terça-feira, novembro 08, 2011

A morte entre a vida e o amor

A morte entre a vida e o amor

Nos casamos e de quebra veio junto a filha adotiva de meu marido. Era uma garotinha sardenta, de olhos espertos, um azul e outro verde, que logo me chamou de mãe.
A história de Amanda e meu esposo foi bastante engraçada, pois ela chegou na vida dele de uma forma muito emocionante, através de sua esposa falecida. Aquela criança foi abandonada na porta da Instituição que Joele trabalhava. Investigações feitas e tudo mais, como não se descobriu a origem da menina, ela se tornou Amanda e foi adotada por eles quando tinha 3 meses.

Joele viveu mais 1 ano e faleceu, deixando Rodrigo e a filha juntos. Na verdade Amanda crescia sem lembranças concretas de Joele.

Quando conheci Rodrigo não imaginava que ele tivesse filhos ou qualquer relação com alguém. Nos tornamos amigos e por sairmos com certa frequência, assuntos pessoais passaram a fazer parte de nosso trabalho. Para mim, de início, Amanda era a namorada ou esposa, quando ela começou surgir em nossos assuntos.

Isto até o dia em que no final do expediente alguém ligou desesperado para a Delegacia, dizendo algo sobre Amanda. Estava terminando de me pentear, quando Rita chegou dizendo que eu deveria levar Rodrigo ao Hospital, pois ele estava muito nervoso e quase batera seu carro em uma das viaturas, ao tentar sair do estacionamento de funcionários.

Quando cheguei ao Hospital, com ele, muito nervoso e falando algo sobre ele ser responsável, mas eu pouco entendia. Quando entramos no quarto, aquela menininha mais linda estava ali, toda amarrada e com soro, presa a uma máquina hospitalar. O rosto manchado de lágrimas, os olhos e bocas cerrados como quem dormira a força, mas ao ouvir a voz de Rodrigo, aqueles olhinhos se abriram assustados e ela gritou, mais gritou mesmo, pelo pai.

Eu não esperava que um ser assim tão pequenino pudesse ter tamanho fôlego. Os próximos dias passaram-se assim, Rodrigo no Hospital com a filha e eu trabalhando com outro parceiro na rua, mas todo fim de expediente eu ia ao Hospital vê-los.

Já na segunda visita era visível a melhora de humor da pequena travessa e foi ela mesmo quem me contou com seu vocabulário reduzido como acabara toda quebrada. Na verdade nem tão quebrada estava, ela quebrou a clavícula e distendeu alguns músculos do quadril e perna direita. Ela estava tentando retirar o gato que subiu na telha e não conseguia descer. A professora encontrou o gato e Amanda no chão, ambos machucado.
O gato teve mais sorte que Amanda, saiu do acidente apenas arranhado e com uma patinha quebrada, que se curou logo. Já a terrível Amanda saiu do Hospital com uma cadeira de rodas. A amizade que iniciou no Hospital e continuou até o dia que me vi apaixonada pelo pai e de quebra, pela filha.

Como uma mulher moderna, eu tinha uma que tomar uma decisão e tomei a menos provável. Solicitei férias e transferência e me afastei de ambos. Nesta época Amanda já estava curada e preparando-se para sua festa de 4 anos. Como sumi, o convite veio pelo Correios, e, para minha surpresa, a foto do convite era de nós três.

Viajei ao Rio às pressas e não compareci. Sofri 3 dias dentro do quarto da pousada onde fui me esconder, sem comer ou me interessar por qualquer outra coisa, acabei sendo internada por lá mesmo, Fui encontrada no quarto, desmaiada por causa de uma crise de açúcar.

Engraçado que fui encontrada a mando de meu ex-marido, que depois de conversar com Rodrigo, logo imaginou a situação e por saber da origem de meu medo, soube também onde eu estaria. Foi ali que uma Aline morreu, a nossa Aline.

Tanto Rodrigo como Afonso chegaram no Hospital, onde eu estava internada durante a noite e ali esperaram pelo médico responsável por minha internação. Souberam pela Enfermaria que apesar de ser atendida a tempo.

Na verdade, nem tive trabalho para explicar a situação para o Rodrigo, coube ao Afonso esclarecer a situação. Não sei como se deu a conversa, mas obviamente conheço o teor.

Aline nasceu em um momento muito difícil para nós dois, Afonso perdera sua mãe e eu senti muito a falta de minha sogra, ela me pediu tanto para dar-lhe uma neta e eu estava muito preocupada com minha formação para engravidar. Afonso também queria ter um filho, mas nunca forçou a situação. Quando sua mãe adoeceu, nossas corridas para o Hospital e tudo o mais perdeu o sentido. Dona Fátima era o centro de nosso mundo e sentia-me culpada por ter negado a ela o prazer de ter um neto para ninar e por manhoso como ela dizia.
Dona Fátima sofreu meses a fio, desde que descobriu o primeiro tumor e o diagnóstico de câncer. Apesar de sua força, muitas vezes vimos ela fraquejar, mas era bem menos que nós e, menos que eu, pois assim que ela foi diagnosticada, acabei grávida. Aline chegou uma semana depois da morte da avó e por mais que a vinda de um neném traga alegria, eu via no rosto de todos a reprovação e os cuidados de todos para que eu não tivesse uma depressão pós parto eu interpretava com minha visão distorcida pelo arrependimento.

Aline crescia bela e alegre, mas aos 2 anos tivemos uma surpresa nada animadora. Minha filha tinha um tumor no intestino, uma cirurgia difícil, e uma recuperação rápida nos deu a certeza que ela estava bem, além dos bons diagnósticos. Só que ela ficava febril com certa frequência e depois do intestino, um tumor, dito benigno, foi detectado na axila direita dela. Nova cirurgia, meses de internação, remédios fortíssimos e nova cura.

Em nossas primeiras férias em anos, desde que dona Fátima morrera, passamos dias alegres no Rio. Aline estava agora com 10 anos. Uma menina linda, que estava crescendo feliz, mas com uma inteligência fora do comum. Fomos parar naquela pousada depois que a minha filha encontrou os dados sobre ela em uma revista.

Ela se divertiu muito conosco. Afonso resolvera ir acampar com uns amigos que conhecera na nossa lua de mel anos antes. Sabe Deus como Aline os contatara. Descobri logo a surpresa dela, mas nada de estranho. Estávamos de acordo que precisávamos de passear e encontrar pessoas. Ao descobrir os amigos do pai por perto, ela conseguira o passeio. Como disse, ela era muito inteligente.

Aline vivia como estas pessoas multi tarefas, que fazem tudo ao mesmo tempo, como se soubesse quanto tempo tinha pra viver e fosse pouco para tudo o que tinha que fazer.

Ficamos muito felizes ali e eu em anos conseguira relaxar e não encontrei nada de errado, mas naquela noite, o sono não vinha, tomei um remédio para dormir e apaguei. Acordei 28 horas depois, quando faltava 2 horas para o enterro de minha filha.

Ela fora encontrada afogada na banheira da pousada. Eu dormindo e minha filha morta. A situação não me parecia normal, mas durante a investigação os médicos encontraram um novo tumor no corpo de minha filha, detectável no tato.

Embora possa parecer pouco provável, minha filha de 10 anos tinha adulterado a bebida, planejado o passeio noturno do pai e suicidou-se, temendo uma nova cirurgia e todo o sofrimento decorrente de todo o tratamento, que provavelmente ela pensava não dar certo.

Ela só tinha 10 anos e agora estava morta porque a mãe não observara direito sua saúde e seu humor. Para mim era simplesmente inconcebível. Se alguém contasse esta história para mim, por certo acusaria a mãe de pelo menos desleixada. Era uma situação conflitante, pois me achava uma mãe perfeita. Afinal, deixei todos os meus sonhos e projetos para viver em função de minha cria.

Na manhã seguinte, dois homens olhavam para mim, enquanto eu acordava, totalmente indiferente ao lugar onde estava, sem saber como fora parar ali.

Depois da alta viemos para São Paulo e depois de conversarmos sobre o assunto. Incentivada por Rodrigo e Afonso, passei alguns meses indo a um grupo de apoio à famílias que perderam entes queridos de forma traumática e inesperada e meses depois, Rodrigo e eu nos casamos. Amanda foi uma dama de honra linda, satisfeita com sua nova aquisição, um par de lentes que deixa seus olhos castanhos, como o do pai, diz ela.
 Foi uma lua de mel a 5, afinal Afonso e a esposa viajaram conosco e Amanda ficava entre eles e nós.
Hoje levo a vida normalmente, embora volta e meia tenha que me lembrar que entre a vida há a morte, só que temos que viver de modo a não nos arrependermos do que não vivemos.

Amanda é uma garota sorridente, que cresce pedindo um irmão, que chega em breve, e que será muito amado por nós todos.

Quanto a mim, procuro ser uma mãe menos preocupada possível, o que é difícil por minha própria natureza e, claro, pela experiência anterior, mas sei que posso escolher entre viver bem ou estressada. Escolho viver bem. E sou feliz, não que isto não seja difícil, mas se olhar apenas para trás, minha vida afunda, prefiro olhar para frente.

2 comentários:

  1. jane eyre10:48 PM

    Oi amiga,

    Voltei para ler com mais calma, vc nao se alonga,apenas tem prazer em escrever e descreve, tem uma trama perfeita e tempos diferentes dentro da historia. Amei, muito bom este paralelo da morte impressa na vida da pessoa e como ela acontece.bjs

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  2. Jane Eyre
    Amo sua leitura.
    Algumas pessoas entram e saem sem nada dizer, mas você sabe o que falar e isto me deixa feliz. Até porque você também escreve né.
    O texto acima nasceu de uma de nossas conversas sobre nosso Livro e acabei escrevendo este texto e o outro, que ainda não publiquei aqui...
    Obrigada amiga.
    Elisabeth LA

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