombros e sacudi-la e sacudi-la e sacudi-la até que retirasse cada uma daquelas fastidiosas palavras?
Era aquela faísca. Aquela maldita faísca que nunca parecia apagar-se entre eles. Aquele espantoso formigamento de reconhecimento que o consumia cada vez que ela entrava em um aposento ou tomava fôlego ou movia a ponta do pé. Aquele desgosto de saber que ele seria capaz, se tivesse a oportunidade, de amá-la.
Que era o que mais medo lhe dava do mundo.
Talvez a única coisa da qual tinha um medo atroz.
Era irônico, mas a morte não era algo que o assustasse. A morte não assustava a um homem que estivesse sozinho. O mais à frente não infundia nenhum terror quando alguém tinha conseguido evitar os vínculos terrestres.
O amor era algo verdadeiramente espetacular e sagrado. Anthony sabia. Tinha-o visto cada dia de sua infância, cada vez que seus pais se olhavam ou se tocavam a mão.
Mas o amor era o inimigo de um homem que ia morrer. Era o único que podia converter o resto de anos em algo intolerável: saborear a sorte e saber que tudo lhe ia ser arrebatado. E era provável que esse fosse o motivo de que, quando Anthony reagiu finalmente às palavras de Kate, não a estreitasse em seus braços e a beijasse até deixá-la sem sentido, não apertasse seus lábios contra sua orelha e lhe queimasse a pele com seu fôlego, para assegurar-se de que entendia que estava louco por ela, não por sua irmã.
Nunca por sua irmã.
Em vez disso, continuou observando-a sem alterar-se, com o olhar muito mais sereno que seu coração, e disse:
- Me tranqüiliza. - Mas o disse com a estranha sensação de que em realidade não se encontrava ali mas e sim observava toda a cena, nada mais que uma farsa, a verdade, desde fora de seu corpo, perguntando-se em todo momento que diabos estava passando.
Ela sorriu com debilidade e disse:
- Pensava que o tranqüilizaria sabê-lo.
- Kate, eu...
Ela nunca soube o que pretendia dizer. Para ser francos, ele não estava absolutamente seguro do que ia dizer. Nem sequer tinha percebido que ia falar até que seu nome surgiu de seus lábios.
Mas suas palavras permaneceriam para sempre sossegadas, porque naquele momento o ouviu. Um zumbido grave. Um gemido, em realidade. Era o tipo de som que resultava um tanto perturbador à maioria das pessoas. Para Anthony nada podia ser mais aterrador.
- Não se mova - disse em um sussurro rouco por causa do temor
Kate entrecerrou os olhos e, é claro, moveu-se, tentou voltar a cabeça para ele.
- De que fala? O que acontece?
- Não se mova - repetiu.
Kate deslocou o olhar à esquerda, logo o fez seu queixo tão somente meio centímetro.
- OH, só é uma abelha! - Seu rosto esboçou uma careta de alívio e ergueu a mão para
espantá-la -. Pelo amor de Deus, Anthony, não volte a fazer isso. Por um momento me assustou.
Anthony lançou sua mão para agarrar o pulso de Kate com uma força dolorosa.
- Disse-lhe que não se mova - disse entre dentes.
- Anthony - respondeu ela rindo, - é uma abelha.
Ele a obrigou a ficar imóvel, segurava-a com força, inclusive o fazia machucando-a, e seus olhos não se afastavam em nenhum momento da asquerosa criatura, observavam-na zumbindo resolvida ao redor da cabeça do Kate. Estava paralisado de medo, de fúria e de algo mais que não podia qualificar com exatidão.
Não é que não tivesse estado em contato com abelhas nos onze anos transcorridos desde a morte de seu pai. Ao fim e ao cabo, não se podia residir na Inglaterra e esperar evitá-las por completo. Até agora, de fato, obrigou-se a paquerar com elas de um modo peculiar e fatalista. Sempre tinha suspeitado que estava condenado a seguir os passos de seu pai em todos os sentidos. Se um humilde inseto tinha que acabar com ele, certamente que ele se manteria firme, sem ceder terreno. Ia morrer mais cedo ou mais... bem, mais cedo, mas não ia escapar correndo de um maldito inseto. E portanto, quando alguma abelha aparecia voando, ria, zombava, amaldiçoava, espantava-a com a mão e a desafiava a contra-atacar.
E nunca o tinham picado.
Mas ao ver uma voando tão perto de Kate, lhe roçando o cabelo e posando-se sobre as mangas de encaixe do vestido... aquilo era aterrador, tinha-lhe quase hipnotizado. Sua mente se desfocou e se imaginou o diminuto monstro cravando seu aguilhão em sua branda pele, viu-a ela com problemas para respirar e caindo ao chão.
Viu-a aqui em Aubrey Hall, estendida na mesma cama que tinha servido de primeiro féretro a seu pai.
- Continue quieta - lhe sussurrou-. Vamos levantar-nos... devagar. Logo nos afastaremos andando pouco a pouco.
Anthony - disse ela enrugando os olhos pela confusão e a impaciência-, o que lhe acontece?
Puxou-a pela mão em uma tentativa de obrigá-la a levantar-se, mas ela resistiu.
- É uma abelha - disse com voz exasperada-. Deixa de se comportar de forma tão estranha. Pelo amor de Deus, não vai matar me.
Suas palavras pesaram no ar, quase como objetos sólidos, prontas para estelar se contra o chão e fazer-se em pedacinhos. Logo, finalmente, quando Anthony notou que sua garganta se relaxava o suficiente para falar, disse com voz grave e intensa:
- Podia fazê-lo.
Kate ficou paralisada, não porque tivesse intenção de seguir suas ordens mas sim porque algo em seu aspecto, algo em seus olhos, espantou-a de todo. Parecia mudado, possuído por algum demônio desconhecido.
- Anthony - disse com um tom de voz que esperava que soasse firme e autoritário- me solte o pulso imediatamente.
Kate puxou, mas ele não afrouxou, e a abelha continuou zumbindo sem pausa a seu redor.
- Anthony! - exclamou-. Para isto agora...
O resto da frase se perdeu enquanto ela conseguia finalmente estirar a mão até soltar a de seu cansativo afeto. A repentina liberação fez que perdesse o equilíbrio: sacudiu os braços como sinais de multiplicação e a parte interior do cotovelo produziu um golpe à abelha, que soltou um
sonoro e furioso zumbido quando a força do estrondo a enviou pelo espaço, arrojando-a sobre a franja de pele nua situada sobre o sutiã debruado de encaixe de seu vestido de tarde.
- Oh, pelo amor de... Uaaa! - Kate soltou um uivo enquanto a abelha, sem dúvida enfurecida pelo mau trato, afundava o aguilhão em sua carne-. OH maldição - disse ela, abandonando qualquer pretensão de falar corretamente. Só era o aguilhão de uma abelha, é claro, nada que não tivesse padecido no passado, mas, complicações, doía - OH, maldita seja - resmungou enquanto empurrava o queixo contra o peito para poder olhar e obter uma vista melhor da marca vermelha que começava a inchar junto ao cós do corpete. - Agora terei que ir à casa a por um ungüento, e acabarei me pondo perdida. - Com um bufo de desdém, retirou do vestido a carcaça morta da abelha enquanto resmungava: - Bom, ao menos está morta, a grande aborrecida. Provavelmente é a única justiça do...
Foi então que ergueu a vista e descobriu o rosto de Anthony. Ficou branco. Não pálido, nem sequer sem cor, mas branco.
- Oh, Deus meu - sussurrou ele, e o mais estranho era que seus lábios nem sequer se movíam-. OH, Meu deus.
- Anthony? - perguntou inclinando-se para diante e esquecendo por um instante a dolorosa picada em seu peito -. Anthony, o que acontece?
Fosse qual fosse o transe em que se encontrasse, de repente reagiu, e saltou para diante, com uma mão a colheu com brutalidade pelos ombros enquanto com a outra lutava com o corpete do vestido para retirá-lo para baixo e limpar a zona da ferida.
- Milord! - chiou Kate -. Pare!
Bridgerton não disse nada, mas sua respiração era entrecortada e rápida enquanto a segurava contra o espaldar do banco, segurando o vestido para baixo, não tanto para revelar seu seio, mas certamente mais abaixo do que permitia a decência.
- Anthony! -tentou de novo, com a esperança de que se usasse seu nome de batismo talvez captasse sua atenção. Este não era o homem que conhecia; não era o que tinha estado sentado a seu lado minutos antes.
Estava enlouquecido e fazia caso omisso de seus protestos.
- Vai calar-se? -disse entre dentes, sem elevar a vista nem um só momento. Tinha os olhos fixos no círculo vermelho e inchado de seu peito e, com mãos trêmulas, procedeu a arrancar o aguilhão da pele.
- Anthony, estou bem! - Insistiu-. Que não...
Soltou um arquejo. Tinha movido levemente uma de suas mãos enquanto empregava a outra para tirar um lenço que tinha no bolso e agora lhe agarrava todo o seio sem muita delicadeza.
- Anthony, o que está fazendo? -Tentou lhe agarrar a mão para que parasse aquilo, mas ele tinha muito mais força.
E a segurou ainda com mais força contra o espaldar do banco, com a palma apertada contra seu peito.
- Fique quieta! - disparou, depois agarrou o lenço e começou a apertar contra a picada torcida.
- O que está fazendo? -perguntou Kate, ainda tentando escapulir.
Ele não levantou a vista.
- Extrair o veneno.
- Há veneno?
- Deve haver - resmungou -. Tem que haver. Algo a está matando.
Kate ficou boquiaberta.
- Algo me está matando? Está louco? Nada me está matando! É uma picada de abelha.
Mas não lhe fez o menor caso, estava muito concentrado na tarefa designada de curar a ferida.
- Anthony - disse com voz apaziguadora em um esforço de raciocinar com ele. - Agradeço sua inquietação, mas as abelhas me picaram ao menos meia dúzia de vezes e...
- Também o tinham picado antes - interrompeu.
Algo em sua voz lhe provocou um calafrio que percorreu toda sua coluna.
- A quem? -perguntou em um sussurro.
Ele apertou com mais firmeza o inchaço e secou com uns toques o líquido claro que supurava da picada.
- A meu pai - disse com tom terminante. - E morreu.
Kate custava acreditar naquilo.
- Uma abelha?
- Sim, uma abelha - respondeu com brusquidão. - Não me escuta?
-Anthony, uma abelha não pode matar a um homem.
Ele se deteve de fato durante um breve instante para lhe dirigir um rápido olhar. Um olhar duro, obsessivo.
-Asseguro-lhe que pode - disse com brutalidade.
Kate não podia acreditar que falasse a sério, mas tampouco pensava que estivesse mentindo, portanto permaneceu quieta durante um momento. Reconhecia que a necessidade que ele sentia de tratar a picada de abelha era muito superior a sua necessidade de escapulir de seus cuidados.
- Continua inchado - balbuciou enquanto apertava com mais força o lenço.
- Parece-me que não tirei tudo.
- Estou certa de que não me vai acontecer nada - disse com amabilidade, sua ira se estava convertendo quase em uma preocupação maternal. Ele tinha a fronte enrugada pela concentração, e seus movimentos ainda denotavam uma energia frenética. Estava duro de medo, percebeu Kate, temeroso de que ela ficasse morta ali mesmo no banco do jardim, derrubada por uma diminuta abelha.
Parecia incompreensível, mas não obstante era verdade.
Anthony sacudiu a cabeça.
- Não é suficiente - disse com voz rouca-. Tenho que tirar de tudo.
- Anthony, eu... O que faz?
Tinha jogado para trás o queixo, e agora aproximava sua cabeça, reduzia a distância que os separava quase como se tivesse intenção de beijá-la.
- Vou ter que sugar o veneno - disse com ar grave-. Permanece quieta.
- Anthony -chiou ela-. Não pode... -disse entre arquejos, incapaz por completo de finalizar a frase. Uma vez sentiu que seus lábios se apoiavam em sua pele e aplicavam uma pressão suave, inexorável, que tirava dela para sua boca. Kate não sabia como responder, não sabia se o afastava
ou o atraia para si.
Mas afinal ficou paralisada. Porque quando ergueu a cabeça e olhou por cima do ombro, descobriu a um grupo de três mulheres que os observavam com a mesma expressão escandalizada.
Mary.
Lady Bridgerton.
E a senhora Featherington, possivelmente a maior fofoqueira da aristocracia londrina.
E Kate soube, sem nenhuma dúvida, que sua vida nunca voltaria a ser igual.


Capítulo 14

E se o escândalo salta na reunião campestre de lady Bridgerton, aqueles de nós que ficamos em Londres podemos estar por completo seguros de que todas e cada uma das excitantes notícias alcançarão nossos tenros ouvidos a maior brevidade. Com tantas fofoqueiras reconhecidas ali presentes, todos nós temos um relatório completo garantido e detalhado.

REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
4 de maio de 1814

Durante uma fração de segundo, todo mundo permaneceu paralisado como se aquilo fosse uma gravura dramática. Kate olhou às três matronas cheia de consternação. Elas a olhavam por sua vez com absoluto horror.
E Anthony continuava empenhado em extrair o veneno da picada de abelha de Kate, alheio porcompleto ao fato de ter público.
Do quinteto, Kate foi a primeira em encontrar a voz, e a força para falar. Empurrando ao Anthony pelo ombro com toda sua energia, soltou um grito veemente:
- Basta!
Anthony, de todo despreparado, foi surpreendentemente fácil de afastar e aterrissou no chão sobre seu traseiro, com o olhar ainda chamejante em seu empenho de salvá-la do que ele percebia como um destino mortal.
- Anthony? - disse lady Bridgerton ofegante. Pronunciou o nome de seu filho com voz trêmula, como se lhe custasse acreditar em tudo o que estava vendo.
Ele se voltou.
- Mãe?
- Anthony, o que estava fazendo?
- Uma abelha a picou - disse com expressão grave.
- Me encontro bem - insistiou Kate, logo puxou seu vestido para cima. - Já lhe tinha dito que me encontrava bem, mas não queria me escutar.
Os olhos de lady Bridgerton se empanaram pois ela compreendia a situação.
- Vejo sim, - disse com voz baixa e triste, e Anthony soube o que via. Talvez ela fosse a única pessoa capaz de fazê-lo.
- Kate - disse Mary por fim, encontrando dificuldades para articular palavra-, tem os lábios
sobre você... sobre você...
-Sobre seu seio - concluiu a senhora Featherington serviçal com os braços dobrados sobre seu amplo seio. Um cenho de desaprovação marcava seu rosto, mas estava claro que se estava divertindo muito.
- Não é isso! -exclamou Kate enquanto se esforçava por levantar-se, o que não era uma tarefa fácil pois Anthony tinha aterrissado sobre um de seus pés quando lhe separou do banco-. Picou-me justo aqui! - Com um gesto impetuoso, assinalou com o dedo o sinal vermelho, ainda inchado, sobre a fina pele que cobria sua clavícula.
As três mulheres mais velha olharam com fixidez a picada, e sua pele adquiriu também idênticos rubores de um débil carmesim.
- Não está tão perto de meu seio, certamente que não! -protestou Kate, muito horrorizada pela aparência da conversa para sentir-se sobressaltada por empregar aquela linguagem bastante anatômica.
-Não está longe - indicou a senhora Featherington.
- Ninguém vai calar-se ? - disparou Anthony.
- Vá! - a senhora Featherington se aborreceu-se. - Se eu nunca...!
- Não - replicou Anthony-. Você sempre.
- O que quer dizer com isso? - quis saber a senhora Featherington dando uma cotovelada em lady Bridgerton no braço. Ao ver que a viscondessa não respondia se voltou para a Mary e repetiu a pergunta.
Mas Mary só tinha olhos para sua filha.
- Kate - ordenou-, venha aqui imediatamente.
Sua filha, diligente, foi a seu lado.
- Bem? - perguntou a senhora Featherington -. O que vamos fazer?
Quatro pares de olhos se voltaram para ela cheios de incredulidade.
- Vamos? -perguntou Kate com voz fraca.
- Não consigo entender o que tem você que dizer neste assunto - replicou Anthony.
A senhora Featherington se limitou a soltar um sonoro bufo nasal cheio de desdém.
- Tem que casar-se com a moça - anunciou.
- O que? - A palavra rasgou a garganta de Kate-. Deve ter se tornado louca.
- Devo de ser a única sensata neste jardim, isso acredito eu - disse com tom oficioso a senhora Featherington-. Caramba, moça, tinha sua boca em seus seios, e todas o vimos.
- Não é assim! - gemeu Kate-. Picou-me uma abelha. Uma abelha!
- Portia - interveio lady Bridgerton-, não acho que seja preciso usar uma linguagem tão gráfica.
- Neste momento a delicadeza tem pouco sentido - respondeu a senhora Featherington-. Descrevamo-lo como o descrevemos, vai constituir uma bonita fofoca. O solteiro mais contumaz de toda a aristocracia, caído por uma abelha. Tenho que dizer, milord, que não me tinha imaginado nada assim.
- Não vai haver nenhuma fofoca - grunhiu Anthony enquanto se aproximava dela com ar ameaçador - porque ninguém vai dizer uma só palavra. Não permitirei que se manche o bom nome da senhorita Sheffield.
Saíram os olhos das órbitas da senhora Featherington, pois não dava crédito ao que acabava
de ouvir.
- Acredita que poderá impedir que se fale disto?
- Eu não vou dizer nada, e duvido bastante que a senhorita Sheffield vá fazê-lo -manifestou enquanto se plantava as mãos nos quadris e fulminava à matrona com o olhar. Era o tipo de olhar com o qual conseguia que qualquer homem feito ficasse de joelhos, mas a senhora Featherington ou era imune a ela ou era estúpida, de modo que Bridgerton teve que continuar-. O que nos deixa com nossas respectivas mães, quem por lógica têm um interesse pessoal em proteger nossas reputações. O que a deixa a você, senhora Featherington, como único membro deste reduzido e íntimo grupo que poderia preferir ser uma lavadeira faladeira e fofoqueira.
A senhora Featherington ficou vermelha como um tomate.
- Qualquer um poderia ter sido testemunha da casa - disse com amargura, resistindo sem dúvida a perder uma peça tão excelente de fofoca. A tratariam com atenção durante todo um mês por ser a única testemunha de um escândalo assim. Quer dizer, a única testemunha que podia falar.
Lady Bridgerton lançou um rápido olhar à casa enquanto seu rosto empalidecia.
Tem razão, Anthony - disse-. Estavam a plena vista da ala de convidados.
- Foi uma abelha. - Kate virtualmente gemeu. - Nada mais que uma abelha!
Seu arrebatamento só encontrou silêncio. Deslocou o olhar da Mary a lady Bridgerton; ambas a observavam com expressões que oscilavam entre a preocupação, a amabilidade e a lástima.
Depois olhou a Anthony, cuja expressão era dura, calada e ilegível.
Kate fechou os olhos com amargura. Não era assim como se supunha que teria que acontecer. Embora houvesse dito ao Anthony que dava visto bom a suas bodas com sua irmã, em segredo o que desejava era que fosse para ela, mas não deste modo.
OH, Deus bendito, deste modo não. Não de maneira que ele se sentisse apanhado. Não de maneira que ele tivesse que passar o resto de sua vida olhando-a e desejando que fosse outra pessoa.
- Anthony? -disse em um sussurro. Talvez se falassem, talvez se ele a olhasse, Kate pudesse deduzir o que estava pensando.
- Nos casaremos a semana que vem - manifestou. Sua voz soava firme e clara, mas por outro lado carente de toda emoção.
- OH, bem! - disse lady Bridgerton com grande alívio e se agarrou ambas as mãos -. A senhora Sheffield e eu começaremos imediatamente com os preparativos.
- Anthony - Kate voltou a sussurrar, desta vez com mais apresso -, está certo do que diz? - Agarrou-o pelo braço e tentou afastá-lo das matronas. Só ganhou uns poucos centímetros, mas ao menos agora não estavam de frente a elas.
Bridgerton a olhou com olhos implacáveis.
- Nos casaremos - disse simplesmente, com a voz do aristocrata consumado, sem tolerar nenhum protesto e esperando ser obedecido-. Não podemos fazer outra coisa.
- Mas você não quer se casar comigo - repôs ela. Aquela frase conseguiu que Anthony arqueasse uma sobrancelha.
- E você quer se casar comigo?
Ela não disse nada. Não podia dizer nada, não se quisesse manter uma mínima partícula de
orgulho.
-Imagino que nos levaremos o suficientemente bem - continuou ele, sua expressão se suavizou um pouco.
- Nos fizemos amigos em certo modo, depois de tudo. Isso é mais do que a maioria de homens e mulheres têm ao iniciar uma união.
- Não é possível que queira isto - insistiu ela-. Queria se casar com a Edwina. O que vai dizer a Edwina? Cruzou os braços.
- Nunca fiz nenhuma promessa a Edwina. E imagino que lhe direi que nos apaixonamos, assim simples.
Kate notou que seus olhos se entreabriam sem ela pretendê-lo.
Ele encolheu os ombros.
- Então lhe diga a verdade. Que a picou uma abelha, e que eu tentava ajudá-la, e que nos apanharam em uma postura comprometedora. Diga o que quiser. É sua irmã.
Kate se deixou cair outra vez sobre o banco de pedra com um suspiro.
- Ninguém vai acreditar que quer se casar comigo - concluiu. - Todo mundo pensará que o apanhei. - Anthony lançou um olhar significativo às três mulheres, quem continuavam observando-os com supremo interesse. Depois de um "Nos desculpam?", tanto sua mãe como a do Kate retrocederam algum metro e deram a volta para lhes facilitar certa intimidade. Ao ver que a senhora Featherington não seguia seu exemplo imediatamente, Violet se aproximou para agarrá-la pelo braço e quase o desencaixa ao fazê-lo.
Anthony, depois de sentar-se ao lado de Kate, disse:
- Pouco podemos fazer para impedir que a gente fale, sobre tudo com Portia Featherington como testemunha. Não confio em que essa mulher mantenha a boca fechada mais do que tarde em retornar à casa.
- Se reclinou um pouco para trás e apoiou o tornozelo esquerdo sobre o joelho direito. - Ou seja, que também podemos tentar que saia o melhor possível. Tenho que me casar este ano...
- Por que?
- Por que, o que?
- Por que tem que se casar este ano?
Ele fez uma pausa. Em realidade não havia uma resposta para essa pergunta. De modo que disse:
-Porque o tinha decidido assim, e isso já é suficiente motivo para mim. Quanto a ti, tem que te casar algum dia...
Interrompeu-o outra vez.
- Para ser sincera, já tinha assumido muito que não o faria.
Anthony sentiu que seus músculos entravam em tensão, levou-lhe vários segundos perceber de que o que sentia era raiva.
- Pensava viver como uma solteirona?
Kate fez um gesto de assentimento, com olhos inocentes e francos ao mesmo tempo.
- Parecia sem dúvida uma possibilidade, sim.
Anthony permaneceu quieto durante vários segundos enquanto pensava que gostaria de assassinar a todos esses homens e mulheres que a tinham comparado com a Edwina e tinham pensado que não estava à altura. Em realidade, Kate não tinha nem idéia de que podia ser
atraente e desejável por direito próprio.
Quando a senhora Featherington anunciou que deviam casar-se, sua reação inicial tinha sido a mesma de Kate: horror absoluto. Para não mencionar que seu orgulho tinha sido tocado em certo sentido. Nenhum homem gosta de ver-se obrigado a casar-se, e era em especial mortificante que o que lhe obrigasse fosse uma abelha.
Mas enquanto permanecia aí observando a Kate uivando seus protestos (não a mais aduladora das reações, pensou), o inudou uma sensação de satisfação.
Desejava-a.
Desejava-a com desespero.
Nem em um milhão de anos se permitiria escolhê-la a ela como esposa. Era muito perigosa, em excesso, para sua paz mental.
Mas o destino tinha intervindo e agora parecia que tinha que casar-se com ela... Bem, tinha a impressão de que não ia servir muito armar um alvoroço. Havia destinos piores que casar-se com uma mulher inteligente, divertida, a quem por cima desejava as vinte e quatro horas do dia.
A única coisa que tinha de fazer era assegurar-se de que não se apaixonava por ela. O que não tinha que ser impossível, verdade que não? Deus sabia que o tornava louco a metade das vezes com suas rixas incessantes. Mas poderia ter um matrimônio agradável com Kate. Desfrutaria de sua amizade e desfrutaria de seu corpo, e isso seria tudo. Não havia por que ir mais ao fundo.
E não podia ter sonhado com uma mulher melhor como mãe de seus filhos quando ele faltasse. O certo era que devia valorizar aquilo em sua justa medida.
- Funcionará - disse com grande autoridade-. Já verá.
Kate o olhava com vacilação, mas fez um gesto afirmativo. É claro, pouco mais podia fazer. A pior fofoqueira de Londres acabava de apanhá-la com a boca de um homem sobre seu seio. Se ele não tivesse feito aquele oferecimento de matrimônio, teria perdido o bom nome para sempre.
E se se negasse a casar-se com ele... Bem, então estaria condenada como mulher perdida e como idiota.
Anthony se levantou de forma repentina.
- Mãe! - disparou e deixou Kate no banco enquanto se aproximava de lady Bridgerton -. Minha noiva e eu desejamos um pouco de intimidade aqui no jardim.
- É claro - murmurou a viscondessa.
- Lhe parece isso prudente? -perguntou a senhora Featherington.
Anthony se adiantou, aproximou muito a boca ao ouvido de sua mãe e sussurrou:
- Se não a leva de minha presença nos segundos seguintes, a assassino aqui mesmo.
Lady Bridgerton se engasgou com uma risada e assentiu com a cabeça. Ao final conseguiu dizer:
- É claro.
Em menos de um minuto, Anthony e Kate estavam a sós no jardim.
Anthony se voltou para olhá-la; Kate se tinha levantado e tinha dado uns poucos passos para ele.
- Creio - murmurou Bridgerton, e enlaçou suavemente seu braço com o dela - que deveríamos considerar nos retirar da vista da casa.
Seu passo era longo e resoluto, e Kate deu algum tropeções enquanto tentava encontrar o passo e situar-se a sua altura.
- Milord - perguntou apressando-se a seu lado-, parece-lhe de verdade prudente?
- Soa como a senhora Featherington - comentou sem diminuir a marcha nem um momento.
- Deus me livre - murmurou Kate-, mas mantenho a pergunta.
- Sim, penso que é de todo prudente - respondeu, e a meteu em uma pracinha. Tinha as paredes parcialmente abertas para deixar passar o ar, mas estava rodeada de lírios que ofereciam uma intimidade considerável.
- Mas...
Ele sorriu. Um sorriso lento.
- Sabe que discute muito?
- Me trouxe aqui para me dizer isso?
- Não, para isso não - disse arrastando as palavras-. Trouxe-a aqui para fazer isto.
E então, antes de que Kate tivesse ocasião de pronunciar uma só palavra, antes que tão sequer tivesse ocasião de encher-se de fôlego, sua boca desceu e capturou a dela com um beijo faminto e abrasador.
Seus lábios eram vorazes, tomavam tudo o que tinham que dar e logo pediam ainda mais. O fogo candente ardeu e chispou no interior de Kate com mais ardor que aquela noite no estúdio, dez vezes mais. Estava-se fundindo. Deus santo, estava-se fundindo e queria muito mais.
- Não deveria me fazer isto - sussurrou junto a seu ouvido. - Não deveria. Tudo em você é totalmente inapropriado. E não obstante...
Kate soltou um arquejo quando as mãos do Anthony a surpreenderam pelas costas para atraí-la com brusquidão contra sua ereção - O vê? - disse com voz entrecortada enquanto movia seus lábios sobre a face de Kate -. Sente-o? -Riu com voz rouca, com um estranho som zombeteiro. - Já o entende? -
Apertou-a sem piedade e depois mordiscou a tenra pele de sua orelha. - É claro que não.
Kate sentiu que se deslizava contra ele. A pele começava a lhe arder, e os braços traidores do Anthony não deixavam de escapulir-se para cima e ao redor de seu pescoço. Estava avivando um fogo dentro ela, algo que nem sequer sabia como controlar. Estava possuída por uma necessidade primitiva, algo abrasador, fundido, que só necessitava do contato da pele do Anthony contra a dela.
Desejava-o. OH, quanto o desejava. Não deveria desejá-lo, não deveria desejar a este homem que se casava com ela por todas as razões equivocadas.
E não obstante o desejava com um desespero que a deixava sem fôlego.
Não estava bem, não estava nada bem. Tinha graves duvida a respeito deste casamento e sabia que devia manter a cabeça limpa. Continuou recordando a si mesma, mas isso não impediu que seus lábios se separassem para permitir a entrada a ele, nem que sua própria língua saísse com acanhamento para saborear a comissura de sua boca.
E o desejo que se ia acumulando em seu ventre - sem dÚvida isso tinha que ser esta sensação estranha, aquele redemoinho de picadas - se fazia cada vez mais intenso.
- Sou uma pessoa tão terrível? - sussurrou ela, mais para seus próprios ouvidos que para os dele. – Isto significa que estou perdida?
Mas ele a ouviu, e a resposta soou ardente e úmida contra a pele de sua face.
- Não.
Anthony se deslocou até sua orelha e a obrigou ouvir mais claramente.
- Não.
Depois viajou até seus lábios e a obrigou a engolir aquela palavra.
- Não.
Ela sentiu que a cabeça lhe caía para trás. A voz dele era grave e sedutora, fazia com que Kate se sentisse quase como se tivesse nascido para este momento.
- É perfeita - lhe sussurrou ao mesmo tempo que movia suas grandes mãos com apresso sobre seu corpo. Deixou uma sobre sua cintura enquanto a outra subia para a suave proeminência de seu seio. - Neste preciso lugar, neste preciso momento, aqui e agora, neste jardim, é perfeita.
Kate achou algo perturbador em suas palavras, como se tentasse lhe dizer - e talvez também a si mesmo - que talvez não fosse tão perfeita amanhã, e menos ainda no dia seguinte. Mas seus lábios e mãos eram convincentes, e Kate expulsou aqueles pensamentos desagradáveis de sua cabeça e optou por deleitar-se na sorte embriagadora do momento.
Sentia-se formosa. Sentia-se... perfeita. E justo aí, justo então não pôde evitar adorar ao homem que a fazia sentir-se dessa maneira.
Anthony deslizou a mão até a parte de detrás de sua cintura e a segurou enquanto com a outra encontrava seu seio e espremia sua carne através da fina musselina do vestido. Os dedos pareciam fora de seu controle, com movimentos firmes e espasmódicos, agarravam-se a ela como se estivesse a ponto de cair por um precipício e finalmente tivesse conseguido agarrar-se a algo. O mamilo estava duro e compacto sob a palma da mão, inclusive com a malha do vestido em cima, e Anthony necessitou até o último grama de autodomínio para não ir à parte posterior do vestido e liberar devagar cada botão de seu aprisionamento.
Podia ver tudo em sua mente, inclusive enquanto seus lábios se uniam aos dela em outro beijo abrasador. Seu vestido deslizaria dos ombros até deixar os seios nus. Podia imaginá-los também em sua mente, e de algum jeito sabia que, também, seriam perfeitos. Tomaria um em sua mão, levantaria o mamilo ao sol, e devagar, muito devagar, inclinaria a cabeça para ela justo até que pudesse tocá-lo com a língua.
E ela gemeria, e ele brincaria um pouco mais com ela, sustentando-a com força de tal maneira que não pudesse escapulir e depois, justo quando jogasse a cabeça para trás e estivesse ofegante, substituiria a língua por seus lábios e a chuparia até fazê-la gritar.
Santo Deus, desejava-o tanto que pensava que ia explodir.
Mas este não era o momento nem o lugar. Não é que sentisse a obrigação de esperar que pronunciasse os votos matrimoniais. Pelo que lhe concernia, já tinha declarado suas intenções em público, e era sua. Mas não ia tomá-la ali na pracinha do jardim de sua mãe. Tinha mais orgulho que tudo isso; e mais respeito por ela.
Muito a seu pesar, afastou-se lentamente e deixou repousar suas mãos sobre seus ombros magros, estirando os braços para mantê-lo suficientemente longe e não ver-se tentado a continuar onde o tinha deixado.
E a tentação estava aí. Cometeu o engano de olhar seu rosto, e naquele momento teria jurado que Kate Sheffield era sem dúvida tão formosa como sua irmã.
A sua era uma classe diferente de atração. Seus lábios eram mais carnudos, não seguiam tanto os cânones do momento, mas eram imensamente mais beijáveis. Suas pestanas... como não tinha percebido antes como eram longas? Quando pestanejava pareciam descansar sobre suas faces como um tapete. E sua pele, quando estava rosada pelo matiz do desejo, reluzia. Anthony
sabia que estava sendo imaginativo, mas ao olhar seu rosto não pôde evitar pensar na alvorada ao amanhecer, no momento exato em que o sol aparece sobre o horizonte e pinta o céu com sua sutil paleta de damascos e rosas.
Permaneceram assim durante todo um minuto, os dois contendo a respiração, até que Anthony por fim deixou cair seus braços, e ambos deram um passo atrás. Kate levou uma mão à boca, seus dedos indicadores, médio e anular apenas lhe tocaram os lábios.
- Não deveríamos ter feito isso - sussurrou.
Ele se apoiou contra uma das colunas da pracinha, com aspecto de encontrar-se verdadeiramente satisfeito com sua sorte.
- Por que não? Estamos comprometidos.
- Não estamos - admitiu ela-. Em realidade, não.
Ergueu uma sobrancelha.
- Não se formalizou nenhum acordo ainda - explicou Kate apurada-. Nem se assinou nenhum documento. E eu não tenho dote. Deveria saber que não tenho dote.
Isto lhe provocou um sorriso.
- Tenta se libertar de mim?
- É claro que não! -Mexeu-se levemente, trocou seu peso de pé.
Ele deu um passo para ela.
-Sem duvida não tenta me dar motivos para que me liberte de você, não é?
Kate se ruborizou.
- N-não - mentiu, apesar de ser justo o que tinha estado tentando fazer. É claro, era o mais estúpido que lhe podia ocorrer. Se se retratava deste matrimônio, ela teria perdido para sempre sua reputação, não só em Londres, mas também no pequeno vilarejo de Somerset onde viviam. As notícias de uma mulher perdida se propagavam sempre com rapidez.
Mas era difícil digerir não ser a escolhida por alguém, e uma parte dela quase queria que ele confirmasse todas suas suspeitas: que não a queria como noiva, que preferia muito mais a Edwina, que se casava com ela só porque tinha que fazê-lo. Doeria-lhe de um modo horroroso, mas se ele o manifestasse, ela já saberia. E saber, embora fosse amargo, sempre seria melhor que não saber.
Ao menos então calibraria com exatidão onde se encontrava. Tal e como estavam as coisas, sentia-se sobre areias movediças.
- Deixemos uma coisa clara - disse Anthony, e captou toda sua atenção com um tom decidido. Kate encontrou seu olhar, e os olhos dele ardiam com tal intensidade que não pôde afastar a vista-. Disse que ia casar me com você. Sou um homem de palavra. Qualquer outra especulação sobre o assunto seria muito insultante.
Kate fez um gesto de assentimento. Mas não pôde evitar pensar: Cuidado com o que deseja... cuidado com o que deseja.
Acabava de aceitar casar-se com o mesmo homem de quem temia estar apaixonando-se, e a única coisa que se pôde perguntar foi: pensa em Edwina quando me beija?
Cuidado com o que deseja, bradou sua mente.
É possível que logo o consiga.

Capítulo 15

Uma vez mais, Esta Autora demonstrou ter razão. As reuniões no campo oferecem como resultado os compromissos mais surpreendentes.
Certamente que sim, Querido Leitor, sem dúvida o lê aqui pela primeira vez: o visconde do Bridgerton vai casar se com a senhorita Katharine Sheffield. Não com a senhorita Edwina, como tinham especulado as fofocas porém com a senhorita Katharine.
Quanto à maneira em que se formalizou o compromisso, a dificuldade para obter detalhes a respeito está sendo assombrosa. Esta Autora sabe de boa fonte que o novo casal foi apanhado em uma postura comprometedora, e que a senhora Featherington foi testemunha, mas a senhora F teve os lábios selados no referente a todo este assunto, algo pouco comum nela. Dada a propensão à fofoca da dama, a Esta Autora não fica outro remédio que imaginar que o visconde (quem não destaca precisamente por sua debilidade de caráter) ameaçou lesar à senhora F se se atrever a pronunciar uma só sílaba.
REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
11 de maio de 1814

Kate não demorou para compreender que a má fama não lhe assentava bem.
Os dois dias restantes no Kent tinham sido bastante horríveis; assim que Anthony tinha anunciado seu noivado no jantar, depois de comprometer-se de forma certamente tão precipitada, mal tinha tido ocasião de respirar entre todas as felicitações, perguntas e insinuações que lhe faziam os convidados de lady Bridgerton.
O único momento em que se sentiu de verdade relaxada foi quando poucas horas depois do anúncio, teve por fim ocasião de falar em privado com Edwina quem, depois de jogar os braços ao redor de sua irmã, declarou-se "muito contente", "encantada" e "nada surpreendida, mínimo".
Kate tinha expresso sua surpresa porque Edwina não estivesse surpreendida, mas esta se limitou a encolher os ombros e dizer:
- Para mim era claro que estava louco por você. Não sei como é que ninguém mais se deu conta.
O que deixou Kate bastante perplexa, já que tinha estado convencida de que Anthony tinha seu olhar matrimonial posto em Edwina.
Assim que Kate retornou a Londres, as especulações foram inclusive piores. Pelo visto, cada membro da elite aristocrática achava-se obrigado deter-se no pequeno lar alugado das Sheffield no Milner Street para fazer uma visita à futura viscondessa. A maioria deles conseguiam comunicar suas felicitações com uma dose substancial de implicação pouco aduladora. Ninguém achava possível que o visconde em realidade quisesse casar-se com Kate, e pelo visto ninguém percebia de como era grosseiro lhe dizer isso na cara.
- Santo céu, isso sim que é ter sorte - disse lady Cowper, a mãe da infame Cressida Cowper, quem, por sua parte, não disse nenhuma só palavra a Kate e permaneceu zangada em um canto lançando olhadas assassinas em sua direção.
- Não tinha nem idéia de que estivesse interessado por você - insistiu efusiva a senhorita Gertrude Knight, com uma expressão facial que dizia às claras que continuava sem acreditar, e talvez inclusive confiava em que tal compromisso resultasse ser puro teatro, apesar de seu anúncio no London Teme.
E lady Danbury, que era conhecida por não andar-se nunca com rodeios, manifestou:
- Não tenho nem idéia de como o apanhou mas deve ter sido um truque engenhoso. Há algumas mocinhas aí fora que adorariam que lhes desse algumas lições, me faça caso.
Kate se limitou a sorrir (ou isso tentou ao menos; suspeitava que seus esforços por conseguir respostas corteses e amistosas não eram sempre convincentes). Assentia com a cabeça e murmurava:
- Sou uma moça afortunada - cada vez que Mary lhe fincava o cotovelo no flanco.
Quanto a Anthony, o afortunado homem tinha conseguido evitar o exame rigoroso ao que ela se viu submetida. Disse a Kate que tinha que ficar no Aubrey Hall para ocupar-se de alguns detalhes do imóvel antes das bodas, fixada para o seguinte sábado, só nove dias depois do incidente no jardim. Mary tinha expresso sua inquietação porque tal urgência levantasse "comentários", mas lady Bridgerton tinha explicado com bastante pragmatismo que haveria "comentários" de qualquer modo e que Kate estaria menos submetida a insinuações pouco elogiosas uma vez que contasse com o amparo do nome do Anthony.
Kate suspeitava que a viscondessa, que já era reputada por sua firme intenção de casar a seus filhos adultos, queria simplesmente ver Anthony diante do bispo antes de que tivesse ocasião de mudar de idéia.
Kate teve que mostrar-se de acordo com lady Bridgerton. Apesar de estar nervosa pelas bodas e o matrimônio que viria na continuação , nunca tinha sido pessoa que adiasse as coisas. Uma vez que tomava uma decisão, ou como neste caso, uma vez que alguém tinha decidido algo por ela, não via motivos para demorar as coisas. E quanto aos "comentários", umas bodas apressada poderiam incrementar as insinuações, mas Kate suspeitava que quanto antes se casassem ela e Anthony antes se apagariam, e antes poderia confiar em retornar à escuridão habitual de sua própria vida.
É claro, sua vida não seria só sua durante muito tempo mais. Tinha que acostumar-se a isso.
Nem sequer lhe parecia sua naquele momento. Seus dias eram um torvelinho de atividade, lady Bridgerton a arrastava de uma loja a outra, gastando uma enorme quantidade do dinheiro do Anthony em seu enxoval. Kate tinha compreendido depressa que resistir não tinha nenhum sentido. Quando lady Bridgerton - ou Violet, como lhe tinha dado instruções de que a chamasse - se decidia por algo, que Deus ajudasse ao néscio que se interpusesse em seu caminho. Mary e Edwina as tinham acompanhado em algumas saídas, mas se tinham apressado a declarar-se esgotadas pela infatigável energia de Violet, e tinham ido tomar um sorvete no Gunter.
Ao final, tão somente dois dias antes das bodas, Kate recebeu uma nota do Anthony em que lhe pedia que estivesse em casa às quatro da tarde para que pudesse lhe fazer uma visita. Kate estava um pouco nervosa por vê-lo outra vez; de algum modo tudo parecia diferente - más formal - na cidade. De qualquer modo, aproveitou a oportunidade para evitar outra tarde em Oxford Street, na costureira, no chapeleiro ou encomedando luvas ou qualquer outra coisa que ocorresse à Violet. portanto, enquanto Mary e Edwina foram fazer recados - Kate tinha esquecido convenientemente de mencionar a visita do visconde-, sentou-se no salão com o Newton dormindo com placidez a seus pés e esperou.
Anthony tinha passado a maior parte da semana pensando. Não era nenhuma surpresa que todos seus pensamentos tivessem que ver com o Kate e sua próxima união.
Preocupava-lhe que pudesse apaixonar-se por ela se não se comedisse. A chave, pelo visto, era simplesmente não permiti-lo a si mesmo. E quanto mais pensava nisso, mais convencido
estava de que não representaria nenhum problema. Era um homem, ao fim ao cabo, e sabia controlar à perfeição suas ações e emoções. Não era nenhum néscio, sabia que existia o amor; mas também acreditava no poder da mente e, talvez mais importante, no poder da vontade. Com franqueza não via motivo algum pelo qual o amor tivesse que ser algo involuntário.
Se não queria apaixonar-se, pois eram complicações, não ia fazê-lo. Era tão simples como isso. Tinha que ser tão simples como isso. Se não o fosse, ele não seria tão homem, ou sim?
De qualquer modo, teria que falar com Kate desta questão antes das bodas. Havia certas coisas sobre o matrimônio que tinham que ficar claras. Não eram normas mas sim ... acordos. Sim, esse era o termo.
Kate precisava compreender com exatidão o que podia esperar dele e o que esperava ele em troca. Seu casamento não era uma união por amor. E não ia converter se nisso. Simplesmente não era uma opção. Não pensava que ela fizesse alguma ilusão a respeito, mas no caso de, queria deixá-lo claro já, antes que algum mal-entendido pudesse crescer até converter-se em um desastre sem transgredir nada.
Era melhor pôr todas as cartas sobre a mesa, como diz o ditado, para que nenhuma das partes levasse surpresas desagradáveis mais tarde. Sem dúvida Kate estaria de acordo. Era uma garota prática. Quereria saber como estavam as coisas. Não era o tipo de pessoa que gostasse de ter que adivinhar o que acontecerá.
Exatamente dois minutos antes das quatro, Anthony bateu duas vezes à porta principal das Sheffield. Tentou fazer caso omisso da meia dúzia de membros da elite aristocrática que por acaso passeavam pela Milner Street aquela tarde. Encontravam-se, pensou com uma careta, um pouco longe dos lugares que tinham por costume freqüentar.
Mas não o surpreendeu. Embora acabasse de retornar a Londres, era muito consciente de que seu compromisso era o atual escândalo du jour. Confidência chegava inclusive ao Kent, ao fim e ao cabo. O mordomo abriu em seguida a porta e o fez passar, depois acompanhou-o até o salão próximo. Kate estava esperando no sofá, tinha o cabelo recolhido em um primoroso não-sei-o que (Anthony nunca recordava os nomes de todos esses penteados que as damas pareciam gostar tanto), coroado por uma espécie de gorrinho ridículo que supôs combinar com o cós branco do vestido de tarde azul claro.
O gorro, decidiu, seria o primeiro que teria que desaparecer quando estivessem casados. Tinha um cabelo lindo, longo, brilhante e espesso. Sabia que as boas maneiras ditavam que usasse tocados quando andava por aí, mas, a verdade, parecia um pecado cobri-lo enquanto se encontravam no calor do lar.
Entretanto, antes que pudesse abrir a boca, inclusive para saudar, ela indicou um serviço de prata colocado sobre a mesa diante dela e disse:
- Tomei a liberdade de pedir chá. Começa a ficar um pouco fresco e pensei que você gostaria de tomar algo. Se não, estarei encantada de pedir alguma outra coisa.
Não havia nada de ar fresco, ao menos ele não o tinha detectado, mas disse de qualquer modo:
- Isso será perfeito, obrigado.
Kate assentiu e pegou o bule para servir. Inclinou-o alguns centímetros e logo o endireitou com o cenho franzido enquanto dizia:
-Nem sequer sei como você gosta do chá.
Anthony sentiu que um extremo de sua boca se curvava levemente para cima.
- Leite. Sem açúcar.
Ela fez um gesto afirmativo, deixou o bule para pegar o leite.
- Parece algo que uma esposa deve saber.
Ele se sentou na cadeira que se encontrava no ângulo direito do sofá.
- E agora já sabe.
Kate respirou fundo e logo soltou ar.
-Agora já sei - murmurou.
Anthony limpou a garganta enquanto a observava servir. Não levava luvas e achou que gostava de contemplar suas mãos enquanto se moviam. Seus dedos eram longos e magros, com uma graça incrível, o que lhe surpreendeu, considerando as muitas vezes que lhe tinha pisado nos dedos dos pés enquanto dançavam.
É claro que alguns de seus passos faltosos tinham sido intencionados, mas não tantos, suspeitava, como Kate teria gostado que ele pensasse.
- Aqui tem - murmurou sustentando o bule-. Tome cuidado, está quente. Nunca pude com o chá frio.
Não, pensou ele com um sorriso, certamente não. Kate não tinha nada que ver com as meias tintas. Era uma das coisas que gostava dela.
- Milord? - disse com amabilidade e moveu o chá uns centímetros mais em sua direção.
Anthony agarrou o pires e permitiu que seus dedos calçados em luvas roçassem os dedos nus dela.
Manteve o olhar no rosto de Kate, e percebeu a leve mancha rosada que ruborizou suas faces.
Por algum motivo, aquilo lhe agradou.
- Tem alguma coisa em concreto que queira me perguntar, milord? -perguntou, uma vez que pôs sua mão a salvo da dele e rodeou com os dedos a asa de sua xícara de chá.
- Meu nome é Anthony, como o recorda sem dúvida, e não posso fazer uma visita a minha noiva tão somente pelo prazer de sua companhia? Kate lhe dedicou um olhar carrancudo por cima do bordo da taça.
-É claro que pode - contestou-, mas não acredito que seja esse o caso.
Ele ergueu uma sobrancelha ao ouvir a rabugice.
- Pois acontece que tem razão.
Kate murmurou algo. Ele não o entendeu bem, mas teve a leve suspeita de que havia dito "normalmente a tenho".
-Pensei que deveríamos tratar de nosso matrimônio - começou.
-Perdão, como disse?
Anthony se reclinou para trás.
- Ambos somos pessoas práticas. Acredito que nos sentiremos mais cômodos uma vez que entendamos o que podemos esperar um do outro.
- Por... é claro.
- Bem. - Deixou a xícara no pires e depois este sobre a mesa que tinha em frente-. Alegra-me que pense assim.
Kate fez um lento gesto de assentimento com a cabeça mas não disse nada; em vez disso
preferiu manter o olhar enfocado em seu rosto enquanto ele limpava a garganta. Parecia que estivesse preparando para um discurso parlamentar.
- Não tivemos o começo mais favorável - disse, e franziu um pouco o cenho ao ver que ela fazia um gesto afirmativo- mas em minha opinião, e espero que esteja de acordo, conseguimos certo grau de amizade.
Ela assentiu uma vez mais, pensando que talvez pudesse agüentar toda a conversa sem fazer outra coisa que menear a cabeça.
- A amizade entre marido e mulher é de vital importância - continuou-, inclusive mais importante, de meu ponto de vista, que o amor.
Desta vez ela não assentiu.
-Nosso matrimônio se apoiará na amizade e no respeito mútuos - pontificou - e em meu caso eu não poderia me sentir mais contente por tal disposição.
- Respeito - repetiu Kate, sobre tudo porque ele a olhava com expectativa.
- Farei todo o possível para ser um bom marido - continuou. - E, desde que não me exclua de sua cama, serei fiel tanto a você como a nossos votos matrimoniais.
- Isso é certamente progressista de sua parte - murmurou ela. Ele não dizia nada que ela já não supusesse, claro, e não obstante lhe era tudo um pouco fastidioso.
Bridgerton entrecerrou os olhos.
- Confio em que me esteja tomando a sério, Kate.
-Oh, certamente.
- Bem. -Mas Anthony lhe dedicou um olhar peculiar. Kate não esteve segura de que ele acreditaria-. Em troca acrescentou - espero que nenhum comportamento seu manche o nome de minha família.
Kate sentiu que suas costas ficavam rígidas.
- Nem sonharia com isso.
- Pensava isso. Essa é uma das razões de que esteja tão contente com este matrimônio. Será uma viscondessa excelente.
Disse-o como um elogio, Kate sabia, mas de qualquer modo soou um pouco vazio, talvez um pouco condescendente. Teria preferido sem dúvida que lhe dissesse que ia ser uma esposa excelente.
- Teremos uma boa amizade - anunciou - teremo-nos respeito mútuo e teremos filhos, filhos inteligentes, graças a Deus, já que é sem dúvida a mulher mais inteligente que conheço.
Aquilo compensava sua condescendência, mas Kate mal teve tempo para sorrir por aquele elogio já que ele se apressou a acrescentar:
- Mas não deve esperar amor. Este matrimônio não terá nada que ver com o amor.
Formou um nó espantoso na garganta de Kate, encontrou-se assentindo com a cabeça uma vez mais, só que esta vez cada movimento de pescoço lhe provocava uma incompreensível dor no coração.
- Há certas coisas que não posso lhe dar -disse Anthony- e receio que o amor é uma delas.
- Entendo.
- Sim?
- É claro - disparou com certa brusquidão. - Não ficaria mais claro se me cuspisse isso no rosto.

- Nunca me propus casar por amor - continuou ele. - Não foi isso o que me disse quando cortejava Edwina. - Quando cortejava a Edwina - contestou- eu tentava impressionar a você. Kate entrecerrou os olhos. -Não me está impressionando agora. Ele soltou uma longa respiração. - Kate, não vim aqui para discutir. Simplesmente me parecia melhor que fôssemos sinceros um com o outro antes de nossas bodas no sábado pela manhã. - É claro - suspirou ela, e se obrigou a assentir uma vez mais. Não era intenção dele insultá-la, e ela não deveria ter reagido de forma exagerada. Conhecia-o o suficiente já para saber que só atuava assim por preocupação. Anthony sabia que nunca a amaria; o melhor era deixar aquilo claro desde o começo. Mas doía de todos os modos. Kate não sabia se o amava, mas estava bastante segura de que poderia amá-lo, e temia que depois de semanas de matrimônio o quereria. E teria sido tão encantador que ele pudesse lhe corresponder. - O melhor é que nos entendamos bem - repetiu ele com amabilidade. Kate não parava de assentir. Um corpo em movimento tendia a permanecer em movimento. Temia que se parasse começaria a fazer algo estúpido como pôr-se a chorar. Bridgerton estendeu o braço por cima da mesa e tomou a mão, provocando um estremecimento nela. - Não queria que se tivesse falsas ilusões antes de começar o casamento - disse- e me pareceu que você tampouco o quereria. -Claro que não, milord - disse ela. O visconde ergueu um cenho. - Pensava que já te havia dito que me chamasse Anthony. - É certo -respondeu-, milord. Ele retirou a mão. Kate observou como voltava a colocá-la sobre seu regaço e teve a estranha sensação de ver-se privada de algo. - Antes de ir, tenho algo para você. - Sem afastar os olhos de seu rosto, meteu a mão no bolso e tirou um pequeno estojo de joalheria. - Devo me desculpar por demorar tanto em lhe oferecer um anel de compromisso - murmurou enquanto o estendia. Kate passou os dedos sobre a coberta de veludo azul antes de abrir a caixinha. Dentro havia um anel de ouro bastante simples, adornado por um único diamante de talha redonda. - É uma relíquia Bridgerton - explicou-. Há vários anéis de compromisso na coleção, mas pensei que você gostaria mais deste. Os outros eram bastante pesados e recarregados. -É muito formoso - disse Kate, incapaz de afastar o olhar da jóia. Anthony lhe pegou o estojo. - Posso? -murmurou enquanto tirava o anel de sua cavidade de veludo. Kate estendeu a mão e se amaldiçoou ao dar-se conta de que estava tremendo; não muito, mas com certeza o bastante para que ele o notasse. Entretanto, Anthony não disse nada; acalmou-a com sua mão enquanto com a outra lhe deslizava o anel pelo dedo. - Fica bastante bem, não lhe parece? -perguntou enquanto lhe segurava ainda as pontas dos dedos. Kate fez um gesto afirmativo, incapaz de afastar o olhar do anel. Nunca tinha sido muito aficionada aos anéis; este ia ser o primeiro que levava com regularidade. Era estranho tê-lo no dedo, pesado, frio e muito, muito sólido. Em certo modo, fazia que todo o acontecido durante a última semana parecesse mais real. Mais definitivo. Lhe ocorreu pensar enquanto contemplava o anel que havia meio esperado que um raio caísse do céu e detivesse o desenvolvimento dos eventos antes de que pronunciassem definitivamente seus votos nupciais. Anthony se aproximou um pouco mais, depois se aproximou dos lábios os dedos recém adornados. - Talvez devêssemos selar o acordo com um beijo? -murmurou. -Não estou certa... Anthony a puxou para sentá-la sobre seu regaço com um olhar travesso. - Eu sim. Mas enquanto Kate caía sobre ele, deu sem querer um pontapé ao Newton, que soltou um latido sonoro e queixoso, claro que perturbado por que lhe tinham interrompido a sesta de forma tão descortês. Anthony ergueu uma sobrancelha e olhou ao Newton por cima de Kate. - Nem sequer o tinha visto aqui. -Estava tirando uma soneca - explicou Kate-. Dorme muito profundamente. Mas uma vez acordado, o cão se negou a ficar sem tomar parte na ação, e com um latido um pouco mais acordado, deu um salto sobre a cadeira e logo aterrissou sobre o regaço de Kate. - Oh, pelo amor de... -Anthony se viu obrigado a parar de resmungar ao receber um grande beijo baboso do Newton. - Creio que gosta de você - disse Kate tão divertida com a expressão de asco do Anthony que se esqueceu inclusive de sentir-se coibida por sua posição sentada em cima dele. - Cão - ordenou Anthony- desça ao chão agora mesmo. Newton baixou a cabeça e gemeu. - Agora! Com um grande suspiro, Newton deu meia volta e se deixou cair pesadamente no chão. - Céu santo! - exclamou Kate estudando ao cão, que agora se cobria debaixo da mesa, com o focinho jogado sobre o tapete com ar lastimoso. - Estou impressionada. - Tudo está no tom de voz - lhe disse Anthony com tom de superioridade enquanto deslizava um firme braço por sua cintura para que não pudesse levantar-se. Kate olhou o braço, depois olhou para o rosto com expressão inquisidora. - Ah - disse em tom reflexivo- por que tenho a impressão de que esse tom de voz te resulta eficaz também com as mulheres? Ele encolheu os ombros e se inclinou para diante sorrindo com as pálpebras caídas. -Normalmente funciona - murmurou. - Mas neste caso não. -Kate plantou as mãos nos braços da cadeira e tentou levantar-se. Mas ele era muito forte. - Especialmente neste - disse enquanto seu tom de voz descia até um ronrono que não podia ser mais grave. Com a mão que ficava livre tomou o queixo e lhe voltou o rosto para ele. Kate sentiu seus lábios suaves mas exigentes, que exploraram sua boca de um modo tão meticuloso que a deixou sem fôlego. Continuou movendo a boca pela linha do queixo até seu pescoço onde fez uma pausa só para sussurrar. - Onde está sua mãe? - Saiu - disse Kate de forma entrecortada. Os dentes de Anthony puxaram o cós de seu corpete. - E quanto demorará? - Não sei. -Soltou um leve grito quando a língua avançou sob a musselina e traçou uma linha erótica sobre sua pele. - Deus bendito, Anthony, o que está fazendo? - Quanto tempo? -repitiu. - Uma hora. Talvez duas. Ele ergueu a vista para assegurar-se de que tinha fechado a porta antes ao entrar. - Talvez duas? -murmurou sorridente contra a pele de Kate. Seriamente? - Talvez só uma. Colocou-lhe um dedo sob a borda superior do corpete, perto do ombro, assegurando-se de segurar também o extremo de sua regata. - Uma hora -disse- também me parece esplêndido. - Logo, depois de deter-se tão somente para levar seus lábios à boca de Kate de modo que não pudesse protestar o mínimo, desceu-lhe o vestido com um rápido movimento, levando também a regata. Anthony notou o arquejo dela em sua boca, mas continuou afundando em seu beijo enquanto punha a palma da mão sobre a plenitude do seio de Kate. Parecia-lhe perfeita sob seus dedos, suave e respingada, enchendo sua mão como se estivesse feita a sua medida. Quando notou que sua resistência se desvanecia, passou a lhe beijar a orelha, mordiscando com suavidade o lóbulo. - Você gosta disto? - lhe sussurrou enquanto apertava suavemente com a mão. Ela assentiu trêmula. -Mmm, bem - murmurou Anthony repassando com a língua sua orelha-. Complicaria muito as coisas se você não gostasse. - P-por que? Ele conteve o regozijo que lhe transbordava a garganta. Não era o momento de rir, mas era tão inocente, caramba. Nunca tinha feito o amor com uma mulher como ela; estava-lhe surpreendendo como delicioso lhe parecia. - Digamos -respondeu- que eu gosto muito. -Oh. - Kate lhe dedicou o mais vacilante dos sorrisos. - E há mais, sabe? - lhe sussurrou, e deixou que sua respiração lhe acariciasse a orelha. - Estou certa de que haverá - respondeu, sua voz um mero ofego. - Ah sim? - lhe perguntou em tom brincalhão enquanto voltava a apertá-la. - Não estou tão verde para pensar que se pode fazer um bebê só com o que estamos fazendo. - Estarei encantado de lhe ensinar o resto -murmurou ele. - Não... OH! Voltou a estreitá-la, desta vez permitiu que seus dedos lhe fizessem cócegas na pele. Adorava que ela não fosse capaz de pensar quando lhe tocava o seio. - O que dizia? -se interessou enquanto lhe mordiscava o pescoço. - Eu... algo? Ele fez um movimento afirmativo com a cabeça, a incipiente barba lhe roçou a garganta. - Estou certo. Mas, claro, talvez seja melhor que não a ouça. Tinha começado com a palavra "não". Sem dúvida - acrescentou lhe passando a língua pela parte inferior do queixo - é uma palavra que não deve pronunciar-se entre nós em um momento como este. Mas sua língua continuou pela linha da garganta até o espaço da clavícula- estou divagando. - Ah... sim? Anthony assentiu. - Acho que estava tentando determinar o que lhe agrada, como deveria fazer todo marido. Kate não disse nada, mas sua respiração se acelerou. Ele sorriu contra sua pele. - Por exemplo, o que me diz disto? -Estendeu a palma de tal maneira que já não tomava seu seio mas sim deixava que a mão lhe roçasse com sutileza o mamilo. - Anthony! -soltou meio asfixiada. - Bem - aprovou e passou a seu pescoço. Empurrou com suavidade seu queixo para que ficasse mais acessível. - Alegra-me que volte a me chamar Anthony. "Milord" é tão formal, não lhe parece? Muito formal para isto. E então fez algo com o que tinha estado fantasiando há semanas. Baixou a cabeça sobre seu seio e o meteu na boca, saboreou-o, lambeu-o, brincou com ele e se deleitou com cada arquejo que escapava a ela, com cada espasmo de desejo que sentia que estremecia o corpo de Kate. Adorava que reagisse desta maneira, emocionava-lhe poder lhe fazer isto. - Muito bem - murmurou, o fôlego quente e úmido contra sua pele. - Que bem sabe. - Anthony. -A voz de Kate soava rouca-. Está certo...? Pôs-lhe um dedo nos lábios sem tão sequer levantar a rosto para olhá-la. -Não tenho nem idéia do que quer perguntar, mas a resposta é... - Mudou a atenção ao outro seio. -. Estou seguro. Kate soltou um som gemente, dessa classe que sai do fundo da garganta. Todo seu corpo se arqueava sob as atenções de Anthony, que brincava com renovado ardor com o mamilo, acariciando-o com delicadeza entre seus dentes. -Oh, céus... OH, Anthony! Percorreu com a língua a auréola. Era perfeita, simplesmente perfeita. Adorava o som de sua voz, rouca e quebrada pelo desejo. Seu corpo sentiu um comichão de só pensar em sua noite de núpcias , seus gritos de paixão e necessidade. Ela arderia debaixo dele, e se deleitou ante a perspectiva de fazê-la explodir. Afastou-se para poder lhe ver o rosto. Estava ruborizada, os olhos aturdidos e dilatados. O cabelo começava a soltar-se desse horrendo gorrinho. Isto - e... -disse tirando-o da cabeça- tem que desaparecer. - Milord! - Promete-me que não voltará a pôr isso. Kate se retorceu em seu assento, de fato sobre seu regaço, o que contribuiu bem pouco ao estado de urgência entre suas coxas, para olhar por cima da cadeira. - Não vou fazer tal coisa - replicou-. Eu gosto muito desse gorro. - Não é possível - disse ele ficando sério. -Pois sim... Newton! Anthony seguiu sua vista e estalou em uma sonora gargalhada,que provocou que ambos se sacudissem no assento. Newton mastigava com grande satisfação o gorro de Kate. - Muito bem, cão! -exclamou ele com uma gargalhada. - Obrigaria você a comprar um - resmungou Kate enquanto puxava o vestido para cima - se não fosse pela fortuna que já gastou comigo esta semana. Isto o divertiu. - Ah sim? -perguntou com leve interesse. Kate fez um gesto afirmativo. - Estive nas compras com sua mãe. - Ah. Bem. Estou certo de que não lhe permitiu comprar nada como isto. - Fez uma indicação ao gorro agora destroçado na boca do Newton. Quando voltou a olhá-la, Kate tinha torcido a boca até formar uma linha contrariada que lhe sentava muito bem. Não pôde evitar sorrir. Deixava-se ler com tal facilidade. Sua mãe não lhe teria deixado comprar um gorro tão pouco atraente, e agora a consumia não ser capaz de oferecer uma resposta a esta última frase. Anthony suspirou com agrado. A vida com Kate não ia ser aborrecida. Mas se fazia tarde, provavelmente já era hora de partir. Kate havia dito que não esperava a sua mãe ao menos durante uma hora, mas Anthony sabia que não deveria confiar na noção do tempo das mulheres. Kate poderia equivocar-se ou sua mãe poderia mudar de idéia ou algo poderia ter acontecido, e embora ele e Kate iriam casar se dentro de dois dias, não parecia muito prudente que os apanhassem no salão em uma posição tão comprometedora. Muito a seu pesar, porque estar sentado na cadeira com Kate sem fazer outra coisa que abraçá-la produzia uma satisfação surpreendente, ficou em pé e a levantou em seus braços enquanto o fazia, voltando logo para deixá-la na cadeira. - Foi um interlúdio delicioso - murmurou inclinando-se para lhe dar um beijo na fronte-. Mas temo que sua mãe está a ponto de chegar. Verei-a sábado pela manhã. Kate piscou. - Sábado? - É uma superstição de minha mãe - explicou com sorriso envergonhado. - Acredita que dá má sorte à noiva e o noivo ver-se no dia anterior ao casamentio. - Oh. -Se pôs em pé e se alisou com pudor o vestido e o cabelo-. E você também acredita? - Em absoluto - disse com um bufido. Ela assentiu. - Então é muito doce de sua parte satisfazer os caprichos de sua mãe. Anthony parou um momento, muito consciente de que qualquer homem com sua reputação não queria parecer estar sob as saias de sua mãe. Mas assim era Kate, e sabia que ela valorizava a devoção à família tanto como ele, de modo que disse finalmente: - São poucas coisas que não faria para ter a minha mãe contente. Sorriu com acanhamento. - É uma das coisas que mais gosto em você. Anthony fez uma espécie de gesto como se quisesse mudar de assunto, mas ela o interrompeu com: - Não, é a verdade. É uma pessoa muito mais bondosa do que você gostaria que as pessoas acreditassem. Como não ia ser capaz de sair vitorioso de uma discussão com ela, e tinha pouco sentido contradizer a uma mulher que lhe estava fazendo um elogio, levou um dedo aos lábios e disse: - Shhh. Não o diga a ninguém. - E então, com um último beijo em sua mão e murmurando um adeus, encaminhou-se para a porta e saiu para a rua. Uma vez sobre seu cavalo e de retorno a sua pequena casa da cidade do outro lado de Londres, permitiu-se valorizar a visita. Tinha ido bem, pensou. Kate parecia ter entendido os limites que ele tinha estabelecido ao matrimônio e tinha reagido a suas relações com um desejo que era terno e intenso ao mesmo tempo. Em conjunto, pensou com um sorriso de satisfação, o futuro parecia brilhante. Seu matrimônio seria um êxito. Quanto às inquietações anteriores... Bem, estava claro que não tinha nada do que preocupar-se. Kate estava preocupada. Anthony se tinha esforçado para que ela entendesse que nunca a quereria. E o certo era que parecia não querer que o amasse. Depois tinha começado a beijá-la como se o mundo se acabasse no dia seguinte, como se fosse a mulher mais formosa da Terra. Era primeira em admitir que tinha pouca experiência com os homens e seus desejos, mas estava claro que ele parecia desejá-la. Ou simplesmente imaginava que era outra pessoa? Não tinha escolhido primeiro a ela como esposa. Melhor não esquecer aquilo. E embora ela se apaixonasse por ele... bem, teria que calar-se, assim simples. Em realidade não podia fazer outra coisa. Capítulo 16 Foi posto em conhecimento desta Autora que o enlace entre lorde Bridgerton e a senhorita Sheffield vai ser um ato reduzido, íntimo e privado. Em outras palavras. Esta Autora não está convidada. Mas não tema, Querido Leitor. Em situações como esta, Esta Autora é uma pessoa de recursos e promete descobrir os detalhes da cerimônia, tanto os interessantes como os banais. As bodas do solteiro mais cotizado de Londres é sem dúvida algo do que esta humilde coluna deve informar, não acreditam? REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN, 13 de maio de 1814 Na noite anterior ao casamento, Kate estava sentada em sua cama trajando seu vestido favorito olhando com atordoamento uma multidão de baús espalhados pelo chão. Todos seus pertences estavam recolhidos, dobrados e embalados com esmero, prontos para serem levados a seu novo lar. Inclusive Newton estava preparado para a viagem. Tinham-no banhado e secado, tinham-lhe colocado uma nova coleira no pescoço, e tinham metido seus brinquedos favoritos em uma mochila que agora se encontrava o vestíbulo da entrada, ao lado da arca de madeira delicadamente esculpida que Kate tinha desde que era uma menina. A presença em Londres da arca, cheia dos brinquedos e tesouros da infância de Kate, tinha provocado nela um alívio tremendo. Parecia sentimental e tolo, mas servia para que encarasse com menos medo a próxima transição. Levar suas coisas a casa do Anthony, pequenos objetos sem valor algum para outra pessoa que não fosse ela, servia para que sua nova casa parecesse também a sua. Mary, que sempre parecia entender o que necessitava Kate antes mesmo de que o entendesse sua filha, tinha mandado um aviso a seus amigos no Somerset assim que Kate se comprometeu, e lhes pediu que enviassem a Londres a arca a tempo para as bodas. Kate se levantou e percorreu o quarto. Detinha-se e passava dedos por uma camisola dobrada sobre a mesa, ainda à espera de ser transferida a seus baús. Era um objeto escolhido por lady Bridgerton - Violet, tinha que começar a pensar nela como Violet-, de corte recatado mas tecido diáfano. A visita à loja de roupas interiores tinha sido uma autêntica tortura para Kate. Ao fim e ao cabo era a mãe de seu noivo quem estava selecionando trajes para a noite de núpcias! Enquanto Kate agarrava a camisola e a colocava com cuidado no baú, ouviu umas batidinhas na porta. Convidou a entrar quem chamava e Edwina apareceu na entrada.Também ela estava vestida para ir dormir, com o cabelo claro recolhido em um coque frouxo na nuca. - Pensei que talvez gostaria de um pouco de leite quente - disse Edwina. Kate sorriu agradecida. - Soa muito apetecível. Edwina se agachou e agarrou a jarra de cerâmica que tinha deixado no chão. - Não posso sustentar duas jarras e abrir o pomo ao mesmo tempo - explicou com um sorriso. Uma vez dentro fechou a porta com o pé e lhe estendeu uma jarra. Com o olhar fixo no Kate, Edwina lhe perguntou sem mais preâmbulos-. Está assustada? Kate deu um gole com cautela para comprovar a temperatura antes de engolir. Estava muito quente, embora não queimasse, algo que de algum jeito lhe produziu bem-estar. Bebia leite quente da infância, e seu sabor e textura sempre lhe contribuíam aquela sensação de calor e bem-estar. - Não exatamente assustada - respondeu por fim enquanto se sentava sobre o extremo da cama- mas sim nervosa. Decididamente nervosa. - Bem, não é de estranhar - disse Edwina enquanto sacudia animadamente a mão que ficava livre-. Deveria ser idiota para não estar nervosa. Toda sua vida vai mudar. Toda! Até seu nome. Será uma mulher casada. Uma viscondessa. Depois de amanhã não será a mesma mulher, Kate, e depois de manhã de noite... - Já basta, Edwina - interrompeu Kate. - Porém... - Não é que me esteja tranqüilizando muito. - Oh. - Edwina esboçou um sorriso envergonhado-. Sinto muito. - Está bem. -Kate lhe tirou importância. Edwina conseguiu morder a língua durante quatro segundos antes de perguntar. - Mamãe veio falar com você? - Ainda não. - Deveria fazê-lo, não lhe parece? Amanhã é o dia de suas bodas e certamente há todo tipo de coisas que é preciso saber. - Edwina deu um bom gole ao leite, que deixou um bigode branco pouco apropriado, logo se acomodou sobre o extremo do outro lado da cama-. Há todo tipo de coisas que eu não sei e não sei como teria podido aprender você, a menos que tenha estado metida em coisas estranhas sem eu sabê-lo. Kate se perguntou se seria muito descortês amordaçar a sua irmã com alguma das roupas de lingerie que tinha escolhido lady Bridgerton. Encontrava certa justiça poética em uma medida desse tipo. - Kate? - perguntou Edwina pestanejando com curiosidade -. Kate? Por que me olha de um modo tão estranho? Kate contemplava as roupas de lingerie com desejo. -Tenho certeza que prefere não sabê-lo. -Mmmf. Bem, então... As palavras de Edwina foram interrompidas em seco por um suave golpe na porta. - Com certeza é nossa mãe - disse Edwina com uma careta maliciosa-. Não posso esperar. Kate entreabriu os olhos em direção a Edwina enquanto se levantava para abrir a porta. Como tinha esperado, Mary estava de pé no corredor com duas xícaras fumegantes. - Pensei que gostaria de um pouco de leite quente - disse com um débil sorriso. Kate levantou sua xícara como resposta. - Edwina teve a mesma idéia. - O que está fazendo Edwina aqui? -perguntou Mary ao entrar no quarto. - Desde quando necessito de uma razão para falar com minha irmã? -perguntou Edwina com um resmungo. Mary lhe lançou um olhar mal-humorado antes de voltar de novo sua atenção ao Kate. -Mmmf. Parece que temos excesso de leite quente. - Esta ficou morna de qualquer modo - disse Kate, ao mesmo tempo que deixava a xícara sobre um dos baús e a trocava pela mais quente que lhe oferecia Mary-. Edwina pode levar a outra xícara à cozinha quando sair. - Perdão, como diz? - perguntou Edwina vagamente distraída -. OH, é claro. Estou encantada de ser de ajuda. - Mas não se levantou. De fato, nem sequer se moveu, salvo para torcer a cabeça de um lado a outro para olhar para Mary, depois para Kate e outra vez para sua mãe. - Tenho que falar com Kate - disse Mary. Edwina meneou a cabeça com entusiasmo. - A sós. Edwina piscou. - Tenho que ir embora? Mary fez um gesto afirmativo e lhe estendeu a taça de leite que esfriara. - Agora? Mary voltou a mover a cabeça. Edwina pareceu angustiada, logo sua expressão se transformou em um sorriso. - Está de brincadeira, não é? Posso ficar, né? - Não - contestou Mary. Edwina devolveu um olhar suplicante a Kate. - Não me olhe - replicou Kate com um sorriso mau dissimulado. - Ela decide. É quem vai falar ao fim e ao cabo. Eu só vou escutar. - E a fazer perguntas - disse Edwina-. E eu também tenho perguntas. -Se voltou para sua mãe-. Muitas perguntas. - Estou certa de que assim é - contestou sua mãe - e estarei encantada de respondê-las todas, na noite anterior a suas bodas. Edwina se levantou resmungando. - Não é justo - resmungou ao mesmo tempo que lhe arrebatava a xícara. - A vida não é justa - disse Mary com uma careta. - Isso digo eu - resmungou a moça enquanto cruzava o quarto arrastando os pés. - E nada de escutar atrás da porta! - gritou Mary. - Nem me ocorreria - respondeu Edwina arrastando as palavras-. A não ser que falem o bastante alto para que eu as ouça. Mary suspirou enquanto Edwina saía ao corredor e fechava a porta acompanhando seus movimentos de uma corrente constante de grunhidos ininteligíveis. -Temos que falar em sussurros - disse à Kate. Esta assentiu com a cabeça, mas era tão leal a sua irmã para dizer: - Talvez não fique a escutar às escondidas. O olhar da Mary refletia extrema desconfiança. - Quer que abramos a porta para esclarecê-lo? Kate fez uma careta a seu pesar. -Você ganhou. Mary se sentou no lugar que tinha deixado vazio Edwina e observou Kate com um olhar bastante direto. - Estou segura de que sabe por que estou aqui. Kate respondeu com um gesto afirmativo. Mary deu um gole ao leite e ficou calada durante um longo momento antes de dizer: - Quando me casei pela primeira vez, não com seu pai - não tinha nem idéia do que podia esperar no leito matrimonial. Não se tratava... -Durante um breve instante fechou os olhos e por um momento pareceu que sofria-. Minha falta de conhecimento fazia tudo mais complicado - reconheceu finalmente, e a forma lenta e cuidadosa em que escolheu as palavras revelou ao Kate que "complicado" provavelmente era um eufemismo. - Entendo - murmurou Kate. Mary ergueu a vista de forma abrupta. - Não, acredito que não. E espero que nunca o entenda. Mas isso não vem agora a caso. Sempre jurei que nenhuma filha minha iria ao matrimônio com tal ignorância sobre o que ocorre entre marido e mulher. - Já estou ao corrente do mais básico da operação - admitiu Kate. Com clara expressão de surpresa, Mary perguntou: - Seriamente? Kate fez um movimento afirmativo com a cabeça. - Não será muito diferente dos animais, não é verdade? Mary negou com a cabeça, e seus lábios se franziram formando um sorriso levemente divertido. - Não, não o é. Kate considerou a melhor maneira de formular sua pergunta seguinte. Pelo que tinha visto na granja de seu vizinho do Somerset, o ato da procriação não parecia muito agradável. Mas quando Anthony a beijou, ela teve a impressão de que perdia a cabeça. E quando a voltou a beijar pela segunda vez, não estava segura de querer que aquilo acabasse nunca. Todo seu corpo reagiu estimulado, e suspeitava que se seus encontros recentes se produziram em lugares mais convenientes, teria permitido a ele fazer o que quisesse com ela sem o menor protesto. Mas também havia a égua que uivava de forma tão espantosa na granja. Com franqueza, as diversas peças do quebra-cabeças não encaixavam de todo. Por fim, depois de limpar muito a garganta, disse: - Não parece muito agradável. Mary voltou a fechar os olhos, seu rosto adotou a mesma expressão que antes, como se recordasse algo que preferia manter guardado nos rincões mais escuros de sua mente. Quando abriu de novo os olhos, disse: - O desfrute de uma mulher depende por completo de seu marido. - E o de um homem? - O ato do amor - disse Mary sorrindo - pode ser, e deveria ser, uma experiência agradável tanto para o homem como para a mulher. Mas... - tossiu e deu um gole no leite - seria negligente e minha parte não lhe contar que uma mulher nem sempre encontra prazer no ato. -Mas um homem sim? Mary fez um gesto de assentimento. - Isso não parece justo. O olhar de Mary foi irônico. - Acho que acabo de dizer a Edwina que a vida nem sempre é justa. Kate franziu o cenho enquanto contemplava o leite em sua xícara. - Bem, mas, de verdade, isto não parece justo. - Ainda que não quer dizer - se apressou a acrescentar - que a experiência seja necessariamente desagradável para a mulher. E estou certa de que não será desagradável para você. Suponho que o visconde a beijou... Kate assentiu sem levantar a vista. Quando Mary falou, Kate pôde ouvir o sorriso em sua voz. - E por seu rubor suponho que você gostou. Kate voltou a fazer um gesto afirmativo. Ardiam-lhe as faces. - Se você gostou do beijo -disse Mary- então estou certa de que não lhe incomodará que ele continue com suas atenções. Estou certa de que será delicado e atento com você. "Delicado" não era um termo que refletisse de todo a essência dos beijos do Anthony, mas Kate pensava que não teria que comentar esse tipo de coisas com a mãe. A verdade, toda a conversa já era bastante delicada por si só. - Os homens e as mulheres são muito diferentes - continuou Mary como se aquilo não fosse tão claro – e um homem, inclusive um homem fiel a sua esposa, como estou segura de que o visconde será, pode encontrar prazer quase em qualquer mulher. Isto era alarmante, e não era o que Kate queria ouvir. - E uma mulher? - disparou. - É diferente para uma mulher. Ouvi que as mulheres dissolutas encontram prazer como qualquer homem, nos braços de qualquer que as satisfaça, mas eu não acredito. Penso que uma mulher tem que sentir afeto por seu marido para desfrutar no leito matrimonial. Kate ficou um momento calada. - Não amava a seu primeiro marido, não é? Mary negou com a cabeça. - Isso muda tudo, meu céu. Isso e que o marido seja considerado com sua esposa. Mas vi ao visconde em sua companhia. Sou consciente de que seu enlace foi repentino e inesperado, mas a trata com carinho e respeito. Não deve temer nada, estou certa. O visconde a tratará bem. E com isso, Mary beijou Kate na fronte e lhe desejou boa noite. Depois recolheu as duas xícaras vazias e saiu do quarto. Kate ficou sentada na cama, com a vista perdida na parede em frente durante vários minutos. Mary se equivocava. Kate estava certa disso. Tinha muito que temer. Detestava não ser a primeira escolha do Anthony como esposa, mas era prática, pragmática e sabia que certas coisas da vida simplesmente se tinham que aceitar como um fato. Mas se tinha consolado com a lembrança do desejo que havia sentido... e pensava que Anthony também o havia sentido quando ela estava em seus braços. Agora parecia que tal desejo nem sequer tinha que ser obrigatoriamente por ela; era uma necessidade bastante primitiva que todo homem sentia por toda mulher. E Kate nunca saberia se, quando Anthony apagasse as velas, a levasse a cama e fechasse os olhos... Imaginaria o rosto de outra mulher. As bodas, que iam celebrar se no salão da mansão Bridgerton foi um ato privado e reduzido. Bem, tudo o que poderia esperar-se de um ato com a família Bridgerton completa, desde o Anthony até a pequena Hyacinth de onze anos, que ia encarregar se de levar as flores com grande seriedade. Quando seu irmão Gregory, de treze anos tentou inclinar seu cesto de pétalas de rosas, a moça lhe soltou um forte golpe no queixo, com o que a cerimônia se atrasou uns bons dez minutos, mas por outro lado acrescentou uma nota muito necessária de leveza e risadas à reunião. Bem, para todo mundo exceto para Gregory, que se tinha ofendido bastante com todo o episódio, e certamente não ria, apesar de ter sido ele mesmo quem tinha começado, como Hyacinth se apressou a indicar a qualquer que queria escutá-la; e sua voz era o bastante gritante para que alguém tivesse a opção de não escutá-la. Kate tinha visto tudo de sua posição estratégica no vestíbulo, de onde tinha estado observando através de uma fresta na porta. Aquilo lhe tinha arrancado um sorriso, algo que agradeceu, posto que fazia mais de uma hora que os joelhos não lhe deixavam de tremer. Só podia agradecer que lady Bridgerton não tivesse insistido em organizar uma celebração por todo o alto. Kate, que nunca antes se considerou uma pessoa nervosa, era provável que desmaiasse de susto. De fato, Violet tinha mencionado a possibilidade de umas grande bodas como método para combater os rumores que circulavam a respeito dela, Anthony e seu compromisso tão repentino. A senhora Featherington estava cumprindo sua palavra e mantinha um silêncio completo sobre os detalhes do assunto, mas já tinha deixado ir suficientes insinuações referentes a que todo mundo sabia que o compromisso não tinha seguido o leito habitual. Como resultado, os comentários não cessavam, e Kate sabia que só era questão de tempo que a senhora Featherington deixasse de conter-se e todo mundo se inteirasse da verdadeira história de sua perdição à mãos - ou melhor, aguilhão de uma abelha. De modo que ao final Violet tinha decidido que um matrimônio rápido era o melhor, e posto que não se podia organizar uma festa esplendorosa em uma semana, a lista de convidados se reduziu à família. Kate contou com a Edwina a seu lado e Anthony esteve acompanhado por seu irmão Benedict, e depois das formalidades habituais, converteram-se em marido e mulher. Era estranho, Kate pensou aquela tarde com o olhar fixo na aliança que agora adornava junto ao anel do diamante em sua mão esquerda, quão rápido pode mudar a vida de uma pessoa. A cerimônia tinha sido breve, tudo aconteceu em um abrir e fechar de olhos, e não obstante sua vida tinha mudado para sempre. Edwina tinha razão. Tudo era diferente. Agora era uma mulher casada, uma viscondessa. Lady Bridgerton. Mordeu o lábio inferior. Soava como se se tratasse de outra pessoa. Quanto tempo necessitaria para que quando alguém a chamasse "lady Bridgerton" pensasse que falavam com ela e não com à mãe do Anthony? Agora era uma esposa e tinha as responsabilidades de uma esposa. Aquilo a aterrorizava. Agora que as bodas tinham acabado, Kate refletiu sobre as palavras da Mary a noite anterior e soube que tinha razão. Em muitos aspectos, era a mulher mais afortunada do mundo. Anthony a trataria bem. Trataria bem a qualquer mulher. E esse era o problema. Agora se encontrava em uma carruagem e percorria a curta distância entre a mansão Bridgerton, onde se tinha celebrado a recepção e a residência privada do Anthony, a que se supunha que já não se podia chamar "residência de solteiro". Olhou de soslaio a seu novo marido. Olhava à frente e seu rosto tinha uma peculiar expressão séria. - Planejou se mudar para mansão Bridgerton agora que está casado? - lhe perguntou Kate com calma. Anthony pareceu surpreso, quase como se tivesse esquecido que ela estava ali. - Sim - respondeu voltando-se para ela - embora não até dentro de uns meses. Pensei que iria bem um pouco de intimidade no começo do casamento, não acha? - Claro -murmurou Kate. Baixou a vista a suas mãos, que se retorciam sobre o colo. Tentou pará-las, mas era impossível. Era surpreendente que não arrebentasse as luvas. Anthony seguiu seu olhar e deixou uma de suas grandes mãos sobre as dela. Kate se parou imediatamente. - Está nervosa? -perguntou. - Pensava que não o estaria? - respondeu tentando que sua voz soasse seca e irônica. Ele sorriu como resposta. - Não há nada que temer. Kate quase estala em uma gargalhada nervosa. Parecia que estava destinada a ouvir aquele tópico uma e outra vez. - Talvez -admitiu ela-, mas de qualquer modo são muitas coisas para não estar nervosa. O sorriso do Anthony se ampliou. - Touché, querida esposa. Kate engoliu em seco várias vezes. Era estranho ser a esposa de alguém, e estranho em especial ser a esposa deste homem. - E você, está nervoso? -replicou ela. inclinou-se para diante, seu escuro olhar era intenso, tinha as pálpebras caídas com a promessa do inevitável. -Oh, em extremo - murmurou. Cobriu a restante distancia que os separava e seus lábios encontraram o espaço sensível da orelha de Kate-. Meu coração pulsa com força - lhe sussurrou. O corpo de Kate pareceu ficar rígido e fundir-se ao mesmo tempo. Depois disparou: - Creio que deveríamos esperar. Lhe mordiscou a orelha. - Esperar o que? Ela tentou escapulir. Ele não entendia. Se o tivesse entendido estaria furioso, e não parecia especialmente incomodado. Ainda. - Pp-pára o matrimônio -tartamudeou ela. Aquilo pareceu lhe fazer graça. Brincou animado com os anéis que descansavam em seus dedos enluvados. - É um pouco tarde para isso, não lhe parece? -Para a noite de núpcias - esclareceu. Ele retrocedeu e suas escuras sobrancelhas formaram uma linha reta, talvez um pouco zangado. -Não - disse sem mais, mas não se moveu para voltar a abraçá-la. Kate tentou encontrar palavras que ajudassem a ele a entender, mas não era fácil; não estava segura de entender-se a si mesma. Estava quase convencida de que não acreditaria se lhe explicasse que não era sua intenção ter feito este pedido; simplesmente tinha surto de seu interior de forma repentina, produto de um pânico que, até aquele momento, nem sequer sabia que estivesse aí. -Não o peço para sempre - explicou. Odiava o tremor que ouviu em suas palavras-. Só uma semana. Aquilo atraiu a atenção do Anthony, quem ergueu uma de suas sobrancelhas com expressão de ironia. - E, por favor, me explique, que esperas conseguir em uma semana? - Não sei - respondeu com toda sinceridade. Anthony concentrou o olhar nos olhos de Kate, com dureza, intensidade e sarcasmo. - Terá que me oferecer algo melhor. Kate não queria olhá-lo, não queria a intimidade a que se via forçada quando estava apanhada por aquele olhar escuro. Era fácil ocultar os sentimentos quando ela podia manter o enfoque em seu queixo ou em seu ombro, mas quando tinha que olhá-lo diretamente nos olhos... Dava-lhe medo que pudesse ver o interior de sua alma. - Foi uma semana de muitíssimas mudanças em minha vida - começou, e desejou saber aonde queria ir parar com essa afirmação. -Também para mim - comentou ele com amabilidade. - Para você nem tanto - respondeu ela-. As intimidades do matrimônio não são algo novo para você. Um extremo de sua boca formou uma careta um pouco arrogante. - Asseguro, milady, que nunca antes estive casado. - Não me refiro a isso, e sabe. Não a contradisse. - É tão simples quanto eu gostaria de dispor de um pouco mais de tempo para me preparar – explicou Kate, e dobrou os braços sobre o regaço com gesto afetado. Mas não podia ter os polegares quietos: giravam com ansiedade, como prova de seu estado de nervos. Anthony ficou olhando durante um bom tempo, depois voltou a reclinar-se para trás em seu assento e apoiou o tornozelo esquerdo com ar informal em seu joelho direito. - Muito bem - admitiu. - Seriamente? -Kate se endireitou com surpresa. Não confiava em que ele capitulasse com tal facilidade. - Desde que... -continuou ele. Kate se afundou. Deveria ter sabido que haveria algum imprevisto. - . . . que me esclareça em uma questão. Ela engoliu em seco. - E do que se trata, milord? Ele se inclinou para diante com olhos de diabo. - Como, com exatidão, planejou se preparar? Kate olhou pela janela, depois soltou um juizo ininteligível ao perceber que nem sequer tinham entrado ainda na rua do Anthony. Não havia maneira de escapar a esta pergunta, estaria apanhada na carruagem ao menos durante cinco bons minutos. -B-bem -se atolou - estou certa de que não entendi a que se refere. Ele soltou um risinho. -Eu tampouco estou certo. Kate o olhou com o cenho franzido. Não havia nada pior que ser alvo das brincadeiras de alguém, e parecia especialmente inadequado quando é uma noiva no dia de suas bodas. - Está se divertindo comigo - acusou-o. -Não - disse com algo que poderia descrever-se como sorriso lascivo-, eu gostaria de me divertir com você. Há certas diferenças. - Gostaria que não falasse assim - balbuciou ela-. Sabe que não o entendo. Ele concentrou o olhar na boca de Kate enquanto tirava a língua para umedecer os lábios. -Entenderia -murmurou Anthony- só com que entregasse ao inevitável e se esquecesse de seu tolo pedido. -Não gosto que me tratem com condescendência - disse Kate em um tom tenso. Os olhos de Anthony cintilaram. -E eu não gosto que me neguem meus direitos - replicou com voz fria. Seu rosto era o duro reflexo do poder aristocrático. -Não estou negando nada - insistiu. -Oh, seriamente? -arrastou as palavras sem nada de humor. -Só peço um adiamento. Um adiamento breve, temporário, breve - repetiu a palavra se por acaso o cérebro do Anthony estivesse muito embotado por seu resoluto orgulho varonil para entendê-la à primeira-. Sem dúvida não me negará um pedido tão simples. - De nós dois - respondeu com voz cortante- não acredito que eu seja quem nega algo. Tinha razão, caramba, com aquele homem, e Kate não tinha nem idéia de que mais podia dizer. Sabia que perdia todas com aquele pedido imprevisto; ele tinha todo o direito do mundo de tomar a sua esposa sobre o ombro, arrastá-la até a cama e encerrá-la no quarto durante uma semana se assim tivesse vontade. Agia de um modo amalucado, prisioneira de sua própria insegurança... insegurança que desconhecia até que conheceu o Anthony. Durante toda sua vida, sempre tinha sido a segunda: a segunda a que olhavam, a segunda a que saudavam, a segunda a que beijavam na mão. Como filha mais velha , o correto seria que se dirigissem a ela antes que a sua irmã mais nova, mas a beleza da Edwina era tão assombrosa, o azul puro e perfeito de seus olhos era tão impactante, que as pessoas se esqueciam de tudo em sua presença. Quando apresentavam a Kate a alguém, a resposta habitual era uma apurada "É claro" e uma saudação cortês murmurada enquanto o olhar se escapulia de novo ao rosto puro e resplandecente de Edwina. Kate nunca tinha se importado muito. Se Edwina tivesse sido uma moça convencida ou de mau caráter, talvez teria sido mais difícil. E para ser sinceros, a maioria de homens que conheciam eram superficiais e tolos, ou seja, não lhe tinha importado que se incomodassem em saudá-la só depois de fazê-lo com sua irmã. Até agora. Queria que o olhar do Anthony se iluminasse quando ela entrasse no quarto. Queria que percorresse a multidão até encontrar seu rosto. Não era preciso que a amasse - o ao menos isso era o que se repetia a si mesma - mas queria desesperadamente ser primeira em receber seu afeto, a primeira em seu desejo. E tinha a espantosa impressão de que tudo isto significava que se estava apaixonando. Apaixonando-se por seu marido... quem teria pensado que podia ser um desastre? - Já vejo que não tem resposta - disse Anthony com calma. A carruagem acabou por deter-se, Deus, obrigado, a liberou de ter que responder. Mas quando um lacaio com librea se adiantou com urgência e tentou abrir a porta, Anthony a fechou de novo de repente sem afastar o olhar dela nem por um instante. - Como, milady? - repetiu. - Como... -repetiu Kate. Quase tinha esquecido o que lhe perguntava. - Como - repetiu uma vez mais, com uma voz gélida como o gelo mas intensa e fervorosa como uma chama - planeja se preparar para a noite de núpcias? - Não... não o considerei ainda -foi sua resposta. - Pensava isso. -Soltou a maçaneta da porta, e esta se abriu de par em par. Apareceram os rostos de dois lacaios que obviamente se esforçavam por não mostrar sua curiosidade. Kate permaneceu calada enquanto Anthony a ajudava a descer e a levava até o interior da casa. O pessoal da residência estava reunido no pequeno vestíbulo de entrada, e Kate murmurou saudações a cada membro que lhe apresentou o mordomo ou a governanta. O pessoal não era excessivo já que a casa era pequena segundo os costumes da aristocracia, mas as apresentações demoraram seus bons vinte minutos. Vinte minutos que, por desgraça, serviram pouco para aplacar seus nervos. Quando Anthony apoiou a mão em sua cintura para guiá-la para a escada, o coração de Kate pulsava acelerado. Pela primeira vez em sua vida pensou que poderia desmaiar. Não era que temesse o leito matrimonial. Nem sequer temia não agradar a seu marido. Inclusive uma virgem inocente como ela era capaz de adivinhar que as ações e reações do Anthony quando a beijava eram boa prova de seu desejo. Lhe ensinaria o que devia fazer, disso não tinha dúvida. O que a assustava... O que a assustava... Sentiu que o nó na garganta a asfixiava, que se engasgava. Levou o punho à boca, mordeu o dedo para acalmar seu estômago, como se aquilo pudesse aliviar o espantoso mal-estar em seu interior. - Deus meu - sussurrou Anthony quando chegaram ao patamar .- Está aterrorizada. - Não -mentiu. Ele a agarrou pelos ombros e lhe deu meia volta para tê-la de frente e poder olhá-la profundamente nos olhos. Com uma maldição, agarrou-lhe a mão e a levou até o dormitório. - Necessitamos de um pouco de intimidade. Ao entrar no quarto, um aposento masculino com ricos detalhes, decorado de forma deliciosa em tons borgonha e dourado, pôs-lhe as mãos nos quadris e inquiriu: - Não lhe falou sua mãe a respeito de... ah... de...? Se não estivesse tão nervosa, Kate se teria rido de seus esforços falidos. - Claro -se apressou a responder-. Mary me explicou tudo. - Então qual é o problema? - Voltou a amaldiçoar, depois se desculpou. - Rogo que me perdoe – disse em tom tenso-. Já sei que não é a maneira de conseguir que relaxe. - Não saberia dizê-lo - sussurrou enquanto baixava a vista ao chão e fixava o olhar no intrincado estampado do tapete, até que as lágrimas transbordaram de seus olhos. Um horrível e estranho som entrecortado saiu da garganta do Anthony. - Kate? - perguntou com voz rouca -. Alguém... algum homem a há... submeteu a suas atenções sem seu consentimento? Kate ergueu a vista, e a preocupação e o terror que descobriu em seu rosto quase lhe derrete o coração. - Não! - chiou. - Não é isso. OH, não me olhe assim, não posso suportar. - Eu tampouco posso suportar - sussurrou Anthony, e foi para o lado de Kate, tomou sua mão e a levou aos lábios-. Tem que me contar - disse com uma voz abafada que soava muito peculiar - Tem medo de mim? Repugno-a? Kate sacudiu a cabeça de um modo frenético, incapaz de acreditar que pudesse pensar que alguma mulher o achasse repulsivo. -Explica- me - sussurrou e apertou os lábios contra sua orelha -. Me explique como fazê-lo bem. Porque não acredito que possa lhe conceder esse adiamento. - Amoldou seu corpo ao dela, seus fortes braços a abraçaram enquanto gemia-: Não posso esperar uma semana, Kate. Assim tão simples, não posso. -Eu... -Kate cometeu o engano de erguer a vista e olhá-lo nos olhos. Esqueceu tudo o que tinha que dizer. Estava-a olhando com uma intensidade ardente que acendeu um fogo no centro de seu ser, deixou-a sem fôlego, ansiosa, desesperada por algo que não entendia de todo. E sabia que não podia fazê-lo esperar. Se examinasse sua própria alma e olhasse com sinceridade, sem enganar-se, tinha que admitir que ela tampouco queria esperar. E que sentido podia ter? Talvez ele nunca chegasse a amá-la. Talvez o desejo do Anthony nunca estivesse concentrado com tal firmeza nela como o de Kate nele. Podia fingir. E quando a estreitou nos braços e apertou os lábios contra sua pele, pareceu-lhe tão, tão fácil fingir. - Anthony - sussurrou, seu nome soava como uma bênção, um rogo e uma reza, tudo ao mesmo tempo. - Qualquer coisa- contestou ele com voz irregular e se deixou cair de joelhos ante ela, deixando o rastro ardente de seus lábios por toda sua pele enquanto seus dedos desempenhavam um trabalho frenético para libertá-la de seu vestido-. Me peça algo - gemeu - Algo que esteja a meu alcance, darei-lhe isso. Kate sentiu que sua cabeça ia para trás, sentiu que o que ficava de sua resistência se fundia. - Pois me queira -sussurrou-. Pois me queira. Sua única resposta foi um grunhido grave de necessidade. Capítulo 17 Já parece! A senhorita Sheffield é agora Katharine, viscondessa de Bridgerton. Esta Autora expressa seus melhores desejos ao feliz casal. A gente sensata e honorável escasseia sem dúvida entre nossa elite aristocrática, pelo que é muito gratificante ver unidos em matrimônio duas exemplares desta espécie tão pouco freqüente. REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN, 16 de maio de 1814 Até esse momento, Anthony nem sequer percebeu de quanto necessitava que ela dissesse que sim, que admitisse sua necessidade. Abraçou-a com firmeza, apertou sua face contra a suave curva de seu ventre. Inclusive com seu vestido de noiva cheirava a lírios e sabonete, aquela fragrância que o enlouquecia e o obcecava há semanas. - Necessito-a - se queixou, não muito certo se suas palavras se perdiam entre as capas de seda que ainda a separavam dele-. Necessito-a agora. Ficou em pé e a levantou em seus braços. Foi surpreendente os poucos passos que necessitou para alcançar a cama de quatro postes que dominava o dormitório. Nunca antes tinha levado a uma mulher até aí, sempre tinha preferido levar suas relações a outro lugar, e de repente aquilo o regozijou de um modo absurdo. Kate era diferente, especial, sua esposa. Não queria que outras lembranças interferissem nesta noite nem em nenhuma outra. Deixou-a no colchão, seus olhos não abandonaram em nenhum momento sua encantadora forma despenteada enquanto tirava de forma metódica a roupa. Primeira as luvas, uma a uma, depois o fraque já enrugado por seu ardor. Encontrou o olhar do Kate, olhos escuros e grandes cheios de admiração, e sorriu, lentamente, com satisfação. - Alguma vez antes viu um homem nu, não é? -perguntou em voz baixa. Ela negou com a cabeça. -Bem. - Se inclinou para diante e lhe tirou uma das pantufas do pé-. Pois nunca voltará a ver outro. Ocupou-se dos botões da camisa, tirando pouco a pouco cada um de sua casa, e seu desejo se multiplicou por dez ao perceber que Kate tirava a língua para umedecer os lábios. Desejava-o. Conhecia suficientes mulheres que não o dissimulavam. E quando acabasse a noite, ela já não poderia viver sem ele. A possibilidade de que ele não pudesse viver sem ela era algo que se negava a considerar. O que ardia no dormitório e o que sussurrava seu coração eram coisas diferentes. Ele podia mantê-las separadas. Fá-lo-ia. Talvez não quisesse amar a sua esposa, mas aquilo não significava que não pudessem desfrutar com plenitude um do outro na cama. Deslizou as mãos até o botão superior de suas calças e o desabotoou, mas então se deteve. Ela ainda estava completamente vestida, e ainda era completamente inocente. Ainda não estava pronta para contemplar a prova de seu desejo. Subiu à cama e, como um gato montês, avançou pouco a pouco, aproximou-se centímetro a centímetro até que os cotovelos sobre os quais Kate se segurava fraquejaram e ela ficou deitada de costas, olhando-o de baixo. Sua respiração acelerada e superficial saía por seus lábios entreabertos. Não havia nada, decidiu, mais impressionante que o rosto de Kate ruborizado pelo desejo. Seu cabelo escuro, sedoso e espesso, tinha começado a soltar-se das forquilhas e ganchos que mantinham em seu lugar o elaborado toucado nupcial. Seus lábios, algo carnudos segundo os cânones de beleza convencionais, tinham adquirido uma cor rosada escura sob a luz oblíqua do entardecer. E sua pele... nunca lhe tinha parecido tão perfeita, tão luminescente. Um pálido rubor tingia suas faces, lhe negando a cútis branca que as damas que seguiam a moda sempre pareciam desejar. Mas Anthony achava sua cor encantadora. Era real, humana e tremia de desejo. Não podia esperar nada mais. Com uma mão reverente, acariciou-lhe a face com o dorso dos dedos, depois os deslizou por seu pescoço até a pele tenra que aparecia por cima do corpete. Levava o vestido abotoado nas costas por uma fila enlouquecedora de botões, mas já quase tinha solto uma terceira parte, e agora estava o bastante frouxo para deslizar o tecido sedoso sobre seus seios. Em todo caso, pareciam ainda mais formosos que dois dias antes. Seus mamilos rosados coroavam uns seios que sabia que se ajustavam a suas mãos à perfeição. - Sem regata? - murmurou em sinal de apreciação enquanto lhe passava um dedo pela linha proeminente de sua clavícula. Negou com a cabeça, sua voz soou entrecortada ao responder: - O corte do vestido não o permitia. Um lado da boca do Anthony se ergueu formando um sorriso muito varonil. - Recorde-me que envie uma gratificação a sua costureira. A mão desceu ainda mais, agarrou um dos seios e o apertou com suavidade. Sentiu que um gemido de desejo subia dentro dele enquanto escutava uma choramingação similar que escapava dos lábios do Kate. - Que preciosidade - murmurou. Retirou a mão e se dedicou a acariciá-la com o olhar. Nunca lhe tinha ocorrido pensar que pudesse produzir tanto prazer o simples ato de contemplar a uma mulher. Fazer o amor sempre tinha tido que ver com tocar e saborear, e agora, pela primeira vez, a vista era igualmente sedutora. Era tão perfeita, era tão absolutamente formosa para ele... Notou que lhe produzia uma sensação de satisfação bastante estranha e primitiva o fato de que a maioria de homens estivessem cegos a sua beleza. Era como se certo lado dela só fosse visível para ele. Encantava-o que seus encantos ficassem ocultos ao resto do mundo. Fazia ela parecer mais sua. De repente esteve ansioso que lhe tocasse também, de modo que lhe agarrou uma das mãos, ainda envolta na luva de cetim e a levou ao peito. Pôde sentir o calor de sua pele inclusive através do tecido, mas não era suficiente. -Quero senti-la - sussurrou, e depois lhe tirou os dois anéis que levava no dedo anelar. Deixou-os no espaço que formavam seus seios, um espaço que ficava pouco profundo por sua posição. Kate ofegou e estremeceu com o contato do frio metal contra sua pele, logo observou com fascinação ofegante como Anthony se ocupava da luva, atirava com delicadeza de cada dedo até deixá-lo solto, depois corria todo seu comprimento pelo braço e o tirava da mão. A rajada do cetim foi como um beijo interminável, e arrepiou o pêlo de todo seu corpo. Depois, com uma ternura que quase lhe arranca as lágrimas, voltou a lhe pôr os anéis no dedo, um a um, detendo-se no meio para beijar a sensível palma de sua mão. -Dê-me a outra mão - ordenou com ternura. Fez isso, e repetiu a mesma tortura deliciosa, puxou e deslizou o cetim por sua pele. Mas desta vez, quando acabou, levou o dedo rosado do Kate a sua boca, o colocou entre os lábios e o lambeu, rodeando a ponta com a língua. Kate, como resposta, sentiu um puxão de desejo por todo o braço que estremeceu logo seu peito e se propagou por ela até acumular-se ardente e misterioso em seu interior e entre suas pernas. Algo despertava dentro dela, algo escuro e talvez um pouco perigoso, algo que tinha permanecido entorpecido durante anos, à espera de um só beijo deste homem. Toda sua vida tinha sido uma preparação para este momento, nem sequer sabia o que esperar na continuação. A língua de Anthony desceu pela longitude interior de seu dedo, depois seguiu as linhas da palma da mão. -Que mãos tão lindas - murmurou enquanto mordiscava a parte carnuda do polegar e entrelaçava seus dedos com os dela -. Fortes, e não obstante tão graciosas e delicadas. -Que tolices diz - disse Kate com timidez-. Minhas mãos... Mas ele a calou com um dedo sobre os lábios. -Sshhh - reprendeu. - Ainda não aprendeu que não deveria contrariar seu marido enquanto este admira suas formas? Kate tremeu de deleite. -Por exemplo - continuou, com toda a malícia do mundo-, se quero passar uma hora examinando o interior de seu pulso - seus dentes, com velocidade de relâmpago, roçaram a delicada e magra pele do interior do pulso - está claro que estou em meu direito, não lhe parece? Kate ficou sem resposta, e ele soltou um risinho, de som grave e afável aos ouvidos dela. -E não confie em que não vá fazê-lo - advertiu enquanto empregava o dedo para seguir as veias azuis que pulsavam debaixo da pele. - Poderia decidir passar duas horas examinando seu pulso. Kate observou com fascinação como seus dedos, que a tocavam com suavidade estremecedora, avançavam até o interior do cotovelo e logo se detinham para traçar uns círculos sobre sua pele. - Não imagino - disse com voz suave- que possa passar duas horas examinando seu pulso sem achá-lo lindo. -Sua mão se deslocou então até o torso, empregou a palma para acariciar outra vez com suavidade o seio. - Sentir-me-ia muito doído se não estivesse de acordo. Inclinou-se para frente e apanhou os lábios de Kate em um beijo breve mas abrasador. Ergueu a cabeça alguns centímetros e murmurou. -A uma esposa corresponde aceitar tudo o que diga seu marido, mmm? Suas palavras eram tão absurdas que Kate custou encontrar a voz. -Se suas opiniões parecem bem a ela, milord - disse com um sorriso divertido. Anthony arqueou uma sobrancelha com gesto imperioso. - Está discutindo comigo, milady? E em minha noite de núpcias nem mais nem menos. -Também é minha noite de núpcias - esclareceu Kate. Ele estalou a língua e sacudiu a cabeça. -Talvez tenha que castigá-la - disse-. Mas como? Tocando? -Suas mãos passaram roçando um seio, depois o outro-. Ou sem tocar? Afastou as mãos de sua pele, mas se inclinou para baixo e, desde seus lábios franzidos, lançou um suave sopro por cima do mamilo. -Tocando - respondeu Kate com um arquejo. Arqueou um pouco o corpo separando do colchão. – Sem dúvida tocando. - Com certeza? -Sorriu, devagar, como um gato-. Nunca tinha pensado que diria isto, mas sem tocar tem seu encanto. Kate ficou olhando-o e ele se ergueu sobre ela colocando-se a quatro patas como um caçador primitivo que se prepara para cair sobre sua presa. Parecia selvagem, triunfante e poderosamente possessivo. Seu espesso cabelo castanho caía sobre sua fronte, e lhe dava um peculiar ar juvenil, mas seus olhos ardiam e reluziam com um desejo muito adulto. Queria-a. Era cativante. Embora fosse um homem que podia encontrar satisfação em qualquer mulher, neste preciso instante desejava a ela. Kate estava convencida. E a fazia sentir-se a mulher mais formosa da Terra. Encorajada pelo conhecimento de seu desejo, ergueu um braço para colocar uma mão na sua nuca e atraí-lo para baixo até que seus lábios ficaram a um sussurro dos dela. - Beije- me - ordenou, surpreendida pelo tom imperioso de sua voz-. Me beije agora. Anthony sorriu com vaga incredulidade, mas suas palavras, no segundo último antes de que se encontrassem seus lábios foram: - O que você desejar, lady Bridgerton. O que você desejar. E então tudo pareceu acontecer imediatamente. Os lábios do Anthony sobre os do Kate, devorando e martirizando, enquanto a levantava para deixá-la sentada. Seus dedos se ocuparam com destreza dos botões do vestido. Kate pôde notar o fresco toque do ar na pele quando o tecido deslizou para baixo, centímetro a centímetro deixando descoberta a caixa torácica, depois o umbigo e depois... E depois Anthony deslizou suas mãos debaixo de seus quadris para levantá-la para cima e tirar o vestido por debaixo. Kate soltou um arquejo ante uma situação tão íntima. Ficou vestida só com sua roupa interior: calções, meias e ligas. Nunca em sua vida se havia sentido tão exposta, e não obstante adorou cada momento, cada olhar dele percorrendo seu corpo. -Levante a perna - ordenou Anthony com voz suave. Fez isso, e com uma lentidão deliciosa e agonizante ao mesmo tempo, ele recolheu uma das meias até a ponta do pé. A outra não demorou para ficar recolhida também, as meias vieram a seguir e, quase sem dar-se conta, estava nua por completo ante ele. Anthony lhe acariciou o estômago mal roçando-a com a mão, e depois disse: - Creio que levo muita roupa, não lhe parece? Os olhos de Kate se dilataram quando ele se retirou da cama e tirou o resto da roupa. Seu corpo era pura perfeição, com um peito de excelente musculatura, pernas e braços poderosos, e seu... -Oh, Deus meu - soltou Kate com um fôlego. Anthony fez uma careta. - Tomo isso como um elogio. Kate engoliu saliva com força. Não era de estranhar que aqueles animais da granja vizinha não dessem mostras de desfrutar do ato de procriação. Ao menos as fêmeas. Custava-lhe acreditar que isto fosse funcionar. Mas não queria parecer ingênua ou insensata, de modo que não disse nada, a saber, se limitou a engolir o temor e tentou sorrir. Anthony captou não obstante a labareda de terror em seus olhos e sorriu com ternura. - Confia em mim - murmurou, e se virou na cama ao lado dela. Apoiou as mãos na curva do quadril de Kate enquanto acariciava o pescoço com o nariz. - Só tem que confiar em mim. Notou que ela assentia e se apoiou em um de seus cotovelos. Com a mão que ficava livre traçou círculos e espirais sobre seu abdômen, com calma, cada vez mais abaixo, até que roçou o extremo do arbusto escuro de cabelo que formava um ninho entre suas pernas. Os músculos de Kate se estremeceram. Anthony ouviu a inspiração entre seus lábios. -Sshhh - disse tranqüilizador, e se inclinou para distraí-la com um beijo. A única vez que se deitou com uma moça virgem, ele também o era, portanto confiava em que agora o instinto lhe guiasse. Queria que desta vez, sua primeira vez, fosse perfeito. Ou, se não fosse perfeito, que ao menos fosse algo fantástico. Enquanto explorava a boca do Kate com seus lábios e língua, desceu ainda mais a mão, até que alcançou o calor úmido de sua condição de mulher. Ela ofegou uma vez mais, mas ele foi implacável, não parou de lhe fazer cócegas e martirizá-la, gozando de cada um de seus gemidos e calafrios. - O que está fazendo? - sussurrou ela contra seus lábios. Anthony lhe dedicou um sorriso torcido, enquanto introduzia com suavidade um de seus dedos. - Não a faço sentir muito, mas muito bem? Ela choramingou, o que agradou muito ao Anthony. Se Kate tivesse tentado dizer algo ininteligível, ele teria sabido que não estava fazendo bem seu trabalho. Ficou em cima dela, com a coxa lhe separou as pernas e soltou ele também um gemido quando seu membro viril descansou sobre o quadril do Kate. Inclusive assim, era perfeita e quase arrebentava com apenas pensar em afundar-se nela. Tentou manter o controle, tentou não esquecer ir devagar e com ternura em todo momento, mas sua necessidade cada vez era mais forte, seu próprio fôlego se acelerava e entrecortava. Kate estava pronta para ele, ou ao menos tão pronta como poderia estar. Sabia que esta primeira vez lhe produziria dor, mas rogou para que não durasse mais que um momento. Acomodou-se contra sua abertura empregando ambas as mãos para sustentar seu corpo tão somente uns poucos centímetros por cima. Pronunciou seu nome com um sussurro e os olhos escuros de Kate, empanados pela paixão, centraram-se nos dele. - Agora vou fazê-la minha - disse enquanto se adiantava apenas um centímetro. O corpo de Kate se esticou em torno dele, a sensação era tão deliciosa que Anthony teve que apertar os dentes. Seria tão fácil, tão fácil deixar-se levar no momento e afundar-se para diante procurando só seu prazer... - Diga-me se doer - sussurrou com voz rouca enquanto se permitia avançar muito pouco a pouco. Estava claro que ela estava excitada, mas era muito miúda, e Anthony sabia que tinha que lhe conceder tempo para ajustar-se a sua íntima invasão. Kate fez um gesto de assentimento. Ele ficou paralisado, custava-lhe entender a pontada de dor em seu próprio peito. - Dói? Kate negou com a cabeça. - Não, referia-me a que te direi se doer. Não dói, mas é tão... peculiar. Anthony dissimulou um sorriso e se agachou para lhe beijar a ponta do nariz. - Não lembro que me chamassem peculiar nunca antes ao fazer amor com uma mulher. Durante um momento deu a impressão de que Kate tivesse medo de o haver insultado, logo sua boca tremeu até formar um leve sorriso. -Talvez - disse com voz suave- fizesse o amor com as mulheres equivocadas. -Talvez seja isso - respondeu e se adiantou um centímetro mais. - Posso lhe contar um segredo? Ele avançou um pouco mais. - Claro- murmurou. - Quando o vi pela primeira vez... esta noite, quero dizer... - Em todo meu esplendor? - brincou ele enquanto arqueava as sobrancelhas com gesto arrogante. Kate lhe dedicou uma expressão de reprovação muito encantadora. - Pensei que não era possível que isto funcionasse. Ele continuou um pouco mais. Faltava pouco, muito pouco, para encontrar-se agasalhado por completo dentro dela. - Posso lhe dizer um segredo? - foi a resposta. - Claro. - Seu segredo - um empurrãozinho mais e já estava apoiado no hímen-, não era tão secreto. Kate juntou as sobrancelhas com gesto interrogativo. Anthony fez uma careta. -Se lia em seu rosto. Ela voltou a franzir o cenho, e ele sentiu vontade de estalar em gargalhadas. - Mas agora - conseguiu manter um rosto escrupulosamente serio- tenho uma pergunta para você. Kate ficou lhe olhando, à espera de que lhe esclarecesse um pouco mais sua pergunta. Inclinou-se para frente, roçou-lhe a orelha com os lábios e sussurrou: - O que pensa agora? Durante um instante ela não disse nada, depois Anthony notou o sobressalto de surpresa quando por fim adivinhou o que lhe estava perguntando em realidade. - Já acabamos? - perguntou com clara incredulidade. Desta vez sim que explodiu em risadas. - Nada mais longe, minha querida esposa - soltou entre gargalhadas enquanto secava os olhos com uma mão e com a outra tentava segurar-se. - Nada mais longe. -Fez uma cara séria e acrescentou: - agora é quando pode doer um pouco, querida. Mas lhe prometo que a dor não voltará a repetir-se. Ela assentiu com a cabeça mas Anthony notou que seu corpo ficava em tensão, algo que sabia só ia piorar as coisas. -Sshhh - cantarolou. - Relaxe. Ela fez um gesto afirmativo com os olhos fechados. - Estou relaxada. Alegrou-se de que não pudesse vê-lo sorrir. - É indiscutível que não está relaxada. Kate abriu de repente os olhos. - Estou relaxada. -Não posso acreditar - disse Anthony, como se houvesse alguém mais no quarto que pudesse ouvi-lo. - Está discutindo comigo em nossa noite de núpcias. - Sim que... Interrompeu-a com um dedo sobre seus lábios. - Tem cócegas? - Cócegas? Ele confirmou a pergunta com a cabeça. - Sim, cócegas. Kate entrecerrou os olhos com desconfiança. - Por que? - Isso me soa como um sim - disse ele com uma careta. - Em absol... ooohhh! -Soltou um chiado quando a mão dele encontrou um ponto especialmente sensível debaixo do braço-. Anthony, para! -soltou um arquejo e se retorceu com desespero debaixo dele-. Não o posso suportar! É que... Anthony se jogou para frente. -Oh – disparou- OH, céus. Ele gemeu, sem poder quase acreditar quanto gostava de estar por fim enterrado por completo nela. - Oh, céus, isso mesmo. - Ainda não acabamos, não é? Ele negou devagar com a cabeça enquanto seu corpo começava a mover-se seguindo aquele ritmo ancestral. -Para nada - murmurou. Tomou a boca com os lábios enquanto colocava estrategicamente uma mão em seu seio para acariciá-lo. Era tudo perfeição debaixo dele, seus quadris se erguiam para encontrar os seus , a princípio com vacilação, depois com um vigor a tom com sua crescente paixão. -Oh, Deus, Kate - gemeu ele. Tinha perdido de todo a habilidade de formar frases fluídas no meio do primitivo ardor do momento. - Como eu gosto. Como eu gosto. A respiração de Kate era cada vez mais rápida, e com cada pequeno ofego inflamava mais a paixão do Anthony. Queria possuí-la, queria ser seu amo, queria mantê-la debaixo dele e não deixá-la ir nunca.E com cada investida era mais difícil antepor as necessidades dela às suas. Sua mente uivava que era sua primeira vez e que tinha que tratá-la com mímico, mas seu corpo pedia uma liberação. Com um gemido entrecortado, obrigou-se a deter as investidas e tomar fôlego. - Kate? -inquiriu, quase sem reconhecer sua própria voz. Soava rouca, distante, desesperada. Kate, que tinha mantido os olhos fechados enquanto a cabeça ia de um lado a outro, abriu-os de repente. -Não pare - disse entre gemidos - por favor, não pare. Estou tão perto de algo... não sei do que. -Oh, Deus - gemeu ele, e voltou a precipitar-se de forma incondicional, com a cabeça arremesso para trás e a coluna arqueada. -É tão formosa, tão incrível... Kate? Ela se tinha ficado rígida debaixo dele, e não por ter alcançado algum clímax. Anthony ficou paralisado. - O que acontece? -perguntou em um sussurro. Conseguiu ver um breve relampejo de dor em seu rosto, do tipo emocional, não físico, antes de que ela tivesse tempo de dissimulá-lo. Kate sussurrou: - Nada. - Não é verdade - replicou com voz grave. Sentia em seus braços a tensão de sustentar-se sobre ela, mas quase não se dava conta. Naquele instante, cada fibra de seu corpo estava concentrada no rosto de Kate, compungido, entristecido, face aos evidentes esforços de dissimulá-lo. - Me chamaste formosa. Ele continuou olhando-a durante dez segundos. Não entendia absolutamente por que aquilo era mau. Mas, claro, nunca tinha pretendido entender a mente feminina. Embora pensava que devia reafirmar-se naquela declaração, uma vozinha em seu interior lhe advertiu de que este era um desses momentos nos quais, dissesse o que dissesse, não ia ser o acertado, de modo que decidiu ir com muito tato. Limitou-se a pronunciar seu nome, tinha a intuição de que aquela seria a única palavra que garantiria que não ia fazer uma gafe. -Não sou formosa - sussurrou olhando-o nos olhos. Parecia desconsolada, mas antes de que Anthony pudesse contradizê-la, perguntou-lhe-: Em quem pensa? Ele pestanejou. - Perdão, como disse? - Em quem pensa quando me faz o amor? Anthony se sentiu como se acabasse de receber um murro no estômago. O fôlego saiu de seu corpo com uma longa respiração. - Kate, está louca, é... - Sei que um homem não precisa desejar a uma mulher para encontrar prazer nela -choramingou. - Pensa que não a desejo? -perguntou com voz irregular. Deus bendito, estava a ponto de explodir dentro dela e levava já os últimos trinta segundos sem poder mover-se. Tremia o lábio inferior de Kate entre seus dentes, também se contraiu um músculo de seu pescoço. - Pensa... pensa em Edwina? Anthony ficou gelado. - Como ia confundir as duas? Kate notou que seu próprio rosto se enrugava, sentiu as lágrimas quentes em seus olhos. Não queria chorar diante dele, OH, Deus, e menos naquele momento, mas doía tanto, quanto doía, e... Anthony a agarrou pelas faces com assombrosa velocidade e a obrigou a olhá-lo. -Escute-me -sua voz soava serena e intensa- e me escute bem, porque só vou lhe dizer isto uma vez. Desejo-a. Morro por você. De noite não posso dormir por culpa de meu desejo por você. Inclusive quando não me caía bem, desejava-a. É a coisa mais demencial, arrebatadora, deplorável sim, mas é assim. E se ouvir um só disparate mais saindo de seus lábios, terei que te atar à cama e te convencer a minha maneira, tentarei-o de mil formas até que de uma vez por todas lhe entre nesse crânio estúpido que é a mulher mais formosa e desejável da Inglaterra, e se outros não se dão conta é que são uma turma de néscios. Kate não pensava que alguém pudesse ficar boquiaberto estando deitado, mas de algum jeito foi possível. Anthony arqueou uma de suas sobrancelhas com a expressão mais arrogante que seu rosto pudesse adotar. - Entendido? Ela ficou olhando-o, era totalmente incapaz de articular uma resposta. Anthony se agachou até que seu nariz ficou a um centímetro de seu rosto. - Entendido? Kate fez um gesto afirmativo. - Bem - resmungou e, logo, antes de lhe dar ocasião de recuperar o fôlego, seus lábios a devoraram com um beijo tão feroz na boca que Kate teve que agarrar-se à cama para não ficar a chiar. Ele empurrou seus quadris contra ela e adotou um desenfreado ritmo, investiu podendo, girando e precipitando-se sobre Kate até deixá-la convencida de sua paixão. Ela se agarrou ao Anthony, embora não estivesse certa de se tentava lhe abraçar ou lhe afastar. -Não posso continuar- gemeu, segura de que ia romper-se. Tinha os músculos rígidos, tensos, cada vez era mais difícil respirar. Anthony talvez a ouvisse, mas não fez conta. Seu rosto era uma máscara severa de concentração, o suor formava gotas em sua fronte. -Anthony - gemeu ela-, não posso... Ele deslizou uma mão entre seus corpos e a tocou em sua parte íntima. Kate gritou. Anthony se precipitou uma última vez para diante e o mundo dela simplesmente se desfez. Ficou rígida, depois começou a tremer e depois pensou que sofria uma queda. Não podia respirar, nem sequer podia ofegar. Tinha um nó na garganta e a cabeça foi para trás enquanto se agarrava ao colchão com as mãos, com uma fortaleza que desconhecia possuir. Anthony ficou de todo quieto em cima dela, com a boca aberta em um grito silencioso, e logo se desabou, seu peso empurrou ainda mais ao Kate contra o colchão. -Oh, Deus meu - gemeu, então tremendo. - Nunca... nunca me... tanto... nunca tinha gostado tanto. Kate, que demorou uns segundos mais em recuperar-se, sorriu enquanto lhe alisava o cabelo. Lhe ocorreu uma idéia travessa, um pensamento brincalhão. - Anthony? - murmurou. Ela não soube como ele conseguiu levantar a cabeça, deu a impressão de que o mero fato de abrir os olhos e grunhir uma resposta requeria um esforço heróico. Kate sorriu, devagar, com toda a sedução feminina que acabava de aprender aquela noite. Deixou que um de seus dedos seguisse a linha angular do queixo de Anthony e sussurrou: - Já acabamos? Durante um segundo ele não disse nada, logo seus lábios formaram um sorriso muito mais malicioso do que ela nunca poderia ter imaginado. -Por agora - murmurou com voz rouca. Ficou de lado e a atraiu para si. - Mas só por agora. Capítulo 18 Embora o apressado matrimônio de lorde e lady Bridgerton (antes senhorita Katharine Sheffield, para todos aqueles que tenham estado hibernando durante as passadas semanas) ainda esteja rodeado de especulações, Esta Autora é da firme opinião de que sua união foi umas bodas por amor. O visconde de Bridgerton não acompanha a sua esposa a todos os eventos sociais (embora, claro, que marido o faz?), mas quando está presente, a Esta Autora não passou por cima que sempre parece murmurar algo ao ouvido de sua dama, e que esse algo sempre a faz sorrir e ruborizar-se. E mais, sempre dança com sua esposa uma dança mais do que se considera a rigoe. Tendo em conta que muitos maridos não gostam de dançar nenhuma só vez com suas mulheres, pode-se afirmar que estamos ante uma história romântica. REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN, 10 de junho de 1814 As próximas semanas passaram em um frenesi delirante. Depois de uma breve estadia no campo, em Aubrey Hall, os recém casados retornaram a Londres, onde era plena temporada. Kate tinha acreditar aproveitar as tardes para reatar suas lições de flauta, mas não demorou para descobrir que requeriam sua presença continuamente e que seus dias estavam ocupados com visitas sociais, saídas às compras com sua família e passeios ocasionais pelo parque. Os serões eram um torvelinho de bailes e festas. Mas as noites as reservava exclusivamente para Anthony. O casamento, decidiu, era algo que lhe assentava bem. Via Anthony menos do que teria gostado, mas entendia e aceitava que era um homem muito ocupado. Suas muitas preocupações, tanto no Parlamento como com suas propriedades, levavam grande parte de seu tempo. Mas quando retornava a casa de noite e se reunia com ela no dormitório (nada de quartos separados para lord e lady Bridgerton!) seu comportamento atento era maravilhoso, perguntava-lhe como tinha sido o dia, falava-lhe de sua jornada e fazia amor até altas horas da madrugada. Teve inclusive a preocupação de escutá-la praticar com a flauta. Kate tinha conseguido contratar a um músico para que lhe desse aulas duas manhãs na semana. Considerando o nível de interpretação (não muito perito) que tinha alcançado Kate, o gesto voluntarioso do Anthony de sentar-se durante todo um ensaio de meia hora só podia interpretar-se como uma amostra de grande afeto. É claro, não lhe passou por cima que nunca voltou a repeti-lo. Sua existência era muito agradável, com um matrimônio muito melhor do que a maioria de mulheres de sua posição podiam esperar. Embora seu marido não a amasse, embora nunca a amasse, ao menos se esforçava muito por fazer que se sentisse querida e apreciada. E no momento Kate estava sendo capaz de contentar-se com isso. E se ele parecia distante durante o dia, bem, estava claro que não o era de noite. Entretanto, o resto da sociedade, e Edwina em particular, colocaram na cabeça que o matrimônio de lorde e lady Bridgerton era um casamento por amor. Edwina costumava vir de visita às tardes e aquele dia não era uma exceção. Ela e Kate estavam o salão, sorvendo chá e mordiscando bolachas, desfrutando de um estranho momento de intimidade agora que Kate tinha se despedido do enxame diário de visitas. Pelo visto, todo mundo queria ver como ia à nova viscondessa, e o salão de Kate quase nunca estava vazio à tarde. Newton se tinha encarapitado ao sofá ao lado da Edwina, e esta lhe acariciava o pelo com despreocupação enquanto dizia: - Todo o mundo fala hoje de você. Kate nem sequer fez uma pausa enquanto levava o chá aos lábios e dava um gole. - Todo o mundo fala sempre de mim - replicou encolhendo os ombros-. Logo encontrarão outro assunto de conversa. - Não - contestou Edwina-, enquanto seu marido continuar olhando-a como o fazia ontem à noite. Kate sentiu certo calor nas faces. - Não fez nada fora do normal - murmurou. - Kate, estava claro que seus olhos ardiam de paixão. - Edwina trocou de posição ao mesmo tempo que Newton o fazia e lhe comunicava com um pequeno gemido que queria que lhe coçasse a barriga. - Vi com meus próprios olhos como afastava a lorde Haveridge do caminho para chegar a seu lado. - Chegamos separados - explicou Kate, embora seu coração se enchia de uma alegria secreta e algo alocada-. Estou convencida de que tinha que me dizer algo, assim simples. Edwina olhava com desconfiança. - E o fez? - O que? -Dizer-lhe algo - continuou Edwina com exasperação palpável. - Acaba de dizer que estava convencida de que tinha que lhe contar algo. Se fosse esse o caso, não lhe teria contado o que tivesse que dizer? E você saberia o que tinha que lhe contar, concorda? Kate pestanejou. - Edwina, está-me enjoando. Os lábios da irmã mais nova formaram um gesto contrariado. - Nunca me conta nada. - Não há nada que contar, Edwina! -Kate estendeu o braço, agarrou uma bolacha e lhe deu um bocado grande e áspero, bastante para que sua boca estivesse muito cheia para falar. O que se supunha que ia contar a sua irmã? Que antes de casar-se seu marido lhe tinha informado de forma muito direta e prática de que nunca a amaria? Aquilo sim que seria um bate-papo muito encantador enquanto tomavam chá e bolachas. - Bem - anunciou por fim Edwina, depois de observar ao Kate mastigando durante todo um minuto, algo francamente inverossímil-. Eu em realidade tinha outro motivo para vir hoje aqui. Há algo que quero lhe dizer. Kate engoliu em seco com gesto agradecido. - Seriamente? Edwina fez um gesto de assentimento e logo se ruborizou. - Do que se trata? -implorou Kate enquanto sorvia o chá. A boca lhe tinha ficado muito seca depois de tanto mastigar. - Creio que me apaixonei. Kate quase cospe o chá. - Por quem? - Pelo senhor Bagwell. Por mais que o tentasse, Kate não conseguia recordar quem diabos era o senhor Bagwell. - É um intelectual - continuou Edwina com um suspiro sonhador -. Conheci-o na reunião campestre na casa senhoril de lady Bridgerton. - Não me lembro de de tê-lo conhecido -comentou Kate juntando as sobrancelhas com gesto pensativo. - Esteve bastante ocupada durante toda sua visita - respondeu Edwina com voz irônica-. Comprometendo-se em casamento e tudo isso. Kate fez uma careta, dessas que só se pode fazer diante de uma irmã. - Fale-me deste senhor Bagwell. Os olhos da Edwina se encheram de afeto e brilho. - É um segundo filho, temo, de modo que não pode esperar muitos ganhos familiares. Mas agora que você fez um casamento tão bom, já não tenho que me preocupar por isso. Kate sentiu que saltavam aos olhos umas lágrimas inesperadas. Não tinha percebido a pressão a que Edwina se havia sentido submetida a princípio da temporada. Ela e Mary tinham tido a preocupação de lhe assegurar que podia casar-se com qualquer um que gostasse, mas as três conheciam com exatidão o estado de suas finanças, e certamente todas elas tinham feito brincadeiras a respeito de que tão fácil era enamorar-se de um homem rico como de um pobre. Só era preciso dar uma olhada em Edwina para dar-se conta de que lhe tinham tirado de cima uma grande carga. - Me alegro de que tenha encontrado a alguém que faça bom par com você - murmurou Kate. -Oh, isso é certo. Sei que não estaremos muito folgados economicamente, mas, a verdade, não necessito sedas e jóias. - Seu olhar se deteve sobre o cintilante diamante na mão de Kate-. Tampouco pense que lhe façam falta, é claro! - se apressou a acrescentar enquanto seu rosto enrubescia. - É só que... -Só que está bem não ter que se preocupar com a manutenção de sua irmã e sua mãe -concluiu Kate por ela com voz amável. Edwina soltou um grande suspiro. - Isso mesmo. Kate estendeu o braço por cima da mesa e lhe agarrou as mãos. - Pode estar tranqüila de que já não tem que preocupar-se por mim, e estou certa de que Anthony e eu sempre poderemos nos ocupar da Mary, se é que alguma vez necessita ajuda. Os lábios da Edwina formaram um sorriso trêmulo. - E quanto a você - acrescentou Kate-, acredito que já era hora de que pudesse pensar só em você mesma para variar. Que tomasse uma decisão em função de seus desejos, não do que pensa que necessitam outros. Edwina soltou uma de suas mãos para secar uma lágrima. - Gosta de mim de verdade - sussurrou. - Então estou certa de que também eu gostarei dele - disse com firmeza sua irmã. - Quando posso conhecê-lo? -Vai estar em Oxford na próxima quinzena, temo. Tem compromissos contraídos que não quero que desatenda por minha causa. - Claro que não - murmurou Kate-. Com certeza não quer se casar com um cavalheiro que não saiba cumprir com seus compromissos. Edwina expressou sua conformidade. - De qualquer modo, recebi uma carta sua esta manhã, e diz que virá a Londres no fim de mês e que confia em poder me fazer uma visita. Kate sorriu com malícia. - Já lhe envia cartas? Edwina fez um gesto de assentimento e se ruborizou. - Várias na semana - admitiu. - E a que estudos se dedica? - Arqueología. Tem um grande talento. Esteve na Grécia. Duas vezes! Kate nunca tinha pensado que fosse possível que sua irmã - já famosa em todo o país por sua beleza- estivesse ainda mais encantadora do que o habitual, mas quando Edwina falava dela e do senhor Bagwell, seu rosto resplandecia de um modo tão radiante que causava impacto. - Morro de vontade de conhecê-lo - anunciou Kate-. Temos que organizar um jantar informal com ele como convidado de honra. - Seria maravilhoso. -E talvez os três possamos ir dar um passeio pelo parque outro dia para nos conhecer melhor. Agora que sou uma amadurecida dama casada, posso desempenhar o papel de acompanhante. - Kate soltou um risinho-. Não é engraçado? Uma voz muito masculina, muito divertida, ouviu-se na soleira da porta. - O que é engraçado? - Anthony! - exclamou Kate surpreendida de ver seu marido a essa hora do dia. Sempre parecia ter entrevistas e reuniões que o tinham fora de casa-. Que alegria vê-lo por aqui. Ele sorriu um pouco enquanto fazia um gesto com a cabeça para saudar a Edwina. - Encontrei um momento livre com o qual não contava. - Quer tomar o chá conosco? - Ficarei com vocês - murmurou enquanto cruzava a sala e agarrava uma licoreira de cristal que repousava sobre uma mesinha auxiliar de jacarandá- mas acho melhor tomar um brandy. Kate o observou enquanto se servia de uma taça, que a seguir fez girar em sua mão com ar distraído. Eram estes os momentos em que lhe custava afastar a vista de seu amor. Ele estava tão bonito na última hora da tarde... Não estava certa do motivo; talvez fosse o leve traço de barba em suas faces ou o fato de que tivesse o cabelo um pouco despenteado por sua atividade durante o dia. Ou talvez fosse simplesmente porque não o via com freqüência a essas horas; em uma ocasião lera um poema que dizia que o momento inesperado era sempre o mais doce. Enquanto Kate contemplava a seu marido, pensou que era provável que aquele poema tivesse razão. - E bem - disse Anthony depois de dar um gole em seu bebida-, do que falavam as senhoras? Kate olhou a sua irmã para lhe pedir permissão para comunicar as últimas notícias, e quando Edwina fez um gesto afirmativo, disse: - Edwina conheceu a um cavalheiro a quem gosta. - Seriamente? - perguntou Anthony. Soou interessado, com um tom paternal muito peculiar. acomodou- se no braço da poltrona do Kate, um móvel informal muito fofo que não seguia absolutamente as modas do momento, mas muito apreciado de qualquer modo entre a família Bridgerton por sua comodidade pouco habitual-. Eu gostaria de conhecê-lo - acrescentou. - De verdade? - Edwina pestanejou como um mocho. - Quereria? - Claro. De fato, insisto nisso. - Ao ver que nenhuma das damas fazia mais comentários, franziu um pouco o cenho e acrescentou: - Sou o chefe de família, ao fim e ao cabo. Normalmente nos toca fazer esse tipo de coisas. Os lábios de Edwina se separaram por causa de sua surpresa. - Não tinha percebido que se sentia responsável por mim. Anthony a olhou como se se tornasse louca por um momento. - É a irmã de Kate - disse, como se aquilo explicasse tudo. A falta de expressão no rosto da Edwina continuou assim durante um segundo mais, e logo se fundiu em um gesto de deleite completamente radiante. - Sempre me tinha perguntado como seria ter um irmão - comentou. - Espero passar no exame - falou Anthony, não de todo confortável ante aquele repentino arranque de emoção. Dedicou-lhe um amplo sorriso. - Desde logo. Juro que não entendo por que se queixa tanto Eloise. Kate se voltou para Anthony e explicou: - Edwina e sua irmã se fizeram íntimas amigas desde nosso casamento. - Deus nos ajude - disse entre dentes-. E, se posso perguntar, do que poderia queixar-se Eloise? Edwina sorriu com gesto inocente. - Oh, de nada, de verdade. Só que, às vezes, pode ser um pouquinho... muito protetor. - Isso é ridículo - resmungou. Kate se engasgou com o chá. Tinha a impressão de que quando suas filhas estivessem em idade de casar-se, Anthony se converteria ao catolicismo só para poder encerrá-las em um convento com paredes de quatro metros. Anthony lhe deu uma olhada com os olhos entrecerrados. - Do que se ri? Kate se deu uns golpezinhos na boca com o guardanapo e murmurou debaixo das dobras do tecido: -De nada. - Mmmf. - Eloise diz que parecia um policial quando Simon cortejou a Daphne - explicou Edwina. - Oh, diz isso? Edwina assentiu com a cabeça. - Diz que os dois se bateram em duelo! - Eloise fala muito - resmungou Anthony. Edwina assentiu feliz com a cabeça. - Sempre sabe tudo. Tudo! Sabe inclusive mais que lady Confidência. Anthony se voltou para Kate com uma expressão que em parte era de perturbação e em parte de pura ironia. - Lembre-me de comprar uma mordaça para minha irmã - disse com chispa-. E outra também para a sua. Edwina soltou uma risada musical. -Nunca tinha imaginado que fosse tão divertido fazer brincadeiras com um irmão como com uma irmã. Estou encantada de que decidisse se casar com ele, Kate. - Não tive muito que escolher a respeito - disse então Kate com sorriso seco- mas estou bastante contente com a maneira em que me saíram as coisas. Edwina se levantou e despertou sem querer a Newton, quem tinha ficado dormindo tão tranqüilo junto a ela no sofá. Soltou um gemido ofendido e se deixou cair pesadamente ao chão, onde em seguida se enrolou debaixo da mesa. Edwina observou o cão e soltou um risinho antes de dizer: - Tenho que partir. Não, não é preciso que me acompanhe à porta - afirmou quando Kate se levantou para acompanhá-la à porta da entrada-. Conheço o caminho. Bobagem - disse Kate e pegou sua irmã pelo braço-. Anthony, volto em seguida. - Contarei cada segundo - murmurou ele, e então, enquanto dava outro gole à taça, as duas damas saíram da sala seguidas do Newton que ladrava com entusiasmo por supor, o mais certo, que alguém ia levá-lo a dar um passeio. Uma vez que se foram as duas irmãs, Anthony se acomodou na fofa poltrona que Kate acabava de deixar vazia. Ainda estava quente de seu corpo, pareceu-lhe que ainda podia cheirar seu aroma na tapeçaria. Mais sabonete que lírios desta vez, pensou enquanto cheirava com cuidado. Talvez os lírios fossem algum perfume, algo que usava de noite. Não estava de todo certo por que tinha retornado a casa essa tarde, a verdade era que não tinha essa intenção. Contrariamente ao que tinha estado contando ao Kate, suas muitas reuniões e responsabilidades não requeriam passar todo o dia fora de casa; algumas de suas entrevistas poderiam ter se programado com facilidade em sua casa. E apesar de certamente ser um homem muito ocupado -nunca tinha aprovado o estilo de vida indolente de tantos aristocratas - tinha passado mais de uma tarde recente no White"s, lendo o periódico e jogando a cartas com seus amigos. Parecia-lhe o melhor. Era importante manter certa distância com a mulher. Supunha-se que a vida - ou ao menos sua vida- devia estar compartimentada, e uma esposa encaixava à perfeição nas seções que ele tinha renomado mentalmente "assuntos de sociedade" e "cama". Mas ao chegar ao White"s aquela tarde, não havia ninguém ali com quem sentisse uma necessidade especial de conversar. Olhou um periódico, mas havia pouco de interesse na edição mais recente. E enquanto estava sentado junto à janela, tentando desfrutar daquele momento de solidão (embora lhe fosse um pouco patético), invadiu-o uma necessidade ridícula de retornar a casa e ver no que andava ocupada Kate. Por uma tarde não ia acontecer-lhe nada. Não era provável que se apaixonasse por sua mulher por ter passado uma tarde em sua presença. Tampouco pensava que corria o perigo de apaixonar-se por ela, o mínimo, recordou-se com severidade. Levava quase um mês casado e tinha conseguido por sorte manter sua vida livre de tais enredos. Não havia motivos para pensar que não poderia manter esta situação de forma indefinida. Anthony, bastante contente consigo mesmo, deu outro gole ao brandy e ergueu a vista para olhar a Kate quando a ouviu entrar de novo na sala. - Acho que Edwina poderia estar apaixonada - disse com todo o rosto iluminado por um sorriso radiante. Como resposta, Anthony sentiu certa tensão no corpo. Em si era bastante ridículo, aquela maneira que tinha de reagir a seus sorrisos. Acontecia sempre e era uma perturbação, que diabo. Bem, nem sempre era uma perturbação. Não o importava muito quando podia lhe fazer um elogio e logo acabavam no dormitório. Mas era claro que a mente de Kate não incorria em tanto atrevimento como a sua já que ela preferiu sentar-se na cadeira situada em frente, apesar de haver espaço suficiente para os dois em seu assento, sobre tudo tendo em conta que não lhes importava apertar-se um ao lado do outro. Teria sido melhor inclusive a cadeira que ficava em diagonal junto à do Anthony; ao menos poderia tê-la levantado com um puxão e tê-la sentado sobre seu colo. Se tentava uma manobra deste tipo estando como estava ela sentada do outro lado da mesa, teria que arrastá-la pelo meio do jogo de chá. Anthony entrecerrou os olhos para avaliar a situação, tentou adivinhar com exatidão quanto chá derramaria sobre o tapete, e depois quanto custaria trocar o tapete, e depois se de verdade lhe importava uma quantidade tão insignificante de dinheiro, enfim... - Anthony? Está-me escutando? Ergueu a vista. Kate tinha os braços apoiados nos joelhos e se inclinava para frente para falar com ele. Olhava-o com suma atenção e talvez um pouco de irritação. -Diz. Ele pestanejou. -Se me escutava... - repetiu entre dentes. -Oh. - Fez uma careta. - Não. Kate entreabriu os olhos mas nem sequer se incomodou em repreendê-lo mais que isso. - Estava dizendo que deveríamos convidar a Edwina e a seu jovem cavalheiro para jantar alguma noite. Para ver se fazem bom par. Nunca antes a vi tão interessada por um jovem, e quero seriamente que seja feliz. Anthony estendeu o braço para pegar uma bolacha. Tinha fome, tinha renunciado a qualquer perspectiva de conseguir sentar a sua esposa sobre seu regaço. Embora, por outro lado, se conseguisse afastar xícaras e pires e a puxar por cima da mesa, talvez não tivesse conseqüências tão desastrosas... De forma furtiva, empurrou a um lado a bandeja com o jogo de chá. - Mmm? - Mastigou o biscoito -. OH, sim, é claro. Edwina merece ser feliz. Kate lhe observou com receio. - Está certo de que não quer um pouco de chá com os biscoito? Não sou muito aficionada ao brandy, mas imagino que o chá irá melhor com um biscoito. De fato, Anthony pensava que o brandy ia bastante bem com os biscoitos, mas certamente acreditou preferível para todos esvaziar um pouco o bule, no caso de logo o derrubar. - Uma ideia fantástica - disse ao mesmo tempo que pegava uma xícara e a passava a ela-. É o que me faz falta. Não imagino por que não pensei antes. -Eu também imagino - murmurou Kate com mordacidade, se é que era possível murmurar com mordacidade. Depois de ouvir o sarcasmo pronunciado em voz baixa por sua esposa, Anthony pensou que com efeito era possível. Mas se limitou a lhe dedicar um sorriso jovial quando estendeu o braço para pegar a xícara de chá que lhe estendia. - Obrigado - disse depois de verificar que lhe tinha servido leite. Assim era, o que não o surpreendeu; ela recordava muito bem esse tipo de detalhes. - Ainda está bastante quente? -perguntou Kate com amabilidade. Anthony esvaziou a xícara. - Perfeito - respondeu e soltou uma respiração de deleite-. Importa-se se lhe peço um pouco mais? - Parece que está tomando gosto pelo chá - disse com secura. Anthony olhou o bule, perguntou-se quanto restaria e se seria capaz de acabá-lo sem ter uma urgente necessidade de ir ao banheiro. - Você também deveria tomar mais - sugeriu-. Parece morta de sede. Kate ergueu as sobrancelhas de forma repentina. - Você acha? Assentiu, embora logo lhe preocupou que talvez se passasse. -Só um pouco, é claro -disse. É claro. - Fica chá suficiente para tomar outra xícara? - perguntou com toda a indiferença que pôde aparentar. -Se não for assim, estou certa de que posso pedir ao cozinheiro que prepare outro bule. -Oh, não, estou convencido de que não vai ser necessário - exclamou, embora possivelmente o disse em um tom muito alto-. Tomarei o que tenha ficado. Kate virou o bule até que os últimos sedimentos de chá giraram na taça do Anthony. Pôs-lhe uma pequena dose de leite e logo a tendeu em silêncio, embora o arco de suas sobrancelhas dizia muito. Enquanto ele dava goles no chá - tinha o estômago muito cheio para beber tão depressa como na última xícara - Kate limpou a garganta e perguntou: - Conhece o noivo de Edwina? - Nem sequer sei quem é. - OH, sinto muito. Devo ter esquecido de mencionar seu nome. É o senhor Bagwell. Não sei seu nome de batismo, mas Edwina disse que é um segundo filho, se servir de algo. Conheceu-o na festa de sua mãe. Anthony negou com a cabeça. - Nunca ouvi falar dele. O mais provável é que seja um dos pobres tipos aos que convidou minha mãe para igualar o número de convidados masculinos e femininos. Minha mãe convidou a um montão terrível de mulheres. Sempre o faz, com a esperança de que um de nós se apaixone, mas logo tem que procurar um grupo de homens pouco interessantes para igualar a cifra. - Pouco interessantes? - repetiu Kate. - Para que as mulheres não se apaixonem por eles em vez de gostar muito de nós - contestou com uma careta bastante exagerada. - Está bastante desesperada para casá-los a todos vocês, não é assim? - A única coisa que sei - continuou Anthony encolhendo os ombros - é que a última vez que minha mãe convidou a tantas candidatas femininas que teve que ir visitar pároco e lhe rogar que enviasse também a seu filho de dezesseis anos para o jantar. Kate deu um pulo. - Acho que o conheci. - É... é um tímido tremendo, pobre tipo. O pároco me disse que teve urticária uma semana toda depois de acabar sentado ao lado da Cressida Cowper durante todo o jantar. - Bem, isso aconteceria a qualquer um. Anthony sorriu. - Sabia que havia algo de mesquinha em ti. - Não estou sendo mesquinha! -protestou Kate. Mas seu sorriso era astuto-. Não é mais que a verdade. - Por mim não se defenda. -Se acabou o chá. Estava amargo e forte depois de ter estado no bule tanto tempo, mas o leite conseguia que quase ficasse agradável. Deixou a xícara e acrescentou: - Sua veia mesquinha é uma das coisas que mais eu gosto de você. - Céus - resmungou. - Acho que eu não gostarei de saber o que é o que menos você gosta. Anthony fez um gesto no ar com a mão para subtrair importância a aquilo. - Mas, voltando para sua irmã e a seu senhor Bugwell... - Bagwell. - Como queira... - Anthony! Não fez conta. - Com feito estive pensando em que deveria proporcionar um dote a Edwina. A ironia dos fatos não lhe passou desapercebida. Quando ele tinha intenção de casar-se com Edwina, tinha planejado proporcionar um dote a Kate. Estudou Kate para ver sua reação. É claro, não é que fizesse aquele esforço só para ganhar sua aceitação, mas não era tão nobre para não admitir que tinha esperado um pouco mais que o silêncio cheio de assombro de que Kate dava amostras naquele instante. Depois percebeu que estava a ponto de pôr-se a chorar. - Kate? -perguntou. Não estava certo de se sentir adorado ou preocupado. Kate se secou o nariz com pouca elegância com o dorso da mão. - É a coisa mais bonita que alguém tenha feito por mim - gemeu. - Em realidade, faço-o por Edwina - falou entredentes. Nunca se havia sentido confortável com os choros femininos. Mas, por dentro, aquilo o estava inchando de orgulho. - OH, Anthony! - foi quase um gemido. E logo, para sua surpresa extrema, Kate se levantou de um salto, foi até o outro lado da mesa e se jogou em seus braços, enquanto a pesada prega de seu vestido de tarde levava ao chão três xícaras , dois pires e uma colherinha. - Que terno é -secou os olhos enquanto se assentava com firmeza sobre seu regaço-. O melhor homem de toda Londres. - Bem, isso não sei - replicou ele enquanto deslizava um braço ao redor de sua cintura-. O mais perigoso, possivelmente, ou o mais bonito... - O melhor - interrompeu ela com determinação enquanto apoiava sua cabeça no ângulo de seu colo. - Sem dúvida, o melhor. -Se insiste - murmurou. Não podia se queixar do inesperado giro que davam os acontecimentos. - Ainda bem que tínhamos acabado o chá - disse Kate olhando as xícaras que tinham caído no chão. Podia ter sido um desastre horrível. -Oh, pois sim. -Sorriu para si mesmo enquanto a estreitava um pouco mais. Havia algo quente e cômodo em ter ao Kate nos braços. Suas pernas pendiam sobre o braço da poltrona e tinha as costas apoiadas na curva do braço de Anthony. Adaptavam-se muito bem o um ao outro, compreendeu. Tinha o tamanho perfeito para um homem de suas proporções. Havia muitas coisas dela que eram igualmente perfeitas. Dar-se conta desse tipo de coisas normalmente o aterrorizava, mas naquele momento se sentia tão feliz, completamente feliz, sentado ali e com ela no regaço, que se negava a pensar no futuro. -Dá-se tão bem comigo - murmurou ela. Anthony pensou em todas as vezes que tinha evitado a custo retornar a casa, todas as vezes que tinha deixado que ela se arrumasse sozinha, mas rechaçou qualquer sentimento de culpa. Não queria que se apaixonasse por ele. As coisas seriam muito mais difíceis para ela quando morresse. E se ele se apaixonasse por ela... Nem sequer queria pensar em quanto mais difícil ia ser a ele. - Temos algum plano para esta noite? -lhe sussurrou ao ouvido. Kate fez um gesto afirmativo, e o movimento lhe fez cócegas com o cabelo na face. - Um baile - respondeu. - Em casa de lady Mottram. Anthony não podia resistir a sedosidade de seu cabelo. Transpassou dois dedos no cabelo, deixando que deslizasse por sua mão para logo enroscar-se em seu punho. - Sabe o que penso? -murmurou. Notou seu sorriso quando ela perguntou: - O que? - Penso que nunca me interessou muito lady Mottram. E sabe que mais penso? Então ouviu que tentava que não lhe escapasse um risinho. - O que? - Creio que deveríamos ir para cima . Isso - acha? - Fingia ignorância. - OH, pois sim. De fato, neste mesmo instante. A grande maliciosa rebolou o traseiro para determinar por si mesmo a urgência verdadeira dele por ir acima. - Já vejo - murmurou com seriedade. Beliscou-lhe o quadril com suavidade. - Pelo que me pareceu, deveria dizer "já o noto". - Bem, isso também - admitiu-. É bastante esclarecedor. - Estou certo de que sim - falou. Logo, com um sorriso muito malicioso, empurrou-lhe com suavidade o queixo até que seus narizes ficaram juntos. - E sabe que mais penso? -perguntou com voz rouca. Kate abriu os olhos. - Não posso imaginar. - Penso - continuou enquanto colocava uma mão debaixo do vestido e a subia pouco a pouco pela perna- que se não for para cima neste mesmo instante, estaria contente ficando aqui. - Aqui? -chiou ela. Encontrou o extremo das meias com a mão. - Aqui - repetiu. - Agora? Fez-lhe cócegas sobre o suave e denso cabelo, depois aprofundou no próprio centro de sua condição feminina: estava tão sedoso e úmido que se sentiu no céu. -Oh, sem dúvida, agora - confirmou. - Aqui? Mordiscou-lhe os lábios. - Não respondi já a essa pergunta? E se tinha mais perguntas, ela não as formulou durante a hora seguinte. Ou, simplesmente, ele estava esforçando-se ao máximo para deixá-la sem fala. E se tiver que julgar pelos gritinhos e miados que escapavam de sua boca, estava fazendo um trabalho seriamente estupendo. Capítulo 19 O baile anual de lady Mottram esteve a arrebentar, como sempre, mas aos observadores com certeza não lhes passou por cima que lorde e lady Bridgerton não fizeram aparição. Lady Mottram insistiu em que tinham prometido ir, e Esta Autora só pode especular sobre o motivo que reteve os recém casados em casa... REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN, 13 de junho de 1814 Naquela noite, muito mais tarde, Anthony estava jogado de lado na cama, sustentando contra seu peito a sua mulher, que se havia aninhado de costas contra ele e naquele instante dormia profundamente. O que era uma sorte, porque tinha começado a chover. Tentou empurrar com suavidade as colchas sobre sua orelha desentupida para que não ouvisse as gotas que davam contra as janelas, mas era tão inquieta quando dormia como quando estava acordada, portanto não pôde estender a colcha muito por cima do nível de seu pescoço sem que ela a sacudisse. Ainda não podia saber-se se acabaria sendo uma tormenta elétrica, mas o certo era que a força da chuva tinha aumentado e o vento soprava cada vez com mais intensidade, agora uivava em meio da noite e produzia um tamborilar de ramos contra um lado da casa. Kate estava junto a Anthony cada vez mais inquieta. Ele fazia sons tranqüilizadores enquanto lhe alisava o cabelo com a mão. A tormenta não a tinha despertado, mas estava claro que se misturara em seu sonho. Tinha começado a balbuciar enquanto dormia, agitava-se e dava voltas, até que ficou feita um novelo no lado oposto, de frente a ele. - O que aconteceu para que acabasse odiando tanto a chuva? - lhe sussurrou enquanto retirava uma escura mecha de cabelo detrás de sua orelha. Mas não queria lhe reprovar seus terrores; ele conhecia bem a frustração que conduziam os temores e premonições lhes que se tinha. A certeza de sua morte inevitável, por exemplo, obcecava-o desde o momento em que agarrou a mão inerte de seu pai e a deixou com delicadeza sobre seu peito imóvel. Não era algo que soubesse explicar, nem sequer podia compreender. Era algo que sabia, assim tão simples. De qualquer modo, nunca tinha tido medo da morte, em realidade não. Era algo que formava parte dele desde há tanto tempo que o aceitava, igual a outros homens aceitavam o resto de verdades que formavam o ciclo vital. Depois do inverno vinha a primavera e atrás dela o verão. Para ele, a morte devia ser o mesmo. Até agora. Tinha tentado negar, tinha tentado bloquear aquela inquietante noção de sua mente, mas a morte começava a mostrar um rosto espantoso. Seu matrimônio com Kate tinha levado sua vida por outro roteiro, por muito que tentasse convencer-se de que podia restringir o matrimônio a nada mais que amizade e sexo. Sentia um enorme afeto por ela. Preocupava-se muito por ela. Desejava sua companhia quando estavam separados, e sonhava com ela de noite, apesar de tê-la entre seus braços. Não estava preparado para chamá-lo amor, mas de todos os modos era algo que lhe aterrorizava. Fosse o que fosse aquilo que ardia entre ambos, não queria que acabasse. O que era, é claro, a mais cruel das ironias. Anthony fechou os olhos enquanto soltava um suspiro lento e nervoso, perguntando-se que demônios ia fazer para resolver a complicação que tinha ali mesmo deitada na cama. Mas enquanto pensava, apesar de ter os olhos fechados, viu o brilho do relâmpago que iluminou a noite e converteu o negro do interior de suas pálpebras em um sangrento vermelho alaranjado. Depois de abrir os olhos, viu que as cortinas ficaram um pouco abertas quando se retiraram à cama mais cedo aquela noite. Teria que fechá-las, ao menos assim os relâmpagos não iluminariam o quarto. Mas quando mudou de postura para tentar sair de debaixo das colchas, Kate o agarrou pelo braço, apertando seu músculo com dedos frenéticos. -Shh, vamos, não acontece nada - sussurrou. - Só vou fechar as cortinas. Mas não o soltou, e o gemido que Kate deixou escapar quando a seguir um trovão sacudiu a noite quase lhe rompeu o coração. Uma franja de luz da lua se filtrava através da janela, o suficiente para iluminar as linhas tensas e marcadas de seu rosto. Anthony a olhou com atenção para comprovar se continuava dormindo, depois lhe retirou as mãos de seu braço e se levantou para fechar as cortinas. Suspeitava que o brilho dos relâmpagos penetraria de qualquer modo no quarto, assim quando correu as cortinas acendeu um só abajur e o deixou sobre a mesinha. Não dava tanta luz para despertá-la - ao menos confiava nisso - mas ao mesmo tempo o quarto não estava no mais completo negrume. Voltou a meter-se na cama e contemplou Kate. Continuava dormindo, mas sem quietude. enrolou-se até formar uma posição semifetal e sua respiração era fatigante. Os relâmpagos não pareciam incomodá-la muito, mas cada vez que o quarto era sacudido por um trovão, dava um pulo. Agarrou-lhe a mão e alisou seu cabelo, e durante vários minutos se limitou a permanecer a seu lado, tentando tranqüilizá-la enquanto dormia. Mas a intensidade da tormenta aumentava, os trovões e relâmpagos se sucediam um após o outro sem trégua. A inquietação de Kate crescia em cada segundo, e logo, quando um trovão especialmente sonoro explodiu no ar, abriu os olhos de par em par, com o rosto convertido em uma máscara de pânico total. - Kate? - sussurrou Anthony. Sentou-se e logo retrocedeu com dificuldade até que teve a coluna junto contra o sólido travesseiro da cama. Parecia uma estátua de terror, seu corpo rígido e paralisado no lugar. Ainda tinha os olhos abertos, sem pestanejar apenas, e embora não movesse a cabeça, agitava-as com frenesi de um lado a outro, examinando todo o quarto mas sem ver nada. - Oh, Kate - sussurrou. Isto era pior, muito pior do que tinha padecido aquela noite na biblioteca em Aubrey Hall. Anthony percebia a força da dor que ela padecia lhe atravessando diretamente o coração. Ninguém deveria sofrer um terror assim. E menos ainda sua esposa. Movendo-se devagar para não surpreendê-la, dirigiu-se até seu lado, depois lhe pôs com cuidado um braço sobre os ombros. Ela tremia, mas não o afastou. - Recordará algo disto amanhã de manhã? - perguntou em um sussurro. Kate não respondeu, mas por outro lado tampouco esperava nenhuma resposta. - Vamos, vamos - disse com ternura enquanto tentava recordar as tolices tranqüilizadoras que sua mãe costumava usar cada vez que um dos meninos estava alterado. - Tudo está bem agora. Ficará bem. Deu a impressão de que seus tremores se acalmavam um pouco, mas quando sacudiu a habitação o estrondo seguinte de um trovão ficou claro que continuava transtornada: todo seu corpo estremeceu e enterrou o rosto contra o peito do Anthony. - Não -gemeu - não, não. - Kate? - ela pestanejou várias vezes e depois a olhou com fixidez. Soava diferente, não acordada porém mais lúcida, se isso fosse possível. - Não, não. E soava muito... - Não, não, não vá. …jovem. - Kate? - Abraçou-a com força, sem estar seguro do que fazer. Devia despertá-la? Poderia abrir os olhos, mas era evidente que estava adormecida e sonhando. Uma parte dele ansiava tirá-la do pesadelo, mas embora despertasse, permaneceria no mesmo lugar: na cama em meio de uma horrível tormenta elétrica. Sentiria-se algo melhor? Ou devia deixá-la dormir? Talvez, se superasse todo o pesadelo, ele pudesse fazer uma idéia do que lhe causava aquele terror. - Kate? - sussurrou como se ela de fato pudesse lhe dar alguma pista sobre o que devia fazer. - Não - gemeu ela, mais agitada por segundos-. Nãoooo. Anthony apertou os lábios contra sua têmpora, tentou serená-la com sua mera presença. - Não, por favor... -Se pôs a soluçar, seu corpo padecia a tortura de enormes arquejos enquanto suas lágrimas empapavam o ombro dele. - Não, OH, não... Mamãe! Anthony ficou tenso. Sabia que Kate sempre se referia a sua madrasta como Mary. Poderia estar falando pois de sua verdadeira mãe, a mulher que havia a trazido para o mundo e logo tinha morrido fazia já tanto tempo? Mas enquanto considerava aquilo, todo o corpo de Kate ficou rígido, e soltou um estridente e agudo grito. O grito de uma menina pequena. Em um instante, deu meia volta e saltou a seus braços, abraçou-o agarrando seus ombros com um desespero aterrador. -Não, mamãe - gemeu, todo seu corpo sacudido pelo esforço dos soluços-. Não, não pode ir! OH, mamãe, mamãe, mamãe, mamãe, mama... Se Anthony não tivesse tido as costas apoiada no travesseiro, o teria derrubado com a força de seu ardor. - Kate? - repetiu, e ficou surpreso ao ouvir a leve nota de pânico que ouviu em sua própria voz -. Kate? Não acontece nada. Está bem. Encontra-se bem. Ninguém se vai a nenhum lugar. Ouve-me? Ninguém. Mas suas palavras se desvaneceram, e o único que ficou foi o som grave de um soluço que surgia do mais profundo de sua alma. Anthony a segurou em seus braços e logo, quando ela se acalmou um pouco, desceu-a pouco a pouco até que ficou deitada de lado outra vez, e logo a voltou a abraçar um pouco mais, até que por fim Kate voltou a pegar no sono. O qual, percebeu ele com ironia, aconteceu justo no momento em que o último trovão e o último relâmpago racharam quarto. Quando Kate despertou na manhã seguinte, surpreendeu-lhe ver seu marido sentado na cama e observando-a com o mais peculiar dos olhares... uma mescla de preocupação e curiosidade, e talvez inclusive um mínimo ar de pena. Não disse nada quando abriu os olhos, mas Kate se deu conta de que estudava seu rosto com atenção. Esperou para ver o que fazia ele, e depois por fim disse, com certa vacilação: - Parece cansado. - Não dormi bem - admitiu ele. Anthony sacudiu a cabeça. - Chovia. - Ah sim? Ele fez um gesto afirmativo. - E trovejava. Kate engoliu em seco com atitude nervosa. - Acompanhado também de relâmpagos, suponho. - Assim é - continuou ele, outra vez com um gesto afirmativo-. Uma tormenta das fortes. Havia algo muito profundo na maneira em que ele pronunciava aquelas frases breves e concisas, algo que arrepiou o pêlo de sua nuca. - Q-que sorte que tenha perdido isso então - comentou- Já sabe que não suporto muito bem as tormentas fortes. - Eu sei - foi a simples resposta dele. Mas aquelas duas breves palavras estavam carregadas com grande intenção. Kate sentiu que lhe acelerava um pouco o coração. - Anthony - perguntou então, não de todo certa de querer saber a resposta-, o que aconteceu ontem à noite? -Você teve um pesadelo. Ela fechou os olhos durante um segundo. - Pensava que já não os tivesse. - Não tinha percebido de que tivesse pesadelos. Kate soltou um longo suspiro e se endireitou. Puxou as mantas com ela e as colocou sob os braços. - Quando era pequena. Cada vez que havia uma tormenta, isso me contavam. Eu em realidade não sei; nunca recordava nada. Pensava que já... - Teve que deter-se durante um momento, tinha a sensação de que a garganta lhe fechava, as palavras pareciam engasgar-se - Deveras? Anthony estendeu a mão para tomar a sua. Foi um gesto simples, mas em certa maneira ao Kate a comoveu mais do que se tivesse dito qualquer palavra. - Kate? - perguntou ele com calma -. Sente-se bem? Ela respondeu com um gesto afirmativo. - Pensava que já me tinha passado, isso é tudo. Anthony não disse nada durante um momento, e o quarto permaneceu tão silencioso que Kate teve a certeza de poder ouvir os batimentos do coração de ambos. Finalmente, escutou uma mínima rajada de fôlego inspirado entre os lábios do Anthony, e logo lhe perguntou: - Sabe o que fala quando dorme? Até então Kate não lhe tinha dado atenção, mas ao ouvir aquele comentário voltou a cabeça à direita deforma repentina e encontrou o olhar dele. - Seriamente? - Esta noite o fez. Ela agarrou a colcha com os dedos. - E que disse? Anthony vacilou mas, quando lhe saíram as palavras, soaram firmes e regulares: - Chamava sua mãe. - A Mary? -sussurrou ela. Ele negou com a cabeça. - Não acredito. Nunca a ouvi chamar Mary de outra forma que não Mary; ontem à noite chamava entre soluços a "mamãe". Soava... - Se deteve para tomar uma baforada um pouco entrecortada.- Parecia extremamente jovem. Kate lambeu os lábios, depois se mordiscou o inferior. - Não sei o que lhe dizer - respondeu por fim, temerosa de meter-se nos cantos mais profundos de sua memória-. Não tenho nem idéia de por que ia chamar a minha mãe. - Eu acredito -disse ele com doçura - que deveria perguntar à Mary. Kate sacudiu imediatamente a cabeça com um movimento rápido. - Eu sequer conhecia a Mary quando minha mãe morreu. Tampouco a conhecia meu pai. Não pode saber por que eu a chamava ontem à noite. -Talvez seu pai lhe contasse algo - contestou enquanto levava sua mão aos lábios para lhe dar um beijo tranqüilizador. Kate baixou o olhar a seu regaço. Queria entender por que tinha tanto medo às tormentas, mas farejar em seus temores mais profundos era quase tão aterrador como o próprio medo. E se descobrisse o que não queria saber? E se...? - Irei com você - disse Anthony interrompendo seus pensamentos. E de algum modo, aquilo fez com que tudo ficasse fácil. Kate o olhou e fez um gesto de assentimento com lágrimas nos olhos. - Obrigada - sussurrou. - Muitíssimo obrigada. Mais tarde, naquele mesmo dia, os dois subiam pelas escadas de entrada à pequena casa encostada de Mary. O mordomo os acompanhou até o salão e Kate se sentou no conhecido sofá azul enquanto Anthony ia até a janela, onde se apoiou no batente para olhar ao exterior. - Vê algo interessante? - perguntou ela. Negou com a cabeça e sorriu envergonhado enquanto se voltava para olhá-la de frente. -Só olho pela janela, isso é tudo. Kate pensou que havia algo espantosamente doce naquilo, mas não era capaz de determinar o que. Cada dia parecia revelar uma nova singularidade de seu caráter, algum hábito único e enternecedor que os unia cada vez mais. Gostava de conhecer essas estranhas coisinhas dele, como a maneira em que dobrava sempre o travesseiro antes de ficar dormindo ou o fato de que detestasse a geléia de laranja e adorasse a de limão. - Está muito pensativa. Kate ficou rígida com uma repentina sacudida. Anthony a estava olhando com ar malicioso. - Estava toda voltada para dentro - disse com expressão divertida- e tinha o mais sonhador dos sorrisos no rosto. Kate meneou a cabeça, ruborizou-se e balbuciou: - Não era nada. O suspiro de resposta do Anthony expressava suas reservas, e enquanto se aproximava até o sofá disse: - Daria cem libras por saber o que pensa. Kate se salvou de fazer mais comentários graças à entrada de Mary. - Kate! - exclamou Mary -. Que surpresa tão encantadora. E lorde Bridgerton, que bom ver aos dois. -De verdade, deveria me chamar Anthony - disse com um pouco de brusquidão. Mary sorriu enquanto lhe dava a mão para saudá-la. - Me esforçarei por recordá-lo - disse. Sentou-se em frente a Kate e logo esperou que Anthony ocupasse seu lugar no sofá antes de continuar-: Edwina saiu, receio. Seu senhor Bagwell chegou à cidade de forma bastante inesperada. Foram dar um passeio pelo parque. - Deveríamos lhes emprestar Newton - disse Anthony em tom afável -. Não posso imaginar uma acompanhante melhor. -De fato, é a você a quem viemos ver - explicou Kate. A voz de Kate revelava uma nota pouco habitual de seriedade, e Mary reagiu imediatamente. - Do que se trata? -perguntou enquanto seus olhos passavam do Kate ao Anthony-. Tudo está bem? Kate fez um gesto afirmativo e engoliu em seco enquanto procurava as palavras mais convenientes. Era curioso que tivesse estado ensaiando toda a manhã o que queria perguntar e que agora se encontrasse sem palavras. Mas logo sentiu a mão do Anthony na sua, com um peso e calor de estranho consolo, e erguendo o olhar disse a Mary: - Gostaria de lhe perguntar por minha mãe. Mary pareceu um pouco surpreendida, mas disse: - Claro. Mas já sabe que não a conheci pessoalmente. Só sei o que me contou dela seu pai. Kate assentiu com a cabeça. - Sei. É possível que não tenha resposta para alguma de minhas perguntas, mas não sei a quem mais posso perguntar. Mary mudou de posição no assento e se agarrou as mãos sobre o regaço com gesto afetado. Mas Kate percebeu que lhe haviam ficado brancos os nós. - Muito bem -disse Mary-. O que quer saber? Sabe que lhe contarei algo do que eu estiver inteirada. Kate voltou a fazer um gesto de assentimento e engoliu saliva pois a boca lhe tinha ficado seca. - Como morreu, Mary? Mary pestanejou e logo se afundou um pouco, talvez com alívio. - Porém isso já sabe. Foi uma gripe. Ou algum tipo de doença pulmonar. Os médicos nunca tiveram a certeza completa. - Sei, mas... - Kate olhou Anthony, que lhe dedicou um gesto tranqüilizador. Tomou uma profunda inspiração e logo se animou a continuar- ainda me dão medo as tormentas, Mary. Quero saber por que. Não quero continuar com esse medo. Mary separou os lábios, mas permaneceu calada um instante infinito enquanto olhava com atenção a sua enteada. Sua pele empalideceu pouca a pouco, adquiriu um tom peculiar, translúcido, e seu olhar se angustiou. - Não era consciente - sussurrou - , não sabia que ainda... - Ocultei isso bem -disse Kate em voz baixa. Mary levantou uma mão e tocou a têmpora. Tremiam-lhe as mãos. - Se o tivesse sabido, haveria... - Moveu os dedos até sua fronte, alisou-as linhas de preocupação enquanto procurava com esforço as palavras-. Bem, não sei o que teria feito. Dizer-lhe isso suponho. Ao Kate lhe parou o coração. - Me dizer o que? Mary soltou um longo suspiro, então levou ambas as mãos ao rosto e se apertava a parte superior das órbitas dos olhos. Parecia que tinha uma terrível dor de cabeça, que o peso do mundo golpeava contra seu crânio, de dentro para fora. -Só quero que saiba - disse com voz entrecortada- que não lhe contei isso porque pensava que não o recordasse. E se não o recordasse, bem, então não parecia conveniente fazê-la recordar. Quando ergueu a vista, umas lágrimas sulcavam seu rosto. -Porém é claro que se recorda - sussurrou- ou não se assustaria tanto. OH, Kate. Quanto o lamento. -Estou certo de que não há nada do que tenha que lamentar-se - disse Anthony com suavidade. Mary olhou-o, seus olhos surpreendidos por um momento, como se tivesse esquecido que ele estava na sala. -Oh, mas sim - disse com tristeza-. Não sabia que Kate ainda padecesse seus temores. Deveria ter sabido. É o tipo de coisa que uma mãe intui. É possível que eu não a tenha parido, mas tentei ser uma autêntica mãe para ela... -Mas foi - disse Kate com fervor-. A melhor. Mary se voltou para ela, manteve um silêncio durante uns poucos segundos antes de dizer, com uma voz que soava distante de um modo peculiar. - Tinha três anos quando morreu sua mãe. Era seu aniversário, de fato. Kate fez um gesto de assentimento, como hipnotizada. - Quando me casei com seu pai fiz três juramentos. Estava o juramento que fiz a ele, ante Deus e as testemunhas, de ser sua esposa. Mas meu coração fez outras duas promessas. Uma promessa era a você, Kate. Só tive que olhá-la uma vez, tão perdida e desamparada, com esses enormes olhos castanhos - e que tristes, OH, que tristes estavam, nenhuma criança deveria ter esse olhar. - Jurei que a quereria como se fosse minha filha e que lhe daria tudo o que houvesse dentro de mim para criá-la. Fez uma pausa para secá-los olhos, aceitando com gratidão o lenço que Anthony lhe oferecia. Quando continuou, sua voz era apenas um sussurro. - A outra promessa a fiz a sua mãe. Visitei sua tumba, sabe? O movimento de cabeça de Kate foi acompanhado por um sorriso nostálgico. - Sei. Fui com você em várias ocasiões. Mary sacudiu a cabeça. - Não. Quero dizer antes de me casar com seu pai. Ajoelhei-me ali e foi então quando fiz meu terceiro juramento. Tinha sido uma boa mãe para você; todo mundo o dizia, e qualquer idiota podia dar-se conta de que sentia falta dela com todo seu coração. De modo que lhe prometi as mesmas coisas que prometi a você: que seria uma boa mãe, que a quereria e cuidaria como se fosse o fruto de minhas vísceras. - Levantou a cabeça, e seus olhos eram de tudo claros e diretos quando disse-: E eu gostaria de pensar que lhe proporcionei certa paz. Não acredito que nenhuma mãe possa morrer em paz deixando atrás uma menina tão pequena. -Oh, Mary - sussurrou Kate. Mary a olhou e sorriu com tristeza, depois se voltou para o Anthony. - E por isso, milord, lamento-o. Deveria ter sabido, deveria me ter dado conta de que sofria. -Mas, Mary -protestou Kate-. Eu não queria que você se desse conta. Ocultava-o em meu quarto, debaixo da cama, no armário. Algo para lhe esconder. - Mas por que, coração? Kate conteve uma lágrima. - Não sei. Não queria preocupá-la, suponho. Ou talvez me dava medo parecer fraca. - Sempre tentou ser tão forte - sussurrou Mary-. Inclusive quando era uma coisinha miúda. Anthony agarrou a mão do Kate, mas olhou a Mary. - É forte. E você também. Mary contemplou o rosto de Kate durante um longo minuto com olhos nostálgicos e tristes e, logo, em voz baixa, uniforme, disse: - Quando morreu sua mãe, aquele dia... eu não estava ali, mas quando me casei com seu pai ele me contou a história. Sabia que eu já a queria e pensou que poderia me ajudar a entendê-la um pouco melhor. "A morte de sua mãe foi muito rápida. Segundo seu pai, ficou doente uma quinta-feira e morreu na terça-feira seguinte. E chovia sem parar. Foi uma dessas tormentas espantosas que nunca acabam, que cai sobre a terra sem piedade até que os rios transbordem e os caminhos se tornam intransitáveis. "Disse que estava certo de que só se recuperaria se a chuva cessava. Era uma tolice, já sabia, mas cada noite se ia à cama rezando para que aparecesse o sol entre as nuvens. Rezando algo que pudesse lhe dar uma pequena esperança. - Oh, papai - sussurrou Kate, suas palavras surgiram de forma espontânea através de seus lábios. - Você se encontrava encerrada na casa, é claro, algo não podia perdoar de maneira nenhuma. –Mary ergueu a vista e sorriu ao Kate, o tipo de sorriso que falava de anos de recordações -. Sempre a encantou estar ao ar livre. Seu pai me disse que sua mãe costumava tirar seu berço fora e te balançar com o ar fresco. - Não sabia isso - sussurrou Kate. Mary assentiu, depois continuou com sua história. -A princípio não foi consciente de que sua mãe estava doente. Mantinham-na afastada dela, pois temiam que te contagiasse. Mas ao final deve ter pressentido que algo se passava. As crianças sempre o fazem. "Na noite em que morreu, a chuva aumentou ainda mais, e, pelo que me contou seu pai, os trovões e relâmpagos eram os mais terroríficos que todo mundo podia recordar. - Fez uma pausa, logo inclinou a cabeça um pouco e perguntou-: Recorda a velha árvore retorcida do jardim traseiro, aquele a que sempre subiam você e Edwina? - O que estava partido em dois? - sussurrou Kate. Mary assentiu com a cabeça. - Sucedeu aquela noite. Seu pai disse que foi o som mais arrepiante que tinha ouvido em sua vida. Os trovões e relâmpagos se sobrepunham, e um raio partiu a árvore em dois no momento exato em que um trovão sacudiu a terra. "Suponho que não podia dormir - continuou. - Eu mesma lembro aquela tormenta, embora vivia no condado do lado. Não sei como pôde dormir alguém aquela noite. Seu pai estava com sua mãe. Estava morrendo e todo mundo sabia, e no meio da dor se esqueceram de você. Preocuparam-se muito de que não se inteirasse, mas aquela noite sua atenção estava em outro lugar. "Seu pai me disse que estava sentado ao lado de sua mãe, tentava lhe agarrar a mão enquanto ela falecia. Não uma morte doce, temo. As enfermidades pulmonares não o são em muitos casos. – Mary ergueu a vista-. Minha mãe também morreu assim. Sei. O final não foi aprazível. Dava baforadas, sufocava-se ante meus próprios olhos. Mary engoliu em seco nervosa, depois concentrou seu olhar no de Kate. -Tenho que supor - sussurrou- que você foi testemunha de algo similar. Anthony apertou com força a mão de Kate. - Sim, mas eu tinha vinte e cinco anos quando morreu minha mãe - continuou Mary-; você entretanto só tinha três. Não é o tipo de coisas que deveria ver uma menina. Tentaram que saisse, mas não foi. Arranhava, mordia e gritava e gritava e gritava, e depois... Mary se deteve, as palavras se engasgaram. Levou ao rosto o lenço que Anthony lhe tinha dado, e passaram vários momentos antes de que pudesse prosseguir. - Sua mãe estava prestes a morrer - disse com voz tão baixa que mal era um sussurro-. E enquanto procuravam a alguém o bastante forte para levar uma menina tão frenética, um relâmpago rasgou o quarto. Seu pai disse... Mary fez outra pausa e engoliu em seco. - Seu pai me disse que o que aconteceu a seguir foi o momento mais inquietante e aterrador que tinha experimentado em sua vida. O relâmpago... iluminou o quarto como se fosse de dia. E não durou um mero instante, como deveria ter acontecido, parecia que quase estivesse suspenso no ar. Olhou-a, e estava paralisada. Nunca esquecerei a maneira em que ele o descreveu. Disse que dava a impressão de que fosse uma pequena estátua. Anthony deu um pulo. - O que acontece? -perguntou Kate enquanto se voltava para ele. Seu marido sacudiu a cabeça com incredulidade. - Assim era seu aspecto ontem à noite - disse- Exatamente assim. Pensei essas mesmas palavras. - Eu... -Kate deslocou o olhar do Anthony a Mary. Mas não sabia o que dizer. Anthony lhe apertou de novo a mão enquanto se voltava para a Mary e a insistia a seguir. - Por favor, continue. A mulher fez um só gesto de assentimento. - Tinha o olhar fixo em sua mãe e, portanto, seu pai se voltou para ver o que a tinha aterrorizado tanto, e então foi... quando viu... Kate soltou suavemente sua mão da do Anthony e foi se sentar ao lado da Mary. Aproximou uma cadeira turca da Mary e tomou uma das mãos de sua madrasta entre as suas. - Não se passa nada, Mary- murmurou. Pode me contar. Preciso saber. Mary fez um gesto de assentimento. - Era o momento de sua morte. Sua mãe se endireitou até ficar sentada. Seu pai disse que não tinha levantado o corpo dos travesseiros durante dias, e não obstante se sentou erguida por completo. Ele disse que estava rígida, com a cabeça arremessada para trás e a boca aberta como se gritasse, mas não podia proferir som algum. E então chegou o trovão, e você deve ter pensado que o som surgiu de sua boca, porque gritou de um modo que ninguém tinha ouvido nunca e te precipitou correndo para diante para saltar sobre a cama e jogar os braços em torno dela. "Tentaram afastá-la, mas não se soltava. Continuava gritando e gritando e chamando-a por seu nome, e então se produziu um terrível estrépito. Vidros quebrados. Um raio partiu um ramo da árvore e esta atravessou diretamente a janela. Havia vidros por toda parte e vento e chuva e trovões e mais chuva, e durante todo esse tempo você não deixou de gritar. Inclusive depois que morresse e caísse outra vez sobre os travesseiros, seus bracinhos continuavam agarrados a seu pescoço, e gritava e soluçava e rogava para que despertasse, para que não se fosse. "E simplesmente não a soltava - sussurrou Mary-. Afinal tiveram que esperar que se cansasse e ficasse adormecida. A sala mergulhou em um silêncio durante todo um minuto, depois Kate finalmente sussurrou: - Não sabia. Não sabia que tinha presenciado isso. - Seu pai disse que não falava disso - continuou Mary-. Tampouco é que pudesse. Dormiu durante horas e horas, e depois, quando despertou, estava claro que tinha pego a enfermidade de sua mãe. Não com a mesma gravidade, sua vida nunca esteve em perigo. Mas estava doente, seu estado não lhe permitia falar da morte de sua mãe. E quando ficou boa, não queria falar disso. Seu pai o tentou, mas disse que cada vez que o mencionava, sacudia a cabeça e tampava as orelhas com as mãos. Afinal deixou de tentar. Mary olhou com fixidez para Kate. - Disse que parecia mais feliz quando ele deixou de tentar. Fez o que lhe pareceu melhor. - Sei - sussurrou Kate-. E nesse tempo, provavelmente foi o melhor. Mas agora precisava saber. - Se voltou para o Anthony, não para que a tranqüilizasse a mas em busca de algum tipo de validação. - Precisava saber. - Como se sente agora? - perguntou ele, com palavras que soaram suaves e diretas. Pensou nisso um momento. -Não sei. Bem, acho. Um pouco mais leve. - E então, sem nem sequer dar-se conta do que fazia, sorriu. Foi algo vacilante, lento, mas de qualquer modo foi um sorriso. Voltou-se para Anthony com olhos assombrados. - Sinto como se me tirassem um enorme peso de cima. - Recorda agora? -perguntou Mary. Kate negou com a cabeça. - Mas de qualquer modo me sinto melhor. Não posso explicar, a verdade. Está bem saber, apesar de não poder recordar. Mary proferiu um som abafado, depois se levantou da cadeira e se sentou junto ao Kate na turca para abraçá-la com todas suas forças. As duas ficaram a chorar, com esse tipo de soluços peculiares, enérgicos, que levam a risada misturada. Houve lágrimas, mas eram lágrimas de felicidade, e quando Kate finalmente se afastou e olhou ao Anthony, deu-se conta de que também ele estava secando a extremidade do olho. É claro que retirou a mão e assumiu um semblante digno, mas o tinha visto. E naquele momento, soube que o amava. Com cada pensamento, com cada emoção, cada parte de seu ser, amava-o. E se nunca lhe correspondesse com seu amor... bem, não queria pensar nisso. Não então, não naquele momento profundo. Provavelmente nunca. Capítulo 20 Alguém além desta Autora percebeu que a senhorita Edwina Sheffield esteve muito absorta ultimamente? Corre o rumor de que lhe roubaram o coração, embora ninguém parece conhecer a identidade do afortunado cavalheiro. Não obstante, a julgar pelo comportamento da senhorita Sheffield nas festas, Esta Autora se atreve a supor que o misterioso cavalheiro não é alguém que resida na atualidade aqui em Londres. A senhorita Sheffield não mostrou nenhum interesse especial por nenhum outro cavalheiro e, ainda mais grave, esteve sentada sem dançar durante a festa de lady Mottram na sexta-feira passada. Poderia ser seu pretendente alguma das pessoas que conheceu no campo o mês passado? Esta Autora terá que se fazer de detetive um pouco para desvelar a verdade. REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN, 13 de junho de 1814 - Sabe o que penso? -perguntou Kate mais tarde, aquela noite, enquanto estava sentada ante seu toucador escovando o cabelo. Anthony se encontrava de pé junto à janela, com uma mão apoiada no peitoril, olhando ao exterior. - Mmm? - foi sua resposta, mais que nada porque estava muito distraído com seus próprios pensamentos para formular uma palavra mais coerente. - Penso - continuou ela com voz alegre- que na próxima vez que haja uma tormenta, não me vai passar nada. Ele se voltou pouco a pouco. - Seriamente? -perguntou. Kate assentiu com a cabeça. - Não sei porque penso isso. É uma intuição, suponho. - As intuições - disse ele com uma voz que soava estranha e categórica, inclusive para seus próprios ouvidos - freqüentemente são as impressões mais acertadas. -Tenho uma sensação otimista muito estranha - seguiu ela, e enquanto falava agitou no ar a escova do cabelo com cabo de prata-. Durante toda minha vida tive esta coisa espantosa abatida sobre minha cabeça. Não lhe tinha contado isso, nunca contei a ninguém, mas cada vez que havia uma tormenta, me fazia em migalhas, pensava... ou melhor, não pensava, e em certo sentido sabia que... - O que, Kate? -perguntou. Temia a resposta sem tão sequer ter uma pista de por que. - Em certo sentido - respondeu pensativa-, enquanto soluçava e tremia, sabia que ia morrer. Sabia. Não havia maneira de que pudesse me sentir tão mal e continuar vivendo no dia seguinte. -Inclinou um pouco a cabeça a um lado, seu rosto adquiriu uma expressão um tanto tensa, como se não estivesse certa de como dizer o que precisava dizer. Mas Anthony a entendeu de qualquer modo. E aquilo fez que o sangue lhe congelasse. - Estou segura de que pensará que é a coisa mais idiota que se possa imaginar -disse, levantou e desceu os ombros com gesto envergonhado. - É tão racional, tão equilibrado e prático que não acredito que possa entender algo assim. Se ela soubesse... Anthony esfregou os olhos, sentia uma estranha embriaguez. Foi cambaleando até uma cadeira para sentar-se, com a esperança de que Kate não percebesse como se sentia instável. Por sorte, ela havia voltado sua atenção a diversos frascos e bagatelas que tinha sobre a penteadeira. Ou talvez estivesse muito ruborizada para olhá-lo, talvez temesse que ele fora a lhe repreender por seus medos irracionais. -Cada vez que passava a tormenta - continuou falando com a mesa-, sabia a idiota que tinha sido e quão ridícula era essa idéia. Ao fim e ao cabo, tinha suportado tormentas antes, e nenhuma delas me tinha matado nunca. Mas saber isso em minha mente racional, não parecia me servir de ajuda. Sabe a que me refiro? Anthony tentou assentir com a cabeça. Não estava seguro de havê-lo conseguido. - Quando chovia - explicou Kate-, em realidade não existia nada além da tormenta. E, é claro, meu medo. Logo o sol saía, e de novo me dava conta de quão tola tinha sido, mas na vez seguinte que havia uma tormenta, era igual a sempre. E uma e outra vez sabia que ia morrer. Sabia, e já está. Anthony sentiu uma náusea. Todo seu corpo lhe parecia estranho, como se não fosse o seu. Não poderia haver dito nada embora o tivesse tentado. - De fato - continuou ela e ergueu a cabeça para olhá-lo - a única vez que senti que podia viver até o dia seguinte foi na biblioteca do Aubrey Hall. -Se levantou e se foi a seu lado, ajoelhou-se diante dele e apoiou a face em seu regaço-. Contigo - sussurrou. Anthony levantou a mão para lhe acariciar o cabelo. Foi um movimento reflexo mais que outra coisa. Na verdade, não era consciente de seus atos. Não tinha nem idéia de que Kate fosse consciente de sua própria mortalidade. A maioria de gente não o era. Aquilo tinha provocado a ele uma peculiar sensação de isolamento ao longo dos anos, como se entendesse uma verdade básica e espantosa que o resto da sociedade não conseguia compreender. E embora para Kate o conhecimento seu não fosse igual ao seu - o dela era efêmero, o provocavam os estalos temporários de vento, chuva e eletricidade, enquanto que o seu sempre estava com ele e o acompanharia até o dia que morresse - Kate, a diferença dele, tinha-o vencido. Ela tinha lutado contra seus demônios e tinha vencido. E Anthony estava terrivelmente ciumento. Não era uma reação nobre, sabia. E apesar de todo o carinho que sentia por ela, apesar de estar emocionado e cheio de alívio, transbordante de alegria por ela, transbordante de todas as emoções puras e boas imagináveis, por que ela tinha vencido os terrores que chegavam com as tormentas, continuava estando ciumento. Muito ciumento, que diabos. Kate tinha vencido. Enquanto que ele, que tinha reconhecido seus demônios mas se negava a temê-los, agora estava petrificado de terror. E tudo porque a única coisa que jurava que nunca aconteceria, afinal tinha acontecido. Apaixonara-se por sua esposa. Apaixonara-se por sua esposa, e agora o pensamento de morrer, de deixá-la, de saber que seus momentos juntos formariam um breve poema e não uma novela longa e estimulante... era mais do que podia suportar. E não sabia em quem jogar a culpa. Queria pôr o dedo sobre seu pai, por morrer jovem e lhe deixar como portador daquela horrível maldição. Queria recriminar à Kate, por aparecer em sua vida e lhe fazer temer por seu próprio final. Que demônios, teria culpado a um desconhecido na rua se tivesse pensado que tinha alguma utilidade. Mas a verdade era que não havia ninguém a quem culpar, nem sequer a si mesmo. Sentiria-se muito melhor se pudesse responsabilizar a alguém -qualquer um - e dizer: "É culpa sua". Era infantil, sabia, esta necessidade de jogar a culpa a alguém, mas todo mundo tinha direito a emoções infantis de vez em quando, ou não? - Estou tão contente - murmurou Kate com a cabeça ainda apoiada sobre seu regaço. E Anthony também queria estar contente. Desejava tanto que tudo fosse menos complicado, que a felicidade não fosse mais que felicidade e nada mais. Queria alegrar-se das recentes vitórias de Kate sem nenhum pensamento sobre suas próprias preocupações. Queria perder-se naquele momento, esquecer o futuro, agarrá-la em seus braços e... Com um movimento abrupto, sem premeditar, levantou-se e os dois ficaram de pé. - Anthony? - perguntou Kate pestanejando de surpresa. Como resposta, ele a beijou. Seus lábios encontraram os dela em uma explosão de paixão e necessidade que rabiscava sua mente, deixando que fosse o corpo o que o regesse. Não queria pensar. A única coisa que queria era este preciso momento. E queria que tal momento durasse para sempre. Atraiu a sua esposa para seus braços e foi para a cama, onde a depositou sobre o colchão meio segundo antes de que seu corpo descesse sobre ela. Estava assombrosa debaixo dele, suave e forte, e consumida pelo mesmo fogo que rugia dentro de seu próprio corpo. Talvez não compreendesse o que tinha provocado sua repentina necessidade, mas Kate a sentia e a compartilhava de qualquer modo. Kate já estava vestida para deitar-se, e sua roupa de noite se abriu com facilidade de baixo dos experimentados dedos do Anthony. Tinha que tocá-la, senti-la, assegurar-se de que estava ali, debaixo dele, e que ele estava ali para lhe fazer o amor. Levava uma pequena criação de seda azul cinzento que se atava com uns laços nos ombros e que se grudava a suas curvas. Era o tipo de vestido desenhado para reduzir aos homens a fogo líquido, e Anthony não era a exceção. Havia algo desesperadamente erótico em sentir sua pele cálida através da seda, portanto percorreu seu corpo com as mãos sem cessar: tocava, apertava, fazia algo imaginável para uni-la a ele. Se pudesse tê-la introduzido dentro dele, o teria feito e a teria mantido aí para sempre. - Anthony - disse Kate entre arquejos, nesse breve momento em que ele afastava sua boca da dela- , está bem? - Desejo-a - disse com um grunhido, recolhendo seu vestido ao redor da parte superior de suas pernas-. Desejo-a agora. Ela abriu muito os olhos, impressionada e excitada, e ele se endireitou e ficou escarranchado sobre ela, agüentando o peso sobre os joelhos para não esmagá-la. - É tão formosa - sussurrou-. Tão linda que é incrível. Kate resplandeceu com suas palavras, e ergueu suas mãos até o rosto dele, lhe passando os dedos pelas faces cobertas por uma leve barba. Anthony lhe apanhou uma das mãos e colocou o rosto nela para lhe beijar a palma enquanto Kate, com a outra, descia pelos tensos músculos de seu pescoço. Os dedos do Anthony encontraram os delicados suspensórios dos ombros, que estavam atados em uns laços frouxos. Requereu o menor puxão soltar os nós, mas uma vez que o sedoso tecido deslizou sobre seus braços, Anthony perdeu todo ar de paciência e puxou o traje até que ficou a seus pés, deixando-a nua por completo sob seu olhar. Com um gemido ofegante estendeu a camisa, e os botões voaram enquanto a tirava. Logo necessitou tão somente uns segundos para despojar-se de suas calças. E depois, quando por fim não houve outra coisa sobre a cama que maravilhosa pele, - pôs-se outra vez em cima dela para lhe separar suavemente as pernas com uma musculosa coxa. - Não posso esperar - disse com voz rouca-. Não vou poder te agradar como deveria. Kate soltou um gemido fervente enquanto o agarrava pelos quadris e o atraía para sua entrada. -Me agrada -gemeu. - E não quero que espere. E nesse momento cessaram as palavras. Anthony soltou um grito primitivo e gutural enquanto se afundava nela, enterrando-se por completo com uma investida longa e poderosa. Os olhos de Kate se abriram de tudo, e sua boca formou um pequeno "OH" de surpresa ante a impressão de sua rápida invasão. Mas estava preparada para ele; mais que preparada. Algo naquele ritmo incessante tinha aceso a paixão no mais profundo de seu ser, até o ponto de o necessitar com um desespero que a deixava sem fôlego. Não foram delicados, e não foram ternos. Estavam excitados, suarentos, famintos, e se aferravam o um ao outro como se pudessem conseguir que o tempo durasse eternamente graças à força pura da vontade. Quando alcançaram o clímax, foi fogoso e foi simultâneo, ambos os corpos se arquearam enquanto seus gritos de libertação se fundiam na noite. Mas quando estiveram saciados, enrolados nos braços do outro, tentando recuperar o controle de suas respirações fatigantes, Kate fechou os olhos cheia de alegria e se rendeu a uma lassidão entristecedora. Anthony observou como se ia ficando adormecida e depois ficou olhando-a em seu sono. Observou a maneira em que seus olhos se moviam às vezes sob as pálpebras sonolentas. Calculou o ritmo de sua respiração contando as suaves ascensões e quedas de seu peito. Escutou cada suspiro, cada som entre dentes. Há certas lembranças que um homem quer gravar em seu cérebro, e este era um deles. Mas justo quando estava certo de que estava adormecida de tudo, ela soltou um gracioso som afável enquanto se aninhava ainda mais em seu abraço, e agitou com lentidão as pálpebras até abrir os olhos. - Ainda não está dormindo - murmurou, sua voz áspera e plácida por causa do sono. Ele fez um gesto com a cabeça e se perguntou se a abraçava com muita força. Não queria soltá-la. Não queria soltá-la nunca. - Deveria dormir - disse Kate. Ele voltou a fazer um gesto afirmativo, mas Anthony não parecia capaz de fechar os olhos. Ela bocejou. - Que bem... Anthony lhe beijou a fronte com um "Mmm" de conformidade. Ela arqueou o pescoço e lhe devolveu o beijo, de cheio nos lábios, e logo se acomodou nos travesseiros. -Espero que estejamos sempre assim - murmurou, e bocejou outra vez enquanto o sono voltava a apoderar-se dela-. Sempre, eternamente. Anthony se paralisou. Sempre. Ela não podia saber o que essa palavra significava para ele. Cinco anos? Seis? Talvez sete ou oito. Eternamente. Era uma palavra que não tinha sentido, algo que não podia compreender, assim simples. De repente lhe custou respirar. A colcha parecia um tijolo em cima dele, e o ar parecia carregado. Tinha que sair daí. Tinha que ir-se. Tinha que... Saltou da cama e, depois, dando tropeções e afogando-se, procurou com a mão suas roupas, jogadas no chão de forma imprudente, e começou a colocar suas extremidades pelos buracos corretos. - Anthony? Levantou a cabeça de repente. Kate estava se endireitando na cama, entre bocejos. Inclusive sob a luz mortiça, distinguiu que seu olhar era confuso. E lhe doeu. - Está bem? Fez-lhe um gesto cortante de assentimento. - Então por que tenta colocar a perna pela manga da camisa? Baixou a vista e soltou uma maldição que nunca antes tinha considerado sequer pronunciar ante uma dama. Com outro impropério delicioso, fez uma bola com a ofensiva peça de linho, que acabou jogada no chão em uma massa enrugada. Deteve-se apenas um segundo antes de dar um puxão a suas calças. - Aonde vai? -perguntou com anseio Kate. -Tenho que sair - grunhiu. - Agora? Não respondeu porque não sabia como responder. - Anthony? - saiu da cama e se aproximou com um braço estendido, mas, justo um milésimo de segundo antes de que sua mão lhe tocasse a face, ele resistiu e cambaleou para trás até dar-se com as costas no poste da cama. Viu a dor no rosto do Kate, a dor por seu rechaço, mas sabia que se lhe tocava com ternura estaria perdido. - Maldição - disparou. - Onde diabos tenho as camisas? - Em seu roupeiro -respondeu ela nervosa-. Onde estão sempre. Afastou-se para ir procurar uma camisa limpa, incapaz de suportar o som de sua voz. Dissesse o que dissesse, ele não deixava de ouvir "sempre" e "eternamente". E isso o estava matando. Quando saiu do quarto de vestir , com a jaqueta e os sapatos nos lugares corretos do corpo, Kate estava de pé e percorria o quarto de um lado a outro, tocando com ansiedade a ampla bandagem azul de seu robe. -Tenho que sair - disse ele em tom apagado. Ela não fez nem um som, e Anthony achava que era o que preferia naquele momento, mas se encontrou ali de pé, esperando que ela falasse, incapaz de mover-se até que ela o fizesse. - Quando retornará? -perguntou por fim. - Amanhã. - Está... bem. Ele assentiu com a cabeça. - Não posso estar aqui - soltou-. Tenho que ir. Kate engoliu em seco com nervosismo. - Sim - disse, com voz dolorosamente baixa-, já o disse. E depois , sem um olhar atrás e sem nenhuma pista de aonde ir, partiu. Kate se aproximou devagar até a cama e ficou olhando. Em certo modo, não parecia correto meter-se só no leito, jogar as colchas ao redor de uma e aninhar-se. Pensou que deveria chorar, mas nenhuma lágrima ardeu em seus olhos. De modo que se foi até a janela, abriu os cortinados e ficou olhando, surpreendida por sua própria reza em voz baixa pedindo uma tormenta. Anthony se tinha ido, e embora estivesse certa de que retornaria em corpo, não estava tão segura de que o fizesse em espírito. E percebeu de que necessitava de algo – necessitava da tormenta- para demonstrar-se que podia ser forte, por si só e para si sozinha. Não queria estar a sós, mas certamente não teria outra opção naquela questão. Anthony parecia decidido a manter as distâncias. Havia em seu interior demônios, e temia que eram demônios aos que ele jamais se decidiria a fazer frente em sua presença. Mas se seu destino era estar sozinha, inclusive com um marido a seu lado, então jurava que seria forte em sua solidão. A fraqueza, pensou enquanto deixava que sua fronte descansasse sobre o liso e frio vidro da janela, nunca levava a nenhum lado. Anthony não recordava ter cruzado aturdido a casa, mas de algum modo se encontrou na rua, descendo a tropicões a escada da entrada, escorregadia por causa da leve névoa suspensa no ar. Cruzou a rua sem a menor idéia de onde ia, tão somente sabia que precisava afastar-se. Mas quando chegou à calçada de frente, alguma voz dentro de lhe obrigou a elevar a vista para a janela de seu dormitório. Não deveria tê-la visto, foi seu estúpido pensamento. Deveria ter estado na cama ou as cortinas deveriam ter estado corridas ou ele então deveria ter estado já caminho a seu clube. Mas a viu e a dor surda em seu peito se aguçou, cada vez mais implacável. Era como se lhe tivessem atravessado o coração; tinha a muito perturbadora sensação de que a mão que esgrimia a faca era a sua. Observou-a durante um minuto, ou talvez fosse uma hora. Pensou que não o tinha visto; nada em sua postura deu indícios de ser consciente de sua presença. Estava muito longe para que ele pudesse lhe ver o rosto, mas lhe pareceu que tinha os olhos fechados. Certamente rogando para que não estale uma tormenta, pensou enquanto levantava o olhar ao céu nublado. Era pouco provável que tivesse essa sorte. A bruma e a névoa já estavam fundindo-se em gotas de umidade sobre sua pele, dava a impressão de que não demoraria muito em chover muito. Sabia que devia partir, mas um cordão invisível o mantinha de pé no chão. Inclusive depois de que ela abandonasse seu posto junto à janela, continuou no mesmo lugar, observando a casa. Não podia negar o impulso de voltar a entrar aí. Queria retornar correndo, cair de joelhos ante ela e lhe rogar perdão. Queria agarrá-la entre seus braços e lhe fazer o amor até que os primeiros raios do amanhecer tocassem o céu. Mas sabia que não podia fazer nenhuma dessas coisas. Ou talvez, não deveria. Já não sabia. Depois de permanecer paralisado no mesmo lugar quase durante uma hora, Anthony, uma vez que chegou a chuva e o vento descarregou rajadas de um ar pesado pela rua, partiu por fim. Foi sem sentir o frio, sem sentir essa chuva que justo começava a cair com força surpreendente. Foi, sem sentir nada. Capítulo 21 Murmurou-se que lorde e lady Bridgerton se viram obrigados a casar-se. Mas embora isso fosse certo, Esta Autora se nega a acreditar que o seu seja outra coisa que um casamento por amor. REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN, 15 de junho de 1814 Que estranho era, pensou Kate enquanto olhava a comida do café da manhã, disposta sobre a mesinha auxiliar na pequena sala de refeições, sentir-se tão esfomeada e ao mesmo tempo não ter apetite. Seu estômago fazia ruídos e estava revolto, exigia comida já, e não obstante tudo lhe parecia repugnante, dos ovos aos pão-doces, dos arenques ao porco assado. Com um suspiro de desalento, alcançou uma solitária torrada triangular e se afundou em sua cadeira com uma xícara de chá. Anthony não havia retornado ontem à noite. Kate deu uma dentada à torrada e se obrigou a engolir. Tinha acreditado em que ao menos ele tivesse feito aparição a tempo para o café da manhã. Tinha atrasado esta comida todo o possível - Já eram quase onze da manhã e normalmente ela tomava o café da manhã às nove - mas seu marido continuava ausente. - Lady Bridgerton? Kate ergueu a vista e pestanejou. Um lacaio estava de pé ante ela com um pequeno sobre de cor nata na mão. - Chegou isto faz uns minutos - disse. Kate lhe agradeceu com um murmúrio de voz e agarrou o sobre atado com esmero com uma quantidade de lacre rosa claro. Aproximou-o dos olhos e distinguiu as iniciais EOB. Um dos parentes do Anthony? A E tinha que ser de Eloise, é claro. Todos os Bridgerton tinham sido batizados em ordem alfabética. Kate rompeu o selo com cuidado e deixou sair o conteúdo: um único pedaço de papel, dobrado pela metade com esmero. Kate, Anthony está aqui Parece uma pena. É claro, não é meu assunto, mas pensei que talvez você gostaria de saber. Eloise Kate olhou a nota durante uns segundos mais, logo jogou para trás a cadeira e se levantou. Era hora de fazer uma visita à mansão Bridgerton. Para grande surpresa de Kate, quando bateu na porta da mansão não foi o mordomo quem abriu a porta imediatamente mas a própria Eloise, que disse imediatamente: - Sim se apressou! Kate olhei pelo vestíbulo, meio esperando que algum outro irmão Bridgerton saísse a seu encontro. - Me esperava? Eloise respondeu com um gesto afirmativo. - E não tem que bater na porta, sabe? A mansão Bridgerton é propriedade de Anthony ao fim e ao cabo. Você é sua esposa. Kate esboçou um débil sorriso. Não é que se sentisse uma esposa aquela manhã. - Espero que não pense que sou uma intrometida incorrigível - continuou Eloise ao mesmo tempo que a agarrava pelo braço e a guiava pelo corredor - mas Anthony tem um aspecto espantoso, e tive a leve suspeita de que você não sabia que se encontrava aqui. - E por que ia pensar isso? -não pôde evitar perguntar Kate. - Bem - explicou Eloise- tampouco se incomodou em nos contar a nenhum de nós que estava aqui. Kate olhou a sua cunhada com desconfiança. - O que quer dizer...? Eloise teve a discrição de ruborizar-se com um débil rubor. - O que quer dizer, ah, que o único motivo de que eu saiba que está aqui é por lhe haver espiado. Não acredito que nem sequer minha mãe esteja inteirada de que se encontra na mansão. - Esteve nos espiando? - A própria Kate se deu conta de que pestanejava com rapidez. - Não, é claro que não. Mas por casualidade me levantei bastante cedo esta manhã e ouvi que alguém entrava, de modo que fui investigar e vi que havia luz atrás da porta de seu estúdio. - Como sabe, então, que tem um aspecto espantoso? Eloise encolheu os ombros. - Imaginei que teria que sair em algum momento, para comer algo ou urinar, de modo que esperei nos degraus uma hora mais ou menos... - Mais ou menos? - repetiu Kate. - Ou três - admitiu Eloise-. Não se faz tão longo quando de verdade lhe interessa o assunto, e além disso, tinha um livro comigo para passar o tempo. Kate meneou a cabeça com admiração a seu pesar. - A que hora chegou ontem à noite? - As quatro mais ou menos. - O que fazia levantada tão tarde? Eloise voltou a encolher os ombros. -Não podia dormir. Freqüentemente me custa. Tinha descido a procurar um livro da biblioteca para ler. Afinal, por volta das sete... bem, suponho que era um pouco antes das sete, ou seja, que tampouco estive três horas esperando... Kate começou a sentir-se enjoada. - ... antes das sete saiu. Não se encaminhou à sala de refeições para tomar o café da manhã, de modo que saiu por outro motivo. Depois de um minuto ou dois, voltou a aparecer e se meteu outra vez no estúdio. Onde - concluiu Eloise com um floreio - permaneceu depois. Kate ficou olhando durante uns bons dez minutos. - Alguma vez considerou oferecer seus serviços ao Departamento de Guerra? Eloise esboçou um amplo sorriso, tão parecido com o do Anthony que Kate quase gritou. - Como espiã? -perguntou. Kate assentiu com a cabeça. - Sería muito boa, não acha? - Magnífica. Eloise deu um abraço espontâneo em Kate. - Que contente estou de que se casasse com meu irmão. Agora vá ver o que acontece. Kate fez um gesto de assentimento, endireitou os ombros e deu um passo para dirigir-se ao estúdio do Anthony. Mas então se deu meia volta e assinalou a Eloise com o dedo. - Não escute atrás da porta. - Nem me ocorreria - contestou Eloise. - Falo sério, Eloise! Eloise deu um suspiro. - Já é hora de que vá à cama de qualquer forma. Irá bem dar uma soneca depois de estar levantada toda a noite. Kate esperou que a moça tivesse desaparecido pela escada e então se encaminhou para a porta do estúdio do Anthony. Pôs a mão na maçaneta e sussurrou para si: - Que não esteja fechada. - Rogou enquanto o fazia girar. Para seu alívio extremo, moveu-se e a porta se abriu de par em par. - Anthony? - chamou. Sua voz soava suave e vacilante; percebeu que não gostava daquele som. Não estava acostumada a ser suave e vacilante. Não houve resposta, de modo que Kate deu outro passo. As cortinas estavam bem corridas e o denso veludo admitia pouca luz. Kate inspecionou o aposento até que seus olhos repararam na figura de seu marido, reclinado sobre a escrivaninha, profundamente adormecido. Kate atravessou em silêncio o aposento até as janelas e abriu um pouco as cortinas. Não queria cegar Anthony quando despertasse, mas ao mesmo tempo não ia manter uma conversa tão importante na escuridão. Depois retornou até a escrivaninha e lhe sacudiu o ombro com delicadeza. - Anthony? - sussurrou-. Anthony? Sua resposta soou mais como um ronco que qualquer outra coisa. Kate franziu o cenho com impaciência e o sacudiu com um pouco mais de força. - Anthony? -disse em voz baixa-. Anthon... - Qqqueccoouuhhnn...? -Despertou com um movimento repentino, uma rajada de palavras incoerentes surgiu de seus lábios enquanto endireitava o tórax de forma brusca. Kate observou-o pestanejar tentando encontrar um pouco de coerência. Logo se fixava nela. - Kate -disse com voz áspera e rouca pelo sono e algo mais, talvez álcool-. O que faz aqui? - O que faz você aqui? -replicou ela-. A última vez que me fixei, vivíamos quase a uma milha de distância. - Não queria incomodá-la - falou entre dentes. Kate não acreditou nem por um segundo, mas decidiu que não ia discutir aquela questão. Em vez disso, optou pela colocação direta e perguntou: - Por que foi embora ontem à noite? Ao prolongado silêncio lhe seguiu um suspiro lento, fatigado. Anthony disse finalmente: - É complicado. Kate conteve o impulso de cruzar os braços. - Sou uma mulher inteligente - disse procurando não alterar em nada sua voz. - Em geral sou capaz de entender conceitos complexos. Anthony não pareceu gostar de seu sarcasmo. - Não quero falar disto agora. - Quando quer falar disto? - Vá para casa, Kate - disse com voz suave. - Planeja vir comigo? Anthony soltou um pequeno gemido e passou a mão pelo cabelo. Cristo, parecia um cão com um osso. Estalava-lhe a cabeça, sua boca tinha sabor de bucha, a única coisa que de verdade queria era refrescar o rosto com água e lavar os dentes, e aí estava sua mulher que não deixava de interrogá-lo... - Anthony? - insistiu. Isso era suficiente. Levantou-se de forma tão repentina que a cadeira caiu ao chão com um ressonante estrondo. - Vai deixar as perguntas imediatamente - soltou com brutalidade. A boca de Kate formou uma linha reta e zangada. Mas os olhos... Anthony engoliu em seco para rebater o ácido sabor da culpa que lhe encheu a boca. Porque os olhos de Kate estavam inundados de dor. E a angústia no coração do Anthony se multiplicou por dez. Não estava preparado. Ainda não. Não sabia o que fazer com ela. Não sabia o que fazer consigo mesmo. Toda sua vida - ou ao menos desde que seu pai tinha morrido - tinha sabido que certas coisas eram verdadeiras, que certas coisas tinham que ser verdadeiras. E agora Kate ia e punha seu mundo de pernas para cima. Não tinha querido amá-la. Diabos, não tinha querido amar a ninguém. Era a coisa - a única coisa – que fazia temer sua própria mortalidade. E o que passava com o Kate? Tinha prometido querê-la e protegê-la. Como podia fazê-lo e saber em todo momento que teria que deixá-la? Sem dúvida não podia lhe contar suas peculiares convicções. Além do fato de que o mais provável fosse que tomasse por um louco, a única coisa que conseguiria seria submetê-la à mesma dor e temor que o atormentava. Melhor que continuasse ignorando tudo. E não seria ainda melhor que ela nem sequer o amasse? Anthony desconhecia a resposta, assim simples. E necessitava mais tempo. E não podia pensar se ela estava aí, de pé diante dele, com aqueles olhos cheios de dor, estudando seu rosto. e... - Vá - disparou com voz entrecortada-. Simplesmente, vá embora. - Não - disse ela com uma determinação tranqüila que fez que a quisesse ainda mais-. Não até que me conte o que o tem transtornado. Anthony saiu detrás da escrivaninha e a agarrou pelo braço. - Não posso estar com você neste momento - disse com aspereza, evitando seus olhos. - Amanhã. Verei-a amanhã. Ou no dia seguinte. - Anthony... - Necessito de tempo para pensar. - Sobre o que? -falou ela. - Não me deixe isso mais difícil... - Como pode ser ainda mais difícil? -perguntou ela-. Nem sequer sei do que está falando. - Só necessito de uns poucos dias - disse, e lhe soou como um eco. Uns poucos dias para pensar. Para adivinhar o que ia fazer, como ia viver sua vida. Mas ela deu a volta para olhá-lo de frente, pô-lhe a mão na face e lhe tocou com uma ternura que fez que lhe doesse o coração. - Anthony -susurrou-, por favor... Ele era incapaz de articular palavra, de proferir som algum. Kate deslizou a mão até sua nuca, e logo se foi aproximando... mais... e mais... e ele não pôde resistir. Desejava-a tanto, desejava sentir seu corpo apertado contra o seu, saborear o suave sal de sua pele. Queria cheirá-la, tocá-la, ouvir o som áspero de sua respiração em seu ouvido. Os lábios dela o tocaram, suaves, buscando-o, e sua língua lhe fez um comichão na comissura da boca. Seria tão fácil perder-se nela, deitar-se sobre o tapete e... - Não! -A palavra surgiu rasgada de sua garganta e, Por Deus, não tinha idéia de que fosse pronunciá-la. - Não - repetiu e a afastou. - Agora não. - Mas... Não a merecia. Não agora. Ainda não. Não até que entendesse como ia viver o resto da vida. E se isso supunha negar a única coisa que poderia salvá-lo, que assim fosse. Vá - ordenou com uma voz que soou um pouco mais dura do que era sua intenção. - Vá embora agora. Verei-o mais tarde. E desta vez ela partiu. Foi sem olhar para trás. E Anthony, que acabava de aprender o que era amar, aprendeu o que era morrer por dentro. Na manhã seguinte, Anthony estava bêbado. À tarde, tinha ressaca. A cabeça lhe estalava, zumbiam-lhe os ouvidos, e seus irmãos, a quem tinha surpreso lhe descobrir em tal estado em seu clube, falavam muito e muito alto. Anthony tampou as orelhas com as mãos e grunhiu. Todo mundo falava muito alto. - Jogou Kate de casa? -perguntou Colin enquanto agarrava uma noz da grande fonte de estanho situada no meio da mesa. Quebrou-a com um ressonante rangido. Anthony levantou a cabeça o justo para lhe fulminar com o olhar. Benedict observava a seu irmão com as sobrancelhas levantadas e um vago traço de sorrisinho. - Decididamente, jogou-a de casa - disse ao Colin-. Me passe uma dessas nozes, quer? Colin a jogou por cima da mesa. - Também quer o quebra-nozes? Benedict negou com a cabeça e fez uma careta enquanto segurava um livro volumoso, encadernado em couro. - É muito mais satisfatório as quebrar. - Nem lhe ocorra - disparou Anthony enquanto estendia veloz a mão para agarrar o livro. - Tens um pouco sensíveis os ouvidos esta tarde, não é? Se Anthony tivesse tido uma pistola, teria atirado nos dois, assim como ao ruído. - Se me permite que lhe dê um conselho... - disse Colin mastigando sua noz. -Não lhe permito isso - replicou Anthony. Ergueu a vista. Colin estava mastigando com a boca aberta. Tinha sido um pouco proibido em sua casa enquanto cresciam, portanto Anthony teve que deduzir que Colin estava exibindo aquelas más maneiras só para fazer mais ruído-. Fecha sua maldita boca - resmungou. Colin engoliu, lambeu-os lábios e deu um gole ao chá para empurrar o bocado. - Fizesse o que fizesse, pede desculpas por isso. Conheço-o, e vou conhecendo Kate pouco a pouco, e como sei o que sei... - De que diabos está falando? -resmungou Anthony. -Creio - explicou Benedict inclinando-se para trás na cadeira - que está dizendo que é um imbecil. - Isso mesmo! -exclamou Colin. Anthony sacudiu a cabeça com gesto lento. -É mais complicado do que pensam. -Sempre o é - disse Benedict com uma sinceridade tão falsa que quase conseguiu soar sincero. - Quando vocês dois encontrarem mulheres bastante crédulas para casar-se com vocês -soltou Anthony com desprezo - então poderão se atrever a me oferecer conselho. Mas até então... calem a boca. Colin olhou ao Benedict. - Acha que está zangado? Benedict moveu uma sobrancelha. Isso ou está bêbado. Colin sacudiu a cabeça. -Não, bêbado não. Já não, ao menos. Está claro que está de ressaca. - O que explicaria - disse Benedict com um filosófico gesto de assentimento- por que está tão zangado. Anthony passou uma mão pelo rosto e apertou com força as têmporas com o polegar e o médio. - Deus do céu - balbuciou-, o que é preciso para que estes dois me deixem em paz? - Que vá para casa, Anthony - disse Benedict com voz surpreendentemente amável. Anthony fechou os olhos e soltou um longo suspiro. Nada desejava mais, mas não estava certo do que podia dizer à Kate, e ainda mais importante: não tinha nem idéia de como se sentiria uma vez que chegasse ali. - Sim - corroborou Colin-. Vá para casa e lhe diga que a quer. O que pode haver mais simples que isso? E de repente foi simples. Tinha que dizer à Kate que a amava. Agora. Nesse preciso dia. Tinha que assegurar-se de que sabia, e jurou passar cada um dos últimos minutos de sua miseravelmente curta vida demonstrando-o a ela. Era muito tarde para mudar o destino de seu coração. Tinha tentado não apaixonar-se, e não o tinha conseguido. Como não era provável que pudesse dar marcha atrás em seu amor, também podia tentar que a situação saísse o melhor possível. A premonição de sua própria morte continuaria lhe obcecando tanto se Kate soubesse que a amava como se não. Acaso esses últimos anos não seriam mais felizes se os passasse amando-a com sinceridade e sem disfarces? Estava bastante certo de que Kate também se apaixonara por ele; Com certeza lhe alegraria ouvir que sentia o mesmo por ela. E quando um homem amava a uma mulher, quando a amava de verdade, do mais profundo de sua alma até a ponta dos pés, não era sua obrigação divina tentar fazê-la feliz? De qualquer modo, não ia explicar lhe suas premonições. Que sentido teria? Ela sofreria se soubesse que seu tempo juntos ia ser interrompido, mas por que ia sabê-lo? Melhor que a surpreendesse a dor repentina e aguda de sua morte que padecer a antecipação de tudo isso adiantado. Ia morrer. Todo mundo morria, recordou-se. Ele simplesmente ia ter que morrer mais cedo do que o normal. Mas, Por Deus, ia desfrutar de cada instante em seus últimos anos. Talvez tivesse sido mais conveniente não apaixonar-se, mas agora que tinha acontecido, não ia escondê-lo. Era simples. Seu mundo era Kate. Se o negasse, talvez deixasse de respirar naquele mesmo momento. - Tenho que partir - disparou ao mesmo tempo que ficava em pé de forma tão repentina que se deu com as coxas no bordo da mesa, com o que as cascas de noz saíram impulsionadas por cima do tabuleiro. - Isso me parecia - murmurou Colin. Benedict sorriu e disse: - Vá embora. Seus irmãos,percebeu Anthony, eram um pouco mais preparados do que deixavam entrever. - Voltaremos a falar, a semana que vem talvez? -perguntou Colin. Anthony teve que sorrir. Seus irmãos se reuniram com ele diariamente no clube durante a última quinzena. A pergunta tão inocente do Colin só podia implicar uma coisa: era claro que Anthony tinha perdido completamente a cabeça por sua esposa e que planejava passar ao menos os seguintes sete dias demonstrando-lhe E que a família que agora estava criando era tão importante como a família em que tinha nascido. - Duas semanas -respondeu Anthony, vestindo a jaqueta - . Talvez três. Seus irmãos se limitaram a sorrir. Mas quando Anthony cruzou a soleira da porta de seu lar, um pouco sufocado depois de subir de três em três os degraus da entrada, descobriu que Kate não estava em casa. - Aonde foi? -perguntou ao mordomo. Era estúpido de sua parte, mas em nenhum momento tinha considerado que pudesse não estar em casa. - Saiu para dar um passeio pelo parque - respondeu o mordomo - com sua irmã e um tal senhor Bagwell. - O pretendente de Edwina - murmurou para si. Maldição. Supunha-se que tinha que alegrar-se por sua cunhada, mas aquela visita inoportuna era muito molesta. Acabava de tomar uma decisão que alterava toda sua vida; seria agradável que sua esposa se encontrasse em casa. - O animal também ia com eles - disse o mordomo com um estremecimento. Nunca tinha podido tolerar o que considerava uma invasão de seu lar por parte do corgi. - Levou Newton, né? -murmurou de novo Anthony. - Imagino que retornarão dentro de uma hora ou duas. Anthony golpeou com a ponta da bota o mármore do chão. Não queria esperar uma hora. Demônios, não queria esperar nem um minuto. -Vou encontrá-los - disse com impaciência-. Não pode ser tão difícil. O mordomo fez um gesto com a cabeça e indicou através da porta aberta da rua a pequena carruagem na qual Anthony tinha chegado a casa. - Vai necessitar de outra carruagem? Anthony negou uma vez com a cabeça. - Irei a cavalo. É mais rápido. - Muito bem. - O mordomo se inclinou com uma pequena reverência. - Pedirei que lhe tragam uma montaria. Anthony observou que o mordomo se dirigia com seu andar lento e repousados para a parte posterior da casa durante dois segundos, mas a impaciência pôde mais. - Eu mesmo me ocuparei - falou. E o seguinte que soube era que saía como uma flecha da casa. O ânimo do Anthony era alegre quando chegou ao Hyde Park. Estava ansioso por encontrar a sua esposa, estreitá-la em seus braços e observar seu rosto enquanto lhe dizia que a amava. Rogou para que lhe respondesse com palavras que correspondessem a aquele sentimento. Pensava que seria assim; tinha visto seu coração em seus olhos em mais de uma ocasião. Talvez ela estivesse esperando que fosse ele quem dissesse algo primeiro. Não podia culpá-la se fosse assim; justo antes das bodas, ele tinha deixado muito claro que o seu casamento não seria por amor. Que idiota tinha sido. Uma vez que entrou no parque, tomou a decisão de encaminhar-se com sua montaria para o Rotten Row. O concorrido passeio parecia o destino mais provável do trio; sem dúvida Kate não tinha motivos para sugerir uma rota mais íntima. Incitou um pouco o cavalo para que adotasse um trote quão rápido permitisse o circular dentro dos limites do parque, e tentou fazer caso omisso das chamadas e gestos de saudação que lhe faziam outros cavaleiros e passeantes. Então, justo quando pensava que tinha conseguido que ninguém o entretivesse , ouviu uma voz anciã, feminina e muito imperiosa que o chamava por seu nome. - Bridgerton! Bridgerton! Detenha-se imediatamente. Estou-lhe falando! Soltou um grunhido e se deu meia volta. Lady Danbury, o ogro da aristocracia. Não havia maneira de continuar sem lhe fazer caso. Não tinha nem idéia de quantos anos tinha. Sessenta? Setenta? Fossem os que fossem, era uma força da natureza, e ninguém se atrevia a não lhe fazer caso. -Lady Danbury - disse tentando não soar resignado ao frear o cavalo Que prazer vê-la. - Por Deus, moço! -falou -. Sonha como se acabasse de tomar um horrível remédio. Anime-se! Anthony sorriu com debilidade. - Onde está sua esposa? - Estou procurando-a neste mesmo momento - respondeu - ou ao menos estava procurando-a. Lady Danbury era muito perspicaz para que lhe passasse por cima a direta insinuação, portanto Anthony deduziu que não lhe fez caso de propósito. - Gosto de sua esposa. - Eu também. - Nunca pude entender por que punha tanto empenho em cortejar a sua irmã. Uma moça encantadora, mas está claro que não era para você. -Entrecerrou os olhos e soltou um bufido indignado-. O mundo seria um lugar muito mais feliz se as pessoas me escutassem antes de agarrar e casar-se - acrescentou. - Poderia deixar decidido todos os casais do Mercado Matrimonial somente em uma semana. - Estou seguro disso. A dama entrecerrou os olhos. - Não me estará tratando com condescendência? - Nunca me ocorreria - disse Anthony com total sinceridade. - Bem. Sempre me tinha parecido um tipo sensato. Eu... - Ficou boquiaberta-. Que diabos é isso? Anthony seguiu o olhar horrorizado de lady Danbury até que seus olhos repararam em uma carruagem descoberta que dobrava uma curva sobre duas rodas, avançando sem controle e a toda velocidade. Ainda estava muito longe para ver os rostos dos ocupantes, mas então ouviu um grito, e logo o latido aterrorizado de um cão. Gelou o sangue de Anthony nas veias. Sua esposa estava nessa carruagem. Sem uma só palavra a lady Danbury, deu um pontapé no cavalo e se lançou a todo galope atrás da carruagem. Não estava certo do que ia fazer uma vez a alcançasse. Talvez arrebatasse as rédeas ao desafortunado condutor. Talvez conseguisse pôr a alguém a salvo. Mas sabia que não podia ficar quieto observando enquanto o veículo se estrelava ante seus olhos. E não obstante, isso foi exatamente o que aconteceu. Anthony se encontrava a meio caminho da desenfreada carruagem quando esta fez uma virada que o tirou do caminho e continuou até dar-se contra uma grande rocha, que o desestabilizou, deixando-o deitado de lado. E Anthony não pôde fazer outra coisa que observar com horror como morria sua esposa ante seus olhos. Capítulo 22 Contrariamente à opinião popular, Esta Autora é consciente de que a considera uma espécie de cínica. Mas, Querido Leitor, isso não poderia estar mais longe da verdade. De poucas coisas gosta mais Esta Autora que um final feliz. E se isso a converte em uma idiota romântica, pois bem-vindo seja. REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN, 15 de junho de 1814 Quando Anthony alcançou a carruagem derrubada, Edwina tinha conseguido sair arrastando-se dos restos do veículo e estirava uma parte destroçada de madeira em um intento de abrir um buraco no outro lado da carruagem. Tinha rasgada a manga do vestido e a prega puída e suja, mas não parecia dar-se conta disso enquanto puxava desesperadamente a porta entupida. Newton saltava e se revolvia a seus pés com latidos agudos e frenéticos. - O que aconteceu? -perguntou Anthony com voz cortante e nervosa enquanto descia do cavalo. -Não sei - respondeu Edwina entre arquejos, secando-as lágrimas que sulcavam seu rosto-. O senhor Bagwell não é um condutor muito experiente, acredito, e depois Newton se soltou e então... eu já não sei o que aconteceu. Estávamos circulando e a seguir... - Onde está o senhor Bagwell? Ela indicou o outro lado da carruagem. - Saiu disparado. Bateu na cabeça. Mas ficará bem. Mas Kate... - O que acontece com Kate? - Anthony ficou de joelhos para tentar ver entre os restos. Todo o veículo se derrubara e o lado direito se esmagou enquanto seguia rodando-. Onde está? Edwina engoliu a saliva com nervosismo e sua voz virtualmente não passou do sussurro: - Creio que está apanhada dentro da carruagem. Nesse momento Anthony saboreou a morte. Sabia amarga em sua garganta, metálica e dura. Arranhava-lhe a carne como uma faca, engasgava-se e comprimia, levava o ar de seus pulmões. Anthony sacudiu com brutalidade a carruagem, em um esforço de abrir um buraco de maior tamanho. A situação não era tão atroz como lhe tinha parecido durante o acidente, mas aquilo não serviu muito para acalmar seu coração acelerado. - Kate! -gritou, embora tentasse soar calmo, pouco preocupado-. Kate, pode me ouvir? O único som que ouviu como resposta, não obstante, foi o relincho dos cavalos. Maldição. Teria que liberá-los dos arnêses e soltá-los antes de que ficassem nervosos e começassem a puxar os restos do veículo. - Edwina? -chamou Anthony bruscamente por cima do ombro. Ela se apressou a aproximar-se de seu lado retorcendo-as mãos. - Sabe tirar os arreios dos cavalos? Fez um gesto afirmativo. -Não sou muito rápida, mas posso fazê-lo. Anthony indicou com a cabeça aos olheiros que se aproximavam correndo. - Tente que alguém a ajude. Ela voltou a assentir e ficou rapidamente a trabalhar. - Kate? -gritou de novo Anthony. Não via nada, um banco deslocado bloqueava a entrada-. Pode me ouvir? Nenhuma resposta. - Tentemos pelo outro lado - se ouviu a voz frenética de Edwina-. A abertura não está tão esmagada. Anthony ficou de pé e deu correndo a volta à parte posterior da carruagem. A porta já saira das dobradiças e deixava um buraco bastante grande para que pudesse colocar o tronco por ele. - Kate? - chamou tentando não prestar atenção ao tom de pânico de sua voz. Cada respiração que dava parecia muito sonora, reverberava no comprimido espaço e lhe recordava que ele não ouvia os mesmos sons de Kate. E então, enquanto afastava uma almofada que se derrubara, viu-a. Estava terrivelmente quieta, mas não parecia encontrar-se em uma postura pouco natural, e não viu sangue. Isso tinha que ser bom sinal. Não sabia muito de medicina, mas se aferrou a aquela idéia como se fosse um milagre. - Não pode morrer, Kate - disse enquanto afastava com dedos aterrorizados os restos de madeira, desesperado por abrir uma abertura que fosse bastante longa para tirá-la-. Ouve-me? Não pode morrer! Uma parte aguda de madeira lhe cortou o dorso da mão, mas Anthony não percebeu o sangue que correu por sua pele enquanto puxava outro madeiro quebrado. - Melhor que continue respirando - advertiu com voz trêmula, perigosamente próxima a um soluço-. Não tinha que ser você. Nunca se supôs que fosse você. Não lhe toca. Entende-me? Retirou outra parte de madeira quebrada e se esticou através do buraco aberto para lhe agarrar a mão. Encontrou-lhe o pulso com os dedos, que lhe pareceu bastante constante, mas continuava sendo impossível distinguir se sangrava ou se tinha quebrado as costas ou se tinha dado na cabeça ou se... Seu coração estremeceu. Havia tantas maneiras de morrer. Se uma abelha podia acabar com um homem na flor da vida, sem dúvida um acidente de carruagem poderia levar a vida de uma pequena mulher. Anthony agarrou a última parte de madeira que se interpunha em seu caminho e tentou levantá-lo, mas não se moveu. -Não me faça isto - falou. - Agora, não. Não lhe toca ainda. Ouve-me? Não lhe toca! Sentiu algo úmido em suas faces e compreendeu fracamente que eram lágrimas. - Se supunha que tocava a mim – disse engasgando-se. - Sempre se tinha suposto que me tocava. E então, justo enquanto se preparava para dar outro puxão desesperado à madeira, os dedos do Kate lhe rodearam com força o pulso. O olhar do Anthony voou ao rosto dela, bem a tempo de ver seus olhos abertos, claros, sem mal pestanejar. - De que diabos está falando? - perguntou com voz extremamente lúcida e acordada de todo. Um grande alívio invadiu seu peito com tal rapidez que quase lhe doía. - Está bem? -perguntou, sua voz tremia com cada sílaba. Ela pôs um sorriso, depois disse: - Estarei bem. Anthony fez uma pausa apenas uns segundos para considerar que palavras escolher. - Mas se encontra bem agora? Kate soltou uma pequena tosse, e Anthony imaginou retorcendo-se de dor. - Fiz algo na perna - admitiu-. Mas não acredito que esteja sangrando. - Se sente débil? Enjoada? Desfalecida? Kate negou com a cabeça. - É só uma dor. E você o que faz aqui? Ele sorriu entre lágrimas. - Vim para buscá-la. - Ah sim? - sussurrou. Anthony assentiu. - Vim... quer dizer, compreendi que... -Engoliu com nervosismo. Nunca tinha sonhado que chegaria o dia em que diria estas palavras a uma mulher; feito-se tão grandes em seu coração que custou um grande esforço empurrá-las para fora: - Amo-a, Kate - disse com voz entrecortada-. demorei um pouco em entender, mas assim é, e tinha que lhe dizer isso hoje. Os lábios de Kate formaram trêmulos um sorriso enquanto indicava com o queixo o resto de seu corpo. - Pois é oportuno de verdade. Por assombroso que parecesse, Anthony se encontrou lhe devolvendo o sorriso. - Quase me alegro de que demorasse tanto, né? Se lhe houvesse dito isso a semana passada, hoje não a teria seguido ao parque. Mostrou-lhe a língua, algo que, tendo em conta as circunstâncias, fez que a quisesse até mais. - Tire-me daqui -disse. -Então me dirá que me quer? - brincou. Kate sorriu, com nostalgia e ternura, e fez um gesto de assentimento. É claro, aquilo equivalia a declaração, e apesar de estar arrastando-se entre os restos da carruagem derrubada e apesar de encontrar-se Kate apanhada na maldita carruagem, muito possivelmente com uma perna fraturada, de repente lhe invadiu uma perturbadora sensação de satisfação e paz. E compreendeu que não se havia sentido assim durante quase doze anos, desde a tarde fatídica em que tinha entrado no dormitório de seus pais para ver seu pai morto na cama, frio e imóvel. - Agora vou puxar você para tirá-la -explicou lhe colocando os braços por debaixo da espalda-. Fará mal na sua perna, receio, mas não podemos evitá-lo. - Já me dói a perna - disse ela sorrindo com valentia-. Só quero sair daqui. Anthony lhe dedicou um único gesto sério, depois a rodeou com as mãos e começou a puxar. - Que tal vai? -perguntou, o coração se detinha cada vez que ela fazia um gesto de dor. - Bem - respondeu com um arquejo, mas Anthony podia distinguir que se fazia de corajosa. - Vou ter que virá-la um pouco - disse ao perceber uma parte de madeira quebrada e aguda que ameaçava de cima. Ia ser difícil manobrar para esquivar-se. Não lhe importava o mínimo lhe rasgar a roupa. Que fosse! Compraria-lhe uma centena de vestidos novos se ela prometesse não voltar a subir em uma carruagem conduzida por outra pessoa que não fosse ele, mas não podia suportar a idéia de lhe arranhar a pele nem um só centímetro. Já tinha sofrido o bastante. Não necessitava de mais. - Tenho que tirá-la primeiro pela cabeça - explicou-. Acha que pode se virar pouco a pouco você mesma? Justo o suficiente para que eu possa segurá-la por debaixo dos braços. Ela assentiu e, apertando os dentes, foi meneando conscientemente, centímetro a centímetro, apoiada sobre as mãos enquanto deslocava os quadris seguindo o sentido dos ponteiros de relógio. - Assim - disse Anthony lhe dando ânimo-. Agora vou... - Faz o que tenha que fazer - disse Kate entre dentes-. Não é preciso que me explique. - Muito bem - respondeu ele enquanto começava a retroceder para trás até que seus joelhos se agarraram a algo na erva. Depois de contar mentalmente até três, apertou os dentes e começou a puxá-la. E se deteve um segundo depois, quando Kate soltou um grito ensurdecedor. Se não tivesse estado tão convencido de que ia morrer nos próximos nove anos, teria jurado que ela acabava de lhe tirar dez. - Está bem? - perguntou com obrigação. - Estou bem - insistiu. Mas respirava com dificuldade, soprando entre seus lábios franzidos, com o rosto tenso de dor. - O que aconteceu? - Se ouviu uma voz do exterior da carruagem. Era Edwina, que já tinha acabado com os cavalos e soava frenética. Ouvi Kate gritar. - Edwina? -perguntou Kate torcendo o pescoço para tentar ver o exterior-. Está bem? - Puxou a manga do Anthony-. Encontra-se bem Edwina? Sofreu algum dano? Necessita de um médico? - Edwina está bem - respondeu. - Quem necessita de um médico é você. - E o senhor Bagwell? - Como está o senhor Bagwell? - perguntou Anthony a Edwina, com voz cortante enquanto se concentrava em deslocar trabalhosamente a Kate entre os restos. - Levou um golpe na cabeça, mas já se pôs em pé. - Não é nada. Posso ajudar? -Se ouviu uma voz masculina preocupada. Anthony tinha a sensação de que o acidente tinha sido tanto culpa de Newton como de Bagwell, mas de qualquer modo o jovem era quem levava o controle das rédeas. Anthony não se sentia inclinado a ser caridoso com ele justo naquele momento. - Já lhe avisarei - disse cortante antes de voltar-se para Kate e dizer: - Bagwell se encontra bem. - Não posso acreditar que me tenha esquecido de perguntar por eles. - Estou certo de que perdoarão seu lapso, dadas as circunstâncias - disse Anthony retrocedendo ainda mais até que se encontrou quase fora por completo da carruagem. Agora Kate estava colocada na abertura; só era preciso um puxão mais, bastante largo e, quase certo, doloroso, para tirá-la. - Edwina? Edwina? - chamou Kate-. Está certa de que não está ferida? Edwina colocou o rosto pela abertura. - Estou bem - disse tranquilizadora-. O senhor Bagwell saiu despedido e eu pude... Anthony a separou de uma cotovelada. - Aperte os dentes, Kate - ordenou. - O que? Me dic... Aaaayyyy! Com um só puxão, puxou-a por completo da massa e os dois aterrissaram no chão, respirando com dificuldade. Mas enquanto a hiperventilação de Anthony era conseqüência do esforço, era evidente que a de Kate respondia a uma dor intensa. - Santo céu! -Edwina quase gritou-. Olhe sua perna! Anthony deu uma olhada ao Kate e sentiu que o estômago lhe revolvia. Sua panturrilha estava torcida e dobrada, e era mais que claro que a tinha quebrado. Engoliu em seco com nervosismo em um esforço de que não se notasse tanto sua inquietação. Uma perna se podia compor, certo, mas também tinha ouvido casos de homens que tinham perdido suas extremidades por causa de infecções e maus cuidados dos médicos. - O que acontece com minha perna? -perguntou Kate-. Dói, mas... OH meu Deus! - Melhor que não olhe - disse Anthony tentando inclinar seu queixo em outra direção. A respiração de Kate, que já era rápida pelo esforço de tentar controlar a dor, tornou-se desigual e nervosa. - Oh, Deus meu - disse com um arquejo. - Dói-me. Não tinha percebido como dói até que vi... - Não olhe - ordenou Anthony. -Oh, Meu deus. OH, Meu deus. - Kate? -Edwina se interessou com voz preocupada e se inclinou para frente. - Encontra-se bem? - Olhe minha perna! - disse Kate quase gritando. - Que aspecto tem? - Em realidade referia a seu rosto. Está um pouco verde. Mas Kate não pôde responder. Sua respiração cada vez era mais desigual. E então, com o Anthony, Edwina, o senhor Bagwell e Newton olhando-a fixamente, entreabriu os olhos, atirou para trás a cabeça e desmaiou. Três horas depois, Kate se encontrava instalada em sua cama, estava claro que pouco cômoda mas ao menos sem tantas dores graças ao láudano que Anthony lhe tinha obrigado a tomar assim que chegaram a casa. Os três cirurgiões que Anthony tinha chamado tinham composto sua perna (como tinham indicado os três cirurgiões, não era preciso mais de um para encaixar um osso, mas Anthony cruzou os braços com gesto implacável e ficou olhando-os até que se calaram), e outro doutor se aproximou para deixar várias receitas que jurou que acelerariam o processo de recuperação e a solda. Anthony a tinha mimaoa como se fora uma galinha poedeira, questionava qualquer movimento dos doutores até que um deles teve a audácia de lhe perguntar quando tinha obtido o diploma do Real Colégio de Médicos. Anthony não tinha achado graça. Mas depois de muita arenga, a perna do Kate ficou entalada, e a informaram que contasse passando o menos um mês em cama. - Um mês? -gemeu Kate a Anthony assim que o último dos cirurgiões foi embora. - Como poderei agüentar tanto tempo? - Poderá se dedicar de novo à leitura - sugeriu ele. Kate soltou ar impaciente pelo nariz; era difícil respirar pela boca enquanto apertava os dentes. -Não era consciente de que tinha leitura atrasada. Provavelmente Anthony sentiu a tentação de pôr-se a rir, mas conseguiu conter-se: - Talvez possa se dedicar à costura - sugeriu. Kate lhe lançou um olhar carrancundo. Como se a perspectiva da costura fosse fazer que se sentisse melhor. Anthony se sentou com cautela sobre o bordo da cama e lhe deu uns tapinhas no dorso da mão. - Vou lhe fazer companhia - disse com um sorriso alentador-. Já tinha decidido diminuir as horas que passo no clube. Kate suspirou. Estava cansada, mal-humorada e dolorida, e tomava com seu marido, algo que não era justo. Voltou a mão para cima para juntar sua palma com a dele e logo se entrelaçaram os dedos. -Amo-a, sabe - disse com voz suave. Deu-lhe um apertão e fez um gesto de assentimento, o carinho em seu olhar ao olhá-la dizia mais que qualquer palavra. -Me disse que não o amasse - continuou Kate. - Fui um burro. Kate não o contradisse. Um movimento dos lábios do Anthony lhe comunicou que tinha tomado nota de que por uma vez não lhe tinha contrariado. Depois de um momento de silêncio, ela disse: - No parque falava de coisas muito estranhas. Anthony não retirou a mão, mas seu corpo retrocedeu um pouco. -Não sei a que se refere - contestou. -Creio que sabe - lhe disse com doçura. Anthony fechou os olhos durante um momento, depois se levantou e seus dedos foram descendo pela mão dela até que finalmente não se tocaram. Fazia muitos anos que guardava cuidadosamente suas peculiares convicções para si. Parecia o melhor. As pessoas podiam acreditar nele, e por conseguinte preocupar-se, ou não fazê-lo e pensar que estava louco. Nenhuma opção era especialmente atraente. Mas neste dia, no calor de um momento de terror, tinha soltado a sua esposa. Nem sequer recordava com exatidão o que havia dito, mas tinha sido o suficiente para que ela sentisse curiosidade. E Kate não era o tipo de pessoa que não satisfizesse sua curiosidade. Podia tentar evitá-la tudo o que quisesse, mas ao final o tiraria. Nunca tinha havido uma mulher mais teimosa. Foi até a janela e se apoiou no peitoril, olhando para diante como se de verdade pudesse ver a paisagem urbana através dos pesados cortinados borgonhas que há pouco tinha fechado. - Há algo que deveria saber de mim - sussurrou. Kate não disse nada, mas ele sabia que o tinha ouvido. Talvez fosse o som que fez ao trocar de posição na cama, talvez fosse a eletricidade que enchia o ar. Mas soube de algum modo. Voltou-se. Teria sido mais fácil lhe falar com as cortinas, mas ela merecia algo melhor. Kate estava sentada na cama com a perna repousando sobre almofadões e os olhos muito abertos, cheios de uma mescla dilaceradora de curiosidade e preocupação. - Não sei como lhe contar isto sem que soe ridículo. - Às vezes o mais fácil é dizê-lo e pronto- murmurou ela. Deu uma palmada sobre um ponto vazio da cama-. Quer se sentar a meu lado? Ele negou com a cabeça. A proximidade só serviria para dificultar tudo ainda mais. - Algo me aconteceu quando meu pai morreu - começou. - Estava muito unido a ele, não é certo? Ele assentiu. - Mais unidos do que tenha estado a qualquer um, até que a conheci. Os olhos dela brilharam. - O que aconteceu? - Foi muito inesperado - explicou. Sua voz era uniforme, como se estivesse relatando uma escura notícia em vez do acontecimento mais inquietante de sua vida-. Uma abelha, contei-lhe isso. Kate assentiu. - Quem ia pensar que uma abelha fosse matar a um homem - disse Anthony com risada cáustica-. Teria sido engraçado se não fosse tão trágico. Ela não disse nada, só o olhou com um afeto que lhe rompeu o coração. - Permaneci a seu lado durante toda a noite - continuou, e se voltou ligeiramente para não ter que olhá-la nos olhos-. Estava morto, é claro, mas me era preciso um pouco mais de tempo. Limitei-me a ficar sentado a seu lado e observar seu rosto. -De seus lábios escapou outra breve gargalhada enojada-. Deus, que néscio era. Acredito que meio esperava que abrisse os olhos em qualquer momento. -A mim isso não me parece nenhuma idiotice- disse Kate com voz suave-. Eu também vi mortos. Custa acreditar que alguém haja falecido quando seu aspecto é tão normal e lhe vê tão sereno, em paz. -Não sei quando aconteceu - explicou Anthony- mas pela manhã eu já estava convencido. - De que estava morto? -perguntou ela. - Não -disse com brusquidão - de que eu também morreria. Anthony esperou que ela fizesse algum comentário, esperou que gritasse, que fizesse algo, mas Kate continuou ali sentada olhando-o sem nenhuma mudança perceptível em sua expressão, até que finalmente ele teve que dizer: - Não sou tão grande homem como meu pai. - Talvez ele não estivesse de acordo - disse ela com calma. - Bem, ele não está aqui para explicar, certo? -disparou Anthony. De novo, Kate não disse nada. De novo, ele se sentiu fatal. Amaldiçoou em voz baixa e apertou as têmporas com os dedos. Sua cabeça parecia querer explodir. Começava a sentir-se enjoado, e percebeu nesse momento de que não se lembrava de quando tinha comido pela última vez. - Eu posso opinar - disse em voz baixa-. Você não o conheceu. Afundou-se contra a parede com uma respiração longa, lenta, e continuou: - Deixe-me lhe explicar. Não fale, não interrompa, não opine. Custa-me muito já por si contá-lo. Pode fazer isso por mim? Ela assentiu. Anthony tomou fôlego com respiração trêmula. - Meu pai era o melhor homem que conheci. Não passa um dia sem que me dê conta de que não estou a sua altura. Eu sabia que ele era tudo ao que eu podia aspirar. Certamente não possa igualar sua grandeza, mas se ao menos pudesse me aproximar dele, sentir-me-ia satisfeito. Isso é a única coisa que quero. Só me aproximar. Olhou para Kate. Não estava certo do por que. Talvez em busca de ânimo, talvez compreensão. Talvez só para lhe ver o rosto. -Se uma coisa sabia - sussurrou, encontrando de algum modo o valor para manter sua vista fixa na dela- era que nunca o superaria, nem sequer em idade. - O que tenta me dizer? -murmurou ela. Anthony se encolheu de ombros com impotência. - Sei que não tem sentido. Sei que não posso oferecer uma explicação racional. Mas desde a noite em que estive sentado junto ao cadáver de meu pai, soube que era impossível que vivesse mais que ele. - Já vejo - disse ela com calma. - Ah sim? - E então, como se uma represa tivesse arrebentado, as palavras escaparam a borbotões, tudo saiu dele: por que se tinha mostrado tão oposto a casar-se por amor, o ciúmes que tinha sentido ao perceber que ela enfrentara a seus demônios e que os tinha vencido. Observou Kate que levava uma mão à boca e mordia o extremo do polegar. Tinha-lhe visto fazer isso antes, percebeu: cada vez que algo a inquietava ou quando meditava profundamente. - Quantos anos tinha seu pai quando morreu? -perguntou. - Trinta e oito. - Quantos anos tem você agora? Olhou-a com curiosidade, ela sabia sua idade. Mas de qualquer modo a disse: - Vinte e nove. - Ou seja, que segundo seus cálculos restam nove anos. - Quando muito. -E você o acredita seriamente. Ele fez um gesto afirmativo. Kate apertou os lábios e soltou uma longa respiração pelo nariz. Por fim, depois do que pareceu um silêncio eterno, voltou a olhá-lo com olhos claros e diretos e disse: - Bem, está equivocado. Por estranho que fosse, o tom terminante de sua voz foi bastante tranqüilizador. Anthony notou que inclusive um extremo de sua boca se erguia formando o mais fraco dos sorrisos. - Acha que não sou consciente do ridículo que soa tudo isto? - Não acredito que soe ridículo absolutamente. Em si parece uma reação perfeitamente normal, sobre tudo se se considera quanto adorava a seu pai. - Encolheu os ombros como se soubesse do que falava e inclinou um pouco a cabeça-. Mas de qualquer modo se engana. Anthony não disse nada. - A morte de seu pai foi um acidente - disse Kate-. Um acidente. Uma dessas terríveis e horríveis voltas que dá a vida e que ninguém pôde ter pressagiado. Anthony encolheu os ombros com gesto fatalista. - Provavelmente me acontecerá o mesmo. -Oh, pelo amor de... - Kate conseguiu morder a língua um milésimo de segundo antes de blasfemar-. Anthony, eu também poderia morrer amanhã. Poderia ter morrido hoje mesmo quando a carruagem caiu em cima de mim. Ele empalideceu. - Não me recorde isso. -Minha mãe morreu quando tinha minha idade - lhe recordou Kate com dureza-. Alguma vez pensou nisso? Segundo suas regras, eu deveria morrer no meu próximo aniversário. - Não seja... - Tola? -concluiu ela por ele. Fez-se um silêncio durante todo um minuto. Por fim Anthony disse, com voz apenas mais audível que um sussurro: - Não sei se poderei superá-lo. - Não tem que superá-lo - disse Kate. Mordeu o lábio inferior, que lhe tinha começado a tremer, e depois pôs a mão sobre o ponto vazio da cama-. Pode se aproximar aqui para que possa lhe agarrar a mão? Anthony se aproximou imediatamente; o calor de seu contato o invadiu e se estendeu por seu corpo até acariciar sua própria alma. E nesse momento era mais que amor. Esta mulher o fazia sentir-se a melhor pessoa. Tinha sido bom e forte e bondoso sempre, mas com ela a seu lado era algo mais. E juntos poderiam fazer algo. Quase o fez pensar que quarenta anos talvez não fosse um sonho tão impossível. - Não tem que superá-lo - repetiu ela e suas palavras flutuaram com suavidade entre eles -. Para ser sincera, não sei como poderá superá-lo de todo até que tenha trinta e nove anos. Mas o que pode fazer – lhe deu um apertão na mão, e Anthony se sentiu ainda mais forte que momentos antes - é se negar a permitir que domine sua vida. - Compreendi isso esta manhã - sussurrou ele- quando soube que tinha que te dizer que a queria. Mas, de algum modo, agora... agora sei. Ela assentiu e ele viu como se enchiam seus olhos de lágrimas. - Tem que viver cada hora como se fosse a última - disse Kate- e cada dia como se fosse imortal. Quando meu pai ficou doente, lamentei tantas coisas. Havia tantas coisas que desejava ter feito, isso me contou. Sempre supunha que contava com mais tempo. Isso é algo que sempre levei comigo. Por que diabos acha que decidi tocar flauta em uma idade tão avançada? Todo mundo me dizia que era muito velha, que para conseguir fazê-lo bem de verdade tinha que ter começado de menina. Mas em realidade essa não é a questão. Não me é preciso ser tão boa. Só preciso desfrutar por mim mesma. E preciso saber que o tentei. Anthony sorriu. Era uma flautista terrível. Nem Newton podia suportar escutá-la. - Mas o contrário também é certo - acrescentou Kate com ternura-. Não pode fugir de provocações novas ou evitar o amor porque pensa que talvez não vá estar aqui para cumprir seus sonhos. Ao final, lamentará tantas coisas como meu pai. - Eu não queria amá-la - sussurrou Anthony-. Era a coisa que mais medo me dava, por cima de todas. Tinha acabado por me acostumar bastante a minha estranha visão da vida. Em realidade quase me sentia confortável. Mas o amor... -Sua voz se entrecortou; o som sufocado soou pouco viril, tornou-o vulnerável. Mas não se importou porque estava com Kate. E não se importava que ela conhecesse seus temores mais profundos, porque sabia que o queria apesar de tudo. Era uma sublime sensação de libertação. -Vi o amor verdadeiro - continuou-. Não fui o cafajeste cínico que a sociedade quis retratar. Sabia que existia o amor. Minha mãe, meu pai... - Se deteve para tomar fôlego de forma irregular. Era o mais duro que tinha feito em sua vida, e não obstante sabia que tinha que pronunciar aquelas palavras. Por difícil que fosse soltá-las, sabia que no final seu coração renasceria-. Estava tão certo de que a única coisa que poderia... fazer... que... em realidade não sei como chamá-lo... este conhecimento de minha própria mortalidade... - Passou a mão pelo cabelo procurando com afã as palavras-. O amor era a única coisa que achava de verdade insuportável. Como podia amar a alguém, sincera e profundamente, e saber que estávamos sentenciados? - Mas não estamos sentenciados - disse Kate apertando sua mão. - Sei disso. Apaixonei-me por você e então soube. Embora esteja certo, embora meu destino seja viver só até a idade de meu pai, não estou condenado. -Se inclinou para diante e roçou os lábios de Kate com um beijo leve. - Tenho-a - sussurrou- e não vou esbanjar nem um só momento que tenhamos juntos. Os lábios de Kate formaram um sorriso. - O que quer dizer isso? -Significa que o amor não deve temer que lhe arrebatem isso. O amor deve encontrar à pessoa que lhe encha o coração, que faça ser uma pessoa melhor do que nunca sonhou ser. Deve olhar a sua mulher nos olhos e estar convencido até o mais fundo de que ela é simplesmente a melhor pessoa que conheceu. -Oh, Anthony - sussurrou Kate com lágrimas sulcando suas faces -. Isso é o que sinto por você. - Quando pensava que tinha morrido... - Não diga isso - disse com voz entrecortada-. Não tem que reviver isso. - Não, mas tenho que lhe explicar isso. Foi a primeira vez, inclusive depois de todos estes últimos anos esperando minha própria morte, que de verdade soube o que significava morrer. Porque se você houvesse falecido... não ficaria nada pelo que viver. Não sei como o conseguiu minha mãe. -Tinha seus filhos - disse Kate-. Não podia deixá-los. - Sei - sussurrou -, mas quanto deve ter sofrido... - Creio que o coração humano é mais forte do que imaginamos. Anthony ficou olhando-a durante um longo instante, seus olhares se uniram até que ele se sentiu como se fossem a mesma pessoa. Depois, com mão tremente, agarrou-a pela nuca e se inclinou para beijá-la. Adorou-a com seus lábios, ofereceu-lhe cada grama de amor, devoção, veneração e oração que sentia em sua alma. - Amo-a, Kate - sussurrou, soprando contra sua boca aquelas palavras-. Quero-a tanto. Ela assentiu, pois não podia fazer som algum. -E justo agora, desejo... desejo... E então aconteceu a coisa mais estranha. Escapou-lhe uma gargalhada. Invadiu-lhe a pura sorte do momento, e teve que conter-se para não levantar Kate e lançá-la em voltas pelo ar. - Anthony? -perguntou, soava confundida e divertida a partes iguais. - Sabe que mais significa amor? -murmurou ao mesmo tempo que plantava suas mãos a ambos os lados do corpo de Kate e deixava que seu nariz se apoiasse no dela. Kate negou com a cabeça. - Não poderia nem aventurar uma resposta. - Significa - resmungou - que estou começando a achar esta perna fraturada uma grande chateação. -Nem a metade que eu, milord - disse dedicando um olhar compungido a sua perna fraturada. Anthony franziu o cenho. - Dois meses sem fazer exercício, né? - Pelo menos. Fez uma careta, e nesse momento seu aspecto era exatamente o do mulherengo do que em uma ocasião lhe tinha acusado ser. - Está claro -murmurou- que terei de ser muito, mas muito delicado. - Está noite? -perguntou com voz rouca. Ele negou com a cabeça. - Nem sequer eu tenho o talento para me expressar com um toque tão leve. Kate soltou um risinho. Não podia evitá-lo. Queria a este homem e ele a queria a ela e, tanto se ele sabia como se não, iriam fazer se velhos, muito velhos, juntos. E isso era suficiente para tornar estouvada qualquer garota; inclusive a uma garota com a perna fraturada. - Está rindo de mim? -perguntou com uma de suas sobrancelhas arqueada com gesto arrogante enquanto colocava seu corpo junto ao lado dela. - Nem o sonharia. - Bem. Porque tenho algumas coisas importantes para lhe dizer. - Seriamente? Ele assentiu com semblante grave. - Talvez não seja capaz de lhe mostrar esta noite quanto a amo, mas posso lhe contar isso. - Nunca me cansarei de ouvi-lo - murmurou ela. - Bem. Porque quando acabar de lhe explicar vou contar como eu gostaria de demonstrar isso. - Anthony! -chiou. - Creio que começarei pelo lóbulo de sua orelha - disse. - Sim, está decidido, o lóbulo da orelha. Beijarei-o, depois o mordiscarei e, depois... Kate soltou um arquejo. E depois sentiu um calafrio. E depois se apaixonou por ele uma vez mais. E enquanto lhe sussurrava doces tolices ao ouvido, teve a mais estranha das sensações, quase como se pudesse vislumbrar todo seu futuro ante ela. Cada dia era mais valioso e pleno que o anterior, e cada dia se apaixonava e se apaixonava... Era possível apaixonar-se pelo mesmo homem uma e outra vez, cada dia que passava? Kate suspirou enquanto se acomodava entre os travesseiros, deixando-se levar por suas palavras maliciosas. Por Deus, ia tentá-lo. Epílogo Lorde Bridgerton celebrou seu aniversário em casa com sua família. Esta Autora acredita que se tratava do trigésimo nono aniversário, mas ela não foi convidada. De qualquer modo, os detalhes da festa chegaram aos ouvidos sempre atentos desta Autora, e parece que se tratou de uma reunião muito divertida. O dia começou com um breve concerto: lorde Bridgerton o trompetista e lady Bridgerton à flauta. A senhora Bagwell (a irmã de lady Bridgerton) ofereceu-se pelo visto intervir ao piano forte, mas a oferta foi rechaçada. Segundo a viúva do visconde, nunca se interpretou um concerto mais discordante, e também nos contam que no final o jovem Milles Bridgerton subiu a uma cadeira e rogou a seus pais que parassem. Explicam-nos também que ninguém repreendeu ao moço por sua descortesia, mas pelo contrário todo mundo deu grandes suspiros de alívio quando lorde e lady Bridgerton deixaram seus instrumentos. REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN, 17 de setembro de 1823 - Deve ter um espião na família - disse Anthony a Kate sacudindo a cabeça. Kate riu enquanto escovava o cabelo antes de meter-se na cama. - Não se deu conta de que seu aniversário é hoje, não ontem. - Um detalhe sem importância - resmungou. - Deve ter um espião. Não há outra explicação. - Todo o resto é correto. - Kate não pôde evitar de avisar. - Insisto, sempre admirei a essa mulher. - Não tocamos tão mau - protestou Anthony. - Foi espantoso. - Deixou a escova e foi ao lado dele-. Sempre somos espantosos, mas ao menos o tentamos. Anthony agarrou a sua esposa pela cintura e apoiou o queixo no alto da cabeça. Poucas coisas lhe produziam tanta paz como segurá-la em seus braços. Não sabia como um homem podia sobreviver sem uma mulher a que querer. -É quase meia-noite - murmurou Kate-. Seu aniversário já quase acabou. Anthony fez um gesto de assentimento. Trinta e nove. Nunca pensei que chegaria este dia. Não, não era certo. Desde o momento em que deixou que Kate entrasse em seu coração, seus temores se foram desvanecendo pouco a pouco. Mas, de qualquer modo, era bom ter trinta e nove. Era tranqüilizador. Tinha passado boa parte do dia em seu estúdio, olhando fixamente o retrato de seu pai. E tirou o chapéu a si mesmo falando. Durante quatro horas completas, tinha falado com seu pai. Falou-lhe de seus três filhos, dos matrimônios de seus irmãos e de seus correspondentes filhos. Falou-lhe de sua mãe, e de como tinha começado recentemente a pintar a óleo, e como na verdade se encontrava muito bem. E lhe falou de Kate, como tinha libertado sua alma e quanto a queria, quanto. Anthony compreendeu que isso era o que seu pai sempre tinha desejado para ele. O relógio situado sobre o suporte começou a dar a hora. Nem Anthony nem Kate falaram até que soou a décima segunda badalada. - Já está então - sussurrou Kate. Ele assentiu. -Vamos para a cama. Ela se afastou e Anthony percebeu que estava sorrindo. - Quer celebrá-lo assim? Agarrou-lhe a mão e a levou aos lábios. - Não me ocorre uma forma melhor. E a você? Kate sacudiu a cabeça, depois soltou um risinho enquanto ia correndo para a cama. - Leu o que mais escreveu em sua coluna? - Essa bruxa Confidência. Ela fez um gesto afirmativo. Anthony plantou suas mãos em ambos os lados de sua esposa e lhe lançou um olhar lascivo. - Era a respeito de nós? Kate negou com a cabeça. - Então não me importa. - Era sobre o Colin. - Anthony soltou um pequeno suspiro. - Parece escrever muito sobre Colin. - Talvez tenha um fraco por ele - sugeriu Kate. - Lady Confidência? -Anthony entreabriu os olhos. - Essa pobre velha? - Talvez não seja tão velha. Anthony soltou um resmungo zombador. - É uma velha enrugada, e sabe disso. -Não sei - disse Kate soltando-se dele e metendo-se debaixo das mantas-. Acho que poderia ser jovem. - E eu acho - anunciou Anthony- que não tenho muita vontade de falar de lady Confidência justo agora. Kate sorriu. - Ah não? Ele voltou para junto dela e lhe rodeou o quadril com os dedos. -Tenho coisas muito melhores que fazer. - Sim? - Muito. -Seus lábios encontraram a orelha de Kate-. Muito, muito, muito melhores. E em um dormitório pequeno e mobiliado com elegância, não tão longe da mansão Bridgerton, uma mulher - que já não estava na flor da juventude, mas certamente tampouco enrugada nem velha - se sentava à escrivaninha com pena e tinteiro e tirava uma folha de papel. Estirando o pescoço a um lado e a outro, pôs a pena sobre o papel e começou a escrever: REVISTA DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN 19 de setembro de 1823 Ai, amável leitor, a Esta Autora explicaram... Segundo Epílogo (disponibilizado pela Laura) Maio 1829 Kate atravessou a grama, dando uma olhada sobre o ombro para assegurar-se que seu marido não a seguia. Quinze anos de matrimônio a tinham ensinado uma ou duas coisas, e sabia que ele estaria observando cada um de seus movimentos. Mas ela era inteligente e decidida. E sabia que por uma libra, o valete de Anthony poderia fingir o desastre de alfaiate mais maravilhoso. Algo envolvendo a geléia ou a prancha, ou possivelmente uma praga em seu vestuário, aranhas, ratos, em realidade não lhe importava o que. Kate estava mais que feliz em deixar os detalhes ao criado enquanto Anthony fosse adequadamente distraído o tempo suficiente para que ela pudesse escapar. - Isto é meu, todo meu. -riu, no mesmo tom que tinha usado ante a família Bridgerton no mês anterior durante a representação do Macbeth. Seu filho mais velho tinha atribuído os papéis; ela tinha sido nomeada a Primeira Bruxa. Kate tinha fingido não fazer conta, quando Anthony o tinha recompensado com um novo cavalo. Seu marido pagaria agora. Suas camisas iam ser manchadas de rosa com geléia de framboesa e ela estaria sorrindo muito divertida. -Meu, meu, meu, meu - cantou, abrindo com um puxão a porta da cabana, sobre a última sílaba, que era a nota grave da Quinta Sinfonia de Beethoven. -Meu, meu, meu, míííííííííío. Teria-o. Era seu. Virtualmente podia saboreá-lo. Teria gostado, inclusive se fosse possível, tê-lo a seu lado. Não tinha nenhuma preferência pela madeira, certamente, mas isto não era nenhum instrumento ordinário de destruição. Este era o bastão da morte. -Meu, meu, meu, meu, meu, meu, meu, meu, meu, meu, meu, míííííííííío - continuou, dando pequenos saltos com o familiar lance do estribilho do Beethoven. Mal podia conter-se aguardando o lançamento geral. O pau de palamalha estava descansando na esquina, como tinha estado sempre, e justo nesse momento... - Procurava isto? Kate voltou-se. Anthony estava de pé na entrada, rindo diabolicamente quando virou o bastão negro do jogo de malha em suas mãos. Sua camisa estava segadoramente branca. - Você... Você... Uma de suas sobrancelhas perigosamente levantadas. - Nunca é extremamente hábil com as palavras quando está zangada. - Como fez... como fez...? Ele se inclinou para frente, estreitando os olhos. - Paguei-lhe cinco libras. - Deu- cinco libras ao Milton? - Por Deus! Isso era virtualmente o salário anual. - É muito mais prático e barato que substituir todas minhas camisas - disse carrancudo-. Geléia de framboesa. Realmente, não economizou em gastos. Kate olhou fixamente com ânsia o bastão. - O jogo será em três dias - disse Anthony e suspirou contente-, e já saí vitorioso. Kate não o contradisse. Outro que não fosse um Bridgerton poderia pensar que a partida anual começava e terminava no mesmo dia, mas ela e Anthony se conheciam muito. Ela não tinha vencido no bastão por três anos seguidos. Que a condenassem se deixasse que ele fosse melhor que ela desta vez - Renda-se agora, querida esposa - zombou. - Admite a derrota, e seremos todos mais felizes. Kate suspirou suavemente, quase como consentindo. Os olhos do Anthony se estreitaram. Kate ociosamente tocou com seus dedos o decote de seu vestido. Os olhos do Anthony se alongaram. - Faz calor aqui, não acha? -perguntou ela, com voz suave, doce, e terrivelmente ofegante. - Pequena malandra - murmurou. Ela deslizou o tecido de seus ombros. Não levava nada debaixo. - Nenhum botão? -sussurrou. Negou com sua cabeça. Não era estúpida. Inclusive os melhores planos podiam torcer-se. Sempre tinha se que vestir para a ocasião. Havia ainda um leve ar fresco, e sentiu seus mamilos retesar-se como pequenos casulos ofendidos. Kate tremeu, depois tratou de ocultá-lo com um resfolegante arquejo, como se estivesse desesperadamente excitada. Podia fazê-lo, como se tivesse simplesmente a mente concentrada, pretendendo não fixar-se no bastão que seu marido tinha na mão. Sem mencionar o esfriamento. - Encantador - murmurou Anthony, estendendo a mão e lhe acariciando o lado de seu peito. Kate ronronou. Ele nunca podia resistir a isso. Anthony riu devagar, depois estendeu sua mão, até fazer rodar o mamilo entre seus dedos. Kate soltou um grito sufocado, e seus olhos voaram para ele. Ele a olhou, calculando exatamente, mas imóvel com muitíssimo controle. E ocorreu, sabia com precisão que ela nunca poderia resistir. -Ah, esposa! - murmurou, cavando o alisando o seio debaixo, e levantando-o até senti-lo pleno em sua mão. Ele riu. Kate deixou de respirar. Ele se inclinou para frente e tomou o mamilo em sua boca. -Ah! - Agora ela não fingia nada. Ele repetiu sua tortura do outro lado. Então se distanciou. Retrocedeu. Kate ficou imóvel, ofegando. -Ah, se tivesse uma pintura disto - disse ele-. Eu a penduraria em meu escritório. Kate ficou boquiaberta. Ele levantou o bastão do triunfo. -Adeus! Querida esposa. - Saiu da cabana, depois virou sua cabeça para trás-. Tenta não se resfriar. Lamentaria perder a revanche, não é verdade? Ele teve sorte, refletia Kate mais tarde, que não tivesse pensado em agarrar uma bola de malha quando tinha enredado o jogo. Embora pensando-o bem, sua cabeça estaria provavelmente muito longe para que tivesse podido amolgá-la. No dia seguinte. Havia poucos momentos, Anthony decidiu, tão absoluta e completamente deliciosos que superassem os passados com sua esposa. Certamente, isto dependeria da esposa, mas como ele tinha escolhido a uma mulher de intelecto, magnífica e engenhosa, seus momentos, estava certo, seriam muito deliciosos... Ele se desfrutava com isso. Por cima do T de seu escritório, suspirando com prazer olhava fixamente o bastão negro, que atravessava seu escritório como um estimado troféu. Olhou-o, magnífico, brilhando com a luz da manhã, ou ao menos brilhando onde não tinha sido visto e arrastado durante décadas de jogo brutal. Não importava. Gostava de cada amolgadura e arranhão. Possivelmente era pueril, ainda infantil, mas o adorava. Sobretudo adorava que estivesse em sua posse, porque estava mais que afeiçoado a ele. Quando foi capaz de esquecer como o tinha arrebatado brilhantemente debaixo do nariz de Kate, recordou que na realidade marcava algo mais... O dia em que ele se apaixonara. Não o tinha compreendido então. Tampouco Kate tinha imaginado, mas estava certo de qual foi o dia em que eles estiveram predestinados a estar juntos, no dia do maço infame na partida de malha. Tinha lhe deixado o bastão rosado e tinha jogado sua bola ao lago. Deus, que mulher! Estes tinham sido os quinze anos mais sublimes. Riu satisfeito, depois deixou cair seu olhar fixo outra vez sobre o bastão negro. Todo ano eles jogavam a partida. Todos os jogadores originais, Anthony, Kate, seu irmão Colin, sua irmã Daphne e seu marido Simon, e a irmã do Kate, Edwina, todos eles partindo em turba diligentemente para o Aubrey Hall cada primavera, ocupando seus lugares e esperando sempre a mudança de percurso. Uns concordavam em participar com entusiasmo e outros pelo mero entretenimento, mas todos eles participavam todo ano. E este ano, Anthony riu com regozijo. Ele tinha o bastão e Kate não. A vida era boa. A vida era muito, muito boa. No dia seguinte. - Kaaaaaaaaaaate! Kate ergueu a vista de seu livro. - Kaaaaaaaaaaate! Ela tratou de calcular a distância. Depois de que quinze anos de ouvir gritar seu nome de igual maneira, tinha se tornado bastante perita calculando o tempo entre o primeiro rugido e a aparição de seu marido. Isto não era tão simples de calcular como podia parecer. Teria que considerar sua localização, se estava em cima ou embaixo, visível da entrada, etcétera, etcétera. Depois teria que acrescentar os meninos. Estavam eles em casa? Possivelmente em seu caminho? Eles atrasariam sua descida, certamente, talvez um minuto, e... - Você! Kate piscou ante a surpresa. Anthony estava na entrada, ofegando pelo esforço e olhando-a raivosamente com um surpreendente grau de veneno. - Onde está? -exigiu. Bem, possivelmente não tão surpreendente. Ela piscou sem alterar-se. - Não quer se sentar? -perguntou. - Excedeu-se um tanto no esforço. - Kate... - Já não é tão jovem como antes - disse com um suspiro. - Kate... -o volume ia crescendo. - Posso pedir o chá - disse docemente. - Está fechado - grunhiu ele-. Meu escritório está fechado. - Era isso? -murmurou ela. - Tenho a única chave. -Você? Seus olhos se alongaram. - O que fez? Ela volteou a página, mesmo se não estivesse olhando a impressão. - Quando? - O que significa quando? - Significa - fez uma pausa, porque este não era um momento para deixar passar sem uma apropriada celebração interna-. Quando? Esta manhã? Ou o mês passado? Isto levou um momento. Não mais que um segundo ou dois, mas era o suficientemente largo para que Kate observasse sua expressão, ia da confusão para a indignada suspeita. Era glorioso. Encantador. Delicioso. Teria rido com isso, mas isto só traria outro mês de redobradas dificuldades grandes, brincadeiras, e ela somente queria terminar. - Fez uma chave de meu escritório? - Sou sua esposa - disse ela, dando uma olhada a suas unhas-. Não deveria haver nenhum secreto entre nós, não acha? - Fez uma chave? - Não quererá me guardar secretos, não é verdade? Seus dedos agarraram o batente da porta até que os nós se tornaram brancos. - Deixa de olhar como se estivesse desfrutando disto -soltou ele. - Ah, mas seria uma mentira, e é pecado mentir ao marido de alguém. Estranhos sons de sufoco começaram a emanar de sua garganta. Kate sorriu. - Não prometi honestidade em algum momento? - Era obediência - grunhiu ele. - Obediência? Certamente não. - Onde está ele? Ela se encolheu. - Não entendo. - Kate! Elevando o tom. - Não enteeeeeeeeendo. - Mulher - Avançou. Perigosamente. Kate engoliu em seco. Havia um pequeno, mas bem diminuto, de fato, uma muito verdadeira possibilidade que pudesse ter ido muito longe... -Vou amarrá-la à cama - advertiu ele. -Siiiiiii - disse ela, avaliando o momento e estimando a distância para a porta-. Mas não posso pensar corretamente. Seus olhos flamejaram, não exatamente com desejo, ainda estava muito concentrado no bastão de malho, mas ela pensou que tinha visto um brilho de interesse ali. - Amarrar diz? -murmurou, avançando-. E você gostaria disso, não? Kate compreendeu seu significado e ofegou. - Você não esperará! - Ah, espero isso. Ele estava esperando repetir a função. Ia amarrá-la e abandoná-la ali enquanto procurava o bastão. Não, se ela pudesse dizer algo a respeito... Kate saltou sobre o braço da cadeira e depois escapuliu por detrás. Sempre é aconselhável pôr uma barreira física em situações como estas. - Ah, Kaaaaate - zombou, movendo-se para ela. - Ele é meu -declarou ela-. Era meu há quinze anos, e o é ainda. -Era meu antes que fosse seu. - Mas se casou comigo! - E isso o faz seu? Ela não disse nada, somente fechou seus olhos. Estava sem fôlego, ofegando, pela pressa do momento. E depois , rápido como o relâmpago, ele saltou para frente, e estendendo-se sobre a cadeira, apanhou seu ombro durante um breve instante antes que lhe escapasse. - Você nunca o encontrará - virtualmente chiou, escondida atrás do sofá. -Agora não acredite que escapará - advertiu ele, fazendo-se a um lado, manobrando de certa forma para colocar-se entre ela e a porta. Ela olhou a janela. -A queda a mataria - disse ele. -OH, pelo amor de Deus! -disse uma voz da entrada. Kate e Anthony se voltaram. Colin, o irmão do Anthony estava ali de pé, olhando a ambos com ar aborrecido. - Colin - disse forte Anthony-. Que agradável vê-lo. Colin simplesmente levantou uma sobrancelha. -Suponho que está procurando isto. Kate ofegou. Ele segurava o bastão negro. - Como o fez...? Colin acariciou o contundente cilindro quase com amor. -Só posso falar por mim, certamente - disse com um suspiro feliz-. Mas pelo que a mim respeita, já ganhei. No dia do jogo - Não consigo compreender - comentou Daphne, irmã de Anthony-. Por que você deve marcar o rumo. - Porque sou o maldito possuidor do lugar - disse com mordacidade. Colocou a mão para defender seus olhos do sol e inspecionou o trabalho. Desta vez tinha feito uma tarefa brilhante, disse-se a si mesmo. Seria diabólico. Gênio puro... - Alguma possibilidade de que se abstenha de blasfemar diante da companhia das damas? -disse Simon, Duque do Hastings, marido de Daphne. - Ela não é nenhuma dama -se queixou Anthony-. É minha irmã. - Ela é minha esposa. Anthony sorriu com satisfação. - Primeiro foi minha irmã. Simon se virou para Kate, que estava repicando o bastão verde contra a erva, como se se achasse feliz, mas Anthony a conhecia muito. - Como -perguntou- tolera ele? Ela encolheu os ombros. - Esse é um talento que poucos possuem. Colin encorajado, agarrou o bastão negro como se fosse o Santo Graal. - Começamos? -perguntou eloqüentemente... Os lábios de Simon se separaram com surpresa. - O bastão da morte? - Sou muito inteligente - confirmou Colin. - Subornou o criado- se queixou Kate. -Você subornou meu criado - reclamou Anthony. -Você também! - Não subornei a ninguém -disse Simon a ninguém em particular. Daphne acariciou seu braço com condescendência. - Você não nasceu nesta família. - Tampouco ela - retrucou ele, assinalando ao Kate. Daphne considerou isto. -Ela é uma aberração - concluiu finalmente. - Uma aberração? -demandou Kate. - É o mais alto elogiu - informou-lhe Daphne. Fez uma pausa e logo acrescentou-. Neste contexto. Então se virou para Colin. - Quanto? - Quanto que? - Quanto deu ao criado? Ele encolheu os ombros. - Dez libras. - Dez libras? -quase gritou Daphne. - Está louco? -requereu Anthony. -Você deu cinco ao criado - lhe recordou Kate. - Espero que não seja uma das melhores criadas - se queixou Anthony-, já que certamente partirá antes de finalizar o dia com tanto dinheiro em seu bolso. - Todos os criados são bons - disse Kate, com certa irritação. - Dez libras - repetiu Daphne, sacudindo sua cabeça-. vou contar à sua esposa. - Adiante - disse Colin indiferente quando cabeceou para a colina que se levantava sobre o curso do jogo. - Está ali mesmo. Daphne ergueu a vista. - Penélope aqui? - Penélope aqui? -Ladrou Anthony-. Por que? - É minha esposa - replicou Colin. - Nunca tinha participado antes. - Quis ver-me triunfar - devolveu no ato Colin, recompensando a seu irmão com um enjoativo e desbocado sorriso. Anthony resistiu ao impulso de estrangulá-lo. Apenas. - E como sabe que vai ganhar? Colin agitou o bastão negro ante ele. - Já o tenho. - Bom dia a todos - disse Penélope, descendo à reunião. - Não se vanglorie - advertiu Anthony. Penélope piscou confusa. - Peço perdão? - E sob nenhuma circunstância - continuou ele-, porque realmente, alguém tem que assegurar que o jogo conservará um pouco de integridade, pode estar a menos de dez passos de seu marido... Penélope olhou ao Colin, contou em sua cabeça nove passos, estimou a distância entre eles, e deu um passo atrás. - Não haverá nenhuma armadilha - advertiu Anthony. - Ao menos nenhum novo tipo de armadilha - acrescentou Simon-. Técnicas enganosas já estabelecidas são permitidas. - Posso falar com meu marido durante o transcurso do jogo? -perguntou suavemente Penélope. - Não! -fizeram coro ressonantes três fortes vozes. - Você notará - lhe disse Simon-, que não fiz nenhuma objeção. - Como falei - demarcou Daphne, roçando-o a seu passo para inspecionar o terreno-, você não nasceu nesta família. - Onde está Edwina? -perguntou Colin com brios, lançando uma olhada para a casa. - Estará descendo dentro de pouco -respondeu Kate-. Estava terminando o café da manhã. - Atrasa o jogo. Kate se voltou para Daphne. - Minha irmã não compartilha nossa devoção pelo jogo. - Pensa que estamos todos loucos? -perguntou Daphne. - Bastante. - Bem, é encantadora por vir cada ano -disse Daphne. - Esta é a tradição - ladrou Anthony. Tinha conseguido enganchar o bastão laranja e o balançava contra uma bola imaginária, entrecerrando seus olhos enquanto ensaiava sua pontaria. - Ele não terá estado praticando o jogo, verdade? -perguntou Colin. - Como poderia? -Respondeu Simon-. mal marcou esta manhã. Todos o vimos. Colin o ignorou e se virou para Kate. - Fez recentemente algum estranho desaparecimento noturno? Ela bocejou. - Pensa que esteve escapando para jogar malha à luz da lua? - Não estranharia nada - resmungou Colin. - Nem eu - replicou Kate-, mas asseguro que esteve dormindo em sua própria cama. Colin manifestou. - Isso é um assunto de sua incumbência. - Esta não é uma conversa apropriada para ter diante de uma dama – disse Simon, mas estava claro que estava desfrutando. Anthony lançou ao Colin um olhar irritado, depois dirigiu um em direção ao Simon no caso de a conversa ficar absurda, e estava passando o tempo para que eles começassem a partida. - Onde está Edwina? -exigiu ele. - Vejo-a descendo a colina - respondeu Kate. Ele levantou a vista para ver Edwina Bagwell, a irmã mais nova de Kate, descendo trabalhosamente a ladeira. Nunca tinha sido muito boa para exercícios ao ar livre, e bem podia imaginá-la suspirando e revirando seus olhos. -Rosado para mim este ano - declarou Daphne, arrancando um dos bastãos restantes do montão-. Aparentemente também, sinto-me feminina e delicada - Jogou um olhar malicioso a seus irmãos. Simon chegou detrás dela e selecionou o bastão amarelo. - Azul para a Edwina, certamente. - Edwina sempre escolhe azul - disse Kate à Penélope. - Por que? Kate fez uma pausa. - Não sei. - Quanto ao púrpura? -perguntou Penélope. - Ah!, nunca usamos esse. - Por que? Kate fez uma pausa outra vez. - Não sei. - A tradição - inseriu Anthony. - Então por que o resto de vocês muda as cores cada ano? -persistiu Penélope. Anthony se virou para seu irmão. - Sempre faz tantas perguntas? - Sempre. Ele se voltou para Penélope e disse: - Nós gostamos desta maneira. - Estou aqui! -Gritou Edwina alegremente quando se aproximou do resto dos jogadores-. Ah, azul outra vez! Que atentos! Ela recolheu sua equipe, logo girando para o Anthony. - Jogamos? Ele deu uma cabeçada, logo virou para o Simon. - Você é o primeiro, Hastings. - Como sempre - murmurou, e deixou cair a bola em posição de partida- Abram passo! -Advertiu, mesmo que ninguém dificultava seu trajeto. Fez retroceder seu bastão e depois atirou para frente com um magnífico golpe. A bola partiu através da grama, direta e certeira, aterrissando a umas jardas do seguinte terreno. - Ah, bem feito! -aclamou Penélope, aplaudindo suas mãos. - Nada de ovações - se queixou Anthony-. Poderia alguém seguir as instruções este dia? - Inclusive para o Simon? -Devolveu Penélope-. Pensei que era só para o Colin. Anthony deixou sua bola com cuidado. - Está me distraindo. - Como se o resto de nós não estivéssemos nos distraindo - comentou Colin-. Respira de longe, querida. Mas ela se manteve silenciosa quando Anthony apontou. Seu golpe foi ainda mais poderoso que o do duque, e sua bola pôs-se a rodar ainda mais longe. -Hmmm, má sorte ali - disse Kate. Anthony a olhou com suspicácia. - O que pensa? Isso foi um golpe brilhante. - Bem, sim, mas... - Fora de meu caminho! - ordenou Colin, partindo à posição de partida. Anthony e sua esposa se olharam fixamente. - O que pensa você? - Nada -disse ela com brusquidão - só é uma tolice, está indubitavelmente enlameado ali. - Enlameado? Anthony olhou sua bola, depois para trás a sua esposa, então outra vez à bola. - Não choveu durante dias. -Hmmm, não. Ele olhou para trás a sua esposa. Enfurecendo-se, diabólico, muito em breve ia encerrar a sua esposa em um calabouço. - Como se enlameou? - Bem, talvez não esteja lamacento. - Não lamacento - repetiu ele, de longe com mais paciência que a que ela merecia. - Encharcado poderia ser mais apropriado. - As palavras lhe falharam. - Coberto de atoleiros? Ela franziu levemente seu rosto. - Como faz alguém para dar um adjetivo de atoleiro? Ele deu um passo em sua direção. Ela se lançou atrás de Daphne. -O que acontece? -perguntou Daphne, intervindo entre ambos. Kate tirou sua cabeça e riu triunfalmente. - Realmente acredito que vai matar me. - Com tantas testemunhas? -perguntou Simon. - Como - exigiu Anthony-, formou-se um atoleiro em meio da primavera mais seca que recordo? Kate lhe brindou outro de seus amplos sorrisos incômodos. - Derramei meu chá. - Para encher um atoleiro inteiro? Ela encolheu os ombros. - Estava frio. - Frio. - E sedenta. -E ao que parece torpe, também - demarcou Simon. Anthony o olhou raivosamente. -Bem, se vai matá-la - disse Simon-, importar-se-ia esperar até que minha esposa esteja longe de vocês dois? Ele se voltou para Kate. - Como sabia onde fazer o atoleiro? - É muito previsível - respondeu ela. Anthony esticou seus dedos e mediu sua garganta. - Todo ano - disse ela rindo-se diretamente dele- se posiciona sempre no mesmo ponto de partida, e sempre golpeia a bola precisamente pelo mesmo caminho. Colin decidiu esse momento para falar. - Jogue Kate. Ela saiu correndo detrás do Daphne e escapuliu em direção ao poste de partida. - Tudo é limpo, querido marido - gritou alegremente. E depois se dobrou para frente, pontudo, e fazendo voar a bola verde. Diretamente no atoleiro. Anthony suspirou feliz. Havia justiça neste mundo, depois de tudo. Trinta minutos mais tarde Kate esperava por sua bola perto do terceiro terreno. - Lastimo sobre a lama - disse Colin, dando um passeio por diante. Ela o olhou raivosamente. Daphne passou pouco depois. - Tem um pouco em... - fez gestos para seu cabelo-. Sim, ali - acrescentou quando Kate limpou com fúria outra vez sua têmpora-. Embora haja um pouco mais, bem... - limpou sua garganta-, né... por toda parte. Kate a olhou raivosamente. Simon deu um passo unindo-se. Bom Deus necessitava cada um passar pelo terceiro terreno em seu caminho por volta do quinto? - Tem um pouco de lodo - disse ele amavelmente. Os dedos de Kate se aferraram mais forte ao redor de seu bastão. Sua cabeça estava muito, muito perto. - Mas ao menos está misturado com o chá - acrescentou ele. - Tem isso que ver com algo? -perguntou Daphne. - Não estou certo. Kate lhe ouviu dizer quando Daphne e ele iniciavam sua marcha para o terreno número cinco. - Mas me pareceu que devia dizer algo. Kate contou até dez em sua cabeça, e depois bastante segura, Edwina passou através dela, Penélope vinha três passos atrás. O par se fez algo assim como uma equipe, com a Edwina fazendo todos os golpes e Penélope como consultora da estratégia. - Ah, Kate! -disse Edwina com um suspiro compassivo. - Não o diga! -grunhiu Kate. - Você realmente fez o atoleiro - advertiu Edwina. - De quem é irmã? -exigiu Kate. Edwina lhe brindou um amplo sorriso. - A devoção de irmã não obscurece meu sentido do jogo limpo. - Isto é o malha. Não é nenhum jogo limpo. - Ao que parece não - comentou Penélope. - Dez passos - advertiu Kate. - Do Colin, não de você - respondeu Penélope-. Embora de verdade acredito que deveria ficar ao menos a um bom trecho de distância em todo tempo. - Deveríamos ir? -perguntou Edwina. Virou-se para Kate-. Acabamos de terminar o quarto pau. - E você precisa tomar o caminho mais longo? - murmurou Kate. - Simplesmente nos pareceu amável vir vê-la - objetou Edwina. Ela e Penélope se giraram para ir-se, e então Kate o deixou escapar. Não pôde conter-se. - Onde está Anthony? Edwina e Penélope deram a volta. - De verdade quer saber? -perguntou Penélope. Kate se obrigou a assentir. - No último pau, temo - replicou Penélope. - Antes ou depois? -disse Kate com os dentes apertados. - Desculpa? - Está antes ou depois do pau? -repetiu impaciente. E então, quando Penélope não respondeu imediatamente, acrescentou: - Já terminou com a maldita coisa? Penélope piscou surpreendida. - Er, não. Acredito que restam dois golpes. Possivelmente três. Kate viu elas irem-se através de seus entrecerrados olhos. Não ia ganhar - já não havia oportunidade. Mas se não podia ganhar, então Por Deus que tampouco o faria Anthony. Ele não merecia nenhuma glória esse dia, não depois de fazê-la tropeçar e cair naquele atoleiro de barro. OH, ele tinha declarado que tinha sido um acidente, mas Kate achava altamente suspeito que a bola dele tivesse saído disparada do atoleiro no momento exato em que ela se adiantava para recolher sua própria bola. Ela teve que dar um pequeno salto para evitá-la e se estava felicitando a si mesmo por haver-se liberado quando Anthony se virou com um evidentemente falso: "Vá, está bem?" O bastão tinha girado com ele, convenientemente à altura do tornozelo. Kate não foi capaz de saltá-lo, e tinha corrido até o barro. De rosto. E logo Anthony tinha tido o descaramento de lhe oferecer um lenço. Ia matá-lo. Matá-lo. Matá-lo. Matá-lo. Matá-lo. Mas primeiro ia assegurar se de que não ganhasse. Anthony sorria abertamente - até assobiava- enquanto esperava seu turno. Estava-lhe levando um ridiculamente longo tempo voltar a ter o turno, com Kate tão afastada atrás deles com alguém que devia voltar correndo atrás para lhe deixar saber que era seu turno, sem mencionar a Edwina, que parecia não entender nunca a virtude do jogo rápido. Já tinham sido suficientemente maus os últimos quatorze anos, com ela andando sem pressas a qualquer parte como se tivesse todo o tempo do mundo, mas agora ela tinha Penélope, que não a deixava dar à bola sem seu conselho e análise. Mas por uma vez, Anthony não se importava. Estava com a cabeça tão longe que provavelmente ninguém poderia alcançá-lo. E para fazer sua vitória ainda mais doce, Kate ia em último lugar. Tão longe que não havia esperança de que se adiantasse a ninguém. Era tudo perfeito exceto pelo fato de que Colin lhe tinha arrebatado o bastão da morte. Virou-se para o último pau. Necessitava um único golpe para preparar a bola, e outro mais para fazê-la passar. Depois disso, só precisaria dirigi-la até o último pau e terminar o jogo com um golpezinho. Era um jogo de crianças. Lançou uma olhada sobre o ombro. Pôde ver Daphne junto ao velho carvalho. Estava no alto da ladeira, e portanto poderia ver onde ele não. - De quem é o turno? - gritou-lhe. Ela esticou o pescoço enquanto observava aos outros jogadores jogando colina abaixo. - Do Colin, acho - disse, voltando a girar o pescoço para trás-, o que significa que Kate é a seguinte. Ele sorriu ante isso. Aquele ano tinha mudado o percurso um pouco, fazendo o de forma circular. Os jogadores tinham que seguir um retorcido padrão, o que significava em linha reta, de fato estava mais perto do Kate que dos outros. De fato, só precisaria mover-se dez jardas para o sul, e poderia vê-la enquanto continuava por volta do quarto pau. Ou era só o terceiro? Fosse como fosse, ele não ia perder. Por isso, com um sorriso zombador no rosto, pôs-se a correr. Deveria gritar? Isso a irritaria mais. Mas isso seria ser cruel. E por outro lado... CRACK! Anthony levantou a vista de suas reflexões bem a tempo de ver a bola verde precipitando-se em sua direção. Que demônios? Kate soltou uma triunfante risada, recolheu as saias e começou a correr. - Que demônios faz? -exigiu Anthony-. O quarto pau está por ali. Apontou a direção apropriada inclusive, embora estivesse certo de que Kate sabia onde estava. -Só estou no terceiro pau - disse ela com ar de superioridade-, e de qualquer forma, renunciei a ganhar. Não vale a pena a estas alturas, não acha? Anthony a olhou, depois olhou a bola que descansava pacificamente perto do último pau. Depois voltou a olhá-la. -OH não, não o fará - grunhiu. Ela sorriu lentamente. Maliciosa. Como uma bruxa. - Me olhe -lhe disse. Justo então Colin subiu a colina a toda carreira. -É seu turno, Anthony! - Como é possível? -perguntou-. Kate acaba de atirar, e Daphne, Edwina e Simon estão antes. -Nos apressamos - disse Simon, aproximando-se a passadas. - Não queríamos perder isto. -OH, pelo amor de Deus - murmurou, vendo como o resto se apressava para aproximar-se. Aproximou-se com passo irado até sua bola, entrecerrando os olhos enquanto apontava. - Cuidado com a raiz de árvore! - gritou Penélope. Anthony apertou os dentes. -Não é para lhe dar ânimo - disse, seu rosto magnificamente afável-. Certamente um aviso não pode qualificar-se como dar ânimos... - Cale -disse Anthony entre dentes. - Todos temos parte neste jogo - disse ela, os lábios crispados. Anthony se virou. - Colin! -ladrou-. Se não quer ser viúvo de repente, se tão amável de lhe pôr uma focinheira a sua mulher. Colin se aproximou até o Penélope. -Ama-a - lhe disse, beijando-a na face. -E eu... -Basta! -explodiu Anthony. Quando todos os olhos se viraram em sua direção, acrescentou, quase em um grunhido-. Tento me concentrar. Kate se aproximou dando saltos. - Se afaste de mim, mulher. - Só quero ver - disse ela-. Mal tive a oportunidade de ver algo do jogo, estando tão longe todo o tempo. Ele entrecerrou os olhos. -Possivelmente seja responsável pelo barro, e por favor, note minha ênfase na palavra possivelmente, o que não implica nenhuma classe de confirmação de minha parte. Fez uma pausa, ignorando intencionadamente ao resto, os quais o olhavam com a boca aberta. - Entretanto -continuou -, não consigo ver como o fato de estar em último lugar é minha responsabilidade. -O barro faz com que minhas mãos estejam escorregadias - disse ela com os dentes apertados-. Não posso agarrar bem o bastão. Colin, que estava fora do jogo, piscou. - Temo que isso é pouco convincente, Kate. Tenho que conceder a razão ao Anthony, por muito que me doa. - Bem - disse ela, depois de lançar a Colin um fulminante olhar-. Não é culpa de ninguém a não ser minha. Entretanto... -e depois não disse nada. -Entretanto, o que? -perguntou por fim Edwina. Kate poderia ter sido uma rainha com seu cetro, ali de pé, coberta com barro. -Entretanto - continuou regiamente-, não tenho que gostar. E sendo isto malha e nós Bridgertons, não tenho porquê jogar limpo. Anthony sacudiu a cabeça e se voltou a inclinar para apontar. - Esta vez tem razão - disse Colin, como o irritante bode que era-. O bom espírito competitivo nunca teve um grande valor neste jogo. - Fecha a boca!-grunhiu Anthony. - De fato - continuou Colin-, poderia-se argumentar que... - Disse que se cale. -…que é totalmente o contrário, e que a falta de espírito competitivo... - Fecha a boca, Colin. -...deve-se elogiar, e... Anthony decidiu terminar com aquilo e balançou o bastão. A aquele passo, ficaria ali de pé até o dia de S. Michael. Colin não ia deixar de falar nunca, e muito menos quando tinha a oportunidade de irritar a seu irmão. Anthony se obrigou a não ouvir nada exceto o vento. Ou ao menos tentou. Apontou. Fez retroceder o bastão. Crack! Não muito forte, não muito forte. A bola saiu rodando para diante, infelizmente não bastante longe. Não ia passar pelo último pau na próxima tentativa. Ao menos não sem intervenção divina que enviasse a bola e a fizesse rodear uma pedra do tamanho de um punho. - Colin, toca-lhe - disse Daphne, mas ele já estava apressando-se para sua bola. Deu-lhe um descuidado golpezinho, e depois gritou: - Kate! Ela se adiantou, piscando enquanto calculava a configuração do terreno. Sua bola estava aproximadamente a um pé de distância da de Anthony. A pedra, entretanto, estava do outro lado, o que queria dizer que se tentasse boicotá-lo, não poderia lhe enviar muito longe, certamente a pedra bloquearia a bola. -Um dilema interessante - murmurou Anthony. Kate deu voltas ao redor das pedras. - Seria um gesto romântico - refletiu ela-, se permitir que ganhe. -Ah, isto não é algo que esteja permitindo - zombou ele. - Resposta incorreta - disse, e apontou. Anthony estreitou seus olhos. O que ia fazer ela? Kate golpeou a bola com a quantidade justa de força, apontando não diretamente a sua bola, mas para a esquerda. A bola se estrelou contra ele, enviando-a fora com movimentos em espiral para a direita. Por causa do ângulo, ela não podia mandá-la até onde poderia ter com um tiro direto, mas se arrumou para mandar a direita para o cume da colina. E então desceu. Kate soltou um grito de prazer que não teria estado deslocado em um campo de batalha. - Me pagará - disse Anthony. Ela estava muito ocupada dando saltos para lhe prestar qualquer atenção. - Quem se supõe que ganhará agora? -perguntou Penélope. - Tanto faz - disse Anthony tranqüilamente-, não me importa. -E depois caminhou para a bola verde e apontou. - Pare, este não é seu turno! -gritou Edwina. - E essa não é sua bola - acrescentou Penélope. - Verá? -murmurou ele, e logo fez um fly, estrelando seu bastão na bola de Kate e enviando-a a toda velocidade através da grama, até a pouco pronunciada costa, e a meteu no lago. Kate soltou um ultrajado bufido. - Isso não foi muito esportivo de sua parte! Dedicou-lhe um sorriso enlouquecedor. - Vale tudo, esposa. - Tirará-a você - replicou ela. - É a única que necessita um banho. Daphne soltou uma risada abafada, e logo disse: - Acho que é meu turno. Continuamos? Ela partiu, Simon, Edwina, e Penélope seguiram sua esteira. - Colin! -ladrou Daphne. - Ah, muito bem - resmungou, e se atrasou atrás deles. Kate ergueu a vista a seu marido, seus lábios começavam a crispar-se. - Bem - disse ela, escavando em um ponto em sua orelha que estava particularmente endurecido pelo barro-, suponho que isto é o final da partida para nós. - Suponho. - Um trabalho brilhante este ano. - Você também - acrescentou ele, sorrindo-lhe-. O atoleiro foi inspirado. - Eu também pensei assim - disse ela, com nada de modéstia absolutamente-. E bem, respeito ao barro... - Não foi de todo de propósito - murmurou ele. - Eu tivesse feito o mesmo - concedeu ela. - Sim, sei. - Estou asquerosa - disse olhando-se. -O lago está aí mesmo - disse ele. - Está tão frio. - Um banho, então? Ela sorriu de modo sedutor. - Unirá-se a mim? - Mas é claro. Lhe ofereceu seu braço e juntos começaram a passear de volta à casa. - Deveríamos lhes ter dito que perdemos- perguntou Kate. - Não. - Colin vai tentar roubar o bastão negro, sabe. Ele a olhou com interesse. - Pensa que ele tentará levá-lo o do Aubrey Hall? - Você não? - Absolutamente - respondeu ele, com grande ênfase-. Teremos que unir forças. - OH, com efeito. Andaram uns metros mais, e logo Kate disse: - Mas uma vez que o tenhamos de volta... Ele a olhou com horror. -OH, então isto é um salve-se quem puder. Não pensará... - Não -disse ela depressa-. Absolutamente não. - Então estamos de acordo - disse Anthony, com um pouco de alívio. Em realidade, onde estaria a diversão se ele não pudesse derrotar Kate? Caminharam durante uns segundos mais, e logo Kate disse: - Vou ganhar no próximo ano. - Sei que pensa que vai fazer. - Não, farei-o. Tenho idéias. Estratégias. Anthony riu, depois se inclinou para beijá-la, com barro e tudo. - Eu também tenho idéias -disse ele com um sorriso-. E muitas, muitas estratégias. Ela lambeu os lábios. - Não falaremos sobre a malha por mais tempo, não é? Ele negou com a cabeça. Ela envolveu seus braços ao redor dele, suas mãos desceram sua cabeça para ela. E então, no momento antes de que seus lábios tomassem os seus, ele ouviu seu suspiro... -Bem. Nota da autora A reação do Anthony à morte de seu pai é muito comum, especialmente entre os homens. (Em um grau muito inferior, as mulheres cujas mães falecem de forma prematura reagem de um modo similar.) Os homens que perderam a um pai ainda muito jovem freqüentemente são presos da fatídica convicção de que também eles sofrerão esse mesmo destino. Estes homens sabem que seus temores são irracionais, mas lhes é quase impossível superá-los até que alcançam (e ultrapassam) a idade em que faleceu o pai. Como tenho um público composto majoritariamente por leitoras femininas, e como o dilema do Anthony é uma "coisa tão de homens" (por empregar uma frase moderna), preocupava-me que talvez lhes custasse identificar-se com seu problema. Como escritora de novelas românticas, debato-me constantemente entre converter a meus protagonistas em heróis absolutos ou lhes fazer mais reais. Com o Anthony, confio em ter obtido o equilíbrio. Quando se lê um livro, é fácil franzir o cenho e resmungar: "A ver se lhe passa de uma vez!, mas o certo é que à maioria dos homens custa bastante superar a perda repentina e prematura de um pai querido. Os leitores perspicazes perceberam que a picada de abelha que matou ao Edmund Bridgerton de fato era a segunda que sofria em sua vida. Em termos médicos, este dado é correto: as alergias às picadas de abelha em geral não se manifestam até a segunda picada. Como Anthony só sofreu uma picada em sua vida, é impossível saber se é alérgico ou não. Não obstante, como autora deste livro, eu gostaria de pensar que exerço certo controle criativo sobre as enfermidades de meus personagens, de modo que decidi que Anthony não teria nenhum tipo de alergia e, e mais, que chegasse a ser muito velho e vivesse até a avançada idade de noventa e dois anos. Com meus melhores desejos, Julia Q.

IP Casa de Oração - Rua Moreira Neto, 283 - Guaianases - São Paulo

Agregadores

Medite!

Gióa Júnior